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Guias e Dicas
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LIVRO EDUCAMPO 2016.compressed, Manuais, Projetos, Pesquisas de Ciências da Educação

Livro Educação do Campo, Artes e Formação Docente

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2017

Compartilhado em 02/06/2017

gustavo-cunha-de-araujo-7
gustavo-cunha-de-araujo-7 🇧🇷

4.8

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Baixe LIVRO EDUCAMPO 2016.compressed e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Ciências da Educação, somente na Docsity! pa EDUFT a ) Cícero da Silva E po jo ú Cássia Ferreira Miranda E E Ny) Helena Quirino Porto Aires ” ui Ubiratan Francisco de Oliveira k PN (Orgs.) EDUCAÇÃO DO CAMPO, STS FORMAÇÃO DOCENTE Helena Quirino Porto Aires é mestra em Educação pela Universi- dade Federal do Tocantins (UFT). Graduada em Pedagogia pela Fundação Universidade do Tocan- tins (UNITINS). Licenciada em Biologia pela UFT. Especialista em Gestão Pública pela UFT. Professo- ra do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habili- tação em Artes e Música da UFT, Câmpus de Tocantinópolis. Ubiratan Francisco de Oliveira é doutorando, mestre e licenciado em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professor do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música na UFT, Câmpus de Tocantinópolis. Membro do Obser- vatório da Educação do Campo da UnB, do Grupo de Estudos sobre Expansão da Educação do Campo no Brasil, da Rede Universitas; e do Grupo de Pesquisa em Geografia Dona Alzira (IESA-UFT). EDUFT Cícero da Silva Cássia Ferreira Miranda Helena Quirino Porto Aires Ubiratan Francisco de Oliveira (Orgs.) EDUCAÇÃO DO CAMPO, ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE Palmas – TO 2016 EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 3 23/05/2017 16:14:43 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Tocantins – SISBIB/UFT E24 Educação do campo, artes e formação docente / Cícero da Silva, Cássia Ferreira Miranda, Helena Quirino Porto Aires, Ubiratan Francisco de Oliveira (orgs). – Palmas/TO: EDUFT, 2016. 244 p.:il. ISBN: 978-85-60487-12-7 1. Educação do Campo. 2. Formação docente. 3. Artes. 4. Práticas pedagógicas. I. Título. CDD 370.71 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – A reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio deste documento é autorizado desde que citada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Reitora Isabel Cristina Auler Pereira Vice-Reitor Luis Eduardo Bovolato Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Raphael Sanzio Pimenta Diretor de Pesquisa Guilherme Nobre L. Nascimento Conselho Editorial Waldecy Rodrigues (Presidente) Claudionor Renato da Silva Jorge Luís Ferreira Liliana Pena Naval Milanez Silva de Souza Renata Junqueira Pereira Capa Sings sunflower. 2017. Renata Lopes Cipriano/ Tássia Martins Cipriano/ Clivia Iasmim Lima de Souza/ Leidiane Gomes da Silva Lima/ Andreza Sousa de Castro/ Marilda Pereira da Silva Projeto Gráfico e Diagramação M&W Comunicação Integrada Revisão Gramatical Cícero da Silva / Neusa Teresinha Bohnen Impresso no Brasil Printed in Brazil EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 4 23/05/2017 16:14:43 DEDICAMOS ESTE LIVRO Aos companheiros Flavio Moreira (in memoriam) e Claudemiro Godoy do Nascimento (in memoriam), pelas lutas empreendidas em prol da educação do campo, especialmente no estado do Tocantins. A todo(a)s o(a)s camponeses (a)s e professores (a)s das escolas do campo, vinculado(a)s aos cursos de licenciatura em Educação do Campo, que lutam por uma formação de qualidade para o fortaleci- mento do ensino básico no meio rural brasileiro. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 5 23/05/2017 16:14:43 EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 8 23/05/2017 16:14:43 9 PREFÁCIO Com muita honra recebi o convite para prefaciar o livro Educação do campo, artes e formação docente. As lembranças da luta para criar o primeiro curso de Licenciatura em Educação do Campo, na Universidade Federal de Minas Gerais em 2004, e o desafio de registrar essa experiência em uma publicação semelhante em 2010, voltaram à minha mente e passo a descrever algumas. Em 2016, já foi possível avaliar os resultados pelos editais do Ministério da Educação para a criação de novos cursos e a constatação de que estávamos com cerca de 44 cursos em funcionamento. Desafios, possibilidades, ousadia e ruptura são palavras que marcaram essa caminhada. Em cada universidade houve grupos de professores e estudantes que provocaram as estruturas acadêmicas ao propor a inclusão de um curso de graduação no rol de formações já consolidadas, em termos de conteúdos, na forma de organização dos processos formativos e no perfil dos sujeitos atendidos. E não foi diferente na Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, microrregião do Bico do Papagaio, na criação do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, a partir da adesão ao Edital SESU/ SETEC/SECADI nº 02/2012. O curso é um ponto de referência que marca a longa caminhada em torno do desenvolvimento de projetos de formação continuada de educadores na perspectiva da educação do campo, no envolvimento, na realização de eventos e no EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 9 23/05/2017 16:14:43 Educação do campo, artes e formação docente 10 desenvolvimento de pesquisas. Nessa experiência, pode-se ressaltar a parceria da universidade com os movimentos sociais e sindicais. Ao ler o livro, toma-se conhecimento de que o fator decisivo para a concretização do curso foi a demanda dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, expressa por meio de organizações sociais locais. O livro também discute a concepção de artes e música entendida como uma forma de linguagem que acessa a sensibilidade, a imaginação, o poético e o estético na luta política, no fortalecimento identitário e na ampliação das possibilidades de compreender o mundo. Como registra Carvalho (2015, p. 47)1: “Uma proposta de arte que se propõe a estimular o debate a respeito de questões políticas e sociais em uma perspectiva de que a obra de arte é também uma ação política do artista.” Desafio considerável se levarmos em conta que o curso propôs uma temática formativa que provocou pelo menos duas ousadias. A primeira diz respeito ao direito de acesso, por parte da população campesina, aos saberes e práticas de uma área do conhecimento que tem sido historicamente ocupada por um pequeno grupo de pessoas. A segunda coloca a arte para além da distração, do lazer, da fruição ao reafirmar sua dimensão política, sua força como conhecimento criativo e transformador das estruturas instituídas. 1 Em sua dissertação: CARVALHO, C. A. S. Práticas artísticas dos estudantes do curso de licenciatura em educação do campo: um estudo na perspectiva das representações sociais. Mestrado em Educação. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 10 23/05/2017 16:14:44 Prefácio 13 indissociável da formação. Há uma produção de conceitos, de categorias e de metodologias que pode sinalizar para formas diferenciadas para articular ensino, pesquisa e extensão no âmbito acadêmico. Fico pensando que a tarefa desenvolvida pelo grupo do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música pode se constituir como uma referência para todos que estão envolvidos na construção das licenciaturas em Educação do Campo em suas instituições. Registrar, sistematizar e analisar as práticas formativas são ações que potencializam e fertilizam nossas lutas! Esses aspectos sinalizados só assumem amplitude em função de uma característica presente em todos os textos, da apresentação ao currículo dos autores. Os sujeitos e o contexto campesino estão presentes nas práticas cotidianas do curso. As temáticas relacionadas aos desafios para produzir e reproduzir a vida são conteúdos trabalhados com o uso de metodologias comprometidas com um conhecimento capaz de gerar transformações na realidade. Os autores possuem trajetórias de envolvimento com o campo e seus sujeitos. Por isso é que o livro é pleno de vida, com suas contradições, desafios e possibilidades. Maria Isabel Antunes-Rocha Professora associada da FaE/UFMG. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Nepcampo/UFMG). Membro da Comissão Nacional do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e da Comissão Estadual de Educação do Campo de Minas Gerais. Desenvolve pesquisas com as seguintes temáticas: formação e prática docente, educação do campo, representações sociais. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 13 23/05/2017 16:14:44 EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 14 23/05/2017 16:14:44 15 INTRODUÇÃO A obra Educação do campo, artes e formação docente, gestada de pesquisas e trabalhos desenvolvidos no curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da Universidade Federal de Tocantins (UFT), Câmpus de Tocantinópolis, traz reflexões a respeito das experiências na formação inicial de educadores e educadoras do campo na microrregião do Bico do Papagaio, estado do Tocantins. As investigações aqui relatadas reforçam que a reflexão acerca da prática docente pode contribuir significativamente para a implementação de práticas didático- pedagógicas interdisciplinares na educação do campo. Ao produzir esta obra, os autores assumiram o compromisso de romper barreiras impostas a essa modalidade de educação. Os trabalhos produzidos à luz das concepções teórico-metodológicas da educação do campo, pedagogia da alternância e artes trazem críticas, sugestões e reflexões de fundamental importância para a afirmação de um projeto de educação condizente com a realidade dos camponeses, seja no ensino básico ou superior. Em sua maioria, as pesquisas que resultaram nos trabalhos que compõem esta obra foram desenvolvidas no âmbito das atividades científicas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo – Gepec (UFT/CNPq). O grupo foi criado em agosto de 2015 e está vinculado ao curso de Licenciatura em Educação do Campo com EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 15 23/05/2017 16:14:44 Educação do campo, artes e formação docente 18 na proposta formativa do curso e analisam o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e as experiências com a realização de atividades vinculadas às disciplinas Seminários Integradores I, II, III e IV nos tempos2 universidade e comunidade. Em Percurso metodológico para construções identitárias na formação de professoras e professores do campo no norte do Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT – Câmpus Tocantinópolis- TO, Ubiratan Francisco de Oliveira apresenta algumas reflexões sobre a criação e o funcionamento, a partir das experiências metodológicas, do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT, explicitando as características próprias da educação, dos sujeitos e sujeitas do campo. Traz uma experiência de atividade com os alunos do curso sobre a “História de Vida”, desenvolvida no tempo universidade e tempo comunidade. Para fechar a primeira parte, a obra traz o capítulo A reforma agrária e a educação no campo, potencialidades para a promoção do desenvolvimento territorial: um estudo sobre a região norte do Estado do Tocantins, de Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus e Rosa Ana Gubert. O trabalho apresenta resultados de um estudo a respeito da importância da reforma agrária e da educação do campo no Brasil, 2 Inspirado na proposta formativa da Pedagogia da Alternância, o curso de licenciatura caracterizado adota dois tempos e dois espaços formativos diferentes: Tempo Universidade (período de aulas na universidade) e Tempo Comunidade (período de permanência no meio socioprofissional ou comunidade, espaço social em que os discentes desenvolvem suas pesquisas, isto é, estabelecem a relação teoria/prática). EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 18 23/05/2017 16:14:44 Introdução 19 como meios para tentar resolver os confrontos pela posse de terra entre latifundiários e camponeses. É assumida na pesquisa a abordagem qualitativa, conduzida a partir de levantamentos bibliográficos baseados em autores/ pesquisadores que têm se debruçado sobre essa temática nos últimos anos. Fundamentam o trabalho autores como Oliveira (2007), Fernandes (2008), Feliciano (2006), Guanziroli et al. (2001) e outros das ciências sociais que acreditam que a estratégia para solucionar a questão agrária atual seja a realização de uma reforma agrária de forma justa. No contexto da educação do campo, Fernandes e Molina (2004) e Rodo e Enderle (2012) são alguns dos autores utilizados para discutir a importância da educação no campo para os movimentos sociais campesinos. Iniciando a segunda parte – Artes e educação do campo –, Gustavo Cunha de Araújo, em Arte/educação no campo: algumas reflexões, propõe-se a desenvolver algumas reflexões sobre a importância da arte na educação do campo a partir de uma pesquisa teórica realizada nesses dois campos de conhecimento. De abordagem qualitativa e de caráter descritivo e interpretativo, as reflexões produzidas nessa pesquisa teórica são frutos de leituras realizadas a respeito da história do ensino de arte no Brasil dos últimos trinta anos, a estética sociológica e a educação do campo, sendo esta última área recente de pesquisa. Araújo defende em sua pesquisa que a arte possibilita ao estudante jovem e adulto do campo desenvolver um olhar crítico a partir do contato com diversas manifestações artísticas, suas matrizes EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 19 23/05/2017 16:14:44 Educação do campo, artes e formação docente 20 teóricas e seus diferentes procedimentos técnicos. A arte tem papel fundamental na educação do campo ao produzir novas ideias e saberes. Pesquisar a temática arte/educação na educação do campo é uma forma de contribuir para a produção de conhecimento nessa área e para outros grupos de pesquisadores que se interessam por essa temática. Nesse sentido, o estudo pode contribuir de maneira significativa para a área focalizada, pois há escassez de pesquisas no Brasil sobre arte/educação no campo. Em seguida, temos o capítulo Campo em vídeo: experiências artístico-educativas na produção de audiovisuais no norte do Tocantins, elaborado pelos autores Leon de Paula, Marcus Facchin Bonilla e Cícero da Silva, que discute a produção de audiovisual realizada por discentes do curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal de Tocantins (UFT), nas disciplinas Seminário Integrador I e Seminário Integrador II. As obras produzidas integraram a I e II Mostras de Vídeos de 1 Minuto do curso de Educação do Campo, cujas temáticas eram A comunidade (semestre 2014-2) e Vida em imagem e som (semestre 2015-2). Além de aspectos estéticos vinculados à música e às artes visuais, os autores analisam a produção escrita do Diário de processo criativo, gênero discursivo utilizado pelos educandos e educandas como registro escrito do desenvolvimento das diferentes etapas ou atividades, e o resultado final de suas obras de arte. O penúltimo capítulo, Música e educação do campo na UFT: reflexões sobre as matrizes curriculares musicais de Arraias e EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 20 23/05/2017 16:14:44 Parte I Educação do campo, alternância e questões agrárias EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 23 23/05/2017 16:14:44 EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 24 23/05/2017 16:14:44 25 Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins Rejane Cleide Medeiros de Almeida3 1 Introdução Os movimentos sociais, tema deste capítulo, são ações coletivas de caráter sociopolítico e cultural com variadas formas de organiza- ção. Elaboram diagnósticos sobre a realidade social e desenvolvem proposições para mudanças. Por isso é que se discute sua importância na trajetória da luta por uma educação do campo. A reflexão sobre educação do campo está na dimensão educativa das práxis política e social, retomando a centralidade do trabalho, da cultura, da luta social, enquanto matrizes educativas da formação do ser humano, e observando a intencionalidade dessas práticas pedagógicas em um projeto educacional que pretende ser emancipatório. Este texto tem por objetivo refletir sobre a trajetória de luta por uma educação do campo no estado do Tocantins, apresentando des- de a trajetória dessas experiências até a identificação do protagonis- 3 Doutoranda em Sociologia. Professora do curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Tocantinópolis. E-mail: rejmedeiros@mail.uft.edu.br. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 25 23/05/2017 16:14:44 Educação do campo, artes e formação docente 28 primeiro elemento é entender a relação entre movimentos sociais e classes sociais como formas de lutas, de resistências e de consciência. O outro elemento é pensar no movimento do capital e a dinâmica imposta pelo desenvolvimento desse modo de produção. E, sobretu- do, no processo de mercantilização das relações sociais que esse sis- tema promove e que provoca o surgimento dos movimentos sociais. Sobrepostos a todos esses elementos destacados, têm-se a he- gemonia e a cultura que se delineiam em todos esses processos. Isso quer dizer que os movimentos sociais não podem ser entendidos fora da totalidade, que é a sociedade (VIANA, 2015). Um movimento social existe quando há um princípio de iden- tidade construído coletivamente ou de identificação em torno de in- teresses e valores comuns no campo da cidadania. Existe também quando há a definição coletiva de um campo de conflitos e de adver- sários centrais nesse campo, bem como a construção de projeto de transformação ou de utopias comuns de mudança social nos campos societário, cultural ou sistêmico. No Brasil, em que a modernidade emergente trouxe consigo as evidências de um sistema de desigualdades, projetadas por forças de conflitos e lutas sociais no cenário público da sociedade brasileira, a desigualdade social é trazida para o lugar em que a linguagem elabora promessa de futuro. E sua ação se faz visível na sua capacidade de interromper o ciclo da natureza e dar início a um novo começo. Nessa perspectiva, a expressão movimentos sociais diz respeito aos processos, não só aos institucionalizados e aos grupos que desen- cadeiam as lutas políticas, mas também às organizações e aos discur- sos que fomentam as manifestações e os protestos com a finalidade de mudar, de modo frequentemente radical, a distribuição vigente dos direitos civis, políticos e sociais, as formas de interação entre o individual e os grandes ideais universais. Os movimentos sociais, por- tanto, são parte constitutiva das tramas sociais e políticas modernas. Os sujeitos que compõem os movimentos sociais desenvolvem EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 28 23/05/2017 16:14:44 Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins 29 uma práxis que alimenta as ações políticas para a organização de suas demandas e de seus repertórios políticos. Nesse sentido, faz-se neces- sário conhecer as dimensões da práxis e de seus elementos norteadores. 3 As dimensões da práxis A palavra práxis é de origem grega e foi empregada na Anti- guidade como ação, atividade humana. Práxis designava uma ação que tem um fim em si mesma e que não cria ou produz um objeto alheio ao agente ou à sua atividade. O termo foi usado por Aristó- teles, que lhe deu um significado de praxeis, no sentido de descrever as atividades vitais dos animais e o movimento das estrelas, mas pro- vocava reflexões a respeito do seu uso em relação aos seres humanos. Aristóteles destacava que a práxis é uma das atividades importantes do homem, seguida por theoria e a poiesis. A sugestão é feita no contexto de uma divisão das ciências ou do conhecimento, de acordo com o qual há três tipos básicos de co- nhecimento: o teórico, o prático e da poiesis (“o produtivo”), que se distinguem pela finalidade ou objetivo: para o conhecimento teórico, o objetivo é a verdade; para conhecimento da poiesis, a produção de alguma coisa, e, para o conhecimento prático a própria ação (BOT- TOMORE, 2012, p. 431). A práxis na perspectiva marxista é compreendida como a trans- formação objetiva do processo social, isso quer dizer que é transfor- mação das relações homem-natureza, portanto práxis produtiva, e homem-homem, que significa práxis revolucionária. Nesse aspecto, a práxis significa o elemento norteador do conhecimento, o critério da verdade e a finalidade da teoria. A relação entre teoria e prática é um movimento de unidade dialética, no qual a teoria não se reduz à práti- ca, mas, sim, sua complementariedade e sua efetivação se dão por meio da ação humana (VÁZQUEZ, 2007). Como essência humana, dá-se socialmente, e a prática é o funda- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 29 23/05/2017 16:14:44 Educação do campo, artes e formação docente 30 mento que torna possível a atividade humana, uma vez que o homem é, essencialmente, um ser prático, produtor material. Nesse sentido, Váz- quez (2007, p. 407) afirma que Se o homem só tem essência como ser social, tem-na também como ser que produz; mas, por sua vez, esse processo de transformação da realiadade objetiva ao longo do qual o homem se produz a si mesmo é um processo que se desenvolve no tempo, o que impede de fixar o homem – como ser social e prático – em uma forma social determinada de sua atividade práti- ca. Desse modo, a essência humana radicaria na natu- reza social, prática (produtora) e histórica do homem. O homem é um ser que produz socialmente, e nesse processo se produz a si mesmo. Ao usar a expressão atividade, explica Vásquez (2007), Marx objetiva afirmar o caráter real e, sobretudo, objetivo da práxis, uma vez que ela transforma o mundo exterior, que é independente da consci- ência e existência humana. Por isso, o objeto da atividade prática são os homens concretos. O fim dessa atividade é a transformação real do mundo social e natural para atender às necessidades humanas. O resultado é uma nova realidade social, que existe independentemente da vontade dos sujeitos que as criaram, mas que só existe pela criação do homem enquanto ser social (VÁZQUEZ, 2007). Vázquez (2007) chama a atenção para o tipo de homens que serão os mediadores entre a crítica teórica e prática, e assinala a partir do que Marx define como relação entre a teoria e a práxis, destacando que, por si só, a teoria não se realiza, e sua efetivação depende de uma necessidade radical. Esta, por sua vez, se expressa como crítica radi- cal, o que torna possível sua aceitação. Isso significa que a passagem da teoria à prática, ou da crítica radical, é forjada pela história deter- minada. Implica dizer que a passagem da teoria à práxis revolucioná- ria, determinada pela existência de uma classe social, só libertará a si mesma libertando a humanidade. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 30 23/05/2017 16:14:44 Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins 33 dirigida, com estratégias e objetivos definidos, e, especialmente, por projetos que sejam capazes de transformar a sociedade. Nesse sentido, se o homem existe enquanto ser prático, afirmando-se como prática transformadora, a práxis revolucionária e a práxis produtiva constituem dimensões indispensáveis de seu ser prático (VÁZQUEZ, 2007). A práxis política dos movimentos sociais gesta um movimento de educação do campo no país, surgindo como crítica à educação mar- cada por exclusão dos camponeses dos processos de escolarização. Um país no qual a maioria da população que vive no campo é considerada como a parte atrasada e fora do lugar no projeto da modernidade no modelo de desenvolvimento. “O Brasil Moderno parece um caleidos- cópio de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar. Mas é possível perceber as heranças do escravismo predomi- nando sobre todas as heranças” (IANNI, 1996, p. 61). No modelo de desenvolvimento, predominantemente urbano, os camponeses, povos tradicionais, quilombolas, são irrelevantes nesse processo. Assim, as políticas públicas não eram necessárias, pois não con- sideravam esses sujeitos. Mas, embora essa concepção política fosse dominante, as contradições eram presentes. Sobre isso, Fernandes, Ce- rioli e Caldart (2009) chamam a atenção para o processo migratório campo-cidade em função da crise do emprego e concomitante com as reações à condição de marginalização e exclusão sofridas por esses su- jeitos que viviam no campo (os autores referem-se à década de 1980). Com isso, esses sujeitos se organizam e buscam alternativas e resistências econômica, política e cultural. Consequentemente, o campo educacional vai ganhando contornos na luta por uma educa- ção que atenda a essas demanadas. Realiza-se em 1998, a primeira Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, fruto das re- sistências de trabalhadores/as da educação, dos movimentos sociais do campo, que tem como principal objetivo “[...] ajudar a recolocar o rural, e a educação que a ela se vincula, na agenda política do país” (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2009, p. 22). Entre os desafios, busca-se pautar uma educação do campo que EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 33 23/05/2017 16:14:45 Educação do campo, artes e formação docente 34 seja específica e diferenciada, quer dizer, alternativa. Uma educação que possibilite um processo de formação humana, que construa refe- rências culturais e políticas para a intervenção dos sujeitos sociais na realidade. Que, sobretudo, seja pautada a partir de políticas públicas para o campo, compreendendo e defendendo a reforma agrária e uma política agrícola para a agricultura camponesa. Defende-se aqui uma educação voltada aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e econômico dos povos que moram e trabalham no campo, atendendo às suas diferenças históricas e culturais (FERNANDES; CERIOLI; CALDART, 2009). 4 Dimensões da educação do campo A educação do campo está voltada ao conjunto da classe tra- balhadora do campo (camponeses, quilombolas, povos tradicionais, diversos tipos de assalariados), que está vinculada à vida e ao trabalho no meio rural. Para Caldart (2009), a expressão campo e não rural teve como objetivo na Conferência provocar o debate e a reflexão so- bre o sentido do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos e sua diversidade. Nesse sentido, discutir a educação do cam- po é, sobretudo, discutir a educação de trabalhadores/as do campo. Como conceito em construção, a educação do campo não se descola do movimento específico da realidade que a produz, “[...] já pode configurar-se como uma categoria de análise da situação ou de práticas e políticas de educação dos trabalhadores do campo, mes- mo as que se desenvolvem em outros lugares e com outras denomi- nações” (CALDART, 2012, p. 257). O termo educação do campo busca incluir no seu sentido e significado a valorização da identidade camponesa que possibilite a pluralidade das ideias e das concepções pedagógicas do camponês. A educação do campo representa um pro- jeto de sociedade e de educação contra-hegemônico dos trabalhado- res/as do campo e vinculado às questões sociais e políticas próprias EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 34 23/05/2017 16:14:45 Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins 35 do seu contexto. E, enquanto análise, a educação do campo é compreensão da realidade que ainda está por vir, mesmo que não tenha ocorrido historicamente, porém indicada pelos seus sujeitos ou mesmo pelas possibilidades de transformação em processo, constituída de práticas educativas concretas e políticas públicas de educação (CALDART, 2012). Por isso, “[...] sempre é dificil datar uma experiência datando um conceito, porém, quando aparece uma palavra – seja uma nova ou um novo sentido de uma palavra já existente –, alcança-se uma etapa específica, a mais próxima possível de uma consciência de mudança” (CALDART, 2012, p. 257). Assim sendo, os movimentos sociais camponeses são os pro- tagonistas da educação do campo e das experiências que ocorrem no percurso de sua trajetória. A educação do campo é resultado do movimento social “Por uma Educação do Campo”, que faz crítica à realidade educacional brasileira, em especial à dos povos que vivem do/no campo. O surgimento da expressão educação do campo nasce no con- texto preparatório da I Conferência Nacional por uma Educação do Campo, realizada em Luziânia, em julho de 1998, que passa a ser chamada assim a partir do Seminário Nacional, realizado em Bra- sília, em 2002. Depois, confirmada no I Encontro Nacional Edu- cadores da Reforma Agrária (Enera) realizado pelo MST, em 1997, e na II Conferência Nacional, em 2004. Outro desafio surgiu com o Programa de Educação na Reforma Agrária (Pronera), instituído pelo governo federal em 1998, que também recebe a denominação de educação do campo nos documentos produzidos, mesmo com ten- sões e contradições. O argumento para mudar o termo Educação Básica do Campo para Educação do Campo aparece nos de- bates de 2002, realizados no contexto da aprovação do parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 35 23/05/2017 16:14:45 Educação do campo, artes e formação docente 38 Implementado pelo Ministério da Educação por meio da Secad e Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – Setec (BRA- SIL, 2008). Em 2009, a Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câm- pus de Tocantinópolis, aprova um projeto de formação de professores do campo, denominado curso de Pós-graduação Lato Sensu – Espe- cialização e aperfeiçoamento em Educação do Campo, Agricultura Familiar e Envolvimento Social no Tocantins, ministrado a educa- dores/as e coordenadores/as pedagógicos/as vinculados ao Programa ProJovem Campo – Saberes da Terra nos municípios do estado. O Ministério da Educação (MEC/Secad) e a Secretaria de Educação do Estado do Tocantins (Seduc) foram os parceiros na for- mação de 116 professores que atuaram diretamente com os jovens do campo. O programa foi proposto ao MEC pelos movimentos sociais que estiveram presentes cotidianamente na condução do programa, em que muitas lideranças também eram professores/as. A primeira turma do programa concluiu a formação em dezembro de 2012. Já na segunda turma, a formação contou com cerca de 60 professores. Essas turmas estudaram, entre outras, as seguintes temáticas: a ju- ventude camponesa, o envolvimento social, as políticas públicas, os territórios, a agricultura familiar e cidadania. Entretanto, a formação de educadores para atuar junto aos jo- vens entre 18 e 24 anos contribuiu timidamente para o avanço da edu- cação do campo no estado, devido às dificuldades encontradas, tanto estruturais como na efetivação da nova metodologia. No processo de formação dos educadores buscou-se um novo percurso formativo com base na metodologia da alternância que traz como diretriz um fazer pedagógico voltado para o exercício da política e um novo olhar sobre o currículo. E, como elemento articulador dessa formação, têm-se os mo- vimentos sociais que, com sua experiência política contribuíram para novas práticas educativas junto aos educadores/as do campo. A pro- blemática da efetiva atuação docente ocorreu quando os professores EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 38 23/05/2017 16:14:45 Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins 39 que receberam a formação para ministrar aulas no programa foram dispensados em sua maioria, uma vez que eram apenas contratados pelo Estado. E, em função da política local, entram e saem profes- sores indicados por políticos, o que, na época, dificultou o avanço da educação do campo no estado. A metodologia utilizada centrava-se em experiências acumula- das pelos movimentos sociais que tinha como eixo o percurso forma- tivo da alternância – Tempo Escola e Tempo Comunidade, realizado com os jovens em suas comunidades. A cada módulo, formadores da universidade e professores do programa elaboravam instrumentos para a pesquisa que seria desenvolvida com os alunos no Tempo Co- munidade. O resultado – informações sobre a realidade desses jovens – era discutido nos módulos seguintes. Como práticas de alternância compreendem-se as experiên- cias pedagógicas inovadoras na formação de jovens do campo. Esses jovens são pequenos agricultores, muitas vezes à margem dos bene- fícios sociais, na busca por alternativas educacionais que atendam às suas necessidades e aos desafios colocados pelo momento histórico familiar. A proposição da alternância ocorre no âmbito das relações pedagógicas e visa a desenvolver na formação dos agricultores situa- ções de interação entre o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, portanto, a práxis. A alternância coloca em interação diferentes atores com iden- tidades, preocupações e lógicas também diferentes, agrupando de um lado a escola e a relação com os saberes científicos e, de outro, a família e a pequena produção agrícola (MACHADO; CAMPOS; PALUDO, 2008). É com base nessa proposta que se desenvolve a metodologia no curso de especialização do Projovem Campo – Sa- beres da Terra, oferecido pela UFT. O percurso formativo do curso de especialização e/ou aperfeiço- amento está ancorado na indissociabilidade pesquisa-ensino-extensão- -práxis pedagógica, sintonizando-se com o projeto Político Pedagógi- co do Programa Projovem Campo – Saberes da Terra, especialmente EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 39 23/05/2017 16:14:45 Educação do campo, artes e formação docente 40 com a proposta de formação continuada do referido programa. Nesse sentido, os eixos temáticos e círculos epistemológicos foram elabora- dos com base no desenho curricular do programa (UFT, 2010). Na organização do processo educativo das escolas do campo, há de se buscar princípios e itinerários pedagógicos que orientem o desenvolvimento de processos formativos integrados e que articulem áreas de conhecimento, saberes popular e científico, formação huma- na e profissional, diferentes práticas, tempos e espaços pedagógicos. O objetivo é permitir a superação da fragmentação e descontextu- alização do currículo, além da afirmação de uma formação escolar crítica e criativa. Por essa perspectiva, é preciso assumir como princípios peda- gógicos da escola do campo os seguintes pontos: • formação escolar contextualizada, embasada pelo princípio da indissociabilidade teoria-prática, privilegiando o diálo- go entre os saberes científico e popular e a (re)construção contínua do conhecimento; • estímulo aos educadores/educandos para a realização de ati- vidades pedagógicas voltadas à problematização, pesquisa e estudo interdisciplinar sobre a realidade – local, regional, nacional e mundial –, tendo como elemento principal a pro- dução familiar e comunitária, suas demandas, desafios e pos- sibilidades; • incorporação da diversidade cultural como elemento educa- tivo e provocação da vivência de novas práticas e valores de solidariedade, cooperação e justiça; • subsídio à intervenção coletiva e sistemática sobre a realida- de e a construção de propostas de ação técnico-profissional voltadas à transformação social e melhoria das condições de vida dos povos do campo. Com base no estudo da realidade imediata e cotidiana e no es- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 40 23/05/2017 16:14:45 Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins 43 • formato da organização da educação do campo do estado do Tocantins, o mesmo da cidade, desrespeitando a cultura camponesa; • aprofundamento da pedagogia dos tempos e espaços alter- nados de trabalho com a terra e aprendizagem escolar; • monitoramento do Decreto 7.352, de 4 de novembro de 2010, como política pública de educação do campo, como contraponto ao rural. Nesse sentido, as ações políticas conferem a esse Fórum um es- paço potencializador da construção da educação do campo no estado. E os atores sociais no Fórum decidiram organizar a I Conferência Estadual de Educação do Campo no Tocantins, na qual os movi- mentos e organizações sociais do campo (MAB, MST, Fetaet, PJR, CPT), assim como a Seduc, a EFA de Porto Nacional e a Universi- dade Federal do Tocantins - Câmpus de Tocantinópolis, organiza- ram a I Conferência. Militantes dos movimentos sociais do campo e da cidade e demais instituições públicas realizaram 12 conferências regionais e a I Conferência Estadual entre os dias 09 e 10 de julho de 2012, para debater o tema “Por uma política de Educação do Campo no estado do Tocantins”. As conferências apontaram para uma realidade mar- cada pelo fechamento das escolas e transferências dos alunos para escolas urbanas, condições físicas e pedagógicas de funcionamento das escolas, em todos os níveis de ensino, que não atendem à realidade do campo, currículo inadequado à educação do campo, desconsiderando a cultura, identidade e saberes dos camponeses. (CARTA, 2013). Afirmou-se nesse encontro uma agenda de luta pela imple- mentação de uma educação do campo que de fato tenha relação com EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 43 23/05/2017 16:14:45 Educação do campo, artes e formação docente 44 a identidade e a cultura camponesas. Um documento foi apresentado ao final da conferência propondo a criação de um grupo de trabalho composto pela UFT, IFTO, Unitins, Movimentos sociais, Seduc e Undime que, partindo das proposições da I Conferência, elaborasse uma proposta de educação do campo para o estado. Aponta-se, tam- bém, a partir desse encontro, para a organização do curso de Licen- ciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal de Tocantins (UFT), em Tocantinópolis. 7 Licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes Visuais e Música: trajetória de educação e formação de professores do campo A partir do histórico de luta por uma educação do campo, o MEC cria o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciaturas em Educação do Campo (Procampo), com o objetivo de apoiar a imple- mentação de cursos regulares nas instituições públicas de ensino supe- rior, especificamente para formação de educadores para a docência em escolas rurais nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio (FREITAS, 2011). Quando pauta seu projeto pela escola e formação de professores, o movimento que luta por uma educação do campo disputa princípios, valores e práticas ao ocupar a esfera pública. Para Molina e Antunes-Rocha (2014, p. 227), Uma das principais características e diferenças das po- líticas públicas de educação do campo pautadas pelos movimentos sociais e sindicais refere-se à sua parti- cipação e protagonismo, na concepção e elaboração de tais políticas. Durante a primeira década de sua história, dada a correlação de forças à época, o Movi- mento da Educação do Campo foi capaz de garantir este princípio, tendo forte participação na concepção e elaboração do Pronera (MOLINA, 2003), no Resi- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 44 23/05/2017 16:14:45 Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins 45 dência Agrária (MOLINA, 2010), no Saberes da Terra (ANTUNES-ROCHA, 2010), na construção e par- ticipação em instâncias executivas, como a Comissão Pedagógica Nacional do Pronera e consultivas como a Comissão Nacional de Educação do Campo (Conec), vinculada à Secretaria de Educação Continuada, Alfa- betização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Minis- tério da Educação. Antes de implementar essa política, o MEC, através da Se- cretaria de Educação Superior (SESU) e da Secad em 2006, com a contribuição e o protagonismo dos movimentos sociais, desenvolveu um plano de trabalho com algumas universidades federais (UFMG, UFS, Unb e UFBA), para executar um projeto piloto de implemen- tação dos primeiros cursos de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC). Tal escolha se deu em virtude de essas universidades já apresentarem um percurso de práticas de ensino, pesquisa e extensão em educação do campo (MOLINA; ANTUNES-ROCHA, 2014). O MEC consolidou, mesmo com as experiências piloto em curso, outras ações voltadas para a educação do campo. Lançou o edi- tal de Convocação nº 09, de 29 de abril de 2009, convocando outras Instituições de Ensino Superior (IES) a apresentarem projetos de cursos de LEdoC, visando, sobretudo, a Estabelecer critérios e procedimentos para fomento de cursos regulares de Licenciaturas em Educação, para a formação de professores, para a docência nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas localizadas em áreas rurais, mediante assistên- cia financeira às Instituições Públicas de Ensino Su- perior – IES (BRASIL, 2009, p. 1). A partir dessa concorrência, 32 universidades ofertaram a Li- cenciatura em Educação do Campo. Mas, por se tratar de um edital EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 45 23/05/2017 16:14:45 Educação do campo, artes e formação docente 48 8 Considerações finais Pensar em movimentos sociais é pensar na sua complexidade, pois eles possuem uma dinâmica na qual sua existência imbrica não no antagonismo, mas na oposição. As mazelas criadas pelo modo de produção capitalista só serão resolvidas com a superação desse mo- delo, e isso significa que o proletariado deve protagonizar sua tarefa histórica, qual seja, criar novas relações de produção. Portanto, os movimentos sociais terão uma tarefa histórica: destruir a velha ordem. Remete-se aqui ao que Marx afirma na déci- ma tese sobre Feuerbach, como síntese das reflexões aqui propostas: “O ponto de vista do velho materialismo é a sociedade “burguesa”; o ponto de vista do novo é a sociedade humana, ou a humanidade socializada” (MARX, 2009, p. 126). Com isso, defende-se que, para participarem da realização da utopia, ou seja, da superação da velha ordem burguesa, os movimentos sociais sejam capazes de aglutinar forças à luta da classe trabalhadora e superar as contradições do sis- tema capitalista. Assim sendo, a práxis política desenvolvida pelos movimentos sociais do campo busca, principalmente, a superação das desigualda- des sociais, outro modelo de sociedade. Assim como a educação que emancipe a classe trabalhadora e que possibilite a organização do desenvolvimento humano pautado na práxis emancipadora. No plano da práxis pedagógica, a educação do campo projeta futuro quando recupera o vín- culo essencial entre formação humana e pro- dução material da existência, quando concebe a intencionalidade educativa na direção de novos padrões de relações sociais, pelos vínculos com novas formas de produção, com o trabalho as- sociado livre, com outros valores e compromis- sos políticos, com lutas sociais que enfrentam as EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 48 23/05/2017 16:14:45 Movimentos sociais do campo e práxis política: trajetória de luta por uma educação do campo no Tocantins 49 contradições envolvidas nesses processos (CAL- DART, 2012, p. 263). O modo de fazer da educação do campo, os desafios da formação de professores e de ocupar a universidade pública como espaço de lutas de classes e de disputas pela produção da teoria do conhecimento é que se torna um projeto de utopia da classe trabalhadora. E a educação do campo, por meio da práxis política dos movimentos sociais, continua e pode revigorar velhas questões da educação emancipatória, formulan- do novos questionamentos à política educacional e à teoria pedagógica. Para Caldart (2009, p. 43), Uma retomada que é também a recuperação de uma visão mais alargada de educação, algo que já aparece como tendência de muitas práticas e reflexões neste novo século: não confundir educação com escola nem absolutizar a educação escolar, como fez no discurso a pedagogia moderna liberal, para que o capital pudesse ‘educar’ mais livremente as pessoas em outras esferas (uma armadilha em que muitos pedagogos de esquer- da também caíram). É preciso pensar a escola sim, e com prioridade, mas sempre em perspectiva, para que se possa transformá-la profundamente, na direção de um projeto educativo vinculado a práticas sociais emancipatórias mais radicais. Ao potencializar a educação do campo, os movimentos sociais reforçam as discussões sobre a dimensão educativa, provocam refle- xões sobre uma pedagogia que afirma a luta social e a organização coletiva como matrizes formadoras. Nesse sentido, o curso de Licen- ciatura em Educação do Campo como matriz formativa e perspecti- va política, nasce na UFT no Câmpus de Tocantinópolis, a partir das lutas pela terra no Bico do Papagaio, pela educação dos sujeitos que vivem no campo e por outra sociedade. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 49 23/05/2017 16:14:45 Educação do campo, artes e formação docente 50 REFERÊNCIAS BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento marxista. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. BRASIL. Ministério da Educação. Edital de Seleção nº 02/2012 - SESU/ SETEC/SECADI/MEC de 31 de agosto de 2012. Chamada pública para seleção de Instituições Federais de Educação Superior – IFES e de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia IFET, para criação de cursos de licenciatura em educação do campo, na modalidade presencial. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task= doc_ download&gid=13300&Itemid=>. Acesso em: 12 jun. 2016. ________. Ministério da Educação. Projovem Campo – Saberes da Terra. Curso de especialização e aperfeiçoamento em educação do campo, agricultura familiar e envolvimento social no Tocantins. Brasília: MEC/ Secad, 2009. ________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad. Cadernos Pedagógicos do Projovem Campo Saberes da Terra. Projeto Político Pedagógico. Brasília: MEC/ SECAD, 2008. ________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad. Edital de Convocação N.º 09. De 29 de Abril de 2009. Disponível em: <http://portl.mec.gov.br>. Acesso em: 28 jul. 2006. ________. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad. Cadernos pedagógicos Saberes da Terra. Brasília: MEC/Secad, 2006. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 50 23/05/2017 16:14:45 53 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento Helena Quirino Porto Aires4 1 Introdução Nas últimas décadas, o tema educação do campo vem conquis- tando espaço nas discussões sobre as políticas públicas e suscitando inúmeras pesquisas na tentativa de repensar essa modalidade de ensi- no. No entanto, mesmo com esse crescente interesse na área, ainda há muito a se pesquisar e discutir a respeito da real situação das escolas do campo e do ensino nelas praticado. Pensar em educação do campo exige a compreensão das carac- terísticas do espaço cultural e as necessidades próprias do estudante que vive no e do campo, sem abrir mão da pluralidade de saberes como fonte de conhecimento prévio para a aprendizagem. Brasil (2002) compreende que a educação do campo se cons- titui em um espaço de lutas dos movimentos sociais, traduzida como uma concepção político-pedagógica voltada para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das condições de existência social, na relação com a terra e o meio ambiente, incorporando os espaços 4 Mestra em Educação. Professora do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFT, campus de Tocantinópolis. E-mail: hequirino.uft@mail.uft.edu.br EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 53 23/05/2017 16:14:46 Educação do campo, artes e formação docente 54 da floresta, da pecuária, das minas, da agricultura, dos pesqueiros, dos caiçaras, dos ribeirinhos, dos quilombolas, dos indígenas e extrativistas. A educação do campo consiste em uma modalidade de Edu- cação Básica do Campo prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), com ca- racterísticas e estrutura singulares para atender as demandas dos po- vos que vivem no e do campo. O artigo 28 da LDB preconiza que, na oferta de educação básica para a população campesina, os sistemas de ensino devem promover as adaptações necessárias às peculiaridades da vida no campo e de cada região, especialmente no que se refere aos conteúdos curriculares, às metodologias apropriadas, à organização escolar própria e à adequação do trabalho no campo à natureza. É nesse contexto de educação do campo que a pedagogia da al- ternância se caracteriza como um modo de promover a educação com características próprias para o atendimento da população do campo. A proposta educacional da pedagogia da alternância contempla, res- peita e valoriza os saberes em contextos socioculturais, considerando escola-família-comunidade como espaços de produção, organização e articulação de conhecimentos, por meio dos instrumentos pedagó- gicos. Tal proposta tem sido idealizada por estudiosos como Bour- geon (1979), Begnami (2003), Gimonet (2007), Silva (2012), dentre outros, como uma possibilidade de educação que atende as especifi- cidades da educação do campo. Nesse sentido, a educação por alternância está vinculada à ideia de um movimento pedagógico dinâmico, conforme assevera Gadotti (2003, p. 48), para quem [a] pedagogia da alternância se apresenta como meio para atingir a finalidade de reflexão e ação no e com o contexto do tempo. É o movimento alternado poten- cializado por uma organização imbricada num con- texto que se propõe a um processo de aprendizagem pautado na relação que diagnostica, problematiza, re- flete. Dialoga, planeja e age através do coletivo. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 54 23/05/2017 16:14:46 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 55 Sob o entendimento de que a dimensão da ação e da reflexão acontece por meio do diálogo, em que o processo de ensino e apren- dizagem busca a transformação da realidade (FREIRE, 1987), a al- ternância deve ser pensada para além de uma proposta metodológica de ensino. Diante da importância dessa proposta, faz-se oportuno realizar estudos sobre como ela se estrutura e se efetiva em diversos ambien- tes educacionais. Nesse intento, o presente texto traz um recorte de uma pesquisa de mestrado em educação e apresenta uma análise das perspectivas de pedagogia da alternância desenvolvida na Escola Fa- mília Agrícola de Porto Nacional, Tocantins (ESCOLA, 2015). Para a realização desta pesquisa qualitativa, analisamos o Pro- jeto Político Pedagógico (PPP) da instituição, lançamos mão de entrevistas semiestruturadas com questões abertas direcionadas aos profissionais da respectiva instituição (diretor, coordenador pedagó- gico e professor/monitor), buscando caracterizar os fatores relaciona- dos à pedagogia da alternância, tanto no cotidiano escolar como nas comunidades. No intuito de preservar a identidade dos entrevistados, eles fo- ram indicados por letras maiúsculas de nosso alfabeto, seguidas da função (Diretor - D, monitor - M) e localização da escola. Desse modo, os professores são indicados, respectivamente, por A, B, e C, seguido da função (Professor – P) e indicação do município onde se localiza a escola (Porto Nacional – P); o Coordenador será indicado pela letra C, seguida da letra inicial do município onde se localiza a escola; o Diretor será indicado pela letra D, seguida da letra inicial do município onde se localiza a escola; e, o Professor/Monitor de Disci- plinas que atua na EFA de Porto Nacional será indicado por PMDP. Registra-se que o diretor, coordenador e demais professores também são monitores, por isso não fizemos a indicação dessa função, exceto no caso específico de PMDP. Assim, busca-se aqui apresentar o contexto da pedagogia da al- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 55 23/05/2017 16:14:46 Educação do campo, artes e formação docente 58 [...] escola-família ajuda o jovem rural na sua formação humana e técnico-profissional de maneira a torná-lo, dentro das possibilidades, um homem preparado, res- ponsável e dinâmico para o desenvolvimento de sua propriedade e da sua família. E, se por qualquer motivo ele não encontrar no seu ambiente a oportunidade de formar a sua família e de se integrar numa atividade econômica, que ele seja um homem apto a tomar de- cisões e escolher sua profissão para o seu bem-estar da sua comunidade a que irá se integrar (MEPES, 1976, p. 90, apud NASCIMENTO, 2007, p. 40). Nessa perspectiva, a pedagogia da alternância consiste em uma proposta educativa de organização do ensino escolar conjugada em diferentes espaços de aprendizagem, que possibilita a formação inte- gral dos estudantes em seus aspectos sociais, intelectuais e culturais (GIMONET, 1999; NASCIMENTO, 2007). Configurando como uma possibilidade de valorização dos sa- beres produzidos pelos povos em interação entre escola-família-co- munidade, a pedagogia da alternância é [...] uma outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo (GIMO- NET, 1999, p. 44). Desse modo, a alternância significa uma ma- neira de aprender pela vida, partindo da própria vida cotidiana, dos momentos de experiências, colocando, assim, a experiência antes do conceito” (GIMONET, 1999, p. 44). [...] associação e participação das famílias constituem, assim, componentes indissociáveis e fundamentais na expressão das realidades, necessidades e desafios no contexto socioeconômico, cultural e político da escola, e na articulação com as organizações, entidades e mo- vimentos presentes na realidade local, orientados para a construção de projeto não apenas para o futuro dos alu- nos, mas também para a região (SILVA, 2012, p. 182). EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 58 23/05/2017 16:14:46 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 59 Há a necessidade de uma relação estreita entre família e escola para que a alternância realmente aconteça. É nesse contexto mútuo que se constrói uma formação integral do aluno e, ao mesmo tempo, se atende aos anseios da sociedade. Silva (2012), citando Gimonet (1998), menciona que uma verdadeira alternância não se resume à abertura de uma escola e muito menos a um ensino descontextuali- zado dos sujeitos envolvidos; mas sim na articulação entre escola, fa- mília e comunidade, construindo uma alternância integrativa. É sob esse aspecto que se insere o verdadeiro processo pedagógico para o que se propõe na formação por alternância. A alternância é uma “compenetração efetiva de meios de vida socioprofissional e escolar em uma unidade de tempos informati- vos” (BOURGEON, 1979, apud QUEIROZ, 2004, p. 204). Nesse sentido, a alternância possibilita aos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem uma interação com o contexto escolar, fa- miliar e comunidade, proporcionando, assim, saberes diversos, que podem contribuir para a formação integral. Assim, a ideia de alter- nância tem um sentido de estratégia de escolarização que, segundo Silva (2012), possibilita aos estudantes conjugar a formação escolar com os afazeres do produtivo familiar, sem perder seu vínculo com sua família e com seu meio, fator importante para esse processo de alternância. Nessas proposições, Girod de I’Ain (1974, apud SILVA, 2012, p. 24) foi o mentor da classificação da alternância e propôs dois modelos, denominados alternância externa e interna. A externa consiste na rela- ção escola-empresa, que tem como objetivo desenvolver os saberes esco- lares com sujeitos que já tenham experiência com o meio profissional. A alternância interna é articulada no meio da formação com a realização de atividades profissionais no período de estudo e não utiliza o trabalho como fator essencial para a formação. Malglaive (1979) definiu três tipos de alternâncias que são praticadas: a falsa alternância, que consiste em espaços vazios du- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 59 23/05/2017 16:14:46 Educação do campo, artes e formação docente 60 rante os períodos de alternância (falta de conexão entre a formação acadêmica e as atividades práticas); a alternância aproximativa, que possui instrumentos pedagógicos que associam os tempos formativos limitados à observação e à análise, sem oferecer meios de atuação na realidade; e a alternância real, que busca a formação teórica e prática global, permitindo ao estudante a construção do seu próprio projeto pedagógico que possibilita a atuação crítica sobre a realidade. Alguns autores como Gimonet (1983), Bachelard (1994) e Bourgeon (1979) retomam as classificações de alternância propostas por Malglaive (1979) e as readaptam com outras denominações, e que, segundo Silva (2010, p. 185), “propõem, sucessivamente, tipo- logias específicas a partir de diferentes critérios: seja de disjunção e divisão entre os dois períodos da alternância ou, ao contrário, de articulação e unidade da formação entre os dois momentos”. Den- tre eles, destacamos Queiroz (2004), segundo o qual há três tipos de alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs). Alternância justapositiva, que se caracteriza pela su- cessão dos tempos ou períodos consagrados ao traba- lho e ao estudo, sem que haja uma relação entre eles. Alternância associativa, quando ocorre uma associa- ção entre a formação geral e profissional, verificando- -se, portanto, a existência da relação entre a atividade escolar e atividade profissional, mas ainda como uma simples adição. Alternância integrativa real ou co- pulativa, com a compenetração efetiva dos meios de vida socioprofissional e escolar em uma unidade de tempos formativos (QUEIROZ, 2004, apud BRA- SIL, 2012, p. 41-2). Como enfatizado por Silva (2010), embora cada autor apresen- te categorizações diversas de alternância, as tipologias estabelecidas apresentam semelhanças. Todavia, como bem destacado por Gimo- net (2007), a distância entre a teoria (os nomes e conceitos dados) e EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 60 23/05/2017 16:14:46 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 63 cretaria de Educação de Estado do Tocantins (Seduc) e o Ministério de Educação (MEC) (ESCOLA, 2015). A pedagogia da alternância desenvolvida na EFA de Porto Na- cional é voltada para o atendimento da população que vive no e do campo, ofertando um processo formativo que ocorre em diferentes espaços (escola-família-comunidade), tempos e com diversos forma- dores, tendo como foco principal a formação integral dos sujeitos e o desenvolvimento local (ESCOLA, 2015). Como explicitado no PPP da EFA de Porto Nacional, a pro- posta da alternância acontece em períodos de formação no Ceffa, através do acompanhamento da equipe de monitores, alternados, se- manalmente, com períodos de formação no meio familiar, profissio- nal e comunitário, articulada pelo conjunto de instrumentos pedagó- gicos (ESCOLA, 2015). Esse formato de alternância em tempo semanal (em diferentes es- paços e estratégias pedagógicas) seguido pela EFA evita o cansaço físico que atrapalha o rendimento escolar. Isso porque as longas rotas diárias de transporte escolar, além de despesas com o próprio transporte e quadro de pessoal, em virtude de a escola atender alunos de vários municípios do estado do Tocantins, torna o ir e vir dos alunos desgastante e one- roso. Além disso, a permanência dos alunos durante a semana na EFA possibilita o desenvolvimento das atividades dessa proposta pedagógica, como também a prática de vivência diária que humaniza e estimula o “aprender a conviver”, pautada essencialmente no diálogo educativo para a formação integral. Nessa perspectiva, tal proposta se torna uma alternativa viável de educação que, como afirma Gimonet (2007), possibilita um pro- cesso de ensino e aprendizagem dinâmico, que acontece em espaços diferenciados e alternados, valorizando o aprender pelo fazer, por meio de experiências e situações diárias, baseando-se em uma ampla rede de conhecimentos e atitudes que possibilita a interação entre a reflexão e a experiência. Essa questão também é expressa pelo Profes- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 63 23/05/2017 16:14:46 Educação do campo, artes e formação docente 64 sor APP, quando considera que não existe uma proposta melhor de ensino que esta. Isso porque ela [...] considera não só esse tempo alternar (tempo- -escola e tempo-família/comunidade), mas sim é um conjunto de atividades que incluem a questão ensino e aprendizagem; [...] questão da teoria baseada em Pau- lo Freire que está lá no nosso Projeto Político Pedagó- gico; também a questão da ação-reflexão-ação. Nessa compreensão, a alternância perpassa a questão de alter- nar tempo para o aluno, visto que considera aliar a teoria à prática em diferentes espaços de aprendizagem. Essa questão é o que aponta e defende Gimonet (2007), para quem a pedagogia que se baseia na al- ternância de tempo e de local de formação (de períodos em situação socioprofissional e em situação escolar), [...] significa, sobretudo, uma outra maneira de aprender, de se formar, associando teoria e prática, ação e reflexão, o empreender e o aprender dentro de um mesmo processo. A alternância significa uma maneira de aprender pela vida, partindo da própria vida cotidiana, dos momentos experienciais, colo- cando assim a experiência antes do conceito (GI- MONET, 1999, p. 44). Silva (2012, p. 25) também ressalta a relação vida-escola ao mencionar que a alternância é vista como um conjunto de “estraté- gias de escolarização que possibilita aos jovens que vivem no campo conjugar a formação escolar com as atividades e tarefas na unidade produtiva familiar, sem desvincular-se da família e da cultura do meio rural”. A conjugação mencionada por Silva (2012) também pode ser observada na fala do Professor CP, a seguir. A pedagogia da alternância é a espinha dorsal da es- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 64 23/05/2017 16:14:46 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 65 cola. Nós temos instrumentos que norteiam tudo que a gente já faz na escola. Ela não se baseia só no meni- no que fica uma semana aqui e outra semana lá; este método de avaliação serve como instrumento para a pedagogia. Nós já temos quatro séries de avaliação, só uma que é em sala; as discussões do nosso projeto e a família que são quatro capacitações anuais, família e encontro. Então, a pedagogia é a alma da escola; é ela que norteia o projeto. Nós temos seis planos de estudos que movimentam as turmas, que chamam as disciplinas para correlacionar o que o professor fez em sala com aquele tempo estudado. Neste tempo, os me- ninos constroem dois textos, elaboram desenhos, rela- tórios de visitas (também ajuda no português) (CP). Nesse sentido, os instrumentos utilizados para o acompanha- mento e a avaliação dos alunos no contexto da práxis pedagógica mostram que a EFA desenvolve suas atividades na perspectiva da alternância real que, segundo Silva (2012, p. 30), [...] consiste em uma efetiva implicação, envolvimen- to do alternante em tarefas da atividade produtiva, de maneira a relacionar suas ações com a reflexão sobre o porquê e o como das atividades desenvolvidas [...]. Trata-se, portanto, de uma situação educativa caracte- rizada por forte interação entre os diferentes momen- tos da aprendizagem – quer elas sejam individuais, relacionais, didáticas ou institucionais, com possibili- dades de transformação dos seus campos e dos atores em presença. É nessa ótica que Gimonet (1983, p. 52) ressalta que essa alter- nância real permite “uma formação teórica e prática global, possibili- tando ao aluno construir seu próprio projeto pedagógico, desenvolvê-lo e realizar um distanciamento reflexivo sobre a atividade desenvolvida”. Essa tipologia é definida por Bourgeon (1979) como alternância co- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 65 23/05/2017 16:14:46 Educação do campo, artes e formação docente 68 essa questão, Gimonet (2007) enfatiza que os monitores exercem a função de tutor, orientador, acompanhante, animador da formação. Para o desenvolvimento das atividades educativas dos estudan- tes, foram pensadas ações a serem realizadas nos espaços de formação escolar e comunitário. Nesse sentido, os instrumentos didático-peda- gógicos foram organizados em quatro grupos de ações: no internato, na comunidade, internato articulado com a comunidade e organi- zacionais do processo de ensino e aprendizagem (ESCOLA, 2015). No planejamento, acompanhamento e avaliação das ações da EFA são utilizados os instrumentos pedagógicos concebidos como dispositivos de ação que possibilitam a efetivação da pedagogia da alternância, permitindo ao estudante relacionar-se com a família, com os parceiros da formação, com o conhecimento científico e com o meio socioprofissional e cultural de maneira ativa, buscando sua formação integral e sua atuação para o desenvolvimento do meio. Esses instrumentos têm espaços dentro da estrutura escolar e são utilizados de forma transversal nas disciplinas curriculares (ESCO- LA, 2015, p. 17). Para Pereira (1999, apud ESCOLA, 2015, p. 19), os instrumentos pedagógicos são elementos metodológicos específicos que buscam associar os saberes do cotidiano com os conhecimentos científicos, por meio da experiência, observação, comparação, análise e saber empírico. Assim, os instrumentos pedagógicos auxiliam no processo de interação entre escola, família e comunidade e estão presentes na pers- pectiva da proposta da pedagogia da alternância, uma vez que [...] são eles que indicam o caminho, dinamizam a atividade ou deixam de fazê-lo, injetam sentido. Seu conhecimento do meio, das práticas profissionais, sua atitude, seu relacionamento com o meio profissional, familiar e social dos alternantes, seu saber-fazer peda- gógico, o lugar e o valor que conferem a esta ativida- de no processo de formação tornam-se fatores de seu êxito (GIMONET, 2007, p. 37). EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 68 23/05/2017 16:14:46 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 69 É importante destacar que os instrumentos didático-pedagó- gicos são elementos essenciais na dinâmica de construção do conhe- cimento da proposta da pedagogia da alternância para a educação do campo, uma vez que possibilitam fazer essa articulação no ato de planejar, executar e avaliar a aprendizagem dos estudantes em seus vários espaços de aprendizagem, como frisa o Professor APP. É assim como a gente trabalha com os temas gerado- res, que é um instrumento que chamamos de plano de estudo. O plano de estudo é uma pesquisa que o aluno realiza em casa com temas geradores, sendo que tem um central (coletivo) da escola em cada série. [...] pelo tema gerador eu tento inserir na minha disciplina. Outro instrumento que depende desse que é o cader- no da realidade; eu trabalho com a tipologia textual, o primeiro texto que eles produzem é a dissertação descritiva e construo com eles textos descritivos; no texto dois eles têm que fechar tudo o que falamos e que criar um texto apresentando o que ficou de apren- dizado que seria a dissertação descritiva argumenta- tiva. Eu trabalho também espanhol [...] pego o tema cidadão que foi o tema anterior deles, e trabalho todos os aspectos de um cidadão. Por exemplo, em espanhol como um cidadão trabalha formal e informalmente. Na minha disciplina não é difícil, mas tem professor que pena muito para fazer esta junção. Desse modo, os instrumentos pedagógicos da pedagogia da al- ternância são utilizados na EFA para articulação das disciplinas a partir dos temas geradores, possibilitando ao estudante um entendi- mento global dos assuntos abordados nos espaços de aprendizagem (escola, família, comunidade), que, para o educador Freire (1996), facilita o processo de ensino e aprendizagem e melhora a compreen- são do conteúdo estudado. Além disso, segundo os entrevistados, no planejamento são levados em conta, ainda, o nível de cada turma, os EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 69 23/05/2017 16:14:46 Educação do campo, artes e formação docente 70 espaços de aprendizagem dos jovens e as condições oferecidas pela escola para realização das atividades. Para Palitot (2007, p. 17), a utilização de instrumentos peda- gógicos próprios busca um processo de formação docente diferencia- do e visa ao fortalecimento da relação escola/comunidade na gestão, organização e coordenação da proposta educacional. Nas falas dos entrevistados, percebe-se que o Plano de Estudo “é o instrumento mais forte [...] que tem um tema central” (PCP). A partir dele, são trabalhados os temas geradores e são desenvolvidas outras atividades, como intervenção interna e externa (auxílio de pessoas especialistas na área, de dentro ou de fora da instituição), colocação em comum (socialização das ações executadas) e projeto multidisciplinar. O últi- mo propicia apresentação dos conteúdos estudados por meio de “te- atro, dança, música, slide, de cordel” (PCP). Outros professores também discorreram sobre os instrumentos pedagógicos e como são utilizados na EFA. [...] a gente tem o plano de estudo [...] é o principal, o mais estudado [...], a espinha dorsal; temos o ca- derno de acompanhamento que é o instrumento que liga a família à gente; temos o acompanhamento per- sonalizado, o PPJ que é o Projeto Pessoal do Jovem, o Projeto de Vida também, o caderno da realidade que está ligado ao plano de estudo e a visita às famílias (PMDP). Nós temos vários instrumentos que a gente pode uti- lizar; com relação às famílias, especificamente, nós te- mos quatro encontros de famílias por ano [...] chama- mos de formação das famílias; ele acontece em dois dias; um dia só de formação que discutimos os índices bimestrais, como foi o desempenho das turmas, qual é o papel da família nesse processo, o que a gente preci- sa contar com a participação destas famílias e a noite cultural; e outro dia é assembleia de pais [...] Outro instrumento muito usado hoje é o caderno de acom- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 70 23/05/2017 16:14:46 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 73 de disciplinas; temos projetos junto ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) que são os outros cursos de formação [...]; Ensino Médio Normal e Técnico em Agroecologia integrada ao Ensino Médio que é fruto de convênio com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e Institu- to Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); temos um financiado pela Petrobras; [...] tem outros parceiros também e dentro da nossa proposta tem vários outros projetos também na área agrícola [...]. Dentro da estrutura nós temos uma disciplina cha- mada de prática de agricultura e zootecnia; isso tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. E no Pronera, no Agroecologia também eles têm [...] aulas/ atividades no campo [...]. O jardim, por exemplo, é resultado dessas aulas práticas [...]. Na área em que se situa a propriedade da EFA, existem várias estruturas simples de Unidades Demonstrativas (UDs) e/ou pedagó- gicas de produção implantadas relacionadas com atividades da agri- cultura familiar, com o objetivo de ser trabalhadas dentro dos princí- pios da sustentabilidade. Nelas, os estudantes desenvolvem atividades voltadas para as disciplinas Práticas em Agricultura e Zootecnia. A presença dessas estruturas, como aponta o Professor APP: “não é para gerar uma renda para vender, mas para o estudante perceber o aspecto [da aprendizagem] porque a gente prepara o aterro, a terra etc”. Sobre essa questão, o professor CPP também descreve algumas dessas atividades desenvolvidas. [...] prática agrícola: primeiro nós construímos uni- dades demonstrativas de estudos (temos mais de onze unidades na escola). O que é isso? É um estudo de bovinos, de avicultura, de oleicultura etc., no qual a gente desenvolve estudos, pesquisa para a família ver se é viável, [se] vai utilizar lá ou não. A gente trabalha; é um desafio nosso que as disciplinas de base comum EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 73 23/05/2017 16:14:46 Educação do campo, artes e formação docente 74 se apropriem das atividades pedagógicas agrícolas e façam essa ponte com as disciplinas. As UDs servem como espaços de aprendizagem para realização das aulas práticas do curso Técnico em Agropecuária Integrado ao En- sino Médio e, ainda, como espaços de divulgação de experimentos com vistas a motivar as famílias e comunidades camponesas na luta pela melhoria da qualidade de vida (ESCOLA, 2015). Segundo o Professor CPP, a EFA entende que as UDs possi- bilitam aos alunos a aprendizagem de técnicas passíveis de aplicação em suas comunidades, contribuindo, assim, com o desenvolvimento daquele local. Por isso, como já mencionado, as UDs não têm a fina- lidade de produzir em grande escala, uma vez que, se isso acontecesse, a EFA se restringiria à parte produtiva, o que não se configura como objetivo da escola que é o de desenvolver um trabalho que promova a formação integral dos sujeitos. Analisando as considerações feitas pelos entrevistados sobre a prática e os instrumentos pedagógicos utilizados na proposta de alter- nância, percebe-se que, para a efetivação dessa proposta, faz-se neces- sário o enfrentamento de desafios por parte dos servidores na relação entre teoria e prática em função da realidade de cada contexto, e atrela- dos aos fatores sociais, econômicos, culturais e políticas, principalmen- te quando se trata de escolas localizadas no campo. Assim sendo, os apontamentos sobre as práticas da pedagogia da alternância que vêm sendo trabalhados na EFA correspondem ao defendido por Grabowski e Pacheco (2012), para quem a alternância pressupõe uma formação educativa, integral, humana e técnica, con- textualizada na realidade, em uma perspectiva de desenvolvimento sustentável. Dias (2006) ressalta que a formação integral pela alternância acontece com o desenvolvimento dos quatro pilares da educação, elu- cidados por Delors (2003): “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver com os outros” e “aprender a ser”. Segundo Delors EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 74 23/05/2017 16:14:46 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 75 (2003), o ensino deve ser estruturado a fim de que a educação surja como uma experiência global a ser concretizada ao longo de toda a vida, tanto no plano cognitivo quanto no prático. Uma das dificuldades relatadas pelo Professor APP no tra- balho com tempo-comunidade refere-se ao nível de conhecimento de algumas famílias no que concerne a compreensão da proposta da pedagogia da alternância. Isso dificulta o acompanhamento das ati- vidades dos jovens no processo de ensino e aprendizagem e, princi- palmente, no trato com os instrumentos pedagógicos da alternância, como também nas atividades consideradas por alguns apenas como “dias de folga”. [...] eles acham que [como se] estudou uma semana, então aquela semana que está em casa é para descan- sar; não é todos [...], porque há alguns trabalhos que a gente tem o retorno maravilhoso; o desenvolvimento deles com a comunidade vai além desse “cumprir ta- refas”; tem os meninos que acham que é uma semana de folga, quando eles estão aqui a rotina é puxada; eles têm aulas de manhã, à tarde e à noite. Até mesmo pelas dificuldades dos pais, porque são semianalfabe- tos; [...] nas atividades, muitas delas da pedagogia da alternância, precisam da participação da família ou comunidade (DP). De acordo com a fala do Professor DP, a escola procura os meios necessários para facilitar a articulação da alternância entre a es- cola e a comunidade para que de fato aconteça a aprendizagem, e que as atividades no tempo comunidade possibilitem uma ação conjunta e integrada com as famílias. É nessa interação entre escola, famílias e contexto sociopolítico que a construção de uma alternância integra- tiva acontece. Nessa perspectiva, Silva (2012) ressalta que esse tipo de educação deve possuir meios (instrumentos) que complementem essa dinâmica com as famílias, no sentido de elas participarem da aprendizagem, partilhando a responsabilidade de formação integral EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 75 23/05/2017 16:14:46 Educação do campo, artes e formação docente 78 zeres elaborados pelas gerações no espaço familiar e que se projeta no futuro; e, finalmente, uma educação para a autonomia, no sentido de os povos do campo serem motivados a decidir suas representações, suas artes, suas linguagens, suas estratégias e suas místicas. É importante ressaltar que a EFA pesquisada não atua somente na formação dos alunos, mas também dos familiares, da comunidade, uma vez que eles são parte constitutiva da proposta pedagógica da alternância, como bem frisado por Gimonet (2007), ao definir o tra- balho de uma EFA. Desse modo, é propiciada a todos os envolvidos a possibilidade de (re)criarem valores, aprenderem novos sentidos e significados pela luta e trabalho na terra, novas relações sociais de produção, por meio das discussões e atividades na e fora da escola e nos encontros de formação entre pais e alunos, diretores, monitores e outros dirigentes do movimento das EFAs. Em relação às contribuições da pedagogia da alternância para a formação dos estudantes, um dos entrevistados assim se manifestou: [...] pedagogia da alternância é formar o estudante para a vida! As escolas tradicionais formam os estu- dantes para a carreira profissional, mas as EFAs, na dinâmica da pedagogia da alternância, formam es- tudantes para a vida. Para a EFA, hoje, não importa que os estudantes não sejam aprovados no vestibular, mas se eles conseguem viver bem na sociedade, saber o que é direito e o que é dever deles. Se compreendem esta proposta, vão viver muito bem lá fora. Nós temos vários alunos nossos que estão concursados, fazendo mestrados, são secretários e também temos os que es- tão lá na rua. Para mim, a contribuição da pedagogia da alternância é formar cidadão para a vida (CPP). Sobre essa questão, Dias (2006, p. 124) explica que a pedagogia da alternância proporciona uma formação integral e transformadora dos jovens do campo e por meio do trabalho coletivo (escola e fa- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 78 23/05/2017 16:14:47 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 79 mília) possibilita o desenvolvimento de uma formação plena, algo também definido e defendido pelo professor APP: “Ela propõe a for- mação integral, porque não é esta formação só técnica ou científica, ela propõe esta formação integral mesmo; [...] é constante o estudo que você vê principalmente na parte da formação pedagógica”. O entrevistado CP aponta para o caráter emancipatório de sujeitos que a pedagogia da alternância possui. Tudo nesta pedagogia forma um cidadão; tudo que é proposto não é só formar um profissional, é formar gente, [uma] pessoa capaz de transformar seu meio. Então, o que eu entendo da pedagogia é que ela for- talece o integral, o científico, o humano, o responsável. Aquele que modifica o meio. A pedagogia fortalece mesmo; o estudante pesquisa a comunidade, um pro- blema ou solução; ele discute e volta e faz o retorno para a comunidade. Ele aprende a viver com o dife- rente, porque você imagina, na escola temos cento e poucos jovens; dormem juntos; são responsáveis pela sala, pela escola, organização do dormitório. Então cria responsabilidade, humanidade, [aprendem] a conviver com o diferente, respeitar o outro, e apren- dem o científico; temos parceria de jovens nossos que já foram para fora do Brasil. Nós temos um intercâm- bio entre as EFAs nacionais, então, tem jovens que tiveram a primeira oportunidade de viajar por aqui. Então, esta pedagogia fortalece o todo e não vejo uma melhor! (CP) Diante dos elementos apontados pelos entrevistados, podemos destacar que a maior contribuição que a pedagogia da alternância dá aos alunos de escolas do campo é no sentido do saber, do fazer e do ser. A concepção da ação educativa pela alternância não se restringe somente ao contexto escolar em sala de aula, mas sim na contextuali- zação do espaço educativo para além do ambiente interno da escola, que permita a interação com pais, profissionais do meio, associações EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 79 23/05/2017 16:14:47 Educação do campo, artes e formação docente 80 de produtores, lideranças de comunidades, que também são referên- cias de saberes e competências. Nesse sentido, Gimonet (2007) aponta que a eficiência edu- cativa e formativa da alternância está ligada à coerência entre todos os componentes da situação de formação e, notadamente, entre as finalidades, os objetivos e os meios do dispositivo pedagógico. Isso porque, como menciona PMDP, há diferentes mundos e objetivos nesse trabalho. Tem muito resultado [...], a pedagogia da alternância não se preocupa apenas com a formação do estudante e de conteúdo, [...] a gente tenta mexer com todos os estudantes, o lado pessoal deles, o lado profissional, o caráter; então a gente vê muitas mudanças. Ago- ra mesmo, eu estava conversando com um professor que é novato, ele colocando [...] como é diferente o respeito aqui. Claro que antigamente tinha aqueles que eram do campo, estritamente camponês, nascido e criado lá; hoje o que acontece? Tem pessoas que mo- rava na cidade e estão no campo ou estavam no campo e foram para a cidade; então é um monte de pessoas e um monte de projetos. E aí a gente percebe muitas mudanças! Tem caso de projeto em que o jovem vive do projeto que ele implantou lá na comunidade dele. Para Vergutz e Cavalcante (2014, p. 385), “a pedagogia da al- ternância assume-se como proposta educativa na perspectiva de uma teoria-prática emancipatória” em que ela se “apresenta em oposição e assim, possibilita vivências de aprender e conhecer, trabalhadas na perspectiva da horizontalidade dos saberes do campo, em outras palavras, articulação dos saberes como alternativa de um processo emancipatório”. Nos relatos dos professores, observam-se evidências importan- tes da contribuição da pedagogia da alternância para a vida dos estu- dantes na perspectiva da formação integral das famílias e das pessoas EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 80 23/05/2017 16:14:47 A proposta da pedagogia da alternância: uma possibilidade de construção de conhecimento 83 ________. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Brasília, 1996. CALIARI, R. 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Conforme destacam Molina e Mourão Sá (2011), a finalidade das Licenciaturas em Educação do Campo é formar profissionais ca- pazes de dirigir e gerir processos educativos escolares e comunitários e atuarem em áreas específicas do conhecimento. Por responderem a essa demanda diferenciada, os cursos desse formato se inspiram em uma perspectiva interdisciplinar de conhecimento e organização curricular. A pesquisa de Carvalho e Karwoski (2015) aponta que há poucos estudos sobre interdisciplinaridade no Brasil, e que a maioria versa sobre experiências em cursos de bacharelado, o que indica uma lacuna no desenvolvimento de pesquisas sobre interdisciplinaridade nas licenciaturas no Brasil. Em termos de educação do campo, considerando a jovialidade do tema no meio acadêmico, que passa a emergir no final de década de 1990, Ribeiro e Bueno (2015, p. 9), a partir de um estudo feito no estado do Rio Grande do Sul indicam a necessidade de formação dos educadores para práticas interdisciplinares, uma vez que os mesmos apresentam uma prática disciplinar “presente e consolidada”. Este capítulo reflete sobre alguns pontos relacionados à abor- dagem interdisciplinar na formação de educadores e educadoras a partir de algumas questões: como construir uma perspectiva inter- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 88 23/05/2017 16:14:47 Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo 89 disciplinar em um ambiente acadêmico historicamente marcado pela fragmentação do conhecimento? Que aspectos podem ser mobili- zados para criar um ambiente escolar e universitário que favoreça a interdisciplinaridade? 2 O processo de constituição do curso de Licenciatura em Educa- ção do Campo com habilitação em Artes e Música A Universidade Federal do Tocantins (UFT) é constituída por sete câmpus universitários distribuídos em regiões estratégicas. O To- cantins é um estado que se destaca por sua multiculturalidade, sua jo- vialidade – teve sua emancipação do estado de Goiás, pela Constitui- ção de 1988 – e pela diversidade natural da região Amazônica. Nesse contexto, está fortemente marcado pelas disputas territoriais e embates culturais. O curso de Licenciatura em Educação do Campo com habili- tação em Artes e Música9 tem como missão cumprir objetivamente sua função social e atender parte da demanda educacional dos povos do campo do Tocantins e auxiliar na formação de professores. O cur- so é diferenciado, pois os profissionais formados atuarão nas escolas do campo e com os povos do campo – quilombolas, ribeirinhos, agri- cultores familiares, pescadores artesanais, extrativistas, acampados, assentados e reassentados da reforma agrária, entre outros – e estarão em contato direto com esses conflitos e auxiliando na emancipação social camponesa. Criado em 2014, o curso conta com quatro turmas em 2016: a primeira teve início em 2014; a segunda, em 2015; e, em 2016, duas 9 Curso oferecido pela UFT, em parceria com as organizações sociais e sindicais do campo – principalmente, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura do Estado do Tocantins (Fetaet). EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 89 23/05/2017 16:14:47 Educação do campo, artes e formação docente 90 novas turmas passaram a fazer parte do curso. A escolha pela área de Códigos e Linguagens vem ao encontro da necessidade de suprir a oferta de curso de Licenciatura em Educação do Campo com habilita- ção em todas as áreas de conhecimento para que as escolas do campo tenham educadores camponeses habilitados nas diversas áreas. A matriz curricular do curso está organizada em três núcle- os de conteúdos: Núcleo comum: que aglutina elementos de or- dem geral na formação do educador, como desenvolver habilidades de docência, desenvolvimento de linguagem oral e escrita, pesquisa, compreensão da realidade agrária do Brasil e da região Amazônica; Núcleo específico: que aglutina conhecimentos referentes ao campo das artes visuais e música; e Núcleo de atividades complementares: que contempla atividades de extensão, pesquisa, monitorias, estágios, viagens de campo e participação em eventos. Ao tratar da área do conhecimento de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Minis- tério da Educação (BRASIL, 2000, p. 5) destacam a importância da linguagem, visto que essa área está relacionada à [...] capacidade humana de articular significados cole- tivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de re- presentação, que variam de acordo com as necessida- des e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido [...] [que] permeia o conhecimento e as for- mas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e os modos de comunicar, a ação e os modos de agir. Ele é a roda inventada, que movimenta o homem e é movimentada pelo homem. Produto e produção cultural, nascida por forçadas práticas so- ciais, a linguagem é humana e, tal como o homem, destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, plu- ridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo. EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 90 23/05/2017 16:14:47 Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo 93 de. No tempo universidade, geralmente com o tempo de duas sema- nas, os educandos e educandas participam das aulas no Câmpus de Tocantinópolis. No tempo comunidade, que abrange cerca de um mês, os educandos e educandas desenvolvem atividades educativas em suas comunidades de origem. Vê-se, como observam Scalabrin e Sousa (2013), que tempo universidade não é apenas o lugar da teoria, como também o tempo comunidade não é apenas o lugar da prática. Teoria e prática são indissociáveis e nos diferentes tempos existem espaços para estudar e aprofundar temas teóricos, como também para analisar práticas que são desenvolvidas pelos educandos. No currículo da Licenciatura em Educação do Campo, a maior parte das disciplinas tem a carga horária composta por 40 horas no tempo universidade, nas quais são realizadas as aulas, e 20 horas no tempo comunidade, nas quais se desenvolvem atividades educativas, voltadas às demandas disciplinares. Entre essas atividades estão a re- alização de exercícios, as leituras dirigidas e as pesquisas nas comu- nidades, sempre procurando manter o diálogo entre os conteúdos trabalhados em aula e as realidades vivenciadas em comunidade. Esse formato auxilia na construção e no fortalecimento da alternância ao mesmo tempo que fomenta o diálogo entre os dois tempos e a cons- trução coletiva de saberes. O seminário integrador tem a mesma dinâmica das demais disciplinas e tem carga horária de 30 horas, sendo 15 horas de tempo universidade e 15 horas de tempo comunidade. Durante o tempo universidade são organizados encontros com as turmas para preparar e discutir as pesquisas a serem feitas no tempo comunidade e analisar os dados coletados. A duração do curso é de oito semestres e, em cada um, há uma disciplina de seminário integrador, que tem os seguintes objetivos: ser o elo de comunicação entre as diferentes disciplinas oferecidas no semestre; aprimorar as habilidades de pesquisa dos discentes; manter o diálogo entre os saberes universitários e os saberes camponeses na construção de novos saberes. Todo esse esforço é para buscar a inter- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 93 23/05/2017 16:14:47 Educação do campo, artes e formação docente 94 disciplinaridade e evitar, conforme Scalabrin (2011, p. 251), [...] a fragmentação do conhecimento [que] não se restringe apenas à existência das disciplinas trabalha- das como caixinhas isoladas, mas também na superio- ridade do conhecimento científico e na negação dos conhecimentos tradicionais, populares, empíricos, dos sujeitos. Ao optar por construir a interdisciplinaridade nessa licencia- tura, o projeto pedagógico do curso se fundamentou nos seguintes princípios: a formação contextualizada; a realidade e as experiências das comunidades do campo como objeto de estudo e fonte de conhe- cimentos; a pesquisa como princípio educativo; a indissociabilidade entre teoria e prática; o planejamento e a ação formativa integrada entre as áreas de conhecimento; os alunos como sujeitos do conhe- cimento; e a produção acadêmica para a transformação da realidade (UFT, 2014, p. 23). A formulação do curso parte do diagnóstico de que, embora a interdisciplinaridade seja fundamental, o que predomina no meio uni- versitário é um modelo fragmentado, disciplinar. A proposta do curso, então, é apostar na interdisciplinaridade como matriz formativa, como concepção de organização curricular, que busca adequar a prática no decorrer do andamento do processo formativo. Parte-se da análise da prática para poder refletir, aperfeiçoar e aprimorar o fazer educativo. A possibilidade de construir a interdisciplinaridade no decorrer do pro- cesso pedagógico supõe a flexibilidade do planejamento e a adequação de acordo com a avaliação do trabalho em andamento. Para que o processo pedagógico seja exitoso, necessita-se tam- bém que o trabalho docente seja solidário e coletivo, e que o planeja- mento e a avaliação da prática em grupo aconteçam. Superar a frag- mentação ou a individualização do trabalho do professor é um dos passos desejados para se fazer a interdisciplinaridade. O horizonte é uma proposta de currículo interdisciplinar, no entanto, o fato de o EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 94 23/05/2017 16:14:47 Interdisciplinaridade e Licenciatura em Educação do Campo 95 curso estar ancorado em práticas institucionais construídas e inseri- das em uma concepção marcadamente disciplinarizante faz com que seja preciso se partir de uma grade curricular. Para se chegar a uma prática pedagógica interdisciplinar, o projeto pedagógico do curso, inspirado em Santomé (1998, apud UFT, 2014, p. 25), sugere os se- guintes passos: a) integração correlacionando diversas disciplinas; b) integração através de temas, tópicos ou ideias; c) integração em torno de uma questão da vida prática e diária; d) integração a partir de temas e pesquisas decididos pelos estudantes. Além da possibilidade ainda de: 1) integração através de conceitos; 2) inte- gração em torno de períodos históricos e/ou espaços geográficos; 3) integração com base em instituições e grupos humanos; 4) integração em torno de desco- bertas e invenções; 5) integração mediante áreas de conhecimento. 4 O exercício da interdisciplinaridade a partir da disciplina Seminário Integrador Ao estabelecermos que o horizonte pedagógico está relaciona- do à perspectiva da interdisciplinaridade, é pertinente fazermos a se- guinte pergunta: como chegar até esse horizonte? Que passos devem ser programados para se construir uma matriz curricular que supere a fragmentação do conhecimento? No caso que se analisa, os Seminários Integradores I a VIII são o espaço central reservado na grade curricular do curso para garan- tir o exercício da interdisciplinaridade e integrar as diferentes áreas de conhecimento trabalhadas nos semestres, em consonância com o saber que os educandos trazem de suas experiências de vida. Como orienta a ementa da disciplina, é o “espaço de diálogo interdiscipli- EDU CAMPO ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE_V2.indd 95 23/05/2017 16:14:47
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