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ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE, Notas de estudo de Enfermagem

Atenção primária refere-se a um conjunto de práticas integrais em saúde, direcionadas a responder necessidades individuais e coletivas, que no Brasil, durante o processo de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), passou a ser denominado de atenção básica à saúde.

Tipologia: Notas de estudo

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Baixe ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! TEMAS FUNDAMENTAIS DA / REFORMA SANITÁRIA b ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: | SELETIVA OU COORDENADORA — DOS CUIDADOS? Y cebes o ER ON CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE (CEBES) DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2011-2013) NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2011-2013) Presidente: Ana Maria Costa Primeiro Vice-Presidente: Alcides Silva de Miranda Diretora Administrativa: Aparecida Isabel Bressan Diretor de Política Editorial: Paulo Duarte de Carvalho Amarante Diretores Executivos: Lizaldo Andrade Maia Luiz Bernardo Delgado Bieber Maria Frizzon Rizzotto Paulo Navarro de Moraes Pedro Silveira Carneiro Diretor Ad-hoc: Felipe de Oliveira Lopes Cavalcanti José Carvalho de Noronha CONSELHO FISCAL / FISCAL COUNCIL Armando Raggio Fernando Henrique de Albuquerque Maia Júlio Strubing Muller Neto CONSELHO CONSULTIVO / ADVISORY COUNCIL Ana Ester Maria Melo Moreira Ary Carvalho de Miranda Cornelis Van Stralen Eleonor Minho Conill Eli Iola Gurgel Andrade Felipe Assan Remondi Gustavo Machado Felinto Jairnilson Silva Paim Ligia Bahia Luiz Antônio Silva Neves Maria Fátima de Souza Mario Cesar Scheffer Nelson Rodrigues dos Santos Rosana Tereza Onocko Campos Silvio Fernandes da Silva EDITOR CIENTÍFICO / CIENTIFIC EDITOR Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) EDITORA EXECUTIVA / EXECUTIVE EDITOR Marília Fernanda de Souza Correia SECRETÁRIO EDITORIAL / EDITORIAL SECRETARY Frederico Tomás Azevedo SECRETARIA / SECRETARIES Secretaria Geral: Gabriela Rangel de Moura Pesquisador: José Maurício Octaviano de Oliveira Junior Assistente de Projeto: Ana Amélia Penido Oliveira JORNALISTA / JOURNALIST Priscilla Faria Lima Leonel EXPEDIENTE Organização: Ana Maria Costa José Carvalho de Noronha Paulo Duarte de Carvalho Amarante Edição: Marília Correia Diagramação e Capa: Paulo Vermelho C837d Giovanella, Lígia; Atenção Primária à Saúde: seletiva ou coordenadorados cuidados? / Lígia Giovanella, Maria Helena Magalhães de Mendonça. Rio de Janeiro: CEBES, 2012. 71p.; 14 X 21cm. ISBN 1.Saúde Pública. 2. Política de Saúde – SUS. I. Título. CDD - 362.10981 Lígia Giovanella Maria Helena Magalhães de Mendonça projeto FORMAÇÃO EM CIDADANIA PARA SÁUDE: TEMAS FUNDAMENTAIS DA REFORMA SANITÁRIA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: SELETIVA OU COORDENADORA DOS CUIDADOS? Rio de Janeiro 2012 Sumário Atenção Primária à Saúde: seletiva ou coordenadora dos cuidados? | 7 Atenção Primária à Saúde: conceitos e abordagens | 8 A Conferência de Alma-Ata e as bases para uma APS abran- gente | 10 Atenção primária seletiva | 16 APS e o direito universal à saúde | 19 Renovação do debate sobre Atenção Primária à Saúde nas Américas | 21 Atributos característicos da APS | 23 Atenção Primária à Saúde: experiência europeia | 29 Porta de entrada obrigatória | 33 Políticas de Atenção Primária à Saúde no Brasil | 36 Antecedentes históricos | 36 Sistema Único de Saúde e redefinição do modelo de aten- ção à saúde | 44 Um programa de atenção primária seletiva: Programa de Agentes Comunitários de Saúde | 45 O programa e posterior Estratégia Saúde da Família – 48 Política Nacional de Atenção Básica | 56 Estrutura da oferta e produção de serviços de Atenção Pri- mária | 61 Serviços de primeiro contato | 64 A atenção básica como parte da rede de serviços e o sistema de referência | 66 L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 8 a atenção primária à saúde é considerada internacionalmente a base para um novo modelo assistencial de sistemas de saúde que tenham em seu centro o usuário-cidadão. Este texto apresenta um panorama internacional e bra- sileiro da atenção primária à saúde. Na primeira parte, discu- tem-se conceitos e abordagens de atenção primária à saúde e suas transformações ao longo do tempo, destacando-se os atributos de uma atenção primária abrangente, integral. Em seguida, apresentam-se, em perspectiva internacional, antece- dentes históricos dos serviços de atenção primária e a experi- ência em países europeus com centralidade nos serviços pres- tados por médicos generalistas ou de família e comunidade. Na sequência, é analisada a trajetória histórica das po- líticas de atenção primária à saúde no Brasil, com realce para a Estratégia de Saúde da Família e a Política Nacional de Atenção Básica. Traça-se então um panorama da oferta e da prestação de serviços de atenção básica no Brasil e, no final, discutem-se os desafios para a consolidação do SUS como um sistema de saúde orientado pela atenção primária à saúde. ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: CONCEITOS E ABORDAGENS A atenção ambulatorial de primeiro nível, ou seja, os ser- viços de primeiro contato do paciente com o sistema de saúde, de fácil acesso e direcionados a cobrir as afecções e condições mais comuns e a resolver a maioria dos proble- mas de saúde de uma população, é em geral denomina- A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 9 da de Atenção Primária à Saúde (APS). Não há, contudo, uniformidade no emprego da expressão atenção primária à saúde (primary health care), identificando-se quatro linhas principais de interpretação: 1. programa focalizado e seletivo, com cesta restrita de serviços, denominada em inglês selective primary care; 2. um dos níveis de atenção, que corresponde aos serviços ambulatoriais médicos não especializados de primeiro contato, incluindo ou não amplo espectro de ações de saúde pública e de serviços clínicos direcionados a toda a população; denominada em inglês primary care; 3. abrangente ou integral, como uma concepção de mo- delo assistencial e de organização do sistema de saúde conforme proposto em Alma-Ata para enfrentar neces- sidades individuais e coletivas; denominada em inglês comprehensive primary health care; 4. filosofia que orienta processos emancipatórios pelo di- reito universal à saúde. Nos países europeus, a atenção primária refere-se, de modo geral, aos serviços ambulatoriais de primeiro contato integrados a um sistema de saúde de acesso universal, dife- rente do que se observa nos países periféricos, nos quais a atenção primária corresponde também, com frequência, a programas seletivos, focalizados e de baixa resolutividade. Essa concepção, denominada de seletiva, subenten- de programas com objetivos restritos, visando cobrir de- terminadas necessidades previamente definidas de grupos populacionais em extrema pobreza, com recursos de baixa L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 10 densidade tecnológica e sem possibilidade de acesso aos ní- veis secundário e terciário, correspondendo a uma tradu- ção restrita dos objetivos preconizados na Conferência de Alma-Ata, em 1978, para a Estratégia de Saúde para Todos no ano 2000. Na Conferência de Alma-Ata, a atenção primária à saúde foi entendida como atenção à saúde essencial, fun- dada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas, primeiro componente de um processo permanente de assistência sa- nitária orientado por princípios de solidariedade e equida- de, cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famílias da comunidade mediante sua plena participação e com foco na proteção e promoção da saúde. Em sua cor- rente mais filosófica, enfatizam-se as implicações políticas e sociais da Declaração de Alma Ata com destaque para a compreensão da saúde como direito humano e para a necessidade de abordar os determinantes sociais e políti- cos mais amplos da saúde. Defende-se que as políticas de desenvolvimento devem ser inclusivas e apoiadas por com- promissos financeiros e de legislação para poder alcançar equidade em saúde. A CONFERÊNCIA DE ALMA-ATA E AS BASES PARA UMA APS ABRANGENTE Um marco histórico mundial da atenção primária à saú- de é a Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde, organizada pela Organização Mundial da Saú- A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 13 Nos anos 1970, o relatório do Ministério da Saúde canadense que discutia Uma Nova Perspectiva para Saúde dos Canadenses mostrava a importância do objetivo de pre- venção de doenças e da promoção de boa saúde para a po- pulação, além da organização de um sistema de saúde ade- quado, assumido como responsabilidade governamental. Este Relatório Lalonde, como ficou conhecido, destacava estudos do epidemiólogo inglês Thomas McKeown que demonstram a relação da saúde com as condições de vida, em particular o saneamento ambiental e a nutrição (dis- ponibilidade de alimentos), ao analisar retrospectivamente a evolução da situação de saúde na Inglaterra e no País de Gales ao longo dos séculos XVIII e XIX (CANADA, 1981; MCKEOWN, 1976). Outra referência no debate daquela época foi o livro de Ivan Illich, sociólogo austríaco radicado no México, lan- çado em 1975. Com o sugestivo título Nêmesis da Medici- na: Expropriação da Saúde, alusão ao nome da deusa da vin- gança, o autor tecia profundas críticas ao modelo biomé- dico, desmascarava a iatrogenia produzida pela intervenção médica e analisava a baixa relação entre a assistência à saúde moderna e as melhorias na situação de saúde da população (ILLICH, 1975). O contexto do final da década de 1970 propiciou a organização de uma conferência mundial de atenção pri- mária. A realização da Conferência Internacional sobre Atenção Primária à Saúde foi proposta à OMS pela China, para difundir novos modelos alternativos de atenção à saú- de. A China, contudo, não participou da conferência em L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 14 razão de disputas políticas com a URSS, acerca dos mo- delos de atenção à saúde no interior do bloco socialista. A URSS implantara sistemas públicos universais, centraliza- dos e organizados por níveis hierárquicos, nos quais pre- dominavam o modelo biomédico e a centralidade na assis- tência hospitalar. A União Soviética se opôs inicialmente à temática da conferência, mas acabou por se oferecer para sediar o evento, contribuindo com apoio financeiro subs- tancial, em virtude do avanço do movimento em defesa da APS em todo o mundo (CUETO, 2004). A conferência realizada em Alma-Ata em 1978 foi um importante evento que contou com representações de 134 governos (o Brasil esteve ausente) e recebeu mais de três mil delegados. Na ocasião, o documento Declaração de Alma-Ata foi aprovado, tendo sido ratificado em 1979 pela Assembleia Geral da OMS, que lançou em âmbito mun- dial a Estratégia de Saúde para Todos no Ano 2000. A Declaração de Alma-Ata afirma a responsabilida- de dos governos sobre a saúde de seus povos por meio de medidas sanitárias e sociais, reiterando a saúde como direi- to humano fundamental e uma das mais importantes me- tas sociais mundiais. Destaca que a realização dessa meta demanda a ação de muitos outros setores sociais e econô- micos, além do setor saúde. O texto denuncia a chocante desigualdade existente no estado de saúde dos povos e con- clama as agências internacionais e os governos ao esforço para a redução da lacuna existente entre o estado de saúde nos países desenvolvidos e naqueles em desenvolvimento, assim como para a meta Saúde para Todos no Ano 2000: A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 15 o alcance de um nível de saúde que permitisse vida social e economicamente produtiva. A concepção de atenção primária expressada na De- claração de Alma-Ata é abrangente, pois considera a APS como função central do sistema nacional de saúde e como parte do processo mais geral de desenvolvimento social e econômico das comunidades, o que envolve a cooperação com outros setores de modo a promover o desenvolvimen- to social e enfrentar os determinantes de saúde mais am- plos de caráter socioeconômico. Destaca ainda a preocu- pação com os custos crescentes da assistência médica em decorrência do uso de novas tecnologias, que permanecem, em grande parte, sem a avaliação adequada de benefícios para a saúde das populações, razão pela qual se introduziu o termo tecnologias apropriadas: tecnologias relevantes para as necessidades de saúde da população, que fossem correta- mente avaliadas e tivessem elevada relação custo-benefício. Na Declaração de Alma-Ata, a APS é concebida como a atenção à saúde essencial, baseada em métodos e tecnologias apropriadas, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, cujo acesso deve ser garantido a todas as pessoas e famílias da comunidade mediante sua plena participação. Pressupõe assim a participação comu- nitária e a democratização dos conhecimentos, incluindo ‘praticantes tradicionais’ (curandeiros, parteiras) e agentes de saúde da comunidade treinados para tarefas específicas, contrapondo-se ao elitismo médico. Nessa concepção, a APS representa o primeiro nível de contato com o siste- ma de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 18 Ainda que se reconhecesse a efetividade dessas inter- venções, a concepção de APS difundida então pela UNI- CEF foi criticada pelo tecnocratismo – orientando-se por critérios estritamente técnicos de custo-efetividade sem considerar questões políticas determinantes – e, principal- mente, por desconsiderar a exigência de melhorias socioe- conômicas e a importância da garantia das necessidades bá- sicas para a melhoria da situação de saúde das populações. Por exemplo: o uso da terapia de reidratação oral – tec- nologia efetiva para tratamento de diarreias – não poderia substituir medidas de saneamento, como o acesso à rede geral de abastecimento de água e de esgoto, efetivas na pro- moção da saúde e na prevenção de doenças de veiculação hídrica. O enfoque seletivo desconsidera os determinantes sociais do processo saúde-enfermidade e busca intervir so- bre problemas específicos de forma isolada e paralela. Um dos principais problemas deste enfoque é que as ações se- letivas, ainda que custo-efetivas, somente são realmente implementadas na presença de estrutura assistencial que suporte o acompanhamento dos grupos de risco regular- mente e para tal devem estar integradas a um sistema de saúde universal, o que não é a realidade na maior parte dos países onde foi implementada. Durante a década de 1980, a concepção de atenção primária como cesta restrita de serviços básicos seleciona- dos, voltados à população em situação de maior pobreza, passou a ser hegemônica para diversas agências internacio- nais, como o Banco Mundial. Na América Latina, teve am- A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 19 pla difusão com ações organizadas em programas verticais focalizados, em especial, aqueles direcionados à proteção materno-infantil, aumentando a fragmentação e segmenta- ção características dos sistemas de saúde latino-americanos (CONILL; FAUSTO; GIOVANELLA, 2010; CONILL; FAUSTO, 2007). Nesse contexto, pode-se dizer que, no Brasil, o uso do termo ‘atenção básica’ para designar a atenção primária no SUS buscou diferenciar as políticas propostas pelo mo- vimento sanitário, distanciando-as dos programas de APS seletivos e focalizados, difundidos pelas agências interna- cionais. APS E O DIREITO UNIVERSAL À SAÚDE Após Alma-Ata, o que imperou nos países em desenvolvi- mento foi a implementação de uma APS seletiva. Contudo, a discussão da saúde se ampliou. Movimentos sociais em âmbito internacional passaram a enfatizar a compreensão da saúde como direito humano, a necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos mais amplos da saúde e também a necessidade de estabelecer políticas de desenvol- vimento inclusivas, apoiadas por compromissos financeiros e de legislação, para reduzir desigualdades e alcançar equi- dade em saúde. O Movimento para a Saúde dos Povos (People´s He- alth Movement, <http://www.phmovement.org/es>) con- grega parte destas iniciativas. Reúne ativistas de saúde de L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 20 todas as partes do mundo para compartilhar experiências e fomentar a ação de organizações da sociedade civil na luta pelo direito universal à saúde. A primeira Assembleia de Saúde dos Povos, realizada em Bangladesh, no ano 2000, com participantes de organizações da sociedade civil de 92 países lançou a Carta dos Povos pela Saúde, conclamando um movimento internacional de cidadãos comprometidos com a realização do sonho de Alma-Ata. A Carta insta os movimentos populares a exercerem pressão sobre os gover- nos, exigindo que: incorporem saúde e direitos humanos na constituição e legislação de cada país; incidam sobre os determinantes sociais da saúde; implantem políticas sociais abrangentes com participação social; garantam direitos so- ciais e humanos. A Carta chama para ações locais e globais para garantia do direito à saúde de forma abrangente que inclui a proteção do meio ambiente com redução do excesso de consumo e estilos de vida não sustentáveis; a promoção da paz mundial; a exigência de transformação do sistema de comércio global a fim de que deixe de violar os direitos sociais, ambientais, econômicos e de saúde dos povos. Defende a atenção primá- ria à saúde integral, seguindo os preceitos de Alma-Ata, com acesso universal e equitativo independente da capacidade de pagamento de cada pessoa a um sistema de saúde democrá- tico provido de recursos suficientes; ademais de desmistificar as tecnologias médicas e de saúde (inclusive medicamentos) e exigir que sejam submetidas às necessidades de saúde dos povos e não aos interesses econômicos do complexo produ- tivo da saúde (PHM, 2000). A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 23 salismo básico em países em desenvolvimento, ou coorde- nadora da atenção integral em países centrais com sistemas públicos universais. A renovação proposta pela OPAS e OMS subenten- de uma atualização da concepção abrangente de APS como estratégia para reorganizar os sistemas de saúde e garantir o direito à saúde. Sua implementação, contudo, dependerá da adesão dos governos nacionais e da tradução dos princí- pios abrangentes enunciados em práticas concretas. ATRIBUTOS CARACTERÍSTICOS DA APS Para desenhar novas políticas e reorientar os sistemas de saú- de pela APS, é necessário analisar os principais atributos de uma atenção primária à saúde abrangente. Em uma abordagem mais centrada na atenção in- dividual, Barbara Starfield (2002), médica e pesquisadora estadunidense, desenvolveu uma abordagem para caracte- rizar a atenção primária abrangente nos países industria- lizados, definindo os atributos essenciais dos serviços de atenção primária. Essa abordagem, reconhecida por espe- cialistas e difundida também no Brasil, considera como características específicas da APS: a prestação de servi- ços de primeiro contato; a assunção de responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relação equipe-paciente ao longo da vida; a garantia de cuidado integral considerando-se os âmbitos físico, psíquico e so- L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 24 cial da saúde dentro dos limites de atuação do pessoal de saúde; e a coordenação das diversas ações e serviços indis- pensáveis para resolver necessidades menos frequentes e mais complexas. Nessa concepção, os serviços de atenção primária devem estar orientados para a comunidade, conhecendo suas necessidades de saúde; centrar-se na família, para bem avaliar como responder às necessidades de saúde de seus membros; e ter competência cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos grupos populacionais (STARFIELD, 2002). O primeiro atributo da atenção primária é consti- tuir-se como ‘serviço de primeiro contato’, porta de entra- da do sistema de saúde, procurado regularmente a cada vez que o usuário precisa de atenção em caso de adoecimento ou para acompanhamento rotineiro de sua saúde. Para a constituição de um serviço como porta de entrada do sis- tema de saúde, o primeiro requisito é que este seja acessível à população, eliminando-se barreiras financeiras, geográfi- cas, organizacionais e culturais, o que possibilita a utiliza- ção por parte dos usuários a cada novo episódio. Outro requisito para efetivação desse atributo é a exigência de encaminhamento por profissionais de atenção primária para acesso à atenção especializada. Desse modo, o serviço de atenção primária torna-se o ponto de início da atenção, porta de entrada preferencial, e exerce papel de filtro para acesso aos outros níveis, isto é, tem a função que se denomina na língua inglesa de gatekeeper, referenciando os pacientes conforme a necessidade. A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 25 Sistemas integrados de saúde em que o médico gene- ralista atua como porta de entrada obrigatória (gatekeeper) são reconhecidos como menos onerosos e mais aptos para conter a progressão dos gastos ambulatoriais. A função de filtro da equipe de APS não deve ser barreira, mas sim garantia de acesso aos outros níveis de atenção. A definição de porta de entrada obrigatória ao sistema é também usada por planos de seguros de saúde privados nos EUA, porém como barreira de acesso, com o objetivo de reduzir os gastos dos seguros e não como modo de garantir o acesso a serviços especializados de forma es- truturada, que é o objetivo de sistemas baseados em uma atenção primária abrangente. Na APS, esse mecanismo não é isolado, e a garantia de acesso aos outros níveis é funda- mental para contemplar os demais atributos. Outro atributo da APS é a ‘longitudinalidade’: a assunção de responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relação profissional/equipe/unidade de saúde-usuário ao longo da vida, independentemente da ausência ou da presença de doença. Este atributo é relacio- nado ao anterior, pois, para que se estabeleça um vínculo no curso da vida, é necessário que exista fonte regular de atenção e seu uso ao longo do tempo. Um bom acolhimen- to é fundamental para o fortalecimento do vínculo. Para se estabelecer uma relação pessoal de longa du- ração entre os profissionais de saúde e os pacientes (STAR- FIELD, 2002), a unidade de saúde deve ser capaz de iden- tificar sua população eletiva, definindo uma população de referência seja por meio da adscrição territorial, seja por L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 28 unidades de saúde, pois tais pacientes utilizam simultanea- mente serviços de diversas complexidades, o que demanda a coordenação entre serviços, função que deve ser exercida pela equipe de atenção primária à saúde. A coordenação da atenção ao paciente pelo genera- lista proporciona melhor acompanhamento de pacientes, em especial daqueles portadores de doenças crônicas ou de morbidade múltipla, para os quais os sistemas de atenção à saúde estão, em geral, ainda pouco preparados, na maioria dos países. Outra característica da APS que a diferencia de ou- tros modelos de atenção é a ‘centralidade na família’, isto é, o reconhecimento do contexto e dinâmica familiar para bem avaliar como responder às necessidades de saúde de seus membros. Para que sua ação possa se realizar, a equipe deve também ter ‘competência cultural’ para se comunicar, reconhecer as diferentes necessidades dos diversos grupos populacionais. A competência cultural e a orientação para a comunidade são facilitadas pela integração na equipe de atenção primária de membros da comunidade, os trabalha- dores comunitários de saúde, que no Brasil são denomina- dos de agentes comunitários de saúde. Uma importante característica de uma atenção primá- ria à saúde integral, que a diferencia das outras concepções, é a compreensão da saúde como inseparável do desenvolvi- mento econômico e social, como discutido em Alma-Ata; o que implica atuação dirigida para a comunidade – ‘orien- tação para a comunidade’ – para enfrentar os determinan- tes sociais dos processos saúde-enfermidade e incentivar a A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 29 participação social. Reconhecer a determinação social dos processos saúde-doença exige a articulação com outros se- tores de políticas públicas desencadeando e mediando ações intersetoriais para o desenvolvimento social integrado e a promoção da saúde. A ação comunitária das equipes de APS com diagnóstico, discussão dos problemas da comunidade, mobilização social e planejamento de intervenções para en- frentamento destes problemas é fundamental para responder às necessidades coletivas e não apenas individuais de saúde. As ações comunitárias das equipes de APS para serem mais efetivas dependem de iniciativas das esferas governamentais. A articulação intersetorial deve ser uma estratégia estrutu- rante da política municipal. Como mencionado, no processo mundial de renova- ção da atenção primária observa-se disputa de distintas con- cepções de atenção primária pelas agências internacionais com importantes repercussões sobre a equidade e o direito à saúde, principalmente entre a abordagem seletiva e a abor- dagem integral. As concepções seletiva e abrangente de APS compreendem questões teóricas, ideológicas e práticas muito distintas com consequências diferenciadas sobre a garantia do direito universal à saúde. ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: EXPERIÊNCIA EUROPEIA Diferentemente do que se observou em países periféricos, nos países de industrialização avançada, principalmente os L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 30 europeus, a atenção primária continuou seu desenvolvi- mento como um dos níveis de atenção do sistema de saúde. Nesses países, os cuidados primários correspondem aos ser- viços ambulatoriais não especializados de primeiro contato, porta de entrada no sistema de saúde, incluindo diferentes profissionais e um leque abrangente de ações preventivas e de serviços clínicos direcionados a toda a população. Em geral, o termo empregado é primary care ou primary medical care. Boerma e Dubois (2006) destacam a diferença de termos, indicando que primary health care refere-se a uma estratégia societal mais ampla como defen- dido em Alma-Ata, e que nos países europeus, em geral, o enfoque é de primary care – um subconjunto de ações ofertado especificamente dentro do sistema de serviços de saúde. Lembra que uma atenção de primeiro nível bem de- senhada contribui para os objetivos mais amplos da APS, porém não é suficiente (BOERMA ; DUBOIS 2006). Contudo a atenção primária europeia não pode ser caracterizada como seletiva – pois cobre o conjunto de ne- cessidades da população, não se restringe ao primeiro nível pois integra um sistema universal solidário, e cumpre em parte com os atributos de uma APS robusta. Constitui-se no serviço de primeiro contato e porta de entrada preferen- cial que garante atenção oportuna e resolutiva – atributos imprescindíveis da APS integral; além de atender a outros requisitos para a longitudinalidade, integralidade, coorde- nação e foco na família. Os países europeus destacam-se pela garantia do acesso universal aos serviços de saúde e pelo amplo espec- A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 33 davia, a posição dos profissionais de atenção primária e a orga- nização do sistema de saúde diferem entre países, observando-se variação quanto ao tipo de serviço responsável pelo primeiro contato e ao papel que o profissional exerce como porta de en- trada e filtro para a atenção especializada. Nos países em que vigoram serviços nacionais de saúde, é mais frequente que a atenção ambulatorial esteja organizada em níveis de atenção a partir da oferta de um generalista para a maioria dos problemas de saúde. O generalista exerce a função de serviço de primeiro contato e é responsável pelos encaminha- mentos necessários a um segundo nível de atenção especializado (gatekeeper). A responsabilidade pelo primeiro contato é com- partilhada, em alguns países, por outros profissionais de atenção primária, como ginecologistas e pediatras, no atendimento dos correspondentes grupos populacionais. De modo diferente, na maior parte dos países com es- quemas de seguro social (cinco em sete países) não há separação da atenção ambulatorial em níveis – entre a atenção prestada por clínicos gerais e aquela prestada por especialistas –, permi- tindo-se aos segurados a livre escolha entre a procura direta ao generalista ou ao especialista, o que dificulta a coordenação dos cuidados, não se constituindo um primeiro nível de atenção (GIOVANELLA, 2006; BOERMA; DUBOIS, 2006). PORTA DE ENTRADA OBRIGATÓRIA Um aspecto crucial para a caracterização da atenção pri- mária é a análise da posição desse serviço na rede assisten- L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 34 cial como serviço de primeiro contato com instituição de porta de entrada obrigatória ou preferencial (mecanismo de gatekeeper), considerada instrumento fundamental para permitir a coordenação dos cuidados pelo generalista. Mecanismos de coordenação hierárquica do tipo ga- tekeeper, por meio do qual se delega ao GP poder sobre ou- tros níveis de atenção, foram estabelecidos em países com serviços nacionais de saúde já na década de 1960, definin- do-se clara separação de papéis entre médicos generalistas e especialistas. Nos países com porta de entrada obrigatória, os GP, além de controlar amplamente as referências para especialistas, funcionam mais frequentemente como servi- ço de primeiro contato para um maior elenco de situações, atendendo homens e mulheres em todas as fases da vida (RICO; SALTMAN; BOERMA, 2003). O exercício da função de porta de entrada obrigató- ria implica a obrigatoriedade de inscrição dos pacientes em um consultório de GP ou em um centro de saúde. Assim, países com porta de entrada obrigatória também dispõem de sistema de inscrição de pacientes. A inscrição nos ser- viços é efetuada por iniciativa do cidadão/segurado, que desfruta de certa liberdade de escolha – e possibilidade pos- terior de troca – entre profissionais de saúde ou serviços atuantes em determinado espaço geográfico. Trata-se de situação diferente do que ocorre no Brasil, onde o acesso às equipes de saúde da família (EqSF) decorre de adscrição compulsória, ou seja, cadastramento da população de de- terminada área geográfica por parte dos agentes comunitá- rios de saúde. A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 35 A extensão das listagens de cidadãos inscritos por GP apresenta importante variação entre países europeus: de 1.030, na Itália, até no máximo 2.500, na Espanha. Estudos mostram que os sistemas de saúde orientados por APS resolutiva estão associados a melhores resultados e maior eficiência. Comparações internacionais evidenciam melhores resultados nos países que contam com uma estru- tura de atenção primária robusta, exibindo impactos positi- vos sobre alguns indicadores da situação de saúde, havendo redução de mortalidade por todas as causas e de mortalidade precoce por doenças respiratórias e cardíacas (MACINKO; STARFIELD; SHI, 2003). Uma boa organização dos serviços de atenção pri- mária contribui em geral para maior eficiência do sistema. Pesquisas demonstram que um sistema de porta de entrada obrigatória reduz custos, em especial se operado por um setor de atenção primária que disponha de recursos ade- quados, pois a atenção realizada pelo GP demanda custos menores (RICO; SALTMAN; BOERMA, 2003) e resulta em menor uso de medicamentos. Quando o especialista está restrito ao hospital, como nos serviços nacionais de saúde, ocorre melhor integração da atenção hospitalar com a especializada e o uso mais ra- cional de equipamentos médicos (uso compartilhado para pacientes internados e para consultas ambulatoriais com especialistas), realizando-se menor número de procedi- mentos especializados, como tomografias computadoriza- das, por exemplo. Na Dinamarca, país com serviço nacio- nal de saúde em que o GP exerce a função de gatekeeper, L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 38 da do setor securitário, que propunha a ampliação da co- bertura populacional da Previdência Social. A última perspectiva consolidou-se mediante a unifi- cação dos institutos previdenciários no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966, durante o regime autoritário, época em que se acelerou o crescimento da prá- tica privada e empresarial da medicina na organização da atenção à saúde dentro da previdência social, ao mesmo tempo em que se preservavam as práticas campanhistas isoladas no Ministério da Saúde e suas parcerias com as secretarias estaduais e municipais de saúde (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986). Durante a década de 1970, a crise econômica se aprofundou, expondo os percalços da assistência médica previdenciária para garantir recursos financeiros e as ma- zelas dos sistemas sociais e de saúde – situação de pobreza nas áreas urbanas e rurais que, sem facultar acesso a bens públicos, se expressava em padrões de saúde precários, com taxas de morbidade e mortalidade elevadas. Emergiram, nessa fase, algumas experiências sanitá- rias que difundiam, a longo prazo, um projeto de refor- ma da estrutura de assistência médica em confronto com o modelo assistencial vigente, conformado por um padrão de consumo e de produção de serviços de elevado grau de desenvolvimento tecnológico, controlado pelo setor priva- do e altamente concentrado nas regiões metropolitanas. As experiências mencionadas resultaram de um es- forço dos departamentos de medicina preventiva das esco- las médicas, que desenvolveram programas de integração A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 39 docente assistencial para implementar práticas de medicina comunitária. Esses departamentos recebiam apoio finan- ceiro de organismos internacionais em articulação com se- cretarias estaduais e municipais de saúde, desmascarando a precariedade da oferta pública de cuidados médicos. A trajetória desses experimentos não foi homogênea nem consensual, mas trouxe novas bases para o debate sobre o modelo de atenção vigente e suas alternativas, indicando a urgência de uma reforma setorial no plano nacional. As escolas médicas, em especial as cadeiras de me- dicina integral, preventiva e comunitária, mediante esses novos convênios, projetaram o atendimento médico em comunidades, realizando atividades de atenção primária. Assim desenvolveram propostas de reforma da saúde, como política social, por meio de atividades de extensão acadêmi- ca, ou seja, da prestação de serviços de saúde em comuni- dades urbanas e rurais, nas quais as condições de vida eram precárias, atingindo grupos populacionais sem acesso ao consumo direto ou indireto (via seguro social) de cuidados médicos ou de outros serviços sociais (DONNANGELO; PEREIRA, 1976; OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986). A participação da universidade foi fundamental no desenvolvimento dessas experiências e de sua difusão no se- tor saúde. O projeto postulava uma medicina com base na atenção integral, o que não significava subordinar as ações ao campo biológico, mas pensar a dimensão social em que se desencadeava o processo saúde-doença, além de enfocar os efeitos coletivos da atenção prestada nesse processo e não apenas o resultado (cura) sobre o indivíduo. Sua ação não L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 40 poderia se limitar ao ato isolado de um agente – o mé- dico –, mas deveria buscar a cooperação entre as diversas agências e práticas ligadas à vida da comunidade, de modo a minorar sua precária condição social: escola, postos de saúde, centros de treinamento profissional, serviço social, creches etc. No caso da atenção à saúde, as experiências tenderam a estimular a participação de membros da população nas ati- vidades do programa a partir do treinamento em atividades de saúde, os quais assim se constituíram em agentes, para atender a comunidade e oferecer soluções para as suas difi- culdades. Essas práticas, ao intervir sobre a população não integrada ao processo produtivo, promoveram nova dife- renciação no campo médico-social, que se caracterizou pela extensão dos serviços médicos por meio de técnicas simpli- ficadas e massificadas, as quais ampliavam o consumo e se compatibilizavam com a necessidade de reduzir custos. As formas como tais práticas se efetivaram no Bra- sil responderam a distintas demandas ainda marginais na década de 1970 do ponto de vista da cobertura populacio- nal e da reorientação dos gastos públicos – interiorização dos serviços de saúde, hierarquização e regionalização de atenção médica. Ademais, abriram o debate nacional para a atenção primária à saúde, quando esta recebia suporte da decisão política traçada na Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde em Alma-Ata, referida anteriormente. Desse modo, a adesão a proposições de atenção pri- mária à saúde entrou na pauta da agenda brasileira na dé- A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 43 ciário, de forma a prestar atenção integral a toda a população independentemente de contribuição financeira à previdên- cia social. A implementação das AIS propiciou importante ampliação da cobertura de serviços básicos de saúde com a criação de unidades municipais de saúde em grande parte dos municípios brasileiros, como primeiro nível de atenção, ainda pouco articulado. Outros programas de atenção primária direcionados a grupos específicos, como os Programas de Atenção Inte- gral à Saúde da Mulher (PAISM) e da Criança (PAISC), foram lançados paralelamente ao processo de implantação das Ações Integradas de Saúde, entre 1984 e 1987, como parte da estratégia para consolidar a rede de serviços bá- sicos de saúde. Eles serviram de modelo para os demais programas de atenção integral criados posteriormente, vol- tados a grupos de risco: idosos, adolescentes, portadores de doenças crônicas, como hipertensão e diabetes etc. Simultaneamente, outros modelos assistenciais fo- ram sendo buscados por meio de discussões teóricas e aplicações práticas na tentativa de responder efetivamen- te às demandas individuais e coletivas e superar o mo- delo tecnicista, hospitalocêntrico e privatista inampsiano. Modelos assistenciais alternativos, como Em Defesa da Vida e suas estratégias de acolhimento desde a Unicamp, as Ações Programáticas de Saúde na USP, os Sistemas Locais de Saúde (SILOS) e seus distritos sanitários pro- postos pela OPAS, foram desenvolvidos e implementa- dos influenciando experiências posteriores (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006). L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 44 Difundem-se também experiências de saúde comu- nitária em diversos municípios do país com governos eleitos de oposição ao regime militar. Muitas dessas experiências alternativas foram influenciadas por egressos do Programa de Residência Médica em Medicina Geral Comunitária do Centro de Saúde Murialdo (Porto Alegre – RS) criado em 1976 e que desde 1979 tornou-se multiprofissional. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E REDEFINIÇÃO DO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE A reorganização dos serviços básicos se inscreveu no proje- to de Reforma Sanitária brasileira desde a década de 1970, quando, no processo de democratização do país, um mo- vimento sanitário envolvendo estudantes, profissionais de saúde, residentes, professores de departamentos de medi- cina preventiva e social, além de técnicos engajados dos ministérios setoriais, defendeu a unificação do sistema de saúde e valorizou o primeiro nível de atenção (ESCOREL, 1999). A Reforma Sanitária foi contemporânea à reestru- turação da política social brasileira, que apontou para um modelo de proteção social abrangente, justo, equânime e democrático. A definição constitucional da saúde como “um direito social e um dever do Estado garantido median- te políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 45 recuperação” (BRASIL, 1988) reconheceu nova correlação de forças no plano da sociedade e no cenário político de luta por ampliação da cidadania (FLEURY, 1994). As bases legais para a organização do Sistema Único de Saúde (SUS) também foram fixadas na Constituição de 1988, seguindo os princípios e diretrizes de universalidade, descentralização, integralidade da atenção, resolutividade, humanização do atendimento e participação social. Foram complementadas na aprovação das Leis Orgânicas da Saú- de (I e II), de 1990, que criaram o Fundo Nacional de Saú- de, composto por recursos fiscais, e o Conselho Nacional de Saúde, que garante a participação social. Formou-se então novo aparato institucional de ges- tão da política de saúde que consolidou a esfera pública no Brasil, apoiado na concepção de relevância pública das ações e dos serviços de saúde. O papel do Estado na regu- lamentação, na fiscalização e no controle da execução de ações e serviços de saúde privados, quando complementa- res ao setor público, foi também preservado. UM PROGRAMA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA SELETIVA: PROGRAMA DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE O princípio da equidade em saúde, um valor fundamental da Reforma Sanitária, permitiu que na construção do SUS se buscasse reestruturar os serviços para oferecer atenção in- tegral e garantir que as ações básicas fossem acompanhadas L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 48 de nível superior, o enfermeiro, na base operacional de todo o processo de trabalho dos agentes. Desse modo, promoveu-se inicialmente uma mudança das práticas/ ações de saúde, espacial e técnico-administrativa, ao se desenvolverem ações de saúde extramuros, não mais cen- tradas na figura do médico. A posterior incorporação das atividades desenvolvidas pelos agentes à tabela de pro- cedimentos ambulatoriais do SUS garantiu o seu paga- mento com algum controle e possibilidade de avaliação dos resultados. A avaliação contínua do PACS indicou a necessida- de de maior articulação entre esse modelo e os serviços de saúde para evitar o esgotamento e o desgaste da atuação dos agentes. O PACS, integrado ao sistema municipal de saú- de, poderia garantir maior efetividade em seu trabalho com as comunidades, facilitando também a articulação com órgãos e instituições não setoriais, ampliando o leque de intervenções e melhorando seu desempenho (HEIMAN; MENDONÇA, 2005). O PROGRAMA E POSTERIOR ESTRATÉGIA SAÚ- DE DA FAMÍLIA Durante a década de 1990, o Ministério da Saúde fortale- ceu as ações de caráter preventivo com investimentos em programas de ações básicas como parte da estratégia de re- organização do próprio modelo de atenção, visando espe- cialmente à promoção da saúde. A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 49 A formulação do Programa Saúde da Família foi esti- mulada por esses antecedentes e se materializou com a Portaria MS n. 692, de dezembro de 1993. Na primeira fase, o pro- grama foi implementado principalmente em pequenos muni- cípios e guardou o caráter restrito de APS, com condições de absorver a demanda reprimida de atenção primária, mas com baixa capacidade para garantir a continuidade da atenção. Como estratégia, a Saúde da Família foi explicitada em documento do Ministério da Saúde de 1997 intitulado Saúde da Família: Uma Estratégia para a Reorientação do Modelo As- sistencial, passando a ser entendida não como uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços de saúde, mas pelo contrário, caracteriza-se como uma estratégia que possibilita a inte- gração e promove a organização das atividades em um território definido, com o propósito de propiciar o en- frentamento e resolução dos problemas identificados (...) Propõe-se a trabalhar com o princípio da vigilância à saúde, apresentando uma característica de atuação inter e multidisciplinar e res- ponsabilidade integral sobre a popula- ção que reside na área de abrangência de suas unidades de saúde. (BRASIL, 2007, p. 9). A Saúde da Família foi incentivada pela Norma Ope- racional Básica do SUS de 1996 (NOB SUS 01/96), apoiada em deliberação do Conselho Nacional de Saúde, L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 50 que indicava a retomada da discussão em torno do modelo de atenção a ser construído. Tal ato normativo disciplinou o processo de organização dos serviços segundo campos de atenção assistenciais, de intervenções ambientais e de polí- ticas extrassetoriais, em uma concepção ampliada de aten- ção à saúde e de integralidade das ações. A partir da NOB 96, a atenção básica em saúde as- sumiu a caracterização de primeiro nível de atenção, ou seja, “um conjunto de ações, de caráter individual e co- letivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação” (BRASIL, 1998, [s.p.]). Também apontava para a incorporação de novas tecnologias e para a mudança nos métodos de programar e planejar essas ações. A NOB 96 teve entre suas principais determina- ções: 1) substituir o modelo de alocação de recursos fi- nanceiros federais para estados e municípios – até então com base em convênios e no pagamento por produção de serviços – por nova modalidade de transferências di- retas do Fundo Nacional de Saúde para os fundos mu- nicipais e estaduais; 2) fortalecer a capacidade gestora do Estado em nível local, incentivando mudanças no modelo de atenção básica (para reduzir desigualdades do acesso), avançando para além da seletividade (que focaliza a atenção em razão do risco) e propondo a Saú- de da Família como estratégia; 3) definir indicadores de produção e de impacto epidemiológico (LEVCOVITZ; LIMA; MACHADO, 2001). A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 53 Em tese, dando prioridade aos grupos mais expostos aos riscos de adoecer e morrer, o Ministério da Saúde, com a experiência do PACS/PSF, propôs-se a atuar na esfera da equidade e, promovendo a atenção primária, contribuir para a construção de um sistema de saúde voltado para a qualidade de vida dos grupos excluídos, permitindo-lhes o acesso aos serviços de saúde locais. Ainda assim, mantinha características de uma APS seletiva, pois o PSF inicialmen- te foi implantado como programa focalizado em popula- ções muito pobres com cesta restrita de serviços e baixa articulação com o restante da rede assistencial. Posterior- mente, a adoção da Saúde da Família como estratégia deu à APS, no Brasil, um caráter mais abrangente, como modelo para a atenção básica do SUS, que deve estar articulada aos demais níveis e orientar a reestruturação do sistema. A concepção de atenção primária da Estratégia de Saúde da Família preconiza equipe de caráter multiprofis- sional que trabalha com definição de território de abran- gência, adscrição de clientela, cadastramento e acompa- nhamento da população residente na área. Pretende-se que a Unidade de Saúde da Família (USF) constitua a porta de entrada preferencial ao sistema local e o primeiro nível de atenção, o que supõe a integra- ção à rede de serviços mais complexos. Recomenda-se que cada equipe fique responsável por em média 3.000 pessoas residentes em área geográfica delimitada. Essa equipe deve conhecer as famílias do seu território de abrangência, iden- tificar os problemas de saúde e as situações de risco exis- tentes na comunidade, elaborar programação de atividades L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 54 para enfrentar os determinantes do processo saúde/doença, desenvolver ações educativas e intersetoriais relacionadas aos problemas de saúde identificados e prestar assistência integral às famílias sob sua responsabilidade no âmbito da atenção básica (BRASIL, 2006). A Estratégia de Saúde da Família encerra em sua concepção mudanças na dimensão organizacional do modelo assistencial ao: constituir a Equipe de Saúde da Família, multiprofissional e responsável pela atenção à saúde da população de determinado território; definir o generalista como o profissional médico da atenção básica; e instituir novos profissionais, os ACS, voltados para a atuação comunitária, ampliando assim a atuação da equi- pe sobre os determinantes mais gerais do processo saúde- enfermidade. A implantação do PSF foi acelerada nos municípios de pequeno porte com baixa ou nenhuma capacidade ins- talada. Todavia, sua implementação foi lenta nos grandes centros urbanos, pois deparou-se com questões de maior complexidade, relacionadas à concentração demográfica, ao elevado grau de exclusão do acesso aos serviços de saú- de, a agravos de saúde característicos das grandes cidades e metrópoles e à oferta consolidada em rede assistencial desarticulada e mal distribuída (ESCOREL et al., 2007). A partir de 2003, a ampliação da Estratégia de Saúde da Família passou a ser apoiada pelo Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF), estratégia negociada pelo Ministério da Saúde, para vigência de sete anos com financiamento internacional, visando à organi- A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 55 zação e ao fortalecimento da atenção básica nos grandes centros urbanos do país (municípios com mais de cem mil habitantes). Pesquisas realizadas na época observaram a ten- dência de que o PSF se apresentava como um programa focalizado para as populações mais carentes nos muni- cípios de maior porte com maior rede e complexidade de serviços instalados, mantendo-se paralelamente o modelo de atenção básica tradicional, organizado para atender à demanda espontânea e/ou programas assis- tenciais específicos. Em outros exemplos de municípios com mais de cem mil habitantes em que o PSF alcan- çava maior cobertura populacional, sua implementação levara a mudanças expressivas na organização do sistema municipal de saúde e no modelo de atenção (ESCOREL et al., 2002). Na trajetória desses programas de estruturação da atenção primária de caráter abrangente no país, observa- se forte associação entre sua experimentação e o processo de descentralização em diferentes dimensões, como na re- orientação do modelo médico-assistencial e na revisão da condução da atenção primária. Assim, tais programas pos- sibilitaram às experiências municipais ampliar a cobertura e melhorar os indicadores de saúde, ao valorizar as ações de promoção e proteção integral e contínua da saúde, as quais transformam gradualmente as práticas sociais em saúde. Todavia, sua implementação ocorre de diferentes modos, e ainda são poucos os estudos que permitem saber se mudanças substanciais foram efetivamente implementa- L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 58 sas populações. Utiliza tecnologia de elevada complexidade e baixa den- sidade, que deve resolver os proble- mas mais frequentes (...) e orienta-se pelos princípios de universalidade, da acessibilidade e coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade e responsabilização. (BRASIL, 2006, p. 10). Essa proposição da Política Nacional de Atenção Bá- sica incorporou os princípios e atributos de uma concepção de atenção primária à saúde abrangente, alinhando-secom o processo da renovação de APS nas Américas, tal como preconizado pela OPAS (OMS, 2008). Entretanto, observa-se também que as ações estra- tégicas definidas “visando à operacionalização da Atenção Básica” (BRASIL, 2006, p. 13) estão voltadas para um con- junto limitado de ações como o controle e eliminação de determinadas doenças (tuberculose, hanseníase, hiperten- são arterial e diabetes mellitus) e para a saúde da criança, da mulher, do idoso, saúde bucal e promoção da saúde, a serem especificadas na pactuação de indicadores em geral epidemiológicos. Assim, evidencia-se uma contradição en- tre os fundamentos da Atenção Básica que apontam para a responsabilização com a saúde de toda a população de determinado território, o estabelecimento de vínculo, a participação popular, coordenação do cuidado, entre ou- tros, e, ao o que é indicado para operacionalização da Aten- ção Básica que se restringe, em sua maioria, à redução da A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 59 morbimortalidade de agravos específicos e de grupos prio- ritários. Ademais, seus resultados devem ser expressos por indicadores quantitativo em geral incapazes de traduzir os fundamentos acima referidos (VALE E SILVA, 2011). Para ampliar a resolutividade das equipes de saúde da família (EqSF), desde 2008, o Ministério da Saúde in- centiva financeiramente a criação de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). O NASF deve ser constituído por equipes compostas por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, para atuarem em parceria com os profis- sionais das EqSF compartilhando as práticas em saúde nos territórios sob sua responsabilidade. O NASF compõe-se de oito áreas estratégicas: ativi- dade física/práticas corporais, práticas integrativas e com- plementares, reabilitação, alimentação e nutrição, saúde mental, serviço social, saúde da criança/adolescente/jovem, saúde da mulher e assistência farmacêutica. Foram estabelecidas duas modalidades de NASF: NASF 1 – vinculado a oito a 20 Equipes Saúde da Família – composto por no mínimo por cinco profissionais das seguintes profissões de nível superior: psicólogo, assis- tente social, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, profissional da educação física, nutricionista, terapeuta ocu- pacional, médico ginecologista, médico homeopata, médico acupunturista, médico pediatra e médico psiquiatra. NASF 2 – vinculado a no mínimo três EqSF – com- posto por no mínimo três profissionais de nível superior de ocupações não coincidentes entre as seguintes: assistente social, profissional de educação física, farmacêutico, fisio- L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 60 terapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e tera- peuta ocupacional. A organização do processo de trabalho do NASF tem por fundamento o ‘apoio matricial’, atuando em parceria com os profissionais das EqSF, compartilhando as práticas em saúde nos territórios sob responsabilidade das EqSF no qual o NASF está cadastrado. Tem como eixos a responsa- bilização a gestão compartilhada e apoio à coordenação do cuidado, que se pretende, pela saúde da família. O apoio às EqSF inclui: (a) Atendimento compartilhado para uma intervenção interdisciplinar, com troca de saberes, capaci- tação e responsabilidades mútuas; (b) Intervenções especí- ficas dos profissionais do NASF com usuários e famílias en- caminhados pela EqSF; (c) Ações comuns nos territórios desenvolvidas de forma articulada com as EqSF, outros setores governamentais e organizações. Em 2011, uma nova versão da Política Nacional de Atenção Básica criou o um componente de qualidade no PAB variável relacionado ao desempenho das equipes ava- liado em processo de certificação de equipes com base a um conjunto de critérios. Neste programa reitera-se a concep- ção abrangente da atenção básica brasileira: A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção, a proteção e a recuperação da saúde, com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 63 panorama nacional da estrutura da oferta de serviços de saúde no país, pois coleta informações de todos os tipos de unidades de saúde, exceto dos consultórios individuais privados. Os dados desta pesquisa permitem acompanhar a evolução da oferta de serviços ao longo do tempo. Desde a segunda metade da década de 1980, com as novas respon- sabilidades dos municípios na atenção à saúde, observou-se importante e progressiva expansão da oferta de unidades básicas de saúde no país. Em 1980, existiam nove mil es- tabelecimentos ambulatoriais públicos no país; em 1988, vinte mil; em 2005, quarenta e um mil; e em 2009, 47 mil (Tabela 1): um incremento de cinco vezes. Coerente com o processo de descentralização, estas unidades são na quase totalidade (96%) de propriedade dos governos municipais (IBGE, 2010). Além da implantação de novas UBS pelos municípios, no processo de descentralização, as unidades ambulatoriais pertencentes aos estados, à Previdência So- cial e ao governo federal foram transferidas para os municí- pios, que passaram a gerenciá-las. Cerca de dois terços dessas unidades ambulatoriais públicas (72%) prestam somente atendimento geral em especialidades básicas, ao passo que 27% oferecem outras especialidades e 6% são serviços especializados. A realidade do país é bastante diversa e nas regiões Norte e Centro- Oeste, 20% das unidades não têm atendimento médico correspondendo a minipostos de saúde, enquanto na re- gião Sul esta proporção é de 10% (IBGE, 2010). No Ca- dastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde é possível identificar que, em 2011, 60% dos estabelecimentos de L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 64 atenção básica no país são Unidades de Saúde da Família e que em 85% destas USF atua apenas uma equipe de saúde da família. Os estabelecimentos ambulatoriais em geral são uni- dades pequenas (46% com área construída de até cem me- tros quadrados ou 65% menores do que 150 metros qua- drados), e pouco equipadas. Um estudo amostral das USF realizado em 2008 mostrou que apenas 25% das USFs contemplavam padrões mínimos de estrutura física. Por exemplo, apenas 16% dispunham de sala específica para armazenamento de medicamentos (FACE/DAB, 2009). Observa-se, contudo ampliação dos serviços oferecidos nos últimos anos. Assim enquanto em 2002 apenas um quinto das unidades ambulatoriais realizava ou coletava material para exames, em 2009 esta proporção entre os estabeleci- mentos SUS subiu para 53%, o que implica redução da dificuldade de acesso com deslocamento do paciente a um serviço específico sempre que lhe for solicitado exame para complementar diagnóstico (IBGE, 2002; 2010). A maior parte das unidades ambulatoriais do SUS corresponde a postos e centros de saúde, que realizam também ações de saúde pública. Dois terços das unidades ambulatoriais SUS realizam imunização (70%) (IBGE, 2009). Contudo, apenas 20% fazem investigações epide- miológicas, uma das funções de controle de doenças tradi- cionalmente de responsabilidade dos centros de saúde – o que sugere insuficiente responsabilização de tais estabeleci- mentos por ações imprescindíveis de saúde pública. A dis- pensação de medicamentos é feita em apenas um quarto das unidades ambulatoriais do SUS (IBGE, AMS, 2002). A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 65 SERVIÇOS DE PRIMEIRO CONTATO O SUS não definiu uma unidade de saúde como porta de entrada obrigatória, contudo pretende-se que os serviços de atenção básica sejam a porta de entrada preferencial. Como não há definição clara, os serviços de primeiro contato po- dem ser tanto postos e centros de saúde quanto serviços especializados prestados em ambulatórios de hospitais e policlínicas. A procura por serviços de emergência para pri- meiro contato é também frequente e nos últimos anos tem sido implantadas unidades de pronto atendimento (UPA) que competem na porta de entrada com as unidades bási- cas de saúde. A maior parte dos brasileiros (74%) dispõe de um serviço de procura regular que busca, a cada nova ne- cessidade de atenção, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, com enfoque no acesso e na uti- lização de serviços de saúde (PNAD – Saúde), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008. Ter um serviço de saúde ao qual normalmente se recorre é um indicador de acesso e da disponibilidade de serviços. O percentual desse segmento da população aumentou entre 1998 e 2003, sinalizando melhoria de acesso aos serviços de saúde para a população brasileira após a definição do Piso de Atenção Básica em 1998. Em 1998, 71% da população brasileira fazia uso regular de algum tipo de serviço de saúde, percentual que aumentou para 79% em 2003 e reduziu para 74% em 2008 (IBGE, 1998; 2003; 2010a). L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 68 de espera. O agendamento da consulta especializada é fei- to online pela unidade básica de saúde que encaminhou o paciente, reduzindo as barreiras de acesso dos usuários à atenção secundária. A garantia do agendamento nem sem- pre incorre em maior agilidade no atendimento, que está condicionada pela oferta de serviços especializados, obser- vando-se elevados tempos médios de espera para consultas especializadas em diversas cidades. Em 2011, 621 centrais de regulação de serviços de saúde estão registradas no Cadastro Nacional de Estabeleci- mentos de Saúde (CNES), enquanto em 2005 eram apenas 69 concentradas no Sudeste. Parte destas centrais tem abran- gência regional ou estadual e é responsável pela regulação do acesso aos serviços especializados de uma região geográ- fica maior, concentrando população e proporcionando eco- nomia de escala para serviços de uso menos frequente. Em geral, estão situadas nos municípios polo que concentram maior número de serviços e além dos habitantes do municí- pio atendem pacientes referenciados da região, responsabili- dade assumida no processo de programação regional deno- minado Programação Pactuada e Integrada (PPI). Todavia, em grande parte dos municípios, o siste- ma de referência ainda não está formalizado, o que implica madrugar e enfrentar filas para acessar atendimento espe- cializado devido à inexistência de agendamento prévio e à oferta insuficiente. A fragmentação ocorre também na relação com os serviços de pronto atendimento, as chamadas UPA. Ainda que sejam definidas pelo Ministério da Saúde como estru- A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 69 turas de complexidade intermediária entre as unidades bá- sicas de saúde e as portas de urgência hospitalares, devendo proceder ao acolhimento e classificação de riscos para prio- rizar os atendimentos de maior urgência (Portaria GM/MS 1020 de 13.05.2009), sua articulação com a rede de aten- ção básica não está estabelecida. Assim tornam-se modelo competitivo à Saúde da Família como serviço de procura regular. O modelo assistencial do pronto atendimento das UPA corresponde ao modelo tradicional da nossa antiga assistência médica previdenciária de ‘queixa – consulta’ ou melhor ‘sintoma – receita de medicamento sintomático’. Ainda que possa cumprir com o requisito de garantir um atendimento mais oportuno – característica da atenção muito prezada pela população –, o modelo UPA respon- de apenas a casos agudos ou episódios de agudização de agravos crônicos sem possibilitar seguimento. Não atende a qualquer outro atributo da atenção primária em saúde, como a criação de vínculos e acompanhamento longitudi- nal, a coordenação da atenção, a integralidade, a territoria- lidade ou orientação comunitária. São estes os atributos da APS componentes da Estratégia de Saúde da Família, mas não presentes nas UPA, que permitem impactos positivos em saúde e a efetividade da atenção primária no enfrenta- mento dos agravos crônicos. A integração dos serviços de atenção básica à rede as- sistencial e garantia do acesso à atenção especializada com estabelecimento de sistema de referência e contrarreferên- cia é um fator decisivo para o exercício pelas equipes de atenção primária da coordenação dos cuidados. A recente L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 70 constituição de redes assistenciais regionalizadas poderá contribuir para facilitar o acesso à atenção especializada. No SUS, em geral, não há liberdade de escolha do médico pelo paciente. Nos territórios cobertos por equipes de saúde da família, a adscrição é automática por local de moradia e cada equipe de saúde da família cadastra as fa- mílias de uma determinada área e se responsabiliza pela sua atenção. Para pacientes segurados privadamente, a escolha é possível, porém, na maior parte dos casos, restrita a um plantel de profissionais credenciados pelo plano de saúde. SERVIÇOS DE APOIO DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICO Parte dos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico (SADT) corresponde a serviços de APS e são ofertados pelo SUS em serviços próprios ou por meio de contra- tos com prestadores privados. É no setor de diagnose e terapia que a característica da estrutura de oferta de servi- ços de saúde no país, com predominância da participação de prestadores privados, é mais evidente. A participação de serviços do SUS no conjunto de estabelecimentos de diagnose e terapia é a mais baixa de todos os setores. No país, os serviços de laboratório e de apoio à diag- nose e terapia (SADT), em sua grande maioria, pertencem ao setor privado: somente 9% dos estabelecimentos SADT exclusivos são públicos e, do total desses estabelecimentos no país, apenas 35% fazem parte da rede SUS (IBGE, 2009). A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 73 consultas médicas contabilizadas no país (IBGE, 2010a). A cobertura da população brasileira com consultas médicas do SUS é de 2,57 consultas por habitante/ano, básicas ou especializadas. Não estão disponíveis dados separados para consultas de atenção primária e especializadas. Assim como para a disponibilidade de profissionais, não é possível definir uma norma internacional de núme- ro adequado de consultas por habitante/ano, uma vez que se observam diferenças demográficas, epidemiológicas e de organização dos serviços entre países. Todavia, a compara- ção internacional parece indicar uma baixa cobertura de consultas médicas por habitante/ano no Brasil. Em compa- ração internacional, segundo dados da OECD, em 2009 os números médios de consultas médicas por habitante eram: Espanha, 7,5; Alemanha, 7,7; Canadá, 5,5; Reino Unido, 5,9; EUA, 3,9; Portugal, 4,1; Suécia, 2,9; e México, 2,9. Apenas a média deste último país aproxima-se da média no Brasil. No Brasil, existem acentuadas desigualdades regio- nais de cobertura por consultas médicas do SUS, com di- ferenças de cerca de 30% em 2008. A população da região Norte é a mais desfavorecida, recebendo 2,2 consultas ao ano, ao passo que a região Sudeste é a de melhor cobertura, com 2,9 consultas por habitante ao ano (2008). Na última década, observa-se tendência de leve au- mento de cobertura e redução das desigualdades regionais, embora a cobertura da população brasileira com consultas médicas do SUS ainda possa ser considerada baixa e per- maneçam fortes disparidades regionais na utilização de ser- L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 74 viços de saúde do SUS. A razão do número de consultas por habitante entre a região Sudeste (maior uso) e Norte (menor uso) diminuiu de 1,90 em 1996 para 1,32 em 2008. Os resultados das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios-Suplemento Saúde (PNAD-Saúde) mostram também as desigualdades sociais na utilização: observa-se correlação positiva entre acesso a consultas médicas e poder aquisitivo. Em 1998, entre as pessoas de menor renda fami- liar (primeiro quintil), 45% declararam ter consultado mé- dico nos últimos 12 meses. Entre o grupo com rendimento familiar mais elevado (quinto quintil), todavia, esse percen- tual sobe para 65%, indicando maior utilização nas camadas de renda mais alta, grupo social com prevalências mais baixas de morbidade em geral. Às desigualdades sociais somam-se desigualdades re- gionais indicando acesso mais difícil para as populações mais pobres do Norte e Nordeste. Também nesta pesquisa obser- va-se, na última década, tendência de melhora da cobertura por consultas médicas em todas as regiões e estratos de ren- da e leve atenuação das desigualdades de utilização. A razão entre a proporção de pessoas que consultaram médico no primeiro e quinto quintis reduziu de 1,44 para 1,29. DESAFIOS PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Em síntese, uma análise das abordagens de atenção pri- mária à saúde nas políticas formuladas e implementadas a A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 75 partir do SUS no Brasil permite identificar a presença si- multânea das diversas concepções de APS, em disputa com períodos de predomínio de uma ou outra concepção e o uso de diferentes termos para qualificá-la. No período anterior à criação do SUS, a atenção pri- mária à saúde abrangente – com ênfase nos determinantes sociais da saúde e nas suas inter-relações com o desenvolvi- mento econômico e social do país – representou a alternati- va de mudança do modelo assistencial e foi referência para experiências desenvolvidas em universidades e naqueles municípios com governos de tendência social-democrata, de oposição à ditadura militar, engajados no movimento da Reforma Sanitária brasileira. A abordagem de Alma-Ata inspirou as primeiras ex- periências de implantação dos serviços municipais de saú- de, voltados a atender às necessidades da população local no final da década de 1970 e no início da de 1980. Pos- teriormente, no processo de implementação do SUS e do desenvolvimento de mecanismos financeiros e operacionais para que os municípios se responsabilizassem pela atenção à saúde, de modo a concretizar os princípios constitucio- nais de universalidade do direito à saúde, o termo atenção básica passou a ser empregado como referência aos serviços municipais ambulatoriais de primeiro nível (GIL, 2006). A preferência pelo termo ‘atenção básica’ no Brasil durante a implementação do SUS, como mencionado, pode ser atribuída ao contexto histórico internacional de difusão das propostas de ajuste fiscal do FMI e do Ban- co Mundial nos países latino-americanos, com forte ênfase L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 78 comunitários de saúde; a fixação dos profissionais de saú- de, proporcionando-lhes satisfação no trabalho; políticas de formação profissional e de educação permanente ade- quadas ao desenvolvimento de suas atribuições em atenção primária à saúde; iniciativas locais competentes e criativas para enfrentar a diversidade existente no país. Nos países europeus de modo distinto há certa tradi- ção na qualificação de profissionais médicos como genera- listas e para o exercício da função de porta de entrada prefe- rencial. Nos últimos anos, os países europeus têm buscado fortalecer a sua atenção primária e impulsionaram, partir da década de 1990, reformas organizacionais da atenção ambulatorial que objetivaram melhor coordenação dos cui- dados em países da União Europeia, principalmente por meio de mecanismos organizacionais que proporcionaram maior poder e controle da atenção primária sobre presta- dores de outros níveis, como porta de entrada obrigató- ria (gatekeeper) e/ou comprador de serviços especializados (RICO; SALTMAN; BOERMA, 2003). Outras medidas expandiram o leque de serviços ofertados no primeiro nível, alargando o seu papel como prestador, incluindo novas ações curativas, serviços comu- nitários de saúde mental, cuidados domiciliares (home care) ou cuidados paliativos nos serviços de primeiro con- tato. Nesse sentido, ocorreu ampliação das funções clíni- cas, assim como das funções gerenciais de coordenação da atenção e financeiras dos profissionais médicos de atenção primária, com a diversificação da organização da atenção nesse nível. O exercício do papel de condutor da assistência A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 79 pelo generalista requer maior profissionalização do trabalho gerencial do cuidado e qualificação para as novas funções. Nos países europeus, observa-se um processo em transição com a redefinição das funções do generalista como condutor dos cuidados ao paciente. O GP permane- ce importante ator da atenção primária, contudo o efetivo exercício do papel de coordenação dos cuidados implica superar o desafio de encontrar um equilíbrio adequado entre as funções clínicas e gerenciais. A responsabilidade por elenco ampliado de funções clínicas aumenta seu poder técnico e credibilidade, bem como a expansão de suas fun- ções gerenciais incrementa seu poder administrativo, mas pode corroer a confiança em sua capacidade técnica por parte de especialistas e pacientes e reduzir a satisfação do GP no que se refere à prática profissional (RICO; SALT- MAN; BOERMA, 2003). Essas questões estão presentes no Brasil de modo bem mais acentuado, pois não há tradição de formação de gene- ralistas nas escolas médicas, além de ser baixo o reconheci- mento dos profissionais de atenção primária pelos médicos especialistas. Somente em 2002 a Medicina de Família e da Comunidade foi reconhecida como especialidade pelo Conselho Federal de Medicina, fomentando-se a abertura de cursos de residência e de especialização lato sensu. Outro desafio crucial para a implementação de uma atenção primária integral no país é o desenvolvimento de ações comunitárias e a mediação de ações intersetoriais para responder aos determinantes sociais e promover a saúde. A ação comunitária das EqSF, e em especial as ações de mo- L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 80 bilização social dos ACS, com identificação dos principais problemas no território, o chamamento das diversas orga- nizações e serviços sociais para a ação conjunta no territó- rio buscando a articulação de todos os setores de políticas públicas, é crucial para o enfrentamento de determinantes sociais da saúde. Sua efetivação é fortalecida por uma atua- ção do executivo municipal que toma como eixo o enfren- tamento articulado dos problemas sociais nos territórios. No Brasil, a essas questões político-operacionais para efetivação de uma atenção primária abrangente somam-se os desafios de ela se contrapor às persistentes pressões das agências multilaterais, década após década, para a implan- tação de uma atenção primária focalizada e seletiva. Importa ainda destacar que os recursos financeiros alocados à APS no Brasil são muito baixos. Os desafios a superar para implementação da APS integral não são ape- nas de gestão, são também financeiros. O SUS desde sua criação passa por pressões financeiras importantes e hoje é consensual que sofre de um processo de desfinanciamento crônico. Os gastos públicos com saúde das três esferas de governo no Brasil representam apenas 3,7% do PIB. Na comparação internacional são muito baixos. Em países com serviços nacionais de saúde – sistemas universais fi- nanciados com recursos fiscais, similares ao que o SUS de- seja ser –, como Espanha e Reino Unido, os gastos públicos em saúde correspondem a 7% ou 8% do PIB. Nestes pa- íses, cerca de 80% dos gastos totais de saúde são públicos, enquanto no Brasil apenas a metade dos gastos é pública. Estes dados de comparação internacional demonstram que A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 83 LEITURAS RECOMENDADAS SALTMAN, R.; RICO, A.; BOERMA, W. (Ed.) Primary Care in the Driver’s Seat? Organizational reform in European prima- ry care. Berkshire: Open University Press, 2006. Disponível em: <www.observatory.dk>. Acesso em: 10 out. 2011. STARFIELD, B. Atenção Primária: equilíbrio entre necessida- des de saúde, serviços e tecnologia. Brasília, DF: UNESCO; Ministério da Saúde, 2002. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Relatório Mundial de Saúde 2008: Atenção primária à saúde - agora mais do que nunca. Genebra: WHO, 2008. Disponível em: <http://www. who.int/whr/2008/en/index.html>. Acesso em: 10 out. 2011 SITES DE INTERESSE Datasus: <www.datasus.gov.br>. Traz informações sobre serviços de saúde e situação de saúde da população brasileira. Para acessar informações sobre o PSF, siga o caminho: informações em saúde / assistência à saúde / atenção básica – saúde da família. Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde: <www.saude.gov.br/dab>. Ministério da Saúde: <www.saude.gov.br>. Movimiento para la Salud de los Pueblos: <http://www.phmo- vement.org/es/ >. Observatório Europeu de Sistemas de Saúde: <www.observatory.dk>. Organização Europeia de Médicos de Família: <www.woncaeu- rope.org>. L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 84 Rede de Pesquisa em APS: <http://www.rededepesquisaaps. org.br >. Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido: <www.nhs.uk>. Sociedade Brasileira de Medicina de Família e da Comunidade: <www.sbmfc.org.br>. ] A T E N Ç Ã O P R I M Á R I A À S A Ú D E : S E L E T I V A O U C O O R D E N A D O R A . . . 85 REFERÊNCIAS ALMEIDA, P. F. et. al. Desafios à coordenação dos cuidados em saúde: estratégias de integração entre níveis assistenciais em grandes centros urbanos. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 286-298, fev. 2010. ALMEIDA, C.; MACINKO, J. Validação de uma Metodologia de Avaliação Rápida de Características Organizacionais e de Desem- penho dos Serviços de Atenção Básica no Sistema Único de Saúde no Nível Local. Brasília, DF: OPAS, 2006. (OPAS Série Técnica, 10: Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde). ANDRADE, L. O. M.; BARRETO, I. C. H. C.; BEZERRA, R. C. Atenção Primária à Saúde e Estratégia Saúde da Famí- lia. In: CAMPOS, G. W. S.; MINAYO, M. C. S. et al. (org), Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006. p. 783-836. BOERMA, W. G. 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Aprova a Política Nacio- nal de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia L Í G I A G I O V A N E L L A E M A R I A H E L E N A M A G A L H Ã E S D E M E N D O N Ç A 88 FLEURY, S. M. Estado sem Cidadãos: seguridade social na América Latina. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1994. GIL, C. R. L. Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades do contexto brasileiro. Cader- nos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1171-1181, jun. 2006. GIOVANELLA, L. Solidariedade ou Competição: políticas e sis- tema de saúde na Alemanha. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2001. GIOVANELLA, L. A atenção primária à saúde nos países da União Europeia: configurações e reformas organizacionais na década de 1990. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.22, n.5, p.951-964, maio 2006. GIOVANELLA, L. et al. Saúde da família: limites e possibili- dades para uma abordagem integral à saúde no Brasil. 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