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A Bola Nao Entra Por Acaso - Ferran Soriano, Notas de estudo de Engenharia de Produção

a bola nao entra

Tipologia: Notas de estudo

2017
Em oferta
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Compartilhado em 18/10/2017

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Baixe A Bola Nao Entra Por Acaso - Ferran Soriano e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia de Produção, somente na Docsity! UEL POR AGASO estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol E ls ENS Sia 1 N N 1 DADOS DE COPYRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo Sobre nós: O Le Livros e seus parceiros disponibilizam conteúdo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que o conhecimento e a educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.site ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link. "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível." nba eco be poe o pd nao re en sem utnção e o mean taçaotrastura Abd rão era sa mansa ! Ndmiiração à donas Sacco emsati: Ts nd poa catóago itaim | Cubas uol: Geo empre cm nação 756340 A Pla dao 55) Sand Sto pulo sp cep AGRADECIMENTOS Gostaria que este livro servisse como um pequeno reconhecimento a todas as pessoas que, nesse período da história do Barcelona, dedicaram alguns dos melhores anos de sua vida ao clube que amam. A todos os companheiros da diretoria que acreditaram que a bola não entra por acaso e que dedicaram tempo, esforço, talento e muitas emoções: Josep Maria Bartomeu, Joan Boix, Jacint Borràs, Xavier Cambra, Alfons Castro, Josep Cubells, Alejandro Echevarría, Javier Faus, Jaume Ferrer, Joan Franquesa, Alfons Godall, Marc Ingla, Joan Laporta, Jordi Moix, Jordi Monés, Evarist Murtra, Albert Perrín, Sandro Rosell, Antoni Rovira, Albert Vicens, Josep Lluís Vilaseca, Claudia Vives-Fierro e Rafael Yuste. A todos os membros da Comissão Econômica, que, além de nos controlar, deram bons conselhos: Lluís Cantarell, Albert Esteve, Joan Molins, Carles Murillo, Xavier Sala-i-Martín e Joan Torras. Aos funcionários e colaboradores do clube, o autêntico dream team da execução, que deram o exemplo de como uma entidade pública pode contar com uma gestão tão eficaz como a de uma empresa privada. Entre eles estão: José Ramón Alexanco, Laura Alsina, Ana Aznar, Jordi Ardèvol, Jordi Badia, Aitor Begiristain, Xavier Boixeda, Gabi Cairo, Esteve Calzada, Carles Campos, Ramon Canal, Eduard Casanovas, Juanjo Castillo, Laurent Colet, Josep Colomer, Pepe Costa, Cristina Eslava, Joan Esteller, David Falk, Miquel Ferrer, Josep Maria Fontclara, Elies Frade, Matilde Gabriel, Mercè Garriga, Susana Gasol, Manana Giorgadze, Pere Gummà, David Godayol, Jordi Gómez, Luis Goyanes, Fredrik Johnsson, Pasi Lankinen, Francesc Lladós, Pere Lluch, Francisco López, José Manuel Lázaro, Antonio Martín, Paco Martínez, Enric Masip, Pere Lluís Mellado, Josep Maria Messeguer, Carme Miró, Oriol Molas, Antoni Moliné, Cristina Mora, Eduard Moret, Sofía Moya, Javier Muñoa, Jordi Penas, Patrícia Plasencia, Eduard Pujol, Ramon Pujol, Joan Oliver, Oriol Ràfols, Toni Rodríguez, Xavier Roig, Salvador Rovira, Toni Ruiz, Joan Sanfeliu, Raul Sanllehí, Daniel Schloesser, Francesc Solanellas, Marta Segú, Joan Sentelles, Txemi Terés, Lluís Till, Sònia Toro, Antoni Tramullas, Lander Unzueta, Josep Vergés, Anna Xicoy. A todos os esportistas, jogadores e treinadores que defenderam a camisa do Barça com orgulho e paixão durante estes anos. E, também, para todos os outros torcedores do Barcelona, que com sua O modelo norte-americano. Isso do futebol é diferente .......... 3. ESTRATÉGIAS: COMO JOGAMOS? Asterix e Obelix jogam futebol? Do Manchester ao Soria. O círculo virtuoso. Procurando vantagens competitivas. Globalizar essências. Posicionamento: teatros, galácticos e mais do que Clubes. A execução: de associações locais a multinacionais .... 4. O TIME VENCEDOR A fórmula ganhadora. Compromisso, equilíbrio e talento. Arquétipos: visionários, ombro e o Doutor Não. A formação e o desenvolvimento de um time ................................................ 5. LIDERANÇA: HOUSE, FRANK RIJKAARD E PEP GUARDIOLA Liderança e carisma. A formação da equipe. Características do líder. Liderança compartilhada .............................................. 6. RECURSOS HUMANOS: BOM CRITÉRIO E HIGIENE O pesadelo do diretor. Recrutar com bom critério. De Don Torcuato a Barcelona. Recrutar um líder. Formar vencedores. Craques de 12 anos. Inteligência intuitiva, olfato e ciência. Remunerações higiênicas: guia, variáveis e proatividade ........ 7. RAZÕES E EMOÇÕES NA MESA DE NEGOCIAÇÃO Preparar a negociação. O momento de negociar. Limites, cessões, contrapartidas e valor para a parte contrária. O preço de saída e a margem de negociação. O preço justo. Negociações ganha-ganha. Emoções na mesa. Culturas e comunicação ..... 8. INOVAÇÃO: A CIÊNCIA E A ARTE Cristovão Colombo e Apple. Definindo inovação. Inovar ou copiar. Surpreender sem perguntar. Movimento versus julgamento. A A final ainda não havia terminado. Seria preciso chutar ainda mais pênaltis, porém Anelka falhou na sétima tentativa dos londrinos e o Manchester United ganhou sua terceira Copa da Europa. O Chelsea tinha tido a Liga dos Campeões na ponta dos dedos, nos pés de seu jogador mais emblemático e o que mais profundamente sentia as cores do clube, mas aqueles pés haviam falhado no momento crucial. Tinham perdido o título e perto de 30 milhões de euros... em um segundo. Acaso em Barcelona. Ano de 2003 Na segunda-feira, 16 de junho de 2003, o dia seguinte à nossa vitória nas eleições para a diretoria do Barcelona, fomos ao escritório do clube para começar a preparar a entrega de cargos que deveria acontecer nas semanas seguintes. Nesse dia, um dos gestores do Barça da época me disse: “Amigo, vou lhe dar um conselho: não venham aqui dispostos a aplicar grandes técnicas de gestão, nem com vontade de usar o senso comum, nem a lógica empresarial. O futebol é diferente, aqui o que conta é se a bola entra ou não entra. Se entrar, tudo vai bem. Se for para fora, tudo é um desastre. É uma questão de acaso”. É provável que no dia 21 de maio de 2008, às onze em ponto, na frente da televisão, vendo o escorregão de John Terry no momento decisivo de bater o pênalti, a pessoa que me deu o conselho em 2003 tenha dito Que azar! e ratificasse a sua ideia de que no futebol tudo se reduz a uma mera questão de acaso. Lógicas visíveis e ocultas Gestores de muitas empresas e setores diversos defendem que sua indústria é diferente de todas as outras: “Olhe, não se engane, o mundo do salão de beleza/da farmácia/da edição de livros... é diferente”. Essa é uma atitude muito humana. Há uma conhecida expressão que diz que cada terra faz a sua guerra, embora viajando pelo mundo se perceba que, além de muitas características que diferenciam todas as terras, no fundo todas as guerras acabam se parecendo. Acontece que em todas as atividades humanas há uma lógica que as move e as controla, uma lógica que age de maneira mais ou menos oculta, mais ou menos observável. Portanto, quem quiser ter sucesso em alguma atividade deverá identificar e compreender a lógica que existe por trás dela, reinterpretá-la e adequá-la às novas realidades e desafios. Identificar e compreender a lógica que existe por trás de uma determinada atividade à qual se quer acessar é o mínimo básico e necessário. O leitor terá visto alguma vez pessoas que pretendem administrar uma organização sem nem sequer ter chegado a compreender o funcionamento básico desse negócio, desse setor ou da própria empresa. Às vezes, são pessoas com boa vontade que acreditam que a vida é uma montanha-russa, onde tudo sobe e desce, repleta de acontecimentos que tanto podem ser positivos quanto negativos, dependendo do acaso supremo ou da providência. Uma vez, perguntei a um diretor do Barcelona que exercia o cargo na época em que dois jogadores brasileiros muito jovens foram contratados; eles eram praticamente desconhecidos e sem experiência no futebol europeu (Geovanni Deiberson e Fábio Rochemback). Perguntei por que tinham sido contratados e por que pagaram por eles uma soma tão elevada (18 e 12 milhões de euros, respectivamente). A resposta foi: “Me disseram que Rochemback era igual ao Neeskens e que Geovanni era o novo Garrincha. Pensei que, depois de tantos erros como os que tínhamos cometido, e tanto azar, alguma decisão tinha de sair bem, que era justo que tivéssemos sorte com alguma daquelas contratações”. Ou seja, aparentemente, o diretor havia decidido que o Barça devia gastar 30 milhões de euros com dois jogadores jovens e desconhecidos porque estava convencido de que a providência devia ressarcir o clube por todos os erros e infortúnios anteriores. Está claro que havia uma maneira mais racional de avaliar a necessidade de contratar aqueles jogadores e o preço que deviam pagar por eles, uma maneira que não tem nada a ver com a sorte, o acaso ou uma suposta montanha-russa de acertos e erros dirigida por um Deus caprichoso. Os entusiastas do clássico “o futebol é assim” poderão argumentar casos nos quais equipes pequenas ganharam partidas ou até campeonatos contra outras maiores, desafiando a lógica. Porém, se em um exercício de matemática recreativa quiséssemos explorar as chaves do sucesso esportivo, e para fazer isso analisássemos os dez anos da liga inglesa (1990-1999) como fizeram os pesquisadores Szymanski e Kuipers, encontraríamos uma variável que explica os resultados esportivos das equipes, com uma correlação quase de um a um. Essa variável explicativa representa os salários relativos. Ou seja, se analisarmos um período sufi cientemente longo, as equipes que ganham são as que pagam os salários mais altos, as que são capazes de contratar e pagar, a preço de mercado, os melhores jogadores. É puro senso comum, porém vê-lo ratificado pela matemática acaba sendo revelador, porque, às vezes, o fato de que um time pequeno como a Real Sociedade estivesse a ponto de ganhar a liga espanhola em 2003, ou que o Porto ganhasse a Champions em 2004, pode nos levar ao engano. Assim, se quisermos ter uma equipe campeã, uma equipe que tenha possibilidade de ganhar campeonatos de forma periódica e recorrente, devemos trabalhar com firmeza para ter um clube grande, que gere receitas sufi cientes para contratar o melhor talento futebolístico disponível. E isso se faz trabalhando duro, administrando com bom critério, com o mesmo senso comum que utiliza o diretor de uma corporação multinacional ou o comerciante da esquina. Não tem nada a ver com o acaso. E se, finalmente, o leitor me permitir levar ao extremo a argumentação... temos certeza de que Terry errou o pênalti só por azar? Pode haver por trás disso alguma lógica? Se você fosse o treinador do Chelsea, nessas circunstâncias de extrema pressão, teria decidido que o último pênalti, o decisivo, fosse chutado por um jogador que normalmente não cobra pênaltis e quem, além disso, e é quem leva a maior carga emocional do time, pois vem das divisões de base e é o capitão? Ou teria preferido que fosse chutado por um frio especialista? Reinterpretar a lógica para liderar Entender a lógica de uma indústria ou qualquer outra atividade humana é imprescindível para participar dela com um mínimo de sucesso. Porém, se o que se quer é liderar e ganhar, estar à frente da concorrência, será necessário reinterpretar a lógica existente no momento, ser capaz de encontrar uma nova compreensão. Será preciso ir às raízes, às fontes, compreender bem a demanda, a oferta, os concorrentes... e repensar tudo. As grandes inovações e os avanços nas indústrias acontecem quando alguém, observando e analisando a realidade de uma nova forma, é capaz de oferecer novos produtos e serviços ou iniciar novos modelos de negócio que respondam a uma nova compreensão da realidade. Não se trata de passar da lógica existente à montanha-russa do acaso, trata-se de achar uma lógica nova. Também vimos casos nos quais essa lógica nova é procurada em um lugar totalmente errado. No futebol, é típico o caso de presidentes que tiveram iniciar a expedição após ter identificado para qual, dentre todas as florestas inexploradas, se dirigirá a expedição que ele financia. Quem escolhe a floresta toma a resolução mais decisiva para o sucesso da expedição. A oreografia da região, a riqueza do subsolo, a agressividade dos nativos, a climatologia, a fauna... de tudo isso depende em grande medida o sucesso da missão e a vida dos expedicionários. De maneira análoga, nos negócios, decidir qual é a floresta que se quer explorar, em que indústria se quer concorrer, é a primeira decisão e a de mais transcendência. Todos já vimos e passamos pela experiência de equipes formadas por gestores de grande talento que não conseguiram ter o sucesso que suas capacidades e habilidades anunciavam. E, ao contrário, pessoas muito menos preparadas se transformam em gestores de sucesso extraordinário e surpreendente que nunca teríamos prognosticado. Quase sempre, a principal razão para explicar esse comportamento aparentemente contraditório, entre os resultados e a preparação encontra-se na floresta que se decide explorar: mercados pequenos, saturados e muito competitivos, ou até grandes, em crescimento e/ou concorrentes mais fracos. Claro que não podemos escolher sempre a floresta que gostaríamos de explorar. Muitas vezes é preciso jogar no terreno que existe e nas condições em que nos encontramos, ainda que seja de lama e chuva. No entanto, o único trabalho do qual nunca devemos nos poupar é o de fazer o esforço de conhecer o campo e compreendê-lo em todos os seus detalhes, com a máxima profundidade. Devemos compreender os clientes potenciais, as necessidades que queremos cobrir, contra quem concorremos e como, qual é o tamanho do mercado atual e futuro, com que fornecedores poderemos contar e que normas teremos de respeitar. Esse trabalho também vale para as pessoas que, como nós, no verão de 2003, quando nos elegemos diretores do Barcelona, querem dirigir um clube e explorar a floresta do futebol. Não medimos esforços para entender e compreender as leis, mais ou menos lógicas, que regulamentam seu funcionamento; ao contrário, foi a base sobre a qual construímos todo o plano estratégico e o programa de trabalho. Q ue produto você vende? Provavelmente a pergunta acima parece ter uma resposta bastante óbvia, mas não é assim. É importantíssimo que aquele que trabalha em uma empresa ou tem um negócio faça a si mesmo essa pergunta de maneira profunda e periodicamente. Uma das máximas mais repetidas no mundo do esporte diz que o mais difícil não é ficar entre os melhores, mas manter-se entre eles. Se no esporte o fato de se manter no topo depende em boa parte da capacidade de continuar se sacrificando, para uma empresa essa necessidade de sacrifício equivale ao esforço de se adaptar constantemente às circunstâncias voláteis do mercado e às demandas dos clientes, compreendendo em profundidade o que eles querem. E não no sentido de que produto compram, mas que necessidade última satisfazem. Sempre tive fascinação pela história das réguas de cálculo, apesar de nunca ter utilizado nenhuma. Meu pai, sim, usou-as muito. Eram ferramentas impressionantes, de precisão admirável, equiparável à de um relógio. Eram parecidas com as réguas de plástico atuais, com partes móveis e que serviam para fazer, com aproximação sufi ciente, cálculos simples e complexos. A maioria das empresas fabricantes era suíça. Pois bem, em 1972, a Hewlett- Packard lançou no mercado a primeira calculadora eletrônica científica, a HP- 35, e a partir desse momento não só diminuiu a venda de réguas de cálculo, uma consequência que seria inevitável, como também aconteceu algo mais significativo: em 1980, apenas oito anos depois, todos os fabricantes de réguas de cálculo tinham deixado sua produção e estavam fora do negócio. Esses fabricantes não foram obrigados a fechar o negócio porque outras empresas começaram a fazer réguas de cálculo melhores. O fato é que não chegaram a compreender o que vendiam e não souberam se adaptar às mudanças que aconteciam em seu mercado. Se tivessem observado o mercado com antecedência sufi ciente, talvez tivessem conseguido se adaptar à mudança tecnológica que estava em operação e desenvolvido calculadoras eletrônicas. Na Chicago dos anos 1920 funcionava uma empresa grande e próspera: a Jefferson Ice Company, fundada em 1865, que se dedicava à fabricação e distribuição de gelo. A empresa conhecia bem seu produto e foi capaz de elaborar o gelo primeiro com água natural e depois com água chamada artificial, mais refinada e segura para o consumo. Tinha uma gama de produtos muito ampla, gelo de todos os tamanhos e texturas imagináveis e um sistema de distribuição de grande capilaridade, que era a base de seu sucesso empresarial. A Jefferson Ice Company inventou o primeiro cubinho de gelo em 1933. O negócio começou a declinar nos anos 1940, com a popularização das geladeiras elétricas. A Jefferson entendeu que a empresa vendia frio, não gelo, mas não se atreveu a entrar no ramo da fabricação de geladeiras. No entanto, pensou que o que vendia era a distribuição de boa temperatura nas casas e, com o negócio de distribuição de gelo, abriu uma divisão de distribuição de combustível e carvão para calefatores. Mais tarde, uma empresa de instalação de ar- condicionado. Tempos depois, nos anos 1980, o auge das lojas de conveniência e dos supermercados fez crescer de novo o negócio da distribuição de gelo, e a Jefferson aproveitou a oportunidade. A Jefferson Ice Company existe até hoje em Chicago. Em todos os mercados, em um momento ou outro, acontecem percalços que fazem tremer os parâmetros existentes. Frequentemente são tecnológicos, mas podem acontecer também por mudanças culturais, sociais ou de regulamentação. É provável que, em muitos sentidos, este seja um desafio mais difícil de superar e o que marque a fronteira entre as empresas que sabem se adaptar às mudanças e conseguem se manter daquelas que não sabem ou não podem seguir as mudanças e acabam sucumbindo. É nesse ponto que se deve fazer o maior esforço para saber de verdade o que você vende, qual é a necessidade última que está satisfazendo. Em sentido amplo, os clubes esportivos fornecem entretenimento a seus torcedores e ao público em geral. Também têm seus concorrentes, como o cinema, a televisão, o teatro ou qualquer outra forma de lazer. Porém, está claro que os clubes de futebol têm uma carga emocional muito superior para muita gente, e sua capacidade de representação social também é muito maior. Existe ainda uma diferença fundamental do futebol em relação a outras formas de entretenimento de massa: os torcedores querem ganhar antes de se divertir ou, dizendo de outra forma, querem ganhar primeiro e se divertir depois. Alguns, se o time perde, deixam de jantar, circunstância essa que não acontece com um espectador de um grande teatro se um tenor, na ária final, não consegue terminar de dar o dó de peito. A identificação dos clubes de futebol com seus territórios e população é um fato excepcional. Os clubes de futebol estão dotados de valores sociais e, algumas vezes, também políticos. Quando estávamos preparando as eleições para a diretoria do Barcelona em 2003, refletíamos sobre o que realmente esperavam os sócios da candidatura ganhadora, que necessidade os novos gestores do clube deveriam satisfazer. Em síntese, isto é o que pensávamos que os sócios queriam: 1. Ganhar. Que se construísse um time vencedor, uma equipe que jogasse bem e ganhasse, uma equipe com a qual fosse possível sonhar. 2. Que o clube, os sócios e, por extensão, os catalães estivessem bem representados, que tivessem uma boa imagem. Para conseguir ambas as coisas, o clube tinha de ser administrado de forma excelente, com o objetivo de conseguir a renda necessária para montar equipes competitivas e armar uma organização exemplar em todos os sentidos. A forma e o tamanho do bolo camisas e bonés, e transformou o estádio de Old Trafford em um lucrativo parque temático. O negócio é global porque o futebol se transforma no esporte mais universal, com áreas de rápido crescimento na Ásia e nos Estados Unidos, onde não há presença de clubes locais que possam concorrer com os líderes das principais ligas europeias; constitui, por isso, uma oportunidade para que os grandes clubes europeus se transformem em marcas globais. Agora, o terreno de jogo já não é exclusivamente as cidades dos grandes clubes europeus, seus sócios e torcedores, mas uma grande massa de adolescentes e torcedores de todas as idades, sem afiliação a times locais, que são compradores potenciais de camisas ou de partidas televisionadas e que se localizam em cidades tão distantes quanto Tóquio, Toronto ou Xangai. Foi a partir dessa evolução e desse ambiente que, em 2003, chegamos à conclusão de que na indústria do futebol estava começando a surgir uma brecha entre os clubes que se tornam fornecedores de entretenimento, com marcas de alcance global, e os outros clubes, que ficam circunscritos a mercados mais locais. Os primeiros poderão continuar crescendo, contratando os melhores jogadores, ganhando campeonatos e obtendo mais renda, o que permitirá, novamente, contratar os melhores para ganhar outra vez. É o círculo que definimos, então, como círculo virtuoso. Ao contrário, os clubes que não conseguirem continuar nesse ritmo, terão muito menos possibilidades de ganhar e deverão concorrer em mercados menores. Nesse contexto que se desenha, cada clube deve escolher em que mercado quer jogar. Se a escolha for voluntária, ficar no mercado local não tem por que ser negativo. Ao contrário, cada um deve estar consciente de quais são seus valores, qual espaço pode atingir e não querer ir além. Veremos, no próximo capítulo, exemplos de diferentes estratégias de clubes de futebol, formas diferentes de participar dessa indústria. A cadeia de valor ou quem fica com o dinheiro Como bem sabem as crianças que vão a uma festa de aniversário, mais importante que o tamanho do bolo é o do pedaço que lhes é dado. Tão crítico como saber qual é o tamanho do mercado e os modelos de negócio será saber como o valor é distribuído, a riqueza gerada. Um exemplo muito simples. De uma cadeira que é vendida por 100 euros em uma loja de móveis, gostaríamos de saber que margem fica para o vendedor, os custos de transporte da fábrica à loja, quanto é o benefício para o fabricante, a mão de obra, a amortização das máquinas e a matéria-prima (madeira). Queremos saber o benefício que cada um dos que participam do processo obtém, para decidir se queremos ser comerciantes, fabricantes ou lenhadores. No futebol, uma análise simplificada daria uma cadeia de valor mais ou menos assim: A CADEIA DE VALOR DO FUTEBOL As emissoras de televisão compram os direitos audiovisuais a preços bem mais elevados, pois o futebol é um conteúdo que gera audiência e pode fazê- las ganhar cota de mercado. Elas têm dificuldades para rentabilizar o investimento feito. Os clubes em geral não ganham dinheiro: a natureza do negócio e a estrutura de propriedade e administração fazem com que muitos deles sejam organizações sem fins lucrativos. Os patrocinadores e anunciantes pagam preços de mercado pelos ativos futebolísticos e obtêm resultados similares aos de outros investimentos publicitários. Os organismos regulamentadores (ligas, UEFA, FIFA) obtêm benefícios significativos, que são distribuídos entre as federações nacionais e os clubes, de acordo com cada caso. E os jogadores? Os jogadores são o elemento da cadeia que leva mais valor e não é dividido com ninguém. Salários crescentes, muito mais altos que os de qualquer outra atividade profissional, prêmios e comissões para os agentes. De modo que, se eu quero participar da cadeia de valor do futebol, o melhor é ser jogador ou treinador de elite ou, alternativamente, representar algum deles. Em uma reunião em Los Angeles, a propósito dessa situação, um produtor de Holly wood dizia que sua indústria é muito parecida. Que o futebol não é o único setor no qual os funcionários (jogadores) ganham quantidades extraordinárias enquanto as empresas (os clubes) perdem. Também pode acontecer com os atores/atrizes e os produtores de cinema. A concorrência Uma vez analisado e entendido o terreno de jogo no qual devemos jogar, o passo seguinte é observar quem serão nossos principais concorrentes. Quem é líder, quem são os melhores, os piores e o que podemos aprender com eles. Da mesma maneira que antes vimos que a liga inglesa é a maior do mundo, não é muito difícil, deixando as paixões pessoais de lado, identificar o clube que liderou a indústria nos últimos anos. O Manchester United foi o líder em renda de forma contínua e teve lucro praticamente todo ano. O Manchester United transformou-se em um bom referencial por muitas razões. Uma bastante significativa vem da observação atenta de como evoluiu sua renda. É muito elucidativo observar como, na temporada 1992-1993, o Manchester United e o Tottenham Hotspur tiveram rendas idênticas. O Tottenham é um clube histórico de Londres no qual jogaram figuras como Hoddle, Ardiles, Gascoigne ou o treinador Terry Venables. Um grande clube da capital da Inglaterra. Dez anos depois, em 2003, o Manchester tinha 2,5 vezes a renda do Tottenham. Os gestores do Manchester, concorrendo com o Tottenham, de um ponto de partida muito similar e no mesmo mercado, conseguiram resultados financeiros espetacularmente superiores. Esses resultados, é claro, se traduziram no terreno de jogo em sucessos esportivos contínuos, e o Tottenham não teve condições de diminuir a distância conseguida naqueles anos. Um argumento semelhante poderia se construir a partir da comparação da renda do Manchester com a do Barcelona, no período que vai entre a temporada 1995-1996 e a 2002-2003. Na temporada 1995-1996, a renda do Barça (58) e do Manchester (62) era parecida, porém, sete anos depois, o Manchester dobrou a relação (251 contra 123, respectivamente). O Manchester, da mesma forma que com o Tottenham, tinha dobrado a diferença de renda em comparação com o Barça em continuou com Zidane, Ronaldo “Fenômeno”, Beckham e Owen, um a cada ano, para construir o Madrid dos galácticos. A contratação do francês Zinedine Zidane foi a mais espetacular. O time pagou por ele 76 milhões de euros à Juventus, da Itália, uma cifra que era o recorde absoluto na época. Era uma contratação, pelo tanto que se pagou, sem sentido. Setenta e seis milhões supunham mais da metade da renda que tinha o clube naquele ano. Só se explicava pelos 480 milhões extraordinários que o Madrid tinha para gastar. De novo, como no caso de Abramovich, entrava no circuito da indústria do futebol dinheiro que vinha de fora e que gerava inflação. Os casos de Figo e de Zidane são bons exemplos. Os 60 milhões de euros que o Barcelona de Joan Gaspart obteve pela transferência do português foram parar, boa parte, nos cofres do Arsenal, da Inglaterra, em troca de Overmars e Petit. E os 76 milhões de Zidane a Juventus utilizou para contratar Buffon e Thuram do Parma, da Itália. Roberto Bettega, da Juventus, contou-me quanto foi difícil negociar um bom preço por Buffon e Thuram com o Parma, mesmo chegando com os 76 milhões de euros no bolso que o Madrid havia pago a eles. A Juventus pagou a quantia mais alta que jamais havia sido desembolsada por um goleiro — 53 milhões de euros — e outros 31 milhões por Thuram. A inflação se estendia por todo o circuito. Em 2009 parecia que a ameaça de mudança do mercado era protagonizada pelo Manchester City, da Inglaterra, comprado por 250 milhões de euros em setembro de 2008 por um grupo de investidores árabes que tem como executivo visível o magnata imobiliário de Dubai, Sulaiman al-Fahim. Em 2008, o Manchester já havia protagonizado uma contratação de destaque, a do brasileiro Robinho para o Real Madrid por 42 milhões de euros, em uma política encaminhada para transformar o Manchester em um dos grandes times da liga inglesa. Ameaçavam comprar os melhores jogadores, pelo preço que fosse necessário, gerando outra onda de inflação. No entanto, as compras que o Manchester realizou em 2009 foram finalizadas a preços mais ou menos de mercado (Adebayor, Tévez, Touré...). INFLAÇÃO NO CIRCUITO DO FUTEBOL No verão de 2009, houve nova ameaça de tremor no Paseo de la Castellana de Madri. A nova diretoria, liderada outra vez por Florentino Pérez, decidiu investir mais de 250 milhões de euros em novos jogadores, entre eles o português Cristiano Ronaldo, adquirido do Manchester United pela cifra recorde de 95 milhões de euros... Outra vez, como em 2001, o Real Madrid batia o recorde mundial. A compra do brasileiro Kaká por 63 milhões de euros ao Milan ficou em terceiro lugar no ranking mundial de contratações... Os três jogadores mais caros da história do futebol mundial foram comprados pelo Real Madrid. Porém, ao contrário do que aconteceu em 2001, e por sorte para a indústria, a inflação não se estendeu a todo o mercado. O Manchester United conservou os 95 milhões recebidos do Real Madrid em seus cofres e contratou poucos jogadores — baratos, gerando um benefício extraordinário para o clube. O Milan fez a mesma coisa. Os altíssimos preços pagos pelo Real Madrid no começo do período de transferências fizeram subir os preços “teóricos” de alguns jogadores, como o do atacante David Villa, por quem o Valencia, da Espanha, pediu 50 milhões de euros; porém, como o fluxo de dinheiro tinha parado no Manchester e no Milan, não se concretizaram tais transações e Villa, por exemplo, teve de ficar no Valencia. Apenas a transferência de Zlatan Ibrahimovich do Inter de Milão para o Barcelona por quase 50 milhões de euros e a de Eto’o, de Camarões, pareceu sucumbir à nova onda inflacionária, ainda que muito influenciada pelo interesse do Barça em se desfazer do africano, com quem só tinha mais um ano de contrato. Esses casos de tremores extremos são uma característica muito particular da indústria do futebol, e dificilmente encontramos casos assim em outros setores. Um empresário que se dedicar à fabricação de cadeiras, por exemplo, muito provavelmente terá como principal preocupação ganhar a vida da melhor forma possível, mas seria muito estranho que pretendesse ganhar um prêmio de design em todos os modelos de cadeira, ainda que tivesse de pagar do próprio bolso. As três fontes de renda Para completar a complexidade dessa indústria, vejamos com um pouco mais de detalhe as fontes de renda dos clubes: a venda de ingressos e passes, os direitos de televisão e o marketing. Exemplificando: Os estádios Na questão do estádio, destaca-se o Milan, com ingressos de valor muito baixo em relação aos outros clubes. O mesmo acontece com a Juventus e outros clubes italianos, país no qual a maioria dos estádios é de propriedade municipal e não se investiu neles como em outros países. O público é menor (a Juventus tem uma média de 20.000 espectadores por jogo), e os estádios são menos explorados. Por sua vez, o Manchester enchia as 68.000 vagas do Old Trafford com regularidade e decidiu ampliá-lo para 76.212 em 2006. O Barcelona, com um estádio de 98.000 lugares, tem um público médio de 70.000 espectadores aproximadamente. A renda dos estádios cresceu nos últimos anos à medida que os clubes investiram na melhoria de suas instalações e foram subindo o preço dos ingressos e ganhando vagas para as cadeiras VIP, lugares vendidos para empresas, com serviços e comodidades adicionais, a um preço muito mais alto. Em geral, os refrescante, banco, carro etc. O merchandising costuma vir de empresas de roupas esportivas que fornecem o equipamento aos clubes. O produto principal são as réplicas das camisas usadas pelo time, com o nome dos principais craques estampados nas costas. Finalmente, turnês de verão e amistosos, além de servirem para receber boas somas de dinheiro, servem também para abrir mercados emergentes. As possibilidades de incremento dessa renda, acompanhando o crescimento global dos clubes, parecem infinitas, porém a execução é complicada pela quantidade de variáveis que intervêm (países, anunciantes, regulamentação...) e pela crise econômica que reduziu as expectativas. Os gastos e a proporção mágica Do outro lado da moeda estão os gastos que podem ser agrupados em três grandes setores: os salários, as amortizações e os custos de operação. Sem dúvida, a chave dos gastos de um clube de futebol são os salários dos jogadores. Assumindo que o sucesso esportivo e, portanto, empresarial depende em grande parte do talento dos jogadores e que os jogadores que têm mais talento são também os que têm salários mais altos, a capacidade de pagar mais precisa estar correlacionada aos resultados esportivos obtidos. Isso não é diferente do que vemos em outras indústrias, nas quais os custos de pessoal é o principal. A lógica geralmente aceita é que, nas empresas bem administradas, os salários devem ser aproximadamente 50 por cento da renda. Na indústria do futebol dizemos que os salários devem representar entre 50 e 65 por cento da renda. Essa é uma proporção que mostra boa gestão e saúde econômica de um clube. A conclusão é clara: os clubes mais bem administrados economicamente, com base em parâmetros de prudência recomendáveis, são também os que melhores resultados esportivos obtêm a médio e longo prazos. Assim, a observação desses dados relativos ao futebol inglês na década de 1990 nos faz chegar a duas conclusões intimamente relacionadas: em primeiro lugar, que é preciso ter clubes economicamente fortes para poder pagar os salários que permitam contratar os melhores jogadores e alcançar os sucessos esportivos; e, em segundo lugar, que o objetivo de não ultrapassar a proporção perfeita do volume do gasto salarial é mais fácil de conseguir por parte dos clubes grandes, de maneira que tudo isso nos permite afirmar que nessa indústria o tamanho é, sim, importante. Essa lógica impulsiona também a ideia de que os esportistas devem ter salários variáveis, ligados aos resultados esportivos e, portanto, à renda. Falaremos disso em um próximo capítulo. Os custos de amortização são o segundo grande gasto econômico de um clube. Referem-se, basicamente, aos investimentos em contratações. Os preços pagos pelas transferências são amortizados nos anos correspondentes ao primeiro contrato trabalhista do jogador com o clube. Normalmente são contratos com validade entre 3 e 5 anos. E o terceiro grande gasto dos clubes são os custos de operação, custos normais do clube e de suas instalações, que não são diferentes dos de qualquer empresa. O regulador também concorre Como todas as indústrias, o futebol também tem seu regulador: o conjunto de organismos que define as normas da concorrência e que vela pelo seu cumprimento. Porém, com uma diferença capital e singular: esse regulador também concorre e em condições muito vantajosas. As federações, a UEFA e a FIFA são os reguladores da indústria do futebol, porém, também têm suas equipes e suas próprias competições. Refiro- me às seleções nacionais e às competições que elas disputam entre si. Concorrem com os clubes pelo público: as redes de televisão podem decidir comprar a Copa do Mundo ou a Liga, e, em um caso, a renda vai para a FIFA e, no outro, para os clubes. Concorrem também pelos patrocinadores, que podem escolher entre patrocinar a seleção ou a Eurocopa em vez de patrocinar um clube ou a Liga dos Campeões. E essa concorrência é feita em condições muito favoráveis a eles: determinam o calendário, o regulamento das competições e, sobretudo, levam os funcionários (os jogadores) dos clubes quando precisam e, para piorar, não pagam. Quando chega um fax ao Real Madrid que diz: “Por favor, liberem o Kaká nessas datas para que jogue com a seleção brasileira”, também deveriam acrescentar o seguinte — se preferirem, em letra pequena: “Por certo, não vamos pagar nada por esse empréstimo, não deixem de pagar o salário para o jogador durante esse período e não nos responsabilizamos se ele sofrer uma lesão”. Para entender a magnitude do que representa essa situação, vamos transportá-la a um hipotético sindicato de padeiros. Imaginemos o que aconteceria se o sindicato de padeiros decidisse, em alguns dias determinados do calendário, produzir um pão por conta e obrigasse as melhores padarias a enviar os melhores padeiros e os melhores vendedores para trabalhar com ele, sendo que o salário continuaria a ser pago pelas padarias de origem. Seria mais normal que as federações, a UEFA e a FIFA se dedicassem a fazer o que na realidade faz o sindicato de padeiros, ou seja, regular e não concorrer. Porém, isso não é possível. As competições entre seleções fazem parte desse esporte e têm a fidelidade dos torcedores. Além disso, tanto a UEFA quanto a FIFA argumentam que necessitam da renda que suas competições geram para “investir no desenvolvimento do futebol”. Em suma, não podem deixar de participar do negócio, porém, nesse caso, deveriam participar tanto da renda quanto dos gastos. Para que a AFA (a Federação Argentina) pudesse decidir com critério se deveria levar a equipe à Austrália para jogar um amistoso, deveria ter levado em consideração a renda e os custos. A renda era certa — receberiam direto no bolso (um milhão de dólares), porém os custos nem tanto, pois não pagam nada aos clubes que cedem os jogadores nem se responsabilizam pela consequência do cansaço e das lesões. E o negócio é vultoso: a FIFA arrecadou mais de 1,7 bilhão de euros na Copa do Mundo da Alemanha, com custos de apenas 500 milhões de euros. Nos últimos anos, tive a oportunidade de participar de inúmeros esforços para melhorar essa situação, esforços que agora começam a dar resultado. A defesa dos clubes do G-14 (associação dos maiores clubes da Europa), agora transformados em ECA (European Clubs Association), começou a dar frutos em forma de compensações — ainda que pequenas — pelo empréstimo de jogadores, assim como mais participação dos clubes na tomada de decisões. Porém, ainda há muito caminho pela frente a ser percorrido. O modelo norte-americano: a teoria do equilíbrio competitivo Sugiro gastarmos algum tempo extra para examinar um modelo de estrutura de indústria diferente, um terreno de jogo distinto: o esporte profissional nos Estados Unidos. A organização das grandes ligas norte-americanas está pensada com base na teoria do equilíbrio competitivo. Segundo essa teoria, o interesse dos espectadores e, portanto, a renda gerada, são proporcionais à incerteza pelo resultado, e essa incerteza é maior quanto mais igualdade houver entre os times concorrentes. A incerteza maximiza a renda da competição. Em consequência, a atuação do regulador da competência (a Major League Soccer, MLS, no caso do futebol) consiste em aplicar mecanismos que tendem a igualar os times. Há três mecanismos básicos: • O draft . A política de contratação dos clubes está submetida a critérios muito estritos que favorecem, a cada temporada, os times com piores resultados na temporada anterior. Primeiro, estabelece-se uma lista dos novos jogadores suscetíveis de serem precisam ser administrados ao mesmo tempo como pessoas e também como ativos que podem ser vendidos ou comprados, que têm um valor no mercado suscetível de se valorizar ou depreciar. 5. A medida do sucesso. Ou, dito de outra forma, qual é o interesse dos proprietários ou administradores. Em uma empresa, em geral, esse interesse concretiza-se na avaliação de resultados, se se ganha ou não dinheiro. No futebol não é bem assim. Geralmente, a medida do sucesso é dada pelos resultados esportivos, porém, é preciso acrescentar os resultados financeiros e, em alguns casos, os resultados políticos, no sentido de que muitos diretores administram o clube como se fossem políticos preocupados com os votos que ganham ou perdem. Para se ter uma ideia mais divertida do que podem chegar a representar essas diferenças, poderíamos tentar transportá-las, novamente, ao caso da padaria, para continuar com o exemplo anterior. Imaginemos como seria a vida empresarial de um padeiro se o pão que ele coloca à venda cada manhã, algumas vezes mais macio, outros dias mais crocante, outros dias mais esponjoso, fosse analisado diariamente pelo Herald das Padarias, com entrevistas com os consumidores, com os fornecedores... e com a análise de supostos especialistas críticos em pão. Imaginem se tivesse de revisar semestralmente o salário de seus trabalhadores, dos que trabalham no forno e dos entregadores, porque a padaria de duas ruas acima prometeu para eles um salário muito maior... E se existisse um padeiro concorrente que perdesse dinheiro com a padaria pelo simples gosto de fazer o melhor pão do mundo e todos o elogiassem por isso. Custa tanto imaginar uma situação assim que fica evidente que o futebol é realmente um empreendimento um pouco diferente. EM QUE NEGÓCIO VOCÊ ESTÁ? É essa a floresta que você quer explorar? Antes de entrar em uma indústria, é preciso estudá-la em todos os detalhes para entender se é uma indústria na qual queremos concorrer e como fazê-lo, se é ou não uma floresta que podemos explorar com sucesso. Que produto você vende? Paremos para refletir sobre que necessidade dos nossos clientes estamos satisfazendo e comparemos o nosso produto com o dos nossos concorrentes reais, aqueles que podem satisfazer essa necessidade da mesma forma ou de outras. Como se ganha dinheiro nessa indústria? Na análise do terreno de jogo, depois de medir a dimensão do mercado, estudemos também os modelos de negócio que se configuram, o que fazem para ter sucesso aqueles que participam dele. Sua evolução pode nos indicar oportunidades e ameaças futuras. Quem ganha o dinheiro? Devemos analisar a cadeia de valor de nossa indústria ou atividade. Estudar em que parte da cadeia (desenho, produção, distribuição...) se gera mais valor e lucros com o objetivo de tentar participar dela. Quem são os concorrentes e como fazem? Devemos estudar os concorrentes, os melhores e os piores da indústria. O que faz com que triunfem ou fracassem. O que o regulador quer? Como podemos influir nele? Não importa o tamanho do e que tinha muito claro como queria jogar. Várias estratégias podem chegar a ser boas. Porém, é preciso defini-las e expressá-las com clareza e depois ter coragem de aplicá-las de maneira decidida e coerente. Estratégias de clube: do Manchester ao Soria Na indústria do futebol, as estratégias dos clubes poderiam ser pensadas em três conjuntos diferentes: 1. Os clubes que aspiram ser líderes e marcas mundiais. Na Inglaterra, encontramos o Manchester United, o Chelsea, o Liverpool e o Arsenal; na Itália, a Juventus, o Milan e o Inter; na liga espanhola, o Barcelona e o Real Madrid; na Alemanha, o Bayern de Munique. Todos eles ganham mais de 200 milhões de euros por ano, têm marcas reconhecidas em todas as partes, possuem uma história centenária, concorrem no mercado pelos direitos dos melhores jogadores a cada momento e aspiram ganhar não só seus respectivos campeonatos nacionais, mas também a Liga dos Campeões. 2. Os clubes que pretendem ser bem-sucedidos e rentáveis em seus países, ganhando dinheiro. Podem ser clubes que estão localizados em mercados relativamente menores, como o português, o francês ou o holandês. Nesses países há equipes que podem aspirar ganhar seus campeonatos locais com orçamentos menores do que o dos líderes mundiais. Nesse segundo grupo, um caso interessante é o do Oly mpique de Lion, praticamente propriedade de uma pessoa só, o reconhecido empresário francês Jean-Michel Aulas. Esse clube tem uma estratégia muito bem definida, que vem sendo aplicada de forma impecável e com sucesso. O Lion ganha a cada ano cerca de 150 milhões de euros. Esse orçamento é sufi ciente para ser vencedor, com relativo conforto, do campeonato francês; de fato, o Olympique fez durante sete anos seguidos, de 2002 a 2008. Sua superioridade esportiva se baseia no fato de que a cada temporada contrata os melhores jogadores da liga francesa, e seu rendimento financeiro é obtido da venda, também em cada temporada, de seus jogadores mais destacados. No final da temporada 2006-2007, por exemplo, o Olympique transferiu Abidal para o Barcelona, Tiago à Juventus e Malouda ao Chelsea; por todos eles obteve cerca de 50 milhões de euros. Seu orçamento de renda e gastos correntes estão mais ou menos equilibrados e o clube obtém lucros substanciais com a venda de jogadores. Já conversei com os administradores do Oly mpique de Lion sobre sua estratégia. Eles sabem que se quisessem aspirar ser o vencedor da liga dos Campeões deveriam dar um salto em tamanho e ganhar entre 250 e 300 milhões de euros, assim como gastar mais. Com esse incremento arriscariam perder dinheiro, pois não só não poderiam transferir seus craques como também teriam de pagar salários mais elevados. Portanto, se conformam em ganhar a liga francesa, que não é pouca coisa, e em ser classificados na segunda fase da Liga dos Campeões, deixando aberta a possibilidade de ter sorte extra e uma série de acertos que os façam chegar à final. Porém, sabem que vencer a Liga dos Campeões não pode ser o seu objetivo. Essa é uma estratégia que executam de forma coerente, ainda que — como todas — também tenha uma parte de risco. Como história, na temporada 2007-2008, durante uma partida no Camp Nou na qual o Barcelona estava ganhando de maneira muito fácil contra o Lion — 3 a 0 —, um de seus administradores cochichou para mim: “Acho que transferimos jogadores demais”. Um caso relativamente parecido é o do Porto, de Portugal. Esse clube não ganha dinheiro, ao contrário, tem um orçamento estruturado para perder a cada temporada algo como 10 milhões de euros em sua atividade corrente. Porém, transformou-se em um negócio extraordinário pela compra e venda de jogadores, sobretudo brasileiros, a quem serve de “ponte” para que terminem jogando nos principais clubes das disputadas ligas europeias, aproveitando que a legislação portuguesa permite nacionalizar brasileiros de forma acelerada. Em uma temporada na qual conseguiu reunir um bom número de talentos, dirigido pelo treinador José Mourinho — a temporada 2003-2004 —, o Porto chegou a ganhar a Liga dos Campeões. Depois dessa temporada de sucesso, transferiu seus melhores jogadores, entre os quais Deco, ao Barcelona, e obteve rendas extraordinárias de cerca de 80 milhões de euros com os quais podia financiar seu déficit estrutural e recorrente dos oito anos seguintes. Em um subgrupo diferenciado deveríamos incluir as equipes holandesas do Ajax, o Fey enord e o PSV Eindhoven, que lutam por ganhar sua liga. Há alguns anos, o Ajax, por exemplo, tinha uma divisão de base com jogadores extraordinários e também atuava como vitrine, como agora fazem o Olympique de Lion ou o Porto. No entanto, há algumas temporadas, essa estratégia foi deixada de lado e o Ajax chegou a contratar o atacante basco de 35 anos, Ismael Urzaiz. Exatamente o contrário do que se espera de um clube formador de talentos. Nos mercados futebolísticos de ponta também há clubes que seguem esse modelo estratégico. Um caso interessante é o do Sevilla. O clube andaluz segue uma estratégia similar à do Porto. Compra jogadores de segundo nível, mas com projeção, e os vende depois de algumas temporadas, depois de tê-los formado e eles terem adquirido nome no mercado. Porém, para que essa estratégia funcione, é necessário alcançar um nível esportivo relativamente elevado. O Sevilla conseguiu: ganhou a UEFA e a Supercopa da Europa e se colocou nas primeiras posições da liga espanhola, classificações que fizeram com que os clubes compradores olhassem para seus jogadores. O Sevilla percorreu esse caminho de forma rentável, e pode continuar assim. Também pode se arriscar e mudar seu modelo, bem como crescer e lutar pelos títulos de forma continuada. Pressupõe-se hoje que o orçamento do Sevilla dobrou nos últimos três anos (de 43 a 86 milhões anuais), e que por isso o clube começou contratar jogadores um pouco mais caros. 3. Os clubes que buscam se manter nas respectivas primeiras divisões. Em todas as ligas encontramos exemplos: um deles poderia ser o Racing de Santander, uma equipe modesta, com orçamento que está ao redor dos 30 milhões de euros, administrados criteriosamente. A chave dessas equipes é não ultrapassar o orçamento. De vez em quando, transferem um jogador para obter financiamento extra para as temporadas seguintes. Um caso mais heroico poderia ser o do Numancia, time da primeira divisão espanhola, com orçamento de 14 milhões de euros. Particularmente para os clubes desse grupo e para todos em geral, a história diz que o risco maior não se apresenta na hora de escolher a estratégia que seguirão ou aquela que é melhor segundo suas capacidades, mas ter a estratégia clara e executá-la com coerência. Há vários exemplos de clubes que não foram fiéis a uma estratégia e mudaram muitas vezes seu foco, como o Valencia. Muitas vezes as circunstâncias os levaram, em dado momento, a escolher uma que não era adequada às suas possibilidades, como a Real Sociedad e o Leeds United. O caso do Valencia é de dúvida na estratégia, de não saber se deve se O ponto de partida Mas o ponto de partida estava tão longe do objetivo final que o caminho se mostrava longo e árduo. Vejamos isto resumidamente. • Na temporada 2002-2003 o Barcelona havia ganhado 123 milhões de euros. Com esse faturamento, o time estava no décimo terceiro posto do escalão mundial, mais perto do Valencia ou do Atlético de Madrid (80 milhões aproximadamente) do que do Manchester United (251 milhões de renda). • Os gastos do Barcelona naquela mesma temporada haviam crescido até 169 milhões de euros e gerado um déficit de 73 milhões de euros. A renda não aumentava, mas as despesas sim, e muito. • Os salários dos jogadores representavam 88 por cento dos ingressos (109 milhões de euros), muito longe da proporção recomendada, entre 50 e 65 por cento. • O endividamento do Barcelona era de 186 milhões de euros, 151 por cento de sua renda anual. Uma bagagem muito pesada para o clube carregar. • Esportivamente, o clube acabava de encerrar a quarta temporada consecutiva sem conseguir nenhum título. Os argentinos Javier Saviola e Juan Román Riquelme eram suas principais figuras midiáticas. • A presença de espectadores no Camp Nou havia caído consideravelmente. Todos esses dados faziam com que o Barcelona, no verão de 2003, estivesse em uma situação insustentável e em sério risco de perder o trem da globalização no qual os principais clubes do mundo estavam embarcando. A economia do clube estava perto da falência. A equipe, o produto que vendíamos, não era nada atraente nem oferecia garantia alguma de sucesso. Só a torcida, que no decorrer das duas últimas temporadas estivera em contínua desilusão (deixando cada vez mais vazio o imenso estádio azul-vermelho), parecia disposta a se deixar empolgar por um projeto de mudança e ressurgimento. Evolução ou revolução Após analisar com consciência a situação na qual o clube se encontrava, consideramos e estudamos duas alternativas estratégicas conceituais: 1) Um programa prudente e moderado de evolução. Uma redução imediata das despesas para passarmos alguns anos de austeridade, de travessia do deserto, um tempo no qual não se poderia investir nem no time nem em praticamente nada para recuperar um pouco a economia antes de voltar a crescer. 2) Uma revolução. Um esforço combinado de redução de gastos supérfluos, reestruturação da dívida e investimento imediato no time. Construir um time atraente, competitivo, que levasse o Barcelona de volta à primeira linha e que gerasse a renda que autofinanciasse o investimento realizado. A opção escolhida foi a segunda. Tratava-se de investir no time para que voltasse a ganhar títulos. Por sua vez, o sucesso esportivo devolveria prestígio mundial e levaria o time a um crescimento social que seria a fonte de um novo incremento na renda. Víamos um movimento circular entre a renda, o sucesso esportivo, o prestígio e o crescimento social que chamamos de círculo virtuoso. O investimento no time colocava a roda em marcha. Certamente, esse círculo virtuoso tinha um risco financeiro maior, porém estrategicamente era mais seguro. Não podíamos falhar no investimento inicial porque a crise econômica e financeira do Barcelona não permitia erros. No entanto, se optássemos pela prudência, ou seja, por adiar o investimento esportivo até termos um clube saneado economicamente, correríamos o risco de perder um tempo precioso em relação aos nossos rivais, que haviam alcançado um ritmo de crescimento endemoniado. Não teríamos podido concorrer com eles pela contratação dos melhores jogadores nem teríamos tido capacidade sufi ciente para pagar os salários dos nossos craques, a quem inexoravelmente teríamos de transferir, como acontecera anos antes com Luis Figo. Nessas condições, dificilmente poderíamos lutar pelos títulos e, como consequência, não teríamos recuperado o prestígio perdido nas últimas temporadas, nem teria acontecido o crescimento social necessário, que sempre foi a força do Barça. Em 2003, o risco estratégico era ficarmos no nível de um clube médio, como o Valencia ou o Atlético de Madrid, ou, no limite, sermos forçados a nos transformar em outro Asterix e Obelix. Hoje, sabendo dos extraordinários resultados conseguidos com essa estratégia, é fácil explicar. Na época, com tantas incertezas, era uma estratégia bastante arriscada. No médio prazo, nenhuma empresa pode triunfar sem um bom produto. O Barça é uma vitrine mundial para um produto de futebol e, bem administrado, o produto gerará dinheiro, o qual, por sua vez, permitirá melhorias periódicas. Contando com a vitrine e convencidos de que saberíamos tirar dela um rendimento econômico, nós jogamos no intuito de construir um bom produto, um produto campeão. O time foi construído com diferentes peças e com o know-how de Txiki Begiristain e Frank Rijkaard, mas teve um porta-bandeira: Ronaldo de Assis Moreira, o Ronaldinho Gaúcho. A qualidade técnica, o rendimento e o carisma desse jogador foram a “cara” do novo projeto. A contratação custou bastante dinheiro e muito trabalho por parte do então vice-presidente do Barça, Sandro Rosell, que usou seus contatos da época em que trabalhava para a Nike no Brasil para convencer o Ronaldinho a ir para o Barça. Explosão de renda Em cinco anos, a renda do Barcelona cresceu de forma espetacular. Dos 123 milhões de euros da temporada 2002-2003, passou a 309 milhões de euros no final da temporada 2007-2008. Essa inércia, com os novos contratos recém- assinados, permitiu obter rendas ordinárias de 380 milhões de euros na temporada 2008-2009 (385 somada à renda pela transferência de jogadores). Não foi um crescimento provocado por uma mudança súbita no mercado ou pelo surgimento de uma nova variável, inexplorada até então, mas foi alcançado fazendo crescer todas as fontes de renda tradicionais de forma proporcional. Isso foi possível porque investimos no produto que oferecíamos, a equipe de futebol, e aplicamos uma gestão profissional, seguindo os padrões de administração e métodos das melhores empresas do mundo. As fontes de renda e seu comportamento foram: a) O estádio O Camp Nou, o estádio do Barcelona, é o maior da Europa e uma joia arquitetônica inaugurada em 1957. O rendimento obtido em 2003, no entanto, era muito menor do que outros clubes conseguiam com estádios mais acanhados. Repensamos o produto que vendíamos, buscamos novos clientes e revisamos os preços. Queríamos transformar o Camp Nou em um lugar seguro e confortável para o lazer familiar e também gerar mais negócio com as empresas. Todos os esforços estavam voltados para a erradicação da violência no estádio e foram construídos novos camarotes e assentos para empresas. Transformar o Camp Nou em um parque temático rentável foi outro dos objetivos. Percebemos que o estádio do Barcelona era um ponto de interesse turístico extraordinário e que, no entanto, não gerava toda a renda que potencialmente poderia proporcionar. Redesenhamos a oferta, fizemos com que o Bus Turístico da cidade tivesse nele uma parada e que a visita ao Camp Nou fosse mais interessante e atraente. A renda se multiplicou por quatro em muito pouco tempo. Também trabalhamos na redefinição do mercado de ingressos. Percebemos que havia um grupo de torcedores de futebol que oferecia possibilidades de crescimento plausíveis. Eram os turistas, visitantes ocasionais da As despesas: com a faca nos dentes No primeiro ano, também abordamos a redução drástica de gastos. Na temporada anterior estes tinham crescido para 196 milhões. Se quiséssemos chegar ao déficit zero, objetivo absolutamente necessário para ganhar credibilidade e colocar a gestão do clube no caminho da ortodoxia, a reação precisaria ser muito notável. Em um ano conseguimos reduzir para 163 milhões. Isso foi possível por termos nos concentrado em dois aspectos. Em primeiro lugar, nos salários dos jogadores de futebol, a carga mais alta que, nesse momento, representava 88 por cento da receita, muito acima dos 50 por cento considerados ideais. Trabalhamos para transformar os contratos dos jogadores em uma parte fixa e outra variável, ligada aos resultados esportivos e ao rendimento individual. Foi necessário renegociar os contratos dos jogadores e tentamos nos desprender dos que tinham contratos altos e substituí-los por outros de qualidade técnica melhor ou similar, porém com um custo sensivelmente inferior. Abordarei esse tema no capítulo dedicado aos recursos humanos. O segundo aspecto no qual tivemos de atuar foram as despesas operacionais, as do dia a dia do clube. O princípio guia foi bastante drástico: repensar tudo. Foi feita uma lista de despesas e fornecedores do clube e todos, um a um, foram revisados, buscando neles a margem de redução que tínhamos. Foi criada uma equipe específica, dirigida por uma pessoa externa à organização. Seus membros não pertenciam a nenhum departamento concreto. A tarefa consistia em passar por todos os departamentos e perguntar se as despesas que lhes correspondiam eram necessárias e por quê. Isso foi perguntado de diferentes formas e a diferentes membros das equipes. Somente os gastos imprescindíveis ficaram, e foram realizadas licitações para obter o fornecedor que oferecesse melhor relação custo-benefício. A decisão de criar essa equipe específica e transversal respondia a uma lógica cheia de senso comum: era muito difícil que fossem os próprios membros de um departamento que, acostumados com as despesas e com determinados fornecedores, decidissem quais não eram necessários. Era preciso o estímulo de alguém de fora, alguém que, com um objetivo concreto e depois de uma análise rigorosa, oferecesse uma visão neutra. Naqueles dias, dizia-se no clube que as pessoas que faziam parte dessa equipe iam pelos corredores com um capacete e uma faca nos dentes, como se fossem Rambos, buscando gastos supérfluos para cortar. A combinação de incremento de receita e controle de despesas fez com que o clube passasse a gerar lucros contínuos nesse período de cinco anos. RESULTADOS DE EXPLORAÇÃO DO FC BARCELONA Cifras em milhões de euros A comparação desses cinco anos de resultados financeiros do Barcelona com os cinco anos anteriores é eloquente: COMPARAÇÃO DOS ÚLTIMOS CINCO ANOS DO FC BARCELONA Cifras em milhões de euros Procurando vantagens competitivas Procurando vantagens competitivas Quando você é o responsável pela gestão de uma empresa que não é líder de mercado, ou, melhor dizendo, quando o líder tem o dobro do seu tamanho, não vai fazer nenhum mal tentar aprender com ele, ou até copiar algo que ele fizer melhor. Não é vergonha alguma fazer isso, e, para ser sincero, se você nem considerar a possibilidade, acabará se transformando em um administrador imprudente. Em 2003, o Barcelona ocupava o 13º lugar no ranking mundial de receita dos clubes de futebol e faturava exatamente a metade do líder, que era o Manchester United. Além disso, na época, o Real Madrid havia começado a falar dos “galácticos”. Aproveitando os 480 milhões de euros de lucros obtidos graças a uma operação imobiliária de grande magnitude, tinha amortizado sua dívida e contratado os que eram considerados os melhores jogadores do mundo. Era uma situação que colocava o Barça claramente em risco. No capítulo dedicado ao terreno de jogo, já explicamos a fratura que se previa naqueles anos entre os clubes que estavam se transformando em globais, com torcedores mundiais, e outros de alcance muito mais local. Os consumidores em geral são capazes de se lembrar de quatro ou cinco grandes marcas de cada categoria, mas não de vinte, e muito provavelmente nem sequer sabem qual é a décimo terceira. Em 2003, corríamos o risco muito alto de não conseguir superar essa divisão que se intuía. Como consequência, tínhamos de acordar e descobrir qual era a nossa vantagem competitiva, ou seja, o que nos diferenciava do restante da concorrência e em que éramos melhores que eles. Devíamos observar o que faziam os rivais para nos inspirarmos e achar pontos sobre os quais pudéssemos embasar nosso crescimento. Ao analisarmos o Manchester United, podíamos ver que tinham construído uma estrutura comercial e de marketing complexa e profissional, da qual tinham conseguido altíssimos rendimentos. Tais rendimentos haviam colocado o time como uma das melhores equipes do mundo. Entretanto, o Manchester United apoiara seu crescimento em dois fatores com os quais não podíamos contar: em primeiro lugar, a liga inglesa contava com uma estrutura comercial muito melhor que a espanhola. O segundo diferencial era que o Manchester contava com uma herança cultural formidável para sua expansão: a Commonwealth. Nesses países, o único futebol que se via era o inglês, e, como o Manchester United era percebido como o melhor clube inglês, também era considerado, consequentemente, o melhor do mundo. O caso do Real Madrid era mais próximo culturalmente. O mercado do futebol espanhol se distribui, aproximadamente, em dois terços de torcedores do Real Madrid e um terço de culés, como são conhecidos os torcedores do Barça. Quando se pergunta aos torcedores quais são seus dois primeiros times, frequentemente respondem um time local e depois o Madrid ou o Barça. No mercado espanhol, o Barcelona está em uma situação de desvantagem em relação ao Madrid, reforçada pela maior atenção que a mídia de alcance Milhões de espectadores Jogos diretos e diferidos. Temporada de 2005/6 Fonte: LIEFA Essa realidade mostra por sua vez um paradoxo e um desafio. O paradoxo é que, enquanto a receita dos grandes clubes ainda provém majoritariamente de fontes locais, a audiência já é de âmbito global. O desafio, claro, consiste em transformar essa audiência global numa clientela também global. Que os mais de 50 milhões de torcedores que o Barça tem na Europa, ou os dez que pode ter nos Estados Unidos, se tornem também clientes, que comprem alguma coisa e gerem renda para continuar financiando o crescimento do clube. Pois é fácil entender que, do merchandising aos direitos de televisão, a renda obtida nos mercados locais tenderá a ser pequena demais para os clubes que se dimensionam em função de uma demanda e uma torcida cada vez mais globais. ACESSO AO SITE DO FC BARCELONA POR IDIOMAS Fonte: FC Barcelona Camisas em Pamplona, Newcastle e Cingapura Nesse contexto, a pergunta que toma relevância não é que camisa uma criança de Pamplona ou de Newcastle compraria, mas qual seria a escolha de um adolescente em Cingapura. E quem diz Cingapura diz Toronto ou Xangai. E é bem provável que esses adolescentes dessas três cidades irão querer uma camisa de um time que esteja em evidência. Do Barcelona, do Manchester United ou do Milan. Essa é a grande batalha que está colocada para os clubes de dimensão global. Porque o mercado de Cingapura e o de Toronto e o de Xangai são bem maiores que os de Pamplona e Newcastle, e porque estes dois últimos são mercados cativos do Osasuna e do Newcastle United. Quando os clubes se questionam sobre como devem encarar essa globalização do futebol, como devem agir perante ela, qual é a dimensão a que devem chegar, surgem diferentes dúvidas, e é muito interessante tentar respondê- las. Para onde vamos? (Os mercados) Evidentemente, os clubes não podem estar presentes em todo lugar e a todo momento; é óbvio que o ritmo de preparação e a exigência dos calendários limitam muito as oportunidades para que o time possa viajar. Portanto, na hora de responder à pergunta de onde é preciso ir, aonde ir em primeiro lugar, devemos fazer uma análise mínima dos mercados existentes, pois será necessário escolher. Tirando o fato de que para uma equipe grande o mercado europeu se transformou em um objetivo natural e pouco discutível, existem no mundo outros três mercados de futebol que será necessário considerar: o asiático, o norte- americano e o sul-americano. Para realizar a análise e tomar as decisões pertinentes, poderíamos fazer três perguntas básicas: • Qual é o tamanho da demanda, ou seja, quanto interesse pelo futebol há nesses países? • Qual é o poder aquisitivo dos torcedores? • Qual é a concorrência local, ou seja, que clubes de futebol existem e que grau de interesse geram entre os torcedores locais? Com base nessas variáveis, a análise se torna mais fácil. O mercado sul- americano e centro-americano, com o Brasil como maior mercado, oferece um altíssimo interesse pelo futebol, porém, o poder aquisitivo das pessoas é relativamente baixo e a concorrência dos times locais é muito forte. Os argentinos interessam muito mais pelo Boca Juniors ou pelo River Plate do que pelo Chelsea ou pela Juventus. Na América do Norte, ao contrário, a concorrência local (os times da MLS) é ainda muito fraca, enquanto o poder aquisitivo e a vontade dos norte- americanos de gastar dólares em lazer esportivo são muito altos. Entretanto, apesar dos esforços que estão sendo feitos, e apesar do crescimento paulatino da torcida de futebol, ainda está longe de alcançar o mínimo imprescindível para ser relevante no mundo. O soccer, além disso, deve concorrer com esportes muito maiores e mais arraigados na cultura norte-americana, como o beisebol, o basquete, o hóquei sobre o gelo e o futebol americano. O mercado asiático é o mais atrativo dos três. A China pode se transformar, no futuro, no maior mercado futebolístico do mundo, e o Japão é hoje o mercado mais atrativo. As três variáveis têm uma pontuação positiva: há que significava mais do que um clube no século XXI e no âmbito global, e nós apoiamos nos dados que tínhamos. O resultado se expressa num simples gráfico como este. O mais do que um clube no mundo, atualização da divisa tradicional, expressa pela primeira vez dessa maneira pelo então diretor de comunicação do clube Jordi Badia, se sustentava sobre duas colunas: Por um lado, o futebol espetacular. Ao perguntarmos aos torcedores do mundo todo o que lhes sugeria a marca Barcelona, muitos deles falavam do futebol espetáculo. De Ronaldinho, Maradona, Cruy ff ou Kubala. Do futebol de ataque, generoso e espetacular. Por outro lado, a marca e seu conteúdo, expressos no compromisso social, o fato de que o clube é propriedade de seus sócios, e uma entidade sem fins lucrativos. Que em um tempo de sociedades anônimas esportivas ou de proprietários ricos, o Barça é um clube no qual mandam seus sócios e que está comprometido em melhorar o mundo, transportando valores universais do esporte e da paz. Entendemos que, destas duas colunas, a primeira estava muito bem comunicada por meio de nossas equipes e jogadores, enquanto a segunda nem tanto. Utilizaríamos o nosso ativo publicitário mais visível, a camisa, para transmitir esse pilar do nosso posicionamento. Dentre todas as opções possíveis, um diretor, Evarist Murtra, propôs que nos concentrássemos na ajuda à infância, e a UNICEF surgiu como uma ótima opção. Tudo que pensamos a respeito do posicionamento nos levou de maneira quase natural ao acordo com a UNICEF em 2006. Foi uma decisão estratégica feita com muita reflexão que, em curto prazo, nos levava a renunciar a mais de 20 milhões de euros por ano. Porém, pensávamos que estava de acordo com a essência última do clube e era possível explicar isso para o mundo. A execução. De associações locais a multinacionais A globalização do futebol fez com que os clubes fossem obrigados a crescer de maneira inexorável. Especialmente aqueles que decidiram ser clubes globais. Para executar tudo o que foi descrito nas páginas anteriores (crescimento, globalização, posicionamento), é preciso usar mecanismos e ferramentas de gestão das grandes empresas. Os clubes tiveram de se estruturar como as multinacionais. E, apesar disso, ainda há clubes que são administrados de forma amadora. Ainda hoje é possível ouvir alguém chamando a renda de marketing de atípica, quando há muito tempo elas são essenciais e típicas. Hoje, os clubes de futebol profissional, pelo menos a grande maioria deles, não são associações esportivas de bairro, mas multinacionais que necessitam ser geridas como tais. Quer dizer, por profissionais do mesmo nível e preparação, como em qualquer grande empresa, estruturados e organizados da mesma maneira, com medidas de controle parecidas, sofisticados departamentos de comunicação e, provavelmente no curto prazo, com escritórios e delegações por todo o mundo. A nova diretoria do Barcelona entendeu isso desde o primeiro dia, mas o primeiro ano, a temporada 2003-2004, foi singular. A dimensão do desafio era espetacular: deixar de perder 73 milhões de euros por ano e chegar a um déficit zero. E pensávamos que grande parte da mudança deveria ser feita imediatamente, durante aquele primeiro ano. Para semelhante trabalho, organizamos o clube por projetos, com grupos de trabalho para tarefas específicas, sem ter o objetivo de estruturar uma organização definitiva. Como exemplo, já falamos do grupo de corte de gastos. Houve outro grupo ao qual pedimos que organizasse um Centro de Atenção ao Barcelonista em três meses. No clube, já havia um projeto parecido que planejava 18 meses para levar a cabo essa tarefa. Em três meses, o clube passou de 13 números de telefone e de responder só a 50 por cento das ligações a ter um único número com um nível de resposta de menos de 30 segundos e 90 por cento de atendimento. E a ter uma organização que, além de atender aos sócios com os níveis mais altos de qualidade, foi capaz de reorganizar a base de dados e colocar fotos em todas as carteiras de sócio em tempo recorde. Passada essa primeira fase de mudanças aceleradas, organizamos e estruturamos o clube de maneira parecida a uma grande empresa, com um grupo de profissionais qualificados, motivados e coordenados. A organização que tinha o Barcelona no verão de 2008, cinco anos depois da mudança na diretoria, não deve nada à de nenhuma multinacional. Nem na qualidade dos profissionais nem na estrutura organizacional. RESUMO DE IDEIAS SOBRE ESTRATÉGIA Devemos refletir cuidadosamente e fazer análises com muita base para escolher uma estratégia. Mas, depois de escolhida, deveremos ser fiéis a essa escolha em todas as nossas ações. Devemos revisar a estratégia periodicamente ou quando acontecerem grandes mudanças no ambiente, mas não podemos repensá-la, modelos de negócio que permitam entregar o valor de nosso produto de forma eficiente, seja sozinho ou com sócios locais. A compreensão de como somos vistos em relação a nossos concorrentes é crítica. Será preciso revisá-la regularmente, fazendo um esforço honesto para ver o mundo com os olhos de nossos clientes. Seja qual for a dimensão de nossa empresa, há espaço para administrar com rigor e com ferramentas modernas de gestão, que apenas são extensões e expressões do bom-senso clássico. O TIME VENCEDOR A fórmula ganhadora Quando alguém fala de fórmulas para obter êxito, a primeira coisa que se deve fazer é admitir que não existem fórmulas infalíveis e, em seguida, começar a procurá-las ou, pelo menos, tentar chegar próximo delas. Conseguir montar um time vencedor é um objetivo fundamental de toda organização humana. Admitindo que a fórmula mágica não existe e que se existisse não poderia ser exclusiva de ninguém por muito tempo, parece ser interessante, com base na experiência futebolística, apontar os conceitos de uma possível fórmula para criar e manter um time vencedor. Uma forma simples poderia ser: (compromisso x equilíbrio)talento Esta fórmula (CxE)t, compromisso vezes equilíbrio elevado a talento, pode ser mais correta no mundo do futebol do que em outro esporte ou empresa. E isso é assim porque o futebol, como dizia o ex-jogador e ex-treinador do Barcelona, Johan Cruy ff , é um jogo de erros. Trata-se de reduzir ao máximo possível o número de erros que serão cometidos ao longo de uma partida ou de uma temporada. Então, será o talento que estabelecerá as diferenças entre os competidores, assumindo uma quantidade igual ou parecida de compromisso e equilíbrio. Isto não acontece em outros esportes nos quais a precisão é mais determinante que o número de erros. Nestas modalidades, a diferença de talento pode ser reduzida com trabalho, com repetições indefinidas de um mesmo movimento até chegar a interiorizá-lo e automatizá-lo. Não é preciso dizer que há muitos outros fatores que intervêm no resultado final que obterá o time, muitos dos quais são imprevisíveis. No futebol há lesões, acertos ou erros do árbitro, calendários etc. Trata-se de conseguir que o time tenha a menor incidência possível na equação vencedora. Porque a bola não entra por acaso, apesar de o acaso poder fazer com que, algumas vezes, a bola não entre. O talento O talento é o fator mais determinante. Esta é uma afirmação com validade quase geral para o talento entendido como uma especial aptidão para fazer algo, herdada ou adquirida com a aprendizagem. Para os jogadores de futebol, o talento vem definido por seu domínio da técnica individual, por suas capacidades físicas ou pela capacidade de contribuir com o jogo coletivo, colocando-se no campo, coordenando-se com os companheiros e antecipando-se aos movimentos. As empresas brigam por contratar os executivos com mais talento, os clubes esportivos tentam comprar os treinadores e jogadores mais talentosos, os esportistas individuais querem que técnicos mais talentosos sejam seus treinadores... Os exemplos que o leitor poderia encontrar e acrescentar são numerosos e variados. Apesar disso, por razões que já mencionei, provavelmente é no futebol que o talento adquire a relevância máxima, por ser o fator que pode ter mais incidência na hora de minimizar os erros. No caso do Barcelona, atrair o melhor talento é relativamente fácil. Trata-se de comprá-lo ou de atraí-lo para formá-lo em casa. O Barça é um dos poucos clubes de futebol do mundo no qual quase todo jogador sonha em atuar quando está começando sua carreira. Trata-se de escolher com bom critério, pagar as transferências a preço de mercado e oferecer os salários correspondentes, que estão entre os mais altos da indústria. Outros clubes com potencial econômico ou com atrativo futebolístico inferior têm mais dificuldades em competir na aquisição de talento. Existe outra maneira de construir talento. Consiste em desenvolvê-lo. Trata-se de recrutar meninos com potencial de crescimento futebolístico, formá- los e treiná-los nas equipes inferiores. Neste caso, o custo é menor, e a experiência demonstra que a porcentagem de êxito é muito mais alta. Uma das primeiras análises que fizemos ao começar a administrar o clube em 2003 foi calcular, com base nos dados dos últimos dez anos, quanto havia custado em média cada jogador das divisões inferiores que tinha chegado à equipe principal, somando todos os custos de formação de todas as equipes e categorias, dividindo pelo número de jogadores que haviam chegado à equipe principal: 2 milhões de euros por jogador. Um excelente negócio. No entanto, embora o talento que existe no mundo do futebol não seja excessivamente abundante, é bastante numeroso para que a tarefa de descobri-lo e desenvolvê-lo não seja tão simples e de sucesso garantido como poderia parecer. E isso é assim por diferentes e múltiplas razões. É uma evidência que alguns membros da equipe do Barça diminuíram seu grau de compromisso, e o trabalho se ressentiu disso, em especial durante a temporada 2006-2007. Os resultados tão negativos que se obtiveram, com a perda da liga espanhola na última rodada por média de gols para o Real Madrid depois de ter uma vantagem de pontos substancial que seria sufi ciente para ser campeão, fi zeram com que todo mundo se desse conta do erro cometido e tentasse corrigi-lo. Lamentavelmente, sem êxito naquela temporada. Não é nada fácil recuperar o compromisso de um grupo sem trocar o líder e parte dos membros. Aqueles que no verão de 2007 diziam que não se conseguiria mudar a dinâmica sem mudar as pessoas tinham razão. A recuperação deste compromisso chegou um ano mais tarde, na temporada 2008-2009, na qual, depois de mudar o líder do grupo — o treinador — e alguns dos membros-chave do time, o Barcelona ganhou a Liga, a Copa e a Champions League. O compromisso autêntico é individual; sua origem está no interior de cada pessoa. Mas estimulado e agrupado na equipe pode gerar resultados extraordinários. O equilíbrio O equilíbrio faz referência à compreensão e à aceitação do papel de cada um dos membros pelo bem da equipe. É uma necessidade básica que todo mundo dê o melhor de si e um pouco mais, em forma de esforço suplementar no momento mais decisivo, pelo bem do grupo. Este é um equilíbrio de natureza emocional, mas tanto ou mais determinante que o equilíbrio estrutural que forçosamente deve ter uma equipe. A incorporação de Edgar Davids no inverno da temporada 2003-2004 foi essencial para o equilíbrio estrutural da equipe. Lembro que, quando fomos a Turim contratá-lo, também estávamos interessados em um lateral direito, Gianluca Zambrotta, e um meio-campista, Tacchinardi. De Zambrotta não quiseram nem conversar. De Davids, sim, em parte porque já tinham um substituto (Appiah) e em parte porque estavam um pouco cansados de seu caráter. Na hora de argumentar sua negativa de transferir Tacchinardi nos deram um argumento que constituía uma crença irrenunciável para eles. Disseram que não queriam mudar mais de um jogador por linha, para manter o equilíbrio e a estabilidade. Portanto, se Davids saía, não podiam deixar Tacchinardi, pois os dois eram meio-campistas. Aquela constituía uma forma de trabalhar que contrastava com o que era bastante habitual em alguns times, incluindo o Barcelona de épocas anteriores: realizar mudanças profundas e radicais em seus quadros, de uma temporada para outra. Até o escândalo que a levou à segunda divisão italiana, a Juventus foi um modelo de equilíbrio, estabilidade e êxito. Frank Rijkaard explicava naquela época que em sua equipe dez jogadores trabalhavam na defesa quando seu time perdia a bola e se esforçavam em recuperá-la; todos, menos Ronaldinho. O coletivo aceitava de bom grado esta situação, pois entendia que o craque brasileiro não devia se desgastar na defesa porque precisava estar bem no momento de atacar e conseguir, assim, explorar todo seu talento. Este era um equilíbrio de tipo estrutural, mas também emocional, de incidência decisiva para obter os triunfos que depois se alcançaram. A demonstração mais clara da importância deste equilíbrio emocional chegou em fevereiro de 2007, quando o camaronês Samuel Eto’o deu declarações polêmicas em Vilafranca del Penedès, nas quais denunciou que nem todo mundo trabalhava com a mesma intensidade na equipe e que o treinador não tratava todo mundo da mesma maneira. Naquele dia em Vilafranca o equilíbrio emocional que fora a viga mestra da equipe se partiu em mil pedaços. A denúncia de Eto’o mostrava os dois problemas de fundo que havia no vestiário. De um lado, a equação trabalho/contribuição de Ronaldinho à equipe já não era tão satisfatória; alguns jogadores tinham deixado de aceitar que o brasileiro desfrutasse do privilégio de trabalhar menos porque no ataque já não era tão determinante como antes. De outro lado, e como consequência do anterior, outros jogadores passaram a pensar que eles também tinham direito a ter consideração parecida, a de não ter de trabalhar tanto, pois podiam assumir o papel decisivo que até então tinha sido de Ronaldinho. Outros jogadores, como o brasileiro Edmilson, tocaram em várias ocasiões naquele assunto. Todos diziam o mesmo: que o equilíbrio estrutural e emocional da equipe fora perdido. Está claro que nem todo mundo precisa desempenhar a mesma tarefa na equipe, nem pode dar uma contribuição equivalente de talento e trabalho. Uns terão papel mais sacrificado e outros, mais lúcido. E que, em consequência disso, nem todo mundo deve receber a mesma recompensa. Mas as diferenças precisam ser justas, precisam estar relacionadas de forma adequada e precisam ser aceitas por todos os membros do grupo. Então, cada um terá o que se espera dele, executará com rigor e generosidade seu papel para beneficiar o grupo e a equipe fi cará equilibrada. Josep Guardiola recuperou este equilíbrio no vestiário azul-vermelho, perdido nas últimas duas temporadas. Fazia as escalações de forma inteligente para aproveitar as qualidades de cada um no momento mais oportuno, fazendo com que todos os integrantes da equipe se sentissem participantes e trabalhassem diariamente para estar sempre prontos, e foi justo em suas decisões, depois de deixar claro a cada um qual devia ser seu papel na equipe. Frank Rijkaard também atuava assim em 2003. Era um treinador exigente e justo. Lembro de uma partida da Copa da UEFA na Eslováquia contra o SK Matador Puchov. Pouco antes da partida, quando já se conhecia a escalação, Gerard López, que devia ser titular, atendeu a uma ligação em seu celular já no vestiário. Aquele gesto era contrário às normas internas. Em consequência disso, Rijkaard o puniu tirando-o da equipe titular. E fez isso apesar de Gerard ser o único meio-campista organizador que havia aquele dia na Eslováquia. Com essa decisão, podia ter atrapalhado o time. A partida não foi muito boa — o Barça empatou com um rival bem mais fraco. Rijkaard pensou que era mais importante manter a disciplina no vestiário que o resultado daquela partida. Dizia: “Gerard errou e não posso tolerar”. Na partida de volta, o Barça ganhou por 8 a 0, com Gerard no time titular. Em sua última temporada, Rijkaard trabalhou muito para recuperar esta firmeza, mas não conseguiu. Um momento significativo se produziu na semana antes da partida contra o Real Madrid no Camp Nou. Esta semana, Rijkaard ficou muito em cima de Ronaldinho e também de Deco. Deu broncas públicas em mais de um treinamento, especialmente no brasileiro, a quem — durante uma sessão — obrigou a ficar se exercitando um pouco mais depois que o treino já tinha acabado. Ronaldinho não estava em sua melhor forma e não tinha o comportamento adequado. Em consequência disso, Ronaldinho colocou a camisa dos reservas nas partidas de preparação. Quase todo mundo achou que o brasileiro não seria titular contra o Real Madrid, cedendo seu lugar ao islandês Gudjohnsen, que tinha feito algumas partidas muito boas nas jornadas precedentes. Parte da imprensa pareceu iniciar uma campanha em defesa de Ronaldinho afirmando que seria estranho prescindir de seu talento em uma partida daquela transcendência, e muitos fãs pensavam o mesmo. No final, Ronaldinho e Deco foram titulares contra o Real Madrid, partida que perdemos por 0 a 1. O vestiário não entendeu essa decisão, considerou-a injusta e o equilíbrio interno continuou ruim. Em 2007, um jogador me dizia que “o treinador perdeu muito perante o grupo no dia da partida contra o Madrid. A semana toda treinamos com Gudjohnsen na equipe titular e Ronaldinho de reserva. Aquilo fazia sentido porque Ronaldinho estava em péssima forma. Na hora da verdade, jogou Ronaldinho. Foi muito injusto, e pensamos que ele tinha se deixado influenciar”. É fácil criticar aquela decisão agora, e acho que muitos teriam tomado a mesma decisão que Frank Rijkaard: colocar o melhor talento disponível em campo, naquela partida contra o Madrid. Também sei que Rijkaard não se deixou influenciar por ninguém, que fez o que ele pensava que era melhor para a equipe. Mas o tempo demonstrou que talvez não tenha sido a decisão mais correta. Para manter o equilíbrio, é preciso exigir muito da equipe, tanto como de si mesmo, e ao mesmo tempo ser justo com as apreciações, os elogios e as recriminações. O melhor que os jogadores podem dizer de seu treinador — e foi o que ouvi de Josep Guardiola nos últimos tempos — é que ele “é duro, mas justo”. O equilíbrio no time se consegue planificando com critério, comunicando com clareza e sendo justo e implacável nas valorizações. Os conceitos de talento, compromisso e equilíbrio são aplicáveis a outras indústrias, setores e empresas, apesar de que sua implicação no futebol adquire um ponto mais crítico porque aqui a vitória pode depender somente de um Quando, no verão de 2003, nos deparamos com o desafio de organizar o Barcelona, tivemos claro que na equipe de administração necessitávamos de um doutor Não muito bom. Os clubes de futebol são fábricas de emoções e como tais estão cheios de visionários, pessoas dentro e fora do clube que têm ideias fabulosas, emocionantes e extraordinárias, infalíveis para conseguir sempre a vitória. O risco de tomar decisões de maneira emocional, especialmente depois de derrotas inesperadas ou inoportunas, por exemplo, é muito alto, e todas estas decisões têm um custo monetário elevado. Necessitávamos de um doutor Não. E o encontramos. Anna Xicoy exerceu primeiro o cargo de diretora financeira e depois foi diretora-geral, onde conseguiu fazer uma boa contribuição à equipe administrativa e ao clube. Nos anos em que estivemos à frente da diretoria do Barcelona, topamos com muitos doutores Não de outros times. Normalmente, são pessoas que têm peso decisivo nas organizações, mas que atuam distantes dos meios de comunicação. Vou dar dois exemplos: O primeiro é do Bayern de Munique. Este clube alemão tem uma estrutura de liderança muito bem definida e equilibrada, com peso indiscutível. Seu presidente é Franz Beckenbauer, uma pessoa que como jogador do Bayern e da seleção alemã ganhou todos os títulos possíveis. Karl-Heinz Rummenigge é o diretor-geral e tem um passado brilhante como ex-jogador. Ele representa o clube na Alemanha e internacionalmente. Tem postura séria e firme, de acordo com seu prestígio de jogador. E também há Uli Hoennes, que é diretor técnico e também formou parte, com Beckenbauer, de uma das épocas de mais êxitos do Bay ern e da seleção alemã. Também vi Hoennes atuar em fóruns de clubes como o G-14. É uma pessoa menos diplomática, muito mais direta. Nota-se que conhece muito bem o futebol, os jogadores e o que acontece nos vestiários. Apesar disso, uma pessoa-chave no clube bávaro, no que diz respeito à gestão, é Karl Hopfner, o diretor financeiro. É alguém que manda muito no Bayern. Ajuizado e prudente, tem perfil clássico de gestor financeiro. Quando é preciso comprar ou vender jogador do Bayern, é com ele que se deve falar. É o doutor Não do Bayern de Munique. O segundo exemplo é da Juventus, e é bastante parecido. A liderança do clube de Turim era formada por três pessoas, embora só duas delas fossem conhecidas do grande público. Uma era Roberto Bettega, ex-jogador de prestígio. É inteligente, experiente e representava muito bem a Juventus no mundo do futebol. A segunda é Luciano Moggi, o diretor técnico. Trata-se de um personagem que gera certa inquietude aos que o encaram, causa um pouco de medo. Fala muito pouco e só em italiano. Nunca dá para saber se você está diante da pessoa ou do personagem, de um homem que sabe tudo, de uma destas personalidades que criam uma imagem pública à base de falar muito pouco, deixando claro que sabem muito mais do que dizem. E, por fi m, havia uma terceira pessoa, Antonio Giraudo, o autêntico doutor Não da Juventus. Economista e financista, conselheiro delegado do clube de Turim. No terreno de jogo, os doutores Não podem ser encontrados, preferencialmente, em posições defensivas. São jogadores que optam por não arriscar se não for absolutamente necessário, pois entendem o custo de marcar um gol contra. Atuam com prudência, procuram ter controle da partida, dão ordens aos companheiros para que não percam a disciplina tática, pedem que não abandonem seus postos sem necessidade. O ombro O ombro é o que os ingleses chamam de doer, quer dizer, o que faz as coisas. Quando o visionário e o doutor Não já discutiram bastante a ideia, o ombro pega a informação resultante e a coloca em prática, joga-a sobre o próprio ombro. As características que melhor o definem são o estímulo e a perseverança, tem espírito de sacrifício e, em geral, é um trabalhador incansável. O ombro dá equilíbrio ao grupo. Frequentemente também proporciona sensatez porque sabe, talvez melhor do que todos, quanto custa fazer as coisas. Sempre olha a tarefa que foi encomendada com espírito positivo, procurando o melhor meio de realizá-la, de levá-la à prática. Tenho visto equipes com visionários e doutores Não que nunca conseguem transformar suas ideias em realidade, por melhores que possam ser, porque não encontram ou não têm ninguém no grupo que as realize, porque ninguém as coloca sobre o ombro e as põe em prática. O ombro do time são esses jogadores que dão equilíbrio ao conjunto. Que entendem em cada momento do jogo que ritmo devem impor, a quem devem dar mais espaço, se aos visionários ou aos doutores Não. Apesar de ser comum vê-lo no centro do campo, nas tarefas de direção da equipe, sendo uma espécie de prolongação do treinador no campo, às vezes esta tarefa recai sobre alguém da defesa. Na verdade, na linguagem jornalística do futebol, não é estranho escutarmos falar de jogadores que “levam a equipe no ombro”. Fazem isso nos momentos mais críticos e contagiam com seu exemplo o restante dos companheiros, empurrando-os em direção à vitória. O ombro dos times são pessoas geralmente generosas e abnegadas. Gostam de cumprir seu papel, mas também necessitam do reconhecimento do restante do grupo. Em cada época e em cada circunstância de uma organização, é preciso se perguntar que combinação de visionários, doutores Não e ombros se necessita na equipe de administração. E quem entre eles deve ser o líder. Existe a tendência a pensar que o visionário deve ser sempre o líder, e não é assim. Haverá circunstâncias e momentos nos quais o mais importante para a empresa ou a organização será a ordem e o controle. Então, será necessário que o líder seja o doutor Não. Em outras, quando o que é preciso fazer está bem definido e claro para todos e o que falta é ir direto ao ponto, acelerar com tudo, colocar em prática, a liderança deverá recair sobre o ombro. E, da mesma maneira que no mundo empresarial ou organizacional, pode haver pessoas que saibam cumprir, em cada momento, mais de um destes três papéis porque as circunstâncias exigem; também em um time podemos encontrar jogadores que compartilhem as características de mais de um tipo. Na hora de montar a equipe, de fazer a escalação, o treinador deverá decidir de que equilíbrio precisa para enfrentar uma partida qualquer, em função do rival ou das circunstâncias do campeonato. E, durante a partida, poderá incidir na dinâmica fazendo mudanças, introduzindo mais doses de visionários, doutores Não ou ombros para mudar o resultado ou mantê-lo. A formação e o desenvolvimento de um time A observação atenta da vida e da evolução das equipes de gestão das empresas permitiu conceitualizar alguns estágios em sua formação e desenvolvimento que se repetem de tal maneira que é possível tentar estabelecer uma teoria. Uma teoria que o psicólogo norte-americano Bruce Tuckman começou a formular em 1965, estabelecendo quatro etapas no desenvolvimento de uma equipe: forming (formação/constituição), storming (tempestade/agitação), norming (normalização) e performing (rendimento/consolidação). As equipes de direção dos clubes de futebol são um exemplo interessante para observar como essas quatro etapas acontecem. E resultam especialmente de instrutivos nos clubes que não são profissionais, mas amadores, pois neles os dirigentes são escolhidos pelos sócios e não recebem nenhuma remuneração financeira por sua dedicação. Constituição Como o nome indica, esta é a etapa na qual o time se constitui. Seus membros começam a trabalhar juntos. É possível que seja a primeira vez que colaboram entre si. Fixam os objetivos que querem alcançar, identificam os desafios que têm pela frente e estudam os detalhes. Nesta fase, todos os membros da equipe atuam da melhor maneira possível, contribuindo com tudo que sabem e podem. Não obstante, são contribuições estritamente individuais; destas não forma ainda uma equipe de trabalho. É o momento de se conhecer. Todo mundo achar tudo isso um pouco ridículo, mas é exatamente assim. É a natureza humana. A maturidade e a experiência são muito necessárias. Porque, depois de uns quantos meses, após uns quantos aborrecimentos e umas quantas doses de autoestima, os bons diretores aprendem a ler os jornais sem que fi quem tão influenciados por eles. No caso da diretoria do Barcelona, a agitação que se desencadeou no outono de 2003 e se prolongou até o verão de 2005 gerou, em primeiro lugar, dificuldades na gestão do clube durante um ano e meio. Houve tensões, discrepâncias mais ou menos expostas, tentativas de usar os meios de comunicação para favorecer determinadas pessoas ou posições etc. Em segundo lugar, provocou a demissão de parte da Diretoria no verão de 2005. Os diretores demitidos se transformaram, de um modo ou de outro, em oposição e fonte de polêmica. E, em terceiro lugar, ocorreram, como consequência, mudanças no modelo de liderança, já que este precisou se adaptar para superar aquela fase de agitação. O Barcelona não é um caso único. Lembro de ter sentado para comer ao lado de Juan Mendoza, vice-presidente do Real Madrid na diretoria de Ramón Calderón. Este diretor, filho do ex-presidente Ramón Mendoza, é um reconhecido executivo de empresas. A conversa aconteceu em 2006. Eles tinham acabado de ganhar as eleições à presidência do clube branco. Mendoza filho me explicava como seria organizada a Diretoria, quem faria o quê, o grande equilíbrio que haveria entre todos eles e, concretamente, que Calderón iria fazer um trabalho mais de representação e que ele assumiria boa parte da tarefa de gestão, como correspondia a sua experiência empresarial. No entanto, quando ainda não havia transcorrido um ano dessa conversa, Mendoza apresentou sua demissão, com Juan Carlos Sánchez. Embora as razões dadas para explicar a demissão fossem as habituais, de tipo pessoal, pelas várias informações jornalísticas que se recolheram nesses dias, parece que o problema era que as expectativas que tinham sido geradas no interior daquela candidatura não se cumpriram depois de constituída a Diretoria. O presidente Ramón Calderón tinha tomado muito mais protagonismo e atribuições das que, a princípio, fora concordado. Essa foi a primeira agitação naquela equipe de gestão. Na etapa da agitação, os membros da equipe devem usar toda sua maturidade. Devem ser pacientes e tolerantes, estabelecer pontes de compreensão e escutar todo mundo. Mas, se não conseguirem, devem estar também preparados para tomar decisões drásticas. Normalização Quando as equipes de direção superam a etapa de agitação, algo que inexoravelmente conseguem, passam para a seguinte, a da normalização. Diríamos que depois da tempestade vem a calmaria. Neste momento, os membros da equipe adequaram seu comportamento às necessidades do grupo. Todo mundo já sabe, mais ou menos, o que deve fazer e como deve atuar com os demais componentes da equipe. As regras podem ter ficado escritas ou serem derivadas da prática que se seguiu. O risco mais alto que existe nesta etapa é que o grupo perca criatividade. Esta perda da capacidade de inovar, de fazer coisas extraordinárias é superada pelo pensamento grupal, pela opinião da maioria que, normalmente, está acostumada a ser menos atrevida que a individual. Nem sempre esta é uma consequência negativa, pelo contrário. Em muitos momentos da vida de uma organização é preciso parar de fazer inovações e coisas extraordinárias para se dedicar a administrar as questões ordinárias do dia a dia, que foram planejadas tempos atrás. É o momento de procurar a eficácia da gestão. A Diretoria do Barcelona, surgida das eleições de 2003, também passou por sua fase de normalidade. Alcançou-a em 2005 e 2006, depois de superar a primeira etapa de agitação. Foi uma etapa muito produtiva para o presente e para o futuro do clube. Foram encaminhados e executados projetos de grande importância para o clube. A magnífica equipe de gestão, bem coesa, executava ao mesmo tempo o novo contrato de televisão, o patrocínio com a Nike, a aliança com a UNICEF e uma longa lista de atividades, coincidindo com o momento em que o time de futebol obtinha grandes êxitos esportivos. Mais adiante, várias mudanças na Diretoria e no comportamento de seus membros e circunstâncias externas distintas terminariam por gerar novas agitações e fraturas. Consolidação Algumas equipes de gestão conseguem chegar à quarta fase de desenvolvimento, a da consolidação do grupo. Neste momento, a equipe se comporta como uma autêntica unidade. Já não existe nenhum conflito gratuito ou desnecessário, a não ser que seja fruto de uma circunstância muito determinada e externa. Seus membros se respeitam, respeitam suas competências e as respectivas personalidades. Sentem-se livres para expressar suas opiniões sem medo de que sejam mal interpretadas. A comunicação entre eles é fluida, e os resultados chegam também com fluidez. Todos nós vivemos alguma destas etapas e as recordamos com alegria. São esses momentos nos quais o vento sempre sopra a nosso favor, nos quais nos sentimos próximos de nossos companheiros e compartilhamos o êxito com eles. Estes bons momentos acontecem no mundo do esporte, mas também na gestão de organizações. Eu já passei por eles e espero que o leitor também tenha passado. As equipes passam várias vezes por estas fases. Sua vida não é linear, ao contrário. Acostume-se a estar em constante mudança de uma etapa para a outra, para a frente e para trás. O mais importante é saber, a cada momento, em qual das quatro fases descritas nos encontramos e nos comportar adequadamente, em concordância com a fase, para o bem da equipe e do resultado final. aprender como se comportam os outros membros da equipe para que tudo esteja coordenado? – Se estamos na agitação, estamos nos comportando com a máxima maturidade? Trabalhamos para estabelecer pontes de compreensão? Somos sufi cientemente pacientes e tolerantes? Estamos preparados para tomar decisões drásticas se for necessário? – Se estamos na normalização, estamos sufi cientemente atentos para não cair sempre em pensamentos grupais? Estamos perdendo fôlego ou a capacidade de inovar? – Se estamos na fase consolidada, devemos desfrutá-la e construir relações pessoais fortes que nos ajudem quando venha uma nova etapa de agitação. PERGUNTAS SOBRE NOSSA EQUIPE 1. Como é nossa fórmula (CxE) – Temos talento sufi ciente? A médio prazo, não é possível ganhar sem talento. Deveremos adquiri-lo ou formá-lo. – Qual é o grau de compromisso do grupo? É autêntico e interior? O que pode fazer o líder para melhorar a motivação e aumentar o compromisso? – Temos uma equipe sufi cientemente equilibrada? Todo mundo sabe o que deve fazer e aceita isso? 2. Temos a combinação adequada de visionários, ombros e doutores Não? LIDERANÇA: HOUSE, FRANK RIJKAARD E PEP GUARDIOLA A função do líder é conseguir os resultados que se espera do grupo. Para poder alcançá-los, é preciso uma equipe com o talento e a motivação adequados aos objetivos propostos. Os objetivos devem ser ambiciosos, mas também possíveis. O líder deverá extrair as melhores capacidades de cada um dos componentes da equipe e colocá-las a serviço do conjunto. O futebol, sendo um esporte coletivo e de natureza tão mutante, gera excelentes oportunidades para estudar os diferentes tipos de liderança necessários a cada momento e em cada circunstância. E permite observar em que medida é preciso que o líder seja feito no dia a dia, esforçando-se por compreender as necessidades que o grupo tem. Esta capacidade de trabalho, de compreensão e de adaptação às novas situações é uma qualidade essencial para ser um bom líder. Liderança e carisma Existe certa tendência a pensar que os líderes não se fazem, mas nascem. Segundo este raciocínio, a capacidade para liderar grupos humanos seria inata e não adquirida. Não é exatamente assim. O líder também se faz com esforço, estudo e trabalho diários. O erro radica na confusão que geralmente se gera entre liderança e carisma, assim como na tão batida referência à excelência dos líderes carismáticos, os quais, no entanto, se não desenvolverem e reciclarem suas habilidades, poderão se transformar em líderes efêmeros. A liderança é unicamente uma condição, a de líder, enquanto o carisma faz referência à qualidade ou à capacidade moral de determinada pessoa para guiar os demais sem nenhum tipo de coação. O carisma não é uma qualidade imprescindível para alguém que pretenda ser o chefe de um grupo humano. Apesar de ser muito útil na hora de ganhar a liderança ou nos momentos de grandes dificuldades, quando é importante obter a confiança do conjunto a fi m de impor decisões difíceis ou duras. Afinal, o ponto-chave da liderança e do carisma está na legitimidade de quem o ostenta ou desfruta, e tal legitimidade se outorga de maneira transitória. Para manter sua validade, é preciso renová-la dia, a dia com a obtenção de resultados positivos para o grupo, e estes não são obtidos sem trabalho. Da mesma maneira que o melhor que pode acontecer a qualquer artista é que a inspiração o encontre em pleno trabalho, o mais oportuno para um líder é que o carisma o encontre trabalhando. A formação da equipe Há duas decisões principais das quais um líder deverá participar e executar: a formação de sua equipe e a escolha do estilo de liderança que seja mais adequado às pessoas que a formam. No futebol, a formação da equipe depende, em grande medida, das possibilidades financeiras do clube. Apesar disso, tanto quando se trata de um clube com potencial econômico elevado como quando se trata de um clube mais modesto, é certo que o líder fará bem em se adaptar aos jogadores e demais componentes da equipe antes de pretender que todos eles se adaptem às suas ideias e a seu modo de ser. A trajetória do Barcelona desde a temporada 2003-2004 até a temporada 2008-2009 é um ótimo exemplo para analisar um caso prático de liderança e formação de equipes. Uma equipe nova No verão de 2003, o Barcelona era um clube sem direcionamento. A nova Diretoria confiou a liderança da equipe a Txiki Begiristain, como diretor técnico, e a Frank Rijkaard, como treinador. Os dois herdaram uma equipe que mal tinha conseguido se classificar para a Copa da UEFA, ficando em sexto na liga espanhola — o último posto a dar direito a disputar a competição — na última rodada do campeonato, com uma vitória em casa contra o Celta de Vigo. Begiristain e Rijkaard receberam o encargo de formar uma equipe que regressasse ao caminho dos êxitos esportivos, respeitando o estilo de jogo de que os sócios do Barça gostam. O Barcelona completara sua terceira temporada sem ganhar nenhum título, e era urgente mudar esta dinâmica perdedora. Tinham toda liberdade para fazer modificações no time, mas com certa limitação econômica por causa das dificuldades que o clube atravessava nessa época. Pediram para reforçar todas as linhas do time. Contratou-se o goleiro Rustu, que se destacara bastante no Mundial da Coreia e do Japão com a seleção nacional da Turquia, o central Mario, do Valladolid, que consideravam um defensor com grande potencial de crescimento, o central e capitão da seleção mexicana, Márquez, que naquele momento pertencia ao Mônaco e já gozava de experiência e qualidade sufi cientes para dar o salto ao Barcelona; contratou-se também o ponta-direita português Quaresma, do Porto, outra jovem promessa, e o atacante brasileiro Ronaldinho, do Paris Saint-Germain, que naqueles dias era o ícone da Nike e aparecia no firmamento futebolístico como iminente estrela midiática. No conjunto, as contratações do verão de 2003 estiveram condicionadas pela situação econômica do clube. Todas foram contratações relativamente baratas. Por Rustu não foi preciso pagar pela transferência porque ele estava com o passe livre. Márquez custou 8 milhões de euros e Quaresma, 6. Por Mario se articulou uma cessão com opção de compra na temporada seguinte. O esforço econômico foi reservado para a contratação de Ronaldinho, o homem ao redor do qual se pretendia edificar o novo projeto. Decidiu-se incorporar Quaresma e não Cristiano Ronaldo, que foi para o Manchester United, porque não podíamos igualar a oferta do clube inglês. No final de agosto, desistiu-se da contratação de Deco porque era muito difícil enfrentar os 15 milhões que pedia o Porto, mas também porque, depois de tê-lo visto pela última vez em Mônaco, na final da Supercopa contra o Milan, considerou-se que seu papel já estava coberto com Ronaldinho. Txiki Begiristain e Frank Rijkaard procuraram, na formação desta equipe, jogadores de grande talento técnico que, mesmo sem títulos importantes, encontrassem no Barcelona o veículo ideal para ganhá-los. Esta era a chave para obter dos novos jogadores um compromisso firme na recuperação do clube. E esta foi uma das razões pelas quais foi possível estabelecer a confiança necessária para que tanto os técnicos quanto os jogadores concordassem em assinar contratos com parte importante do salário condicionada a seu rendimento e à conquista de títulos. Não houve dificuldades relevantes. Os técnicos foram conscientes em todo momento da situação econômica do clube, que havíamos explicado de forma clara. A ponto de, diante das dificuldades para contratar Ronaldinho, Rijkaard afirmar que, se não podiam incorporá-lo e tivessem de ficar com Juan Román Riquelme — o jogador brasileiro vinha ocupar o lugar do argentino que fora cedido ao Villarreal —, não seria nenhum problema. Foi um exemplo do compromisso e da qualidade do líder do grupo para se adaptar à equipe de que dispunha. Rijkaard foi também muito hábil ao dar a primeira oportunidade, nas primeiras partidas, aos jogadores que tinham liderado o vestiário até então, com o capitão Luís Enrique à frente deles. Por se sentirem respeitados, foram esses mesmos jogadores que mais ajudaram Frank Rijkaard a administrar o grupo e dar passagem aos mais jovens.
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