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Guias e Dicas
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Ferreira, Veloso, Giambiagi Desenvolvimento Econômico Uma perspectiva brasileira, Notas de estudo de Economia

Economia Brasileira

Tipologia: Notas de estudo

2016
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Compartilhado em 10/08/2016

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Baixe Ferreira, Veloso, Giambiagi Desenvolvimento Econômico Uma perspectiva brasileira e outras Notas de estudo em PDF para Economia, somente na Docsity! | Organizadores | a | & % Fernando Veloso | afcóttho Pedro Cavalcanti Ferreira LELS Fabio Giambiagi Samuel Pessõa DESENVOLVIMENTO ECONOMICO | UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA Prefácio: Gustavo Franco Alexandre Rands Barros | André Villela 1 Teixeira udio Frischtak | Ec ja Barbosa F Bacha Fernando Veloso ho Menezes Filho | Paulo Cardoso | Regis Bonelli Sérgio Kannebley Júnior | Silvia M yr Levy Ilery ria Matos CAMPUS © 2013, Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográfi cos, gravação ou quaisquer outros. Copidesque: Ivone Teixeira Revisão: Clara Diament e Alvanísio Damasceno Editoração Eletrônica: Estúdio Castellani Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, 111 – 16o andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Rua Quintana, 753 – 8o andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP – Brasil Serviço de Atendimento ao Cliente 0800-0265340 sac@elsevier.com.br ISBN 978-85-352-5155-5 Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem os autores assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação. CIP-Brasil. Catalogação na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ D486 Desenvolvimento econômico: uma perspectiva brasileira / Pedro Ferreira... et al. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. 24 cm Inclui bibliografi a ISBN 978-85-352-5155-5 1. Desenvolvimento econômico – Brasil 2. Economia – Brasil. I. Ferreira, Pedro. 12-7733. CDD: 330.981 CDU: 338.1(81) “E você acha que, uma vez dito algo, isso é sufi ciente? [...] É preciso inculcá-lo nas pessoas, precisa ser repetido de novo e de novo.” (Pierre-Joseph Proudhon, fi lósofo francês, dirigindo-se ao intelectual russo Alexander Herzen) “The consequences for human welfare involved in questions like these are simply staggering: Once one starts to think about them, it is hard to think about anything else.” (Robert Lucas Jr., On the Mechanics of Economic Development) “A produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo.” (Paul Krugman) “Technological innovation makes human societies prosperous, but also involves the replacement of the old with the new; and the destruction of the economic privileges and political power of certain people. For sustained economic growth we need new technologies, new ways of doing things, and more often than not they will come from newcomers. It may make society prosperous, but the process of creative destruction that it initiates threatens the livelihood of those who work with old technologies.” (Daron Acemoglu e James Robinson, Why Nations Fail) ORGANIZADORES FERNANDO VELOSO. PhD em Economia pela University of Chicago. Pesqui- sador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV/RJ. Autor de diversos artigos publicados em revistas acadêmi- cas nacionais e internacionais nas áreas de crescimento e desenvolvimento eco- nômico, educação e políticas públicas. Foi coorganizador dos livros É possível: gestão da segurança pública e redução da violência e Educação básica no Brasil: construindo o país do futuro. PEDRO CAVALCANTI FERREIRA. Ph.D em Economia pela University of Pen- silvania e Mestre em Economia pela PUC-Rio. Professor da Escola de Pós-Gra- duação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro e coordenador do Mestrado em Finanças e Economia Empresarial da EPGE/FGV. Desenvolve pesquisas nas áreas de desenvolvimento e crescimento econômico, tendo publicado artigos sobre liberalização comercial e produtivi- dade, sobre as causas das diferenças de renda entre países e sobre infraestrutura e crescimento, entre outros temas. FABIO GIAMBIAGI. Mestre pela UFRJ. Ex-professor da UFRJ e da PUC-RJ. Fun- cionário do BNDES desde 1984. Ex-membro do staff do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington. Ex-assessor do Ministério de Pla- nejamento. Coordenador do Grupo de Acompanhamento Conjuntural do Ipea entre 2004 e 2007. Autor ou organizador de 20 livros sobre economia brasileira. x DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA Economia, da Revista Brasileira de Finanças e da Brazilian Business Review. Atua principalmente nas áreas de comércio e finanças internacionais, crescimento e desenvolvimento econômico e organização industrial. CARLOS EDUARDO SOARES GONÇALVES. Professor Titular da Universidade de São Paulo (USP). Doutor em Economia pela FEA/USP, com pós-doutorado na London School of Economics. Tem trabalhos publicados em revistas acadê- micas internacionais como Journal of Development Economics e Journal of Money, Credit and Banking. Publicou pela Editora Campus/Elsevier os livros Economia sem truques e Sob a lupa do economista. CLÁUDIO R. FRISCHTAK. Presidente da Inter.B, Consultoria Internacional de Negócios, e diretor de país do International Growth Center (London School of Economics e Oxford University). Foi principal economist da área de indústria e energia do Banco Mundial (1984-1991) e professor adjunto na Universidade de Georgetown (1987-1990), tendo feito sua pós-graduação na Universidade de Campinas (1976-1978) e na Stanford University (1980-1984). Tem mais de 100 publicações (entre livros editados, artigos acadêmicos e relatórios de pesquisa) e é membro do Think Tank-20 da Brookings Institution e de conselhos de di- versas instituições. EDMAR LISBOA BACHA. Diretor do Instituto de Estudos em Política Econô- mica da Casa das Garças, no Rio de Janeiro. Em 1993-1994, foi membro da equipe econômica do governo, responsável pelo Plano Real. Foi presidente do BNDES, do IBGE e da Anbid e professor de Economia na PUC-Rio, EPGE/ FGV, UnB, UFRJ, Columbia, Yale, Berkeley e Stanford. É bacharel em Econo- mia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Ph.D em Economia pela University of Yale. FERNANDO DE HOLANDA BARBOSA FILHO. PhD em Economia pela Univer- sidade de Nova York (NYU). Membro do Centro de Desenvolvimento Econô- mico do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) e professor da EPGE/FGV. Autor de diversos artigos acadêmicos nas áreas de educação, desenvolvimento econômico e políticas públicas. MAURÍCIO CANÊDO-PINHEIRO. Doutor em Economia pela Escola de Pós-Gra- duação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. Pesquisador do Centro de Economia e Petróleo do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) e professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EBEF), ambos da FGV/RJ. É autor de diversos artigos acadêmicos nas áreas de Autores xi política industrial, regulação (particularmente em telecomunicações e petróleo) e organização industrial. NAERCIO MENEZES FILHO. Professor titular e coordenador do Centro de Po- líticas Públicas do Insper, Instituto de Ensino e Pesquisa. É também professor associado da FEA/USP, colunista do jornal Valor Econômico e consultor da Fun- dação Itaú Social. Tem doutorado em Economia pela University of London e publicou vários artigos em revistas nacionais e internacionais. PAULO MANSUR LEVY. Economista e pesquisador do Ipea. Professor de De- senvolvimento Econômico e Teoria do Crescimento na PUC-Rio e no IBMEC/ RJ. Entre 2003 e 2007, foi Diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea e, antes disso, entre 1995 e 2003, Coordenador do Grupo de Acompanhamento Conjuntural daquela instituição, responsável pela publicação dos boletins tri- mestrais com análises e previsões para a economia brasileira. Obteve seu MA pela University of California, Berkeley (1992) e ocupou diversas posições no governo federal entre 1985 e 1988. REGIS BONELLI. Pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV/RJ. Foi Diretor Executivo do BNDES, Diretor de Pesquisa do Ipea, Di- retor Geral do IBGE, Visiting Research Fellow do Centre for Brazilian Studies e Senior Associate Member do St. Antony’s College, ambos da Oxford University. É bacharel em Engenharia pela PUC-Rio e doutor em Economia pela University of California, Berkeley. RENATO FRAGELLI CARDOSO. Doutor em Economia pela Escola de Pós-Gra- duação em Economia (EPGE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) em 1989. Foi Visiting Scholar na Universidade da Pensilvânia em 1989-1990. É professor da EPGE/FGV desde 1990. Foi diretor dessa mesma escola entre 2003 e 2010. Ministra cursos de macroeconomia, economia monetária, crescimento econô- mico e microeconomia. É colunista regular do jornal Valor Econômico. ROBERTO ELLERY JR. Doutor em Economia pela Universidade de Brasília. Mestre em Economia pela University of Pensilvânia e pela FGV-RJ. Pro- fessor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, onde é Coordenador da Pós-Graduação. Foi Técnico de Pesquisa do Ipea. Atuou em consultoria junto ao Banco Central, Banco Mundial e outras organizações. Desenvolve pesquisa na área de finanças públicas, ciclos econômicos e teoria do crescimento. xii DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA SÉRGIO KANNEBLEY JÚNIOR. Graduado em Economia pela Pontifícia Univer- sidade Católica (PUC) de São Paulo (1989), com Mestrado em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (1994) e Doutorado em Eco- nomia pela Universidade de São Paulo (USP) (1999). Atualmente, é professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade do Campus de Ribeirão Preto. Seus trabalhos são aplicações empíricas nas áreas de econo- mia internacional, industrial e de tecnologia. É pesquisador nível 2 do CNPQ, estando atualmente vinculado a projetos de pesquisa relacionados ao estudo de indicadores de Ciência e Tecnologia e de Comércio Exterior. SILVIA MARIA MATOS. Doutora e Mestre em Economia pela Escola de Pós- Graduação em Economia (EPGE/FGV). Bacharel em Economia pela Univer- sidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ex-economista do Departamento de Pesquisa do Banco BBM. Professora do Mestrado Profissional em Economia da EPGE/FGV. Economista do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE/FGV) e Coordenadora Técnica do Boletim Macro IBRE. Apresentação xv PTF entre países. A lição mais importante é que a qualidade das instituições é o principal fator por trás da enorme disparidade de PTF no mundo. Finalmente, André Villela aborda, sob uma perspectiva histórica, o desenvolvi- mento econômico em suas duas principais dimensões: o crescimento e a distribui- ção de renda. O capítulo mostra que o crescimento econômico mundial foi muito baixo até o advento da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, quando deu-se a transição para o crescimento econômico moderno, baseado em progresso tecnológico e aumento sustentado da produtividade. No entanto, pelas diferenças entre países do momento em que se iniciou essa transição, ocorreu grande divergência nos padrões de vida nos últimos dois séculos. Na segunda parte, que possui seis capítulos, discutem-se os temas sob a ótica brasileira, considerando os diversos aspectos gerais que devem ser contemplados na análise do desenvolvimento do país. André Villela estuda o desenvolvimento econômico brasileiro desde suas origens até meados do século passado. O autor apresenta evidências de que o crescimento da renda per capita foi muito baixo nos primeiros 400 anos de nossa história. Esse quadro começou a mudar de for- ma mais nítida a partir da virada do século XIX para o XX, quando se iniciou a transição para o crescimento econômico moderno no país, e se acentuou a partir da década de 1930. O capítulo também mostra que uma característica marcante do nosso processo de desenvolvimento foi a desigualdade elevada, que começou com a colonização portuguesa e persistiu ao longo dos séculos. Pedro Cavalcanti Ferreira e Fernando Veloso dão continuidade à análise, tratando especificamente do período do pós-guerra. O capítulo mostra que, embora a economia brasileira tenha crescido a uma das taxas mais elevadas do mundo entre 1950 e 1980, nosso modelo de crescimento foi caracterizado por distorções significativas, baixo investimento em educação e forte exclusão econômico-social. Segundo os autores, esses fatores contribuíram em grande medida para o baixo crescimento nas três décadas seguintes. Destacam ainda que a queda da PTF teve um papel fundamental para a desaceleração do cresci- mento. Finalmente, mostram que, apesar do baixo crescimento, houve melho- ria significativa dos indicadores sociais nas últimas décadas. Os dois capítulos seguintes complementam essa análise. Renato Fragelli Car- doso apresenta uma visão panorâmica da política econômica brasileira no pós- guerra, com ênfase nos dois planos de estabilização implantados com sucesso no período: o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg) e o Plano Real. Eles tiveram um papel muito importante para o desenvolvimento do país ao reduzir a inflação e implantar reformas institucionais que favoreceram o crescimento econômico nos anos seguintes. Fernando de Holanda Barbosa Filho e Samuel Pessôa, por sua vez, destacam as consequências negativas do baixo investimento em educação nas primeiras xvi DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA décadas do pós-guerra, como a desigualdade elevada e aumento da violência. Os autores apresentam evidências a respeito do forte impacto da educação sobre os salários no Brasil, o que se traduz em alta taxa de retorno da escolaridade. O capítulo mostra ainda que a educação explica uma parcela expressiva do nos- so atraso de renda per capita em relação aos Estados Unidos. Os dois capítulos que se seguem exploram o tema das fontes do crescimento brasileiro. Regis Bonelli e Edmar Bacha enfatizam a importância da acumulação de capital para a dinâmica do crescimento brasileiro no pós-guerra. Inicialmen- te, constatam forte associação entre a taxa de crescimento do PIB e a taxa de crescimento do estoque de capital nesse período. Em seguida, investigam os determinantes do colapso da formação bruta de capital fixo a partir de 1980. Por último, os autores analisam o comportamento da produtividade total dos fatores e mostram que a PTF desempenhou papel significativo na queda do crescimento brasileiro depois de 1980. Roberto Ellery e Arilton Teixeira investigam a relação entre PTF e acumula- ção de capital com o auxílio de um modelo dinâmico de equilíbrio geral, o mo- delo neoclássico ou modelo Cass-Koopmans. Ele é utilizado para analisar três fases do crescimento econômico brasileiro: o crescimento sem progresso técnico da segunda metade da década de 1970, a queda do crescimento nas décadas de 1980 e 1990 e a retomada do crescimento nos anos 2000. Finalmente, a terceira parte do livro, também com seis capítulos, incorpora análises de temas importantes para a compreensão do desenvolvimento econô- mico brasileiro. Paulo Levy e Fabio Giambiagi mostram que o investimento é um dos principais determinantes do crescimento, enquanto a poupança domés- tica representa uma restrição importante para a aceleração das taxas de cresci- mento no Brasil diante dos limites à utilização de poupança externa. Constatam ainda que o Brasil é um país que se caracteriza por baixas taxas de poupança doméstica, e que isso pode ser atribuído, entre outros fatores, à baixa poupança do setor público. Cláudio Frischtak destaca a importância da infraestrutura para o desenvolvi- mento econômico. O autor apresenta evidências de que os gastos em infraestru- tura no Brasil vêm caindo nas últimas três décadas, somente se estabilizando em anos recentes, e recomenda a elevação dos investimentos no setor para aumen- tar o potencial de crescimento do país. Finalmente, argumenta que o aumento expressivo dos investimentos em infraestrutura no país e a melhoria da qualida- de de sua gestão dependerão de maior participação do setor privado. Os capítulos seguintes exploram vários aspectos da industrialização brasi- leira. Regis Bonelli, Samuel Pessôa e Sílvia Matos descrevem as mudanças na estrutura setorial da economia brasileira no século XX e destacam o aumento da participação da indústria no produto. A análise revela que, de meados da Apresentação xvii década de 1970 até a segunda metade dos anos 1980, o grau de industrializa- ção do Brasil era elevado em comparação a países com algumas características similares, como grau de desenvolvimento, população, tecnologia, instituições e dotação de recursos naturais. A partir daí, a indústria brasileira convergiu para um padrão compatível com as características do país, reduzindo sua participa- ção no produto. Maurício Canêdo Pinheiro analisa várias experiências de política industrial no pós-guerra, abrangendo países que se tornaram desenvolvidos, como Japão e Coreia do Sul, o caso da China, que experimentou crescimento extraordinário nas últimas décadas, e a experiência brasileira. Segundo o autor, o sucesso da política industrial depende fundamentalmente da maneira como são construí- dos os incentivos para as empresas e setores contemplados. Em particular, argu- menta que, se for adotada, a política industrial deve ser temporária e associada a metas e regras de saída, embora mesmo nesse caso seu impacto seja limitado. Naercio Menezes Filho e Sérgio Kannebley Júnior discutem o efeito da abertu- ra comercial no desempenho das empresas brasileiras e no mercado de trabalho. Os autores mostram que a abertura comercial a partir do final da década de 1980 aumentou a produtividade da indústria no Brasil nos anos 1990. No entanto, não ocorreram aumentos significativos na produtividade após a década de 1990. Segun- do os autores, isso se deve, em boa medida, ao baixo investimento em inovação por parte das firmas brasileiras, e recomendam maior articulação do sistema de inova- ção para superarmos nosso atraso tecnológico em relação aos países desenvolvidos. Por último, Alexandre Rands Barros relaciona os temas das desigualdades regionais e do desenvolvimento. Mostra que desigualdades regionais tendem a ser geradas ao longo do processo de desenvolvimento econômico e que não há tendência de convergência da renda per capita regional no Brasil. Segundo o au- tor, a desigualdade em educação é o principal determinante dos desequilíbrios regionais no país. Diante disso, argumenta que as políticas regionais devem ter como principal objetivo aumentar a quantidade e melhorar a qualidade da edu- cação nas áreas mais pobres do Brasil. Esperamos que, após cada capítulo, o aluno se interesse em avançar para o seguinte e, ao completar a leitura, sinta que compreendeu melhor as razões do desenvolvimento de um país e, em especial, tenha um melhor entendimento da experiência brasileira. No final de cada capítulo, o professor e o aluno encontra- rão um resumo das principais ideias apresentadas, bem como uma pequena lista de leituras especialmente recomendadas sobre o assunto discutido e uma lista mais extensa de referências bibliográficas. Boa leitura! Os organizadores Setembro de 2012 Prefácio xxi Com o sucesso do Plano Real, o primeiro que atribuiu primazia aos “fun- damentos”, o país se encanta com a impressão de que havia recuperado o seu futuro, e não era apenas em razão da sensação de bem-estar derivada da estabi- lização, ou pela remoção da névoa provocada pela inflação, assim estendendo os horizontes do cálculo econômico. Havia mais, segundo um relato da época: “À medida que os fundamentos fiscais e monetários vão se consolidando, é natural que a agenda da estabilização se confunda com a agenda do desenvolvimento.”4 O desenvolvimento subitamente estava de volta ao centro das cogitações eco- nômicas dos brasileiros, mesmo antes de a vitória sobre a inflação estar com- pletamente consolidada,5 sendo certo que deveria ser reinventado em face da recém-adquirida aversão à inflação, às aspirações distributivas e ao ambiente de globalização. As reformas associadas à estabilização pareciam ser a chave para uma nova equação, mas as resistências às mudanças indicavam que a transição não seria pacífica nem rápida, tampouco o ponto de chegada parecia claro. Mas para onde olhar em busca de orientação? A reflexão sobre desenvolvimento havia ficado suspensa ou anestesiada pelo imperativo de sobrevivência à hiperinflação. E mais: escrevendo em 1995, mas com base em palestras feitas em 1992, Paul Krugman afirmava que o desenvol- vimento econômico como campo de estudos cujas “ideias em seus gloriosos anos 1950 eram consideradas revolucionárias e comandavam enorme prestígio inte- lectual e influência sobre a realidade” simplesmente “havia deixado de existir”.6 O trabalho dos pioneiros, segundo argumentava, tinha se tornado obsoleto em vista da incapacidade de enquadrar-se nos cânones que a profissão havia adota- do no tocante à quantificação, aos padrões científicos para observações empíri- cas, ao uso de modelos com vistas a assegurar a solidez interna de proposições testáveis e a capturar os aspectos essenciais de sistemas complexos. A adesão a um estilo discursivo e não matemático teria levado à formação de “escolas de desenvolvimento construídas sobre metáforas sugestivas, particularismo institu- cional, raciocínio interdisciplinar e uma postura relaxada no tocante à consistên- cia interna. O resultado foram alguns belos escritos, alguns insights inspiradores, e (na minha visão) um beco sem saída intelectual”.7 4 Franco, G. H. B. “Inserção externa e desenvolvimento.” In: O desafio brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 28. Grifos meus. 5 Nos primeiros 12 meses de vida da nova moeda a inflação acumulada, medida pelo IPCA, foi de 33%. A inflação caiu abaixo de 20% anuais em abril de 1996, 22o mês, e abaixo de 10% ape- nas em dezembro, 30o mês da nova moeda. No ano calendário de 1997, o IPCA cresceu 5,2%, e em 1998 a inflação pelo IPCA foi a menor em nossa história: 1,7%. Este é um bom marco para delimitar a conclusão da estabilização da hiperinflação. 6 Krugman, P. Development, Geography, and Economic Theory. Cambridge: The MIT Press, 1995, pp. 6-7. Grifos meus. 7 Krugman, op. cit., p. 81. xxii DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA Krugman referia-se expressamente a alguns economistas como Paul Rosens- tein-Rodan, Albert Hirschman, Arthur Lewis e Gunnar Myrdal, quatro dos dez pioneiros da disciplina que o Banco Mundial homenageou em 1984 com um belo volume de ensaios retrospectivos sobre seu surgimento.8 Sua diatribe era mais geral, e estava centrada no afastamento duradouro e, de toda forma, des- necessário entre a “tradição desenvolvimentista”9 e o mainstream da economia. Como se a incapacidade instrumental da economia em lidar com algumas com- plexidades especialmente relevantes para países em desenvolvimento – como retornos crescentes de escala, estruturas de mercado não competitivas, apren- dizado, externalidades, complementaridades estratégicas etc. – servisse para demarcar uma separação definitiva e de natureza ideológica entre a produção acadêmica do Norte (o mainstream), teimosamente aferrada às limitações asso- ciadas aos “modelos neoclássicos”, e a reflexão sobre desenvolvimento relevante para o Brasil, que não podia ficar sujeita a essas restrições instrumentais ou ideo- lógicas. A dificuldade de diálogo entre essas vertentes de pensamento econômi- co sobre o tema parecia incentivar o sequestro da “tradição desenvolvimentista” pelo heterodoxo e pelas abordagens “alternativas”. E assim, por longo tempo no Brasil, em vez de uma aproximação com o mainstream, de tirar proveito dos progressos instrumentais, metodológicos e conceituais e de desfrutar de “eco- nomias de escala” na produção acadêmica, ficamos aprisionados ao isolamento e ao sectarismo, e também ao imperativo de refletir sobre a hiperinflação e sua estabilização. Conforme observa Krugman, “quando se trata das ciências físicas, pouca gen- te tem problemas com a ideia de que para estudar sistemas complexos é preciso construir modelos simplificados”.10 A resistência em utilizar os mesmos métodos matemáticos para as ciências sociais é conhecida, eis que o Homo economicus, para esses fins, necessariamente haverá de possuir a complexidade psicológica e a estatura moral de uma torradeira. A simplificação inerente ao método científi- co pode parecer ultrajante, às vezes, o que não a torna menos necessária. O fato é que, diante desse dilema. facilmente caímos na armadilha dos mapas na escala 1:1, cuja inutilidade foi transformada em uma lenda por Jorge Luis Borges. Passados menos de vinte anos de quando Krugman escreveu e da estabi- lização brasileira, a coletânea que o leitor tem diante de si oferece um belo 8 Meier, G. M.; Seers, D. (Eds.) Pioneers in development. The World Bank & Oxford University Press, 1984. Os dez pioneiros eram: Lord Bauer, Colin Clark, Albert Hirschman, Arthur Lewis, Gunnar Myrdal, Raul Prebish, Paul Rosenstein-Rodan, W. W. Rostow, Hans Singer e Jan Tin- bergen. Três desses ganharam o Prêmio Nobel (Lewis, Myrdal e Tinbergen). Não há brasileiros no grupo, mas pelo menos dois poderiam estar, como escolhas fáceis, para ficar em um para cada campo de persuasão: Celso Furtado e Roberto Campos. 9 Que ele designava por “alta teoria do desenvolvimento” (high development theory). 10 Krugman, op. cit., p. 73. Prefácio xxiii resumo dos progressos alcançados por pesquisadores brasileiros no período, sobretudo ao trazer os avanços instrumentais e metodológicos do mainstream da disciplina para o terreno da reflexão brasileira e contemporânea sobre o desenvolvimento. Esta coletânea é composta de textos que estão na fronteira da produção aca- dêmica sobre o tema, em permanente diálogo com o que se faz no exterior, e seguramente há de surpreender a muitos, especialmente aqueles cuja educação sobre o tema advém apenas dos pioneiros. Vale ressaltar ao menos três inova- ções metodológicas que dão personalidade a este conjunto. Em primeiro lugar, o “tratadismo” é substituído pelo princípio da obra cole- tiva. Nos dias de hoje, excetuados os manuais didáticos e as obras de divulga- ção, raramente se escrevem tratados temáticos de grande escopo e extensão. O conhecimento se especializou profundamente, tirando proveito da organização do esforço científico como obra coletiva, que vai se produzindo de forma incre- mental e modular em ensaios publicados em revistas acadêmicas sujeitas a peer review. O desenvolvimento passa a funcionar como uma disciplina de “arquite- tura aberta”, permanentemente porosa a novos acréscimos, jamais encerrada ou sujeita a “interpretações definitivas”. Essa é a razão para as extensas bibliografias trazidas em cada um dos capítulos, a maior parte formada de trabalhos recen- tes, funcionando como nódulos de uma rede viva e vibrante, demonstrando não apenas a adesão ao cânone científico nessa disciplina, como também a extraor- dinária vitalidade da pesquisa nesse campo, que parece desmentir o veredicto de Krugman. O leitor não deixará de se impressionar com as poucas menções aos pioneiros, a despeito de sua constante presença em espírito, pois os trabalhos aqui apresentados já se encontram a várias gerações de distância. Em segundo lugar, o impressionismo é substituído pela quantificação. A avaliação subjetiva, frequentemente tingida pela qualidade literária da prosa do observador, cedeu lugar a números. Nada mais objetivo e independente de julgamentos e vieses. A observação empírica é trazida para o centro do palco, o que torna crucial a correta medição dos fenômenos a serem estudados. Quando se fala de “atraso relativo”, pode-se dizer da exata proporção entre os respecti- vos PIBs, diferenciais de produto por trabalhador, desigualdade, de tal sorte a evitar a construção de “interpretações” sobre impressões desacompanhadas de medições precisas. É claro que somente podemos tirar proveito desses padrões mais rigorosos depois do esforço de sucessivos exércitos de pesquisadores que, no decorrer do tempo, refinaram, estabeleceram e disseminaram os cânones para as Contas Nacionais e para tantas outras referências estatísticas essenciais para o trabalho do economista. As Contas Nacionais brasileiras tiveram início em 1947; os dados da Penn Tables, principal ferramenta para análises compa- rativas, contêm informações para 189 países apenas para o período 1950-2009. CAPÍTU LO 1 EXPERIÊNCIAS COMPARADAS DE CRESCIMENTO ECONÔMICO NO PÓS-GUERRA Fernando Veloso Pedro Cavalcanti Ferreira Samuel Pessôa Introdução Uma questão fundamental no estudo do desenvolvimento econômico é por que alguns países são mais ricos do que outros. Em 2009, a renda per capita dos Estados Unidos equivalia a 36 vezes a de Uganda, 13 vezes a da Índia, seis vezes a da China e o dobro da de Portugal. Essas diferenças no padrão de vida, por sua vez, refletem disparidades enormes da produtividade do trabalhador. No mesmo ano, um trabalhador típico norte-americano produzia 30 vezes mais que o de Uganda, quase 10 vezes mais que o indiano, sete vezes mais que o chinês e mais que o dobro do trabalhador português.1 Além disso, existe grande heterogeneidade na trajetória de crescimento dos países. Essas diferenças nas experiências de crescimento, por sua vez, tiveram implicações significativas na desigualdade de renda entre os países. Alguns países relativamente pobres algumas décadas atrás tornaram-se desenvolvidos, como os Tigres Asiáticos, enquanto outros estagnaram num patamar de renda média, como grande parte da América Latina, enquanto alguns, como a China, fizeram grande progresso, mas ainda estão distantes do grupo de países ricos. O objetivo deste capítulo é descrever os principais fatos estilizados de cres- cimento econômico no pós-guerra e analisar o debate sobre essas evidências na 1 Esses dados são medidos em paridade de poder de compra, ou seja, corrigem pela diferença de custo de vida entre os países. A base de dados utilizada é a Penn World Table 7.0, que será descrita na próxima seção. 4 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA literatura de crescimento econômico. Em particular, iremos tratar de questões como: Qual foi a importância relativa da acumulação de capital físico e humano e do progresso tecnológico para o crescimento dos Tigres Asiáticos? O atraso relati- vo de países como Uganda ou Índia é causado por escassez de fatores de produção ou por baixa eficiência? Por que o crescimento econômico da América Latina desacelerou fortemente a partir da década de 1980? Quais os fatores responsáveis pelo extraordinário crescimento da China desde o final da década de 1970? Em que medida esse crescimento é sustentável? A literatura de crescimento econô- mico não oferece respostas definitivas para essas questões, mas o capítulo procura fornecer elementos para o entendimento do debate sobre esses temas. O capítulo está dividido em cinco seções, incluindo esta Introdução. A se- gunda seção apresenta fatos estilizados de crescimento e desenvolvimento econômico no pós-guerra e calcula a contribuição das diversas fontes de cres- cimento para as variações da produtividade do trabalho entre países e ao lon- go do tempo. As seções seguintes discutem brevemente três experiências de crescimento. A terceira seção descreve a experiência de crescimento seguida de estagnação da América Latina. Na quarta seção analisamos a trajetória de sucesso dos Tigres Asiáticos. A quinta seção discute o crescimento da China nas últimas décadas. Fatos estilizados Nesta seção, apresentamos fatos estilizados sobre experiências de crescimen- to econômico no pós-guerra. A desigualdade de renda per capita entre paí ses em determinado ano (2009, por exemplo) resulta da combinação entre a desigual- dade num ano inicial (1960, por exemplo) e o crescimento da renda per capita entre os dois anos. Nosso objetivo é analisar as diversas trajetórias de crescimen- to no pós-guerra e entender seu impacto na distribuição de renda atual. A análise deste capítulo baseia-se nos dados da versão 7.0 da Penn World Table (PWT). A PWT é a principal base de dados utilizada em análises compa- radas de crescimento e desenvolvimento econômico. Ela contém informações sobre 33 variáveis para 189 países, de 1950 até 2009. A maior vantagem da PWT é que os dados de produto, investimento e demais estatísticas das Contas Nacionais são calculados segundo o conceito de paridade de poder de compra (preços internacionais), PPP, que corrige os efeitos de diferenças sistemáticas de custo de vida entre as economias.2 Assim, por exemplo, flutuações na taxa de 2 Os dados da Penn World Table estão disponíveis em <http://pwt.econ.upenn.edu>. Para maiores detalhes, ver Heston et al. (2011). Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 5 câmbio não afetam valores relativos das variáveis, o que ocorreria se as variáveis fossem medidas em dólares correntes. A renda per capita é igual, por definição, à multiplicação entre a produtivi- dade do trabalhador e a participação da força de trabalho na população, como mostra a Equação 1: (1) onde Y é o PIB, N é a população e L é a força de trabalho. Em outras palavras, a renda por habitante pode elevar-se porque os trabalhadores se tornaram mais produtivos ou porque a proporção de trabalhadores na população aumentou, ou ambos. O Gráfico 1.1 apresenta a distribuição de renda per capita e do produto por trabalhador relativo aos Estados Unidos em 2009.3 O gráfico mostra o percen- tual de países em cada categoria de renda e produtividade relativa aos Estados Unidos. Um primeiro fato fundamental é que existe enorme disparidade de renda per capita entre os países. Como mostra o gráfico, a distribuição de 3 Embora os Estados Unidos sejam a maior economia do mundo, em 2009 sua renda per capita era inferior à de alguns países, como Austrália, Cingapura, Luxemburgo, Noruega e Qatar. 0 5 10 15 20 25 30 35 40 0-10% 10%-20% 20%-30% 30%-40% 40%-50% 50%-60% 60%-70% 70%-80% 80%-90% 90%-100% >100% P ro p o rç ão d e p aí se s (% ) Renda per capita e produto por trabalhador relativo aos Estados Unidos Renda per capita Produto por trabalhador Fonte: Penn World Table 7.0. GRÁFICO 1.1 Distribuição da renda per capita e do produto por trabalhador relativo aos Estados Unidos (2009) 8 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA também sofreu desaceleração, mas continuou crescendo a taxas elevadas (média de 3,9% a.a.), em grande parte graças à China, que cresceu de forma acelerada a partir do final da década de 1970 (7,8% a.a.). A aceleração do crescimento da Índia, a partir da década de 1980, por sua vez, contribuiu para fazer com que a redução do crescimento no sul da Ásia fosse menos pronunciada. TABELA 1.2 Taxa de crescimento anual média do produto por trabalhador em dois subperíodos (1960-1980 e 1980-2009) – regiões e países selecionados (em %) 1960-1980 1980-2009 Leste Asiático 4,9 3,9 Sul da Europa 4,7 1,7 Sul da Ásia 2,7 1,6 Europa Ocidental 3,2 1,2 Países de língua inglesa 1,9 1,4 Caribe 2,3 0,9 Oriente Médio 3,3 0,1 América Latina 2,3 0,1 África Subsaariana 2,1 0,3 China 2,6 7,8 Coreia do Sul 4,3 4,4 Japão 6,1 1,3 Índia 2,0 3,7 Brasil 4,5 –0,6 Estados Unidos 1,5 1,5 Mundo 2,8 1,0 Fonte: Penn World Table 7.0 O próximo passo é analisar as fontes do crescimento da produtividade do trabalhador. O crescimento da produtividade do trabalho depende da acumula- ção de capital físico (máquinas, equipamentos e construção) e capital humano (educação) e da elevação da produtividade total dos fatores (PTF). A PTF é uma medida da eficiência agregada da economia, que inclui a tecnologia e a eficiên- cia da alocação dos fatores de produção. A pergunta que queremos responder é qual a importância relativa da acumu- lação de capital físico, do capital humano e da PTF para explicar a diferença de crescimento da produtividade do trabalhador entre países no pós-guerra. Isto é, queremos saber se determinado país cresceu mais rapidamente porque investiu mais em máquinas, estruturas e educação ou porque sua eficiência produtiva e progresso tecnológico cresceram muito. Para isso, faremos um exercício de decomposição do crescimento, com base na seguinte função de produção: Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 9 yt = At ktα ht1–α 0 < α < 1, (2) onde y é o produto por trabalhador, k é o capital físico por trabalhador, h é o capital humano por trabalhador e A é a produtividade total dos fatores (PTF). O parâmetro α é a elasticidade do produto em relação ao capital físico.6 O capital humano será construído seguindo a metodologia de Bils e Klenow:7 , (3) onde s é a escolaridade média da mão de obra. A ideia dessa formulação é que o impacto da educação no capital humano deve ser ponderado por uma medida de produtividade da escolaridade que é capturada pelo seu retorno no mercado de trabalho.8 Vale ressaltar que, em virtude de limitações de dados, essa medida de capital humano não incorpora a qualidade da educação. O estoque de capital físico é construído a partir do método de inventário perpétuo, descrito pela seguinte equação: Kt+1 = It + (1 – δ) Kt, (4) onde K é o estoque de capital agregado, I é o investimento e δ é a taxa de de- preciação do capital. Essa equação diz que o estoque de capital em determinado período é igual à soma do investimento do período anterior com o capital que restou após ter sido descontada sua depreciação. Dividindo-se o estoque de ca- pital agregado pela força de trabalho, obtemos o capital por trabalhador. A PTF, que nos diz quanto é produzido com determinada quantidade de insumos, é calculada como resíduo a partir da Equação 2: (5) Os valores dos parâmetros foram escolhidos com base na literatura acadêmi- ca sobre o tema.9 Os dados de produto por trabalhador e investimento a preços 6 Supondo-se a existência de competição perfeita no mercado do produto e a maximização do lucro por parte das firmas, o parâmetro α é igual à participação da renda do capital na renda total gerada na economia. 7 Bils e Klenow (2000). 8 A formulação exponencial do capital humano captura o fato de que existe uma relação empíri- ca entre o logaritmo do salário e o nível de escolaridade, estimada através da chamada regressão de Mincer. O retorno da escolaridade depende dos parâmetros θ e ψ. 9 O valor do parâmetro α é igual a 0,4, e a taxa de depreciação do capital é 5%. Klenow e Rodrí- guez-Clare (1997) e Hall e Jones (1999) usaram valores similares. Os valores dos parâmetros da especificação de capital humano foram obtidos de Bils e Klenow (2000). 10 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA internacionais foram obtidos da Penn World Table 7.0. Os dados de educação foram obtidos da base de dados de Barro e Lee.10 A contribuição de cada fonte para o crescimento do produto por trabalhador é calculada a partir da seguinte fórmula:11 (6) O lado esquerdo dessa equação é o crescimento médio anual do produto por trabalhador entre dois anos, onde T é a diferença de anos. O lado direito decompõe o crescimento da produtividade do trabalho em três componentes: o crescimento da PTF, a contribuição do capital físico e a contribuição do capital humano. Observe que as contribuições do capital físico e humano são iguais às respectivas taxas de crescimento ponderadas pelos seus coeficientes na função de produção. A Tabela 1.3 apresenta uma decomposição do crescimento para grupos de países ordenados segundo suas taxas de crescimento no período 1960-2009: “milagres”, crescimento rápido, crescimento médio, crescimento baixo e “desastres”.12 A média de crescimento mundial foi de 1,8% a.a., mas existe gran- de variabilidade entre os países. Enquanto os países classificados como “mila- gres” tiveram crescimento médio anual de 4,0%, os “desastres” tiveram cresci- mento negativo do produto por trabalhador (−0,7% a.a.).13 A Tabela 1.3 mostra que a acumulação de capital físico e humano foi o principal responsável pelo crescimento do produto por trabalhador no mundo, com contribuição de 94% para a média do crescimento mundial.14 No entanto, a PTF tem grande importância para explicar as diferenças de crescimento entre os países.15 Enquanto a taxa de crescimento da PTF foi negativa no caso dos 10 Barro e Lee (2010). 11 Para obter a fórmula de decomposição do crescimento, toma-se o logaritmo da função de produção (Equação 2) entre dois anos (t e t + T) e divide-se pela diferença de anos (T). 12 O Apêndice apresenta a lista dos países em cada grupo de crescimento. 13 A terminologia de “milagres” e ”desastres” é comumente usada na literatura de crescimento para designar países que tiveram, respectivamente, crescimento extraordinário e crescimento negativo durante várias décadas. O uso do termo “milagre” não é inteiramente adequado, uma vez que a etimologia da palavra está associada a um fenômeno que não tem explicação, ao passo que todo o esforço da literatura da qual este capítulo trata é justamente no sentido de identificar as causas dos fenômenos analisados. Usamos aqui a expressão “milagre” apenas por conveniência de uso, dada a ampla difusão do termo. 14 A Tabela A.1.1 no Apêndice apresenta uma decomposição do crescimento por décadas. Na década de 1960, quando houve grande crescimento da economia mundial, a participação da PTF foi bem maior: 39%. 15 Esses fatos são conhecidos na literatura e foram documentados em Klenow e Rodríguez-Clare (1997) e Easterly e Levine (2001), entre outros. Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 13 das economias do Leste Asiático com a média mundial mostra que a PTF teve contribuição um pouco superior à do capital para explicar as suas diferenças de crescimento, enquanto a contribuição do capital humano foi similar. Em outras palavras, a PTF teve papel fundamental para explicar diferenças de crescimento entre os países e, em particular, foi determinante para a trajetória de sucesso dos países do Leste Asiático. Esse resultado será discutido adiante em mais detalhe. De acordo com o modelo de Solow, quando a economia encontra-se em crescimento balanceado, o estoque de capital e o produto crescem à mesma taxa, o que implica que a relação capital-produto permanece constante.18 Por outro lado, em períodos de transição para uma nova trajetória de crescimento balanceado, o capital cresce mais rapidamente que o produto, o que resulta em elevação da relação capital-produto. Portanto, a evolução da relação capital- produto fornece informações valiosas para compreender se uma economia se encontra em trajetória sustentável (crescimento balanceado) ou não (dinâmica de transição). Esse fato sugere que é conveniente analisar a evolução da relação capital-produto. Outro resultado importante do modelo de Solow é que a contribuição da tecnologia para o crescimento econômico se dá através de dois canais. Primeiro, existe um impacto direto sobre o produto, devido ao fato de que uma melhoria da tecnologia (elevação de A na Equação 2) eleva a produtividade do trabalho. Além disso, ocorre um efeito indireto, já que a elevação da tecnologia aumenta a produtividade marginal do capital, o que induz maior acumulação de capital. Portanto, uma parcela da acumulação de capital resulta do progresso tecnológi- co, medido empiricamente pela PTF. Para entendermos melhor o funcionamento do modelo de Solow, é útil acom- panhar o comportamento da relação capital-produto após uma elevação perma- nente da PTF. Imediatamente em seguida à elevação da PTF há uma redução da relação capital-produto, pois o produto elevou-se e o estoque de capital não se alterou. No entanto, a elevação da PTF induz um processo de acumulação de capital: para dada taxa de poupança, a elevação do produto em consequência do aumento da PTF resulta em maior investimento. No modelo de Solow, esse pro- cesso de acumulação de capital induzido pela elevação da PTF termina quando o estoque de capital tiver crescido na mesma proporção do crescimento da PTF, de modo que no novo estado estacionário a relação capital-produto retorna ao valor que prevalecia antes da alteração da PTF. 18 O Capítulo 2, neste livro, apresenta uma descrição dos principais resultados do modelo de Solow. 14 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA As considerações do parágrafo anterior motivam a seguinte crítica à decom- posição de crescimento tradicional, apresentada anteriormente. A decomposi- ção dada pela Equação 6 subestima a contribuição da PTF para o crescimento e, portanto, superestima a contribuição do capital, pois não leva em consideração que parte da acumulação de capital constitui resposta da economia a um nível mais elevado de produtividade. Para capturar esse efeito, reescrevemos a fun- ção de produção (equação 2) em termos da relação capital-produto, em vez da relação capital-trabalho: (7) onde é a relação capital-produto. Segundo essa decomposição alternativa, a contribuição de cada fonte para o crescimento do produto por trabalhador é calculada da seguinte forma: (8) Como mostra a comparação entre as Equações 6 e 8, a contribuição da PTF para o crescimento do produto por trabalhador é maior na decomposição alter- nativa que na tradicional, já que, além do seu efeito direto, ela incorpora o efei- to indireto sobre a acumulação de capital. Outra diferença entre 6 e 8 é que, na decomposição alternativa, o impacto do capital humano também é maior.19 O motivo é o mesmo: a elevação do capital humano tem um efeito direto sobre a produtividade do trabalho e, analogamente ao caso da PTF, enseja um processo de acumulação de capital. A Tabela 1.5 apresenta os resultados da decomposição do crescimento alter- nativa para grupos de países ordenados segundo suas taxas de crescimento no período 1960-2009. Um resultado interessante é que, embora exista dispa- ridade significativa entre os países na acumulação de capital por trabalhador (Tabela 1.3), a relação capital-produto aumentou a taxas similares em países que cresceram muito ou pouco. 19 Na equação 6, a contribuição da PTF é igual a 1 multiplicado pela sua taxa de crescimento, enquanto na equação 8 o coeficiente que multiplica sua taxa de crescimento é igual a 1/1(1 – α) > 1. De forma análoga, a contribuição do capital humano é maior na Equação 8 que na Equa- ção 6. O Apêndice mostra formalmente como a decomposição alternativa captura a soma dos efeitos direto e indireto da PTF e do capital humano sobre a acumulação de capital físico. Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 15 Por esse motivo, quando a contribuição do capital físico é medida pela razão capital-produto em vez da relação capital-trabalho, a importância da PTF para explicar diferenças de crescimento entre os países fica ainda mais pronunciada. Por exemplo, a diferença de 2,2 p.p. entre o crescimento dos “milagres” e a mé- dia mundial, 0,3 p.p., deve-se a uma maior elevação da razão capital-produto, 0,2 p.p., a uma maior acumulação de capital humano, e os restantes 1,7 p.p., à PTF. Além disso, quase metade do crescimento dos “milagres” é explicada pela PTF, enquanto nos “desastres” a queda da PTF explica a redução do produto por trabalhador. A Tabela 1.6 apresenta os resultados da decomposição de crescimento al- ternativa para as regiões analisadas anteriormente. Embora a América Latina tenha crescido 3,3 p.p. a.a. menos que o Leste Asiático entre 1960 e 2009, o aumento da sua relação capital-produto foi inferior em apenas 0,4 p.p. a.a. A grande diferença foi na contribuição da PTF, que na América Latina foi negativa (−0,4% a.a.) e fortemente positiva no Leste Asiático (2,5% a.a.), correspon- dendo a uma diferença de 2,9 p.p. a.a. Também é interessante observar que o crescimento da PTF contribuiu com a maior parcela do crescimento da China (72%). Embora tenha havido forte acumulação de capital por trabalhador na China (Tabela 1.4), a Tabela 1.6 mostra que a relação capital-produto da China ficou praticamente constante. TABELA 1.5 Decomposição alternativa do crescimento do produto por trabalhador (1960-2009) – grupos de crescimento (em %) CONTRIBUIÇÃO PARA O CRESCIMENTO y k/y h A Milagres 4,0 0,7 1,4 1,9 (19) (34) (48) Crescimento rápido 2,4 0,3 1,1 1,0 (13) (44) (43) Crescimento médio 1,5 0,2 1,1 0,2 (16) (70) (13) Crescimento baixo 0,7 0,5 1,3 –1,2 (78) (204) (–181) Desastres –0,7 0,3 1,4 –2,4 (–44) (–190) (334) Mundo 1,8 0,4 1,2 0,2 (23) (67) (10) Fonte: Penn World Table 7.0, Barro e Lee (2010) e cálculo dos autores. Obs.: A tabela apresenta a taxa de crescimento anual média do produto por trabalhador (y) e as contribuições anuais médias das fontes de crescimento: relação capital-produto (k/y), capital humano por trabalhador (h) e PTF (A). Valores entre parênteses indicam as contribuições relativas de cada fonte de crescimento. 18 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA TABELA 1.8 Decomposição de desenvolvimento alternativa (em %) CONTRIBUIÇÃO PARA A VARIAÇÃO DE y A FATORES 1990 77 23 2000 79 21 2009 79 21 Fonte: Penn World Table 7.0, Barro e Lee (2010) e cálculo dos autores. Obs.: A tabela apresenta as contribuições percentuais da PTF (A) e dos fatores de produção (relação capital-produto [k/y] e capital humano por trabalhador [h]) para a variação do produto por trabalhador entre os países. Em resumo, independentemente da metodologia adotada, a PTF tem grande importância para explicar as diferenças de renda e crescimento entre os países. Mas os fatores de produção também são relevantes, especialmente para explicar o crescimento médio no pós-guerra. As seções seguintes analisam em maior detalhe as experiências de crescimento da América Latina, Tigres Asiáticos e China. O desastre de produtividade da América Latina Nesta seção, apresentamos alguns fatos estilizados sobre a experiência de desenvolvimento da América Latina nas últimas décadas. O Capítulo 5 anali- sa em detalhe a experiência brasileira. O Gráfico 1.2 compara a trajetória da produtividade do trabalhador com a da renda per capita na América Latina.23 Entre 1960 e 1980, a renda per capita na América Latina cresceu cerca de 2,5% ao ano. No entanto, na década de 1980, houve uma queda da renda per capita, caracterizando a chamada “década perdida”. Durante o período de reformas da década de 1990, houve uma aceleração do crescimento, seguida de estagnação no final da década.24 Nos anos 2000, houve novamente um episódio de acele- ração do crescimento, ainda mais expressivo que o da década anterior, que foi interrompido com a crise internacional de 2008. A renda per capita cresceu aproximadamente à mesma taxa que o produto por trabalhador entre 1960 e 1980. Por outro lado, a partir da década de 1980, o crescimento da renda per capita ficou bastante acima do crescimento da pro- dutividade do trabalho. Essa diferença se deve ao aumento da taxa de participa- ção na força de trabalho ao longo do período. 23 Ver Apêndice para uma descrição da amostra de países da América Latina. 24 Kuczynski e Williamson (2003) analisam as reformas implementadas na América Latina na década de 1990. Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 19 Quando analisamos esse desempenho do ponto de vista relativo, o Gráfi- co 1.3 mostra que, no período pré-1980, houve uma redução na distância da produtividade do trabalho da América Latina em relação à norte-americana. A renda per capita relativa, por outro lado, permaneceu estável em torno de 21%, já que seu crescimento foi semelhante na América Latina e nos Estados Unidos. O período que se seguiu a partir da década de 1980 foi caracterizado por diver- gência, com uma pequena recuperação nos anos 2000. Em particular, enquanto a produtividade da América Latina atingiu cerca de 30% da norte-americana em 1980, esse valor caiu para 20% em 2009. A renda per capita relativa foi ainda menor em 2009 (18%), já que a taxa de participação na força de trabalho é menor na América Latina. No entanto, a trajetória dos países latino-americanos não foi inteiramente homogênea. O Gráfico 1.4 apresenta a evolução da renda per capita de Argen- tina, Brasil, Chile e México em relação aos Estados Unidos. A Argentina teve uma queda quase contínua de renda relativa entre 1960 e o início dos anos 2000, com recuperação recente. O Brasil reduziu a distância em relação aos Estados Unidos até 1980, quando sua renda relativa alcançou cerca de 30%, mas desde então divergiu da trajetória norte-americana, retornando em 2009 a um valor próximo do de 1960 (em torno de 20%). O México teve uma trajetória 100 110 120 130 140 150 160 170 180 190 200 210 220 230 240 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 Renda per capita Produto por trabalhador Fonte: Penn World Table 7.0. Obs.: 1960 = 100. GRÁFICO 1.2 Evolução da renda per capita e do produto por trabalhador na América Latina (1960-2009) 20 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 Fonte: Penn World Table 7.0 e cálculo dos autores. Renda per capita Produto por trabalhador 10 15 20 25 30 35 40 45 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 Argentina Chile México Brasil Fonte: Penn World Table 7.0 e cálculo dos autores. GRÁFICO 1.3 Evolução da renda per capita e do produto por trabalhador da América Latina relativo aos Estados Unidos, 1960-2009 (em %) GRÁFICO 1.4 Evolução da renda per capita relativa aos Estados Unidos – Argentina, Brasil, México e Chile, 1960-2009 (em %) Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 23 forma significativa a produtividade agregada. O Gráfico 1.6 mostra a evolução da produtividade do trabalho no setor de serviços para Argentina, Brasil, Méxi- co, Chile e Estados Unidos entre 1960 e 2005.30 Ao longo de todo o período, a produtividade no setor de serviços norte-americano elevou-se a uma taxa média de 1,6% a.a. Por outro lado, nos países latino-americanos, a produtividade dos serviços é baixa e divergiu em relação à americana.31 Na média do período, o crescimento da produtividade de serviços na Argentina foi de apenas 0,1% a.a. A produtividade brasileira nesse setor cresceu, em média, apenas 0,2% a.a. devido à forte queda verificada a partir da década de 1980. A produtividade mexicana também teve redução a partir dos anos 1980 e, por isso, decresceu, em média, 0,1% a.a. entre 1960 e 2005. No Chile, por outro lado, houve crescimento de 0,9% a.a., em média, ao longo do período. Portanto, a queda da PTF e da produtividade do trabalho na América Latina a partir da década de 1980 parece estar associada ao fato de que a atividade eco- nômica se deslocou cada vez mais para o setor de serviços, cuja produtividade é 30 A série de dados termina em 2005. A produtividade é medida em dólares de 2005 segundo a paridade de poder de compra. 31 Pagés (2010) mostra evidências de que o setor de serviços, caracterizado pela informalidade elevada, é o principal responsável pela baixa produtividade do trabalho agregada da América Latina em relação aos Estados Unidos. GRÁFICO 1.6 Evolução da produtividade do setor de serviços – Argentina, Brasil, México, Chile e Estados Unidos (1960-2005) 0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 Argentina Chile México Estados Unidos Brasil Fonte: Timmer e de Vries (2009) e cálculo dos autores. Obs.: Os dados de produtividade de Timmer e de Vries (2009) são expressos em moeda nacional a preços constantes e foram convertidos em US$ PPP. 24 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA baixa e sofreu queda em vários países.32 Pela importância desse setor no empre- go e na produção total, sua produtividade condicionará fortemente a evolução futura da produtividade e da renda per capita na América Latina. O milagre de produtividade dos Tigres Asiáticos Em contraste com a experiência da América Latina, alguns países do Leste Asiático conseguiram sustentar taxas elevadas de crescimento durante várias décadas. Nesta seção vamos analisar brevemente a trajetória de um conjunto de quatro países que ficaram conhecidos como Tigres Asiáticos: Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura. O Gráfico 1.7 evidencia o extraordinário crescimento da renda per capita e do produto por trabalhador desses países a partir de 1960. A renda per capita expandiu-se a uma taxa de 5,3% a.a., o que resultou em um aumento de 13 vezes entre 1960 e 2009. O produto por trabalhador, por sua vez, cresceu 4,4% a.a., o que gerou um aumento de quase nove vezes no período.33 É interessante 32 Fatores macroeconômicos, como a inflação elevada e a crise da dívida externa, também tive- ram papel importante para a queda do crescimento da América Latina na década de 1980. Ver Kuczynski e Williamson (2003) para uma discussão. 33 A elevação da taxa de participação na força de trabalho permitiu que a renda per capita cres- cesse mais que o produto por trabalhador. 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1000 1100 1200 1300 1400 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 Renda per capita Produto por trabalhador Fonte: Penn World Table 7.0. Obs.: 1960 = 100. GRÁFICO 1.7 Evolução da renda per capita e do produto por trabalhador nos Tigres Asiáticos (1960-2009) Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 25 observar que, ao contrário da América Latina, os Tigres Asiáticos continuaram a crescer fortemente depois de 1980. Após uma breve queda devido à crise da Ásia, no final da década de 1990, o crescimento foi retomado nos anos 2000 até ser interrompido pela crise internacional de 2008. Em razão do crescimento extraordinário durante várias décadas, os Tigres Asiáticos passaram a integrar o grupo de países desenvolvidos. O Gráfico 1.8 mostra que a renda per capita e o produto por trabalhador dos Tigres Asiáticos, que correspondiam a cerca de 20% do nível dos Estados Unidos em 1960, atin- giram 80% em 2009.34 Existe um grande debate em torno dos determinantes do “milagre” dos Ti- gres Asiáticos. Em particular, vários estudos procuraram avaliar se esse cres- cimento extraordinário decorreu principalmente da acumulação de fatores de produção ou do progresso tecnológico. Essa questão é importante, tanto sob o ponto de vista teórico como em termos de políticas públicas. Caso o prin- cipal mecanismo tenha sido a acumulação de capital físico ou humano, o mo- delo de Solow (aumentado com capital humano) é adequado para interpretar essa experiência. Caso o progresso tecnológico tenha sido determinante, os 34 Esse valor é uma média dos Tigres Asiáticos. Em 2009, a renda per capita de Cingapura era superior à dos Estados Unidos. GRÁFICO 1.8 Evolução da renda per capita e do produto por trabalhador dos Tigres Asiáticos relativo aos Estados Unidos, 1960-2009 (em %) Renda per capita Produto por trabalhador 10 20 30 40 50 60 70 80 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 Fonte: Penn World Table 7.0 e cálculo dos autores. 28 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA GRÁFICO 1.9 Evolução da PTF dos Tigres Asiáticos em relação aos Estados Unidos, 1960-2009 (em %) GRÁFICO 1.10 Evolução da produtividade do setor de serviços – Coreia do Sul, Taiwan e Estados Unidos (1965-2005) 40 50 60 70 80 90 100 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 Fonte: Penn World Table 7.0, Barro e Lee (2010) e cálculo dos autores. 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 19 65 19 67 19 69 19 71 19 73 19 75 19 77 19 79 19 81 19 83 19 85 19 87 19 89 19 91 19 93 19 95 19 97 19 99 20 01 20 03 20 05 Coreia do Sul Taiwan Estados Unidos Fonte: Timmer e De Vries (2009) e cálculo dos autores. Obs.: Os dados de produtividade de Timmer e De Vries (2009) são expressos em moeda nacional a preços constantes e foram convertidos em US$ PPP. Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 29 O milagre de produtividade da China A China teve um crescimento extraordinário nas últimas décadas, com gran- de repercussão na economia mundial. O Gráfico 1.11 apresenta a evolução da renda per capita e do produto por trabalhador na China entre 1960 e 2009. A renda per capita chinesa cresceu 2,8% a.a. de 1960 a 1980. Entre 1980 e 2009, houve uma aceleração do crescimento para 8,3% a.a., algo sem preceden- tes na história, mesmo levando-se em conta a experiência dos Tigres Asiáticos. Como mostra o gráfico, a trajetória do produto por trabalhador é similar, pas- sando de um crescimento de 2,6% a.a. nos primeiros 20 anos para 7,8% a partir da década de 1980. Graças às suas elevadas taxas de crescimento, tanto a renda per capita como o produto por trabalhador da China aumentaram bastante em relação aos Estados Unidos, como mostra o Gráfico 1.12. Enquanto no período 1960-1980 a renda per capita chinesa ficou relativamente constante, em torno de 2% da norte- americana, no período de quase 30 anos que se seguiu houve forte convergência. No entanto, como a China era muito pobre no início da década de 1980, apesar do seu enorme crescimento, a renda chinesa atingiu apenas 17% da norte-americana em 2009. O produto por trabalhador da China seguiu uma trajetória similar, mas no mesmo ano correspondia a apenas 13% da produtividade norte-americana. 0 500 1000 1500 2000 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 Renda per capita Produto por trabalhador Fonte: Penn World Table 7.0. Obs.: 1960 = 100. GRÁFICO 1.11 Evolução da renda per capita e do produto por trabalhador da China (1960-2009) 30 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA Durante o período de rápido crescimento, a China elevou de forma expres- siva suas taxas de poupança e investimento. Em 1978, a taxa de investimento medida em preços internacionais (US$ PPP) já era elevada, em torno de 30% do PIB. Em 2009, o investimento atingiu 45% do PIB. Além do investimen- to elevado, a PTF teve papel fundamental para o crescimento chinês (Gráfico 1.13). Entre 1960 e 1980, a PTF chinesa ficou relativamente estável em relação à americana, em torno de 12%. Desde o final da década de 1970, a PTF relati- va elevou-se continuamente e alcançou 41% em 2009. No entanto, da mesma forma que a renda per capita e o produto por trabalhador, a PTF chinesa ainda encontra-se distante do nível das economias desenvolvidas. A aceleração do crescimento chinês decorreu de uma série de reformas eco- nômicas iniciadas por Deng Xiaoping em 1978. Essas reformas criaram meca- nismos de mercado de forma gradual em uma economia que era inteiramente planificada. Inicialmente, as mudanças foram introduzidas na agricultura, atra- vés da introdução do direito de propriedade individual sobre a terra (household responsibility system) e da permissão para a comercialização no mercado da par- cela da produção agrícola que excedesse uma cota que deveria ser vendida para o governo a um preço preestabelecido (dual-track pricing system).45 45 Brandt e Rawski (2008) apresentam vários estudos sobre a transformação econômica da Chi- na. Qian (2003) apresenta uma análise da estratégia gradualista de reformas da China. 2 4 6 8 10 12 14 16 18 19 60 19 62 19 64 19 66 19 68 19 70 19 72 19 74 19 76 19 78 19 80 19 82 19 84 19 86 19 88 19 90 19 92 19 94 19 96 19 98 20 00 20 02 20 04 20 06 20 08 Fonte: Penn World Table 7.0 e cálculo dos autores. Renda per capita Produto por trabalhador GRÁFICO 1.12 Evolução da renda per capita e do produto por trabalhador da China relativo aos Estados Unidos, 1960-2009 (em %) Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 33 nesse setor. À medida que o setor de serviços se torna preponderante na produ- ção total e na geração de empregos ao longo do processo de desenvolvimento, a evolução da produtividade desse setor torna-se fundamental para a trajetória de crescimento econômico. Leituras recomendadas Klenow e Rodríguez-Clare (1997) é uma referência fundamental para o es- tudo de decomposições de crescimento e de desenvolvimento, enquanto Her- rendorf et al. (2012) apresentam uma resenha extensiva sobre transformação estrutural. Para o debate sobre o papel da PTF e fatores de produção no cresci- mento da América Latina nas últimas décadas, ver Cole et al. (2005) e Ferreira et al. (2012). Sobre a controvérsia da importância relativa da PTF e da acumu- lação de capital físico e humano para o crescimento dos Tigres Asiáticos, ver Young (1995) e Hsieh (2002). Um livro organizado por Loren Brandt e Thomas Rawski (Brandt e Rawski, 2008) apresenta um amplo conjunto de estudos sobre a transformação econômica da China. Referências Banco Mundial. The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy. Washington, DC, 1993. Barro, R. e Lee, J. W. A New Data Set of Educational Attainment in the World, 1950- 2010. NBER Working Paper n. 15902, 2010. Bergoing, R., Kehoe, P., Kehoe, T. e R. Soto. A Decade Lost and Found: Mexico and Chile in the 1980s. Review of Economic Dynamics, 5:166-205, 2002. Bils, M. e Klenow, P. Does Schooling Cause Growth? 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Brookings Papers on Economic Activity 2, 135-203, 1996. 34 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA Easterly, W. e Levine, R. It’s not Factor Accumulation: Stylized Facts and Growth Models. The World Bank Economic Review, 15 (2), 177-219, 2001. Ferreira, P. C.; Pessôa, S. e Veloso, F. On the Evolution of Total Factor Productivity in Latin America. Economic Inquiry, no prelo, 2012. Ferreira, P. C.; Pessôa, S. e Veloso, F. East Asian Miracles in World Perspective. Texto para Discussão EPGE/FGV, 2011. Ferreira, P. C.; Pessôa, S. e Veloso, F. The Evolution of International Output Differences (1970-2000): From Factors to Productivity. B.E. Journal of Macroeconomics (Topics), v. 8, Article 3, 2008. Hall, R. e Jones, C. Why do Some Countries Produce so Much More Output per Worker than Others? Quarterly Journal of Economics, 114 (1), 83-116, 1999. Herrendorf, B.; Rogerson, R. e Valentinyi, Á. Growth and Structural Transformation. In Handbook of Economic Growth (no prelo), 2012. 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Experiências comparadas de crescimento econômico no pós-guerra 35 APÊNDICE N este Apêndice apresentamos a composição dos grupos de países que consi-deramos no texto, bem como uma tabela com as taxas de crescimento do produto por trabalhador e da PTF para a economia mundial, diversas regiões e alguns países, para cada uma das décadas que compõem a análise deste capítu- lo. Adicionalmente, descrevemos a metodologia que utilizamos para calcular a decomposição de crescimento alternativa para os grupos de países. Ao longo do capítulo, os países foram classificados em grupos de crescimento e por regiões. A composição dos grupos é a seguinte: A. Lista de países por regiões Países de língua inglesa: Austrália, Canadá, Estados Unidos, Irlanda, Nova Ze- lândia, Reino Unido. Europa Ocidental: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Islândia, Itália, Noruega, Suécia, Suíça. Sul da Europa: Chipre, Espanha, Grécia, Portugal, Turquia. Leste Asiático: China, Cingapura, Coreia do Sul, Hong Kong, Japão, Tailândia, Taiwan. Oriente Médio: Irã, Israel, Jordânia, Síria, Tunísia. Sul da Ásia: Bangladesh, Fiji, Filipinas, Índia, Indonésia, Malásia, Nepal, Papua- Nova Guiné, Paquistão. América Latina: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Sal- vador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai, Venezuela. 38 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA (A1) Elevando ambos os lados da Equação A1 por , obtemos a Equação 7 do texto: (7) A Equação 7 pode ser reescrita como: (A2) A partir da Equação A2, podemos expressar a decomposição alternativa de crescimento da seguinte forma: (A3) A expressão A3 é equivalente à Equação 8 do texto. Comparando A3 com a decomposição de crescimento tradicional, dada pela Equação 6 do texto, po- demos observar que, na decomposição alternativa, o impacto da PTF no cres- cimento do produto por trabalhador é maior que na decomposição tradicional. Isso decorre do fato de que a decomposição alternativa captura a soma do efei- to direto da PTF (igual a 1) e seu efeito indireto (dado por ), enquanto a decomposição tradicional mede apenas o seu efeito direto. Outra diferença entre A3 e 6 é que, na decomposição alternativa, o impacto do capital humano também é maior. O motivo é o mesmo: a elevação do capital humano tem um efeito direto sobre a produtividade do trabalho e, analogamente ao caso da PTF, enseja um processo de acumulação de capital. O efeito direto é dado pelo termo 1 – α, e o efeito indireto é capturado pelo termo α. CAPÍTU LO 2 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA BREVE INCURSÃO TEÓRICA Carlos Eduardo Soares Gonçalves Introdução O propósito deste capítulo é apresentar sucintamente os caminhos que fo- ram trilhados, ao longo dos últimos 60 anos, pela pesquisa econômica na área de crescimento/desenvolvimento econômico. Ele fornece, portanto, o substrato teórico que complementa e auxilia o entendimento de outros capítulos do livro. É desnecessário lembrar a impossibilidade de descrever com completude seis décadas de pesquisa em algumas poucas páginas. Um resumo trata necessaria- mente do essencial, incorporando juízos de valor do autor. Este capítulo não pode fugir a tal regra universal. Antes de iniciar, vale fazer um breve esclarecimento sobre a dicotomia “cres- cimento” versus “desenvolvimento” econômico, que tem gerado polêmica re- cente dentro e fora da academia. Antes de tudo, no mundo acadêmico, a distin- ção entre “teorias de crescimento” e “teorias de desenvolvimento” é relacionada ao objeto de estudo em questão. Segundo a definição mais usual, as primeiras teriam como alvo o entendimento do fenômeno do crescimento de modo geral, enquanto os estudiosos do “desenvolvimento” estariam mais centrados em en- tender diferenças entre os países. De acordo com essa acepção, este capítulo é neutro, pois aborda e entrelaça as duas questões: expansão da fronteira mundial e diferencial de renda entre os países. Porém a conotação mais comum dada à dicotomia é outra. Críticos das me- didas tradicionais de crescimento (e nível) do PIB por habitante enfatizam que essa medida desconsidera outras variáveis também relevantes para o bem-estar 40 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA econômico-social de uma nação. A crítica é válida, e os principais manuais de teoria econômica de fato enfatizam a diferença entre nível de renda e bem-estar social. Ainda assim, parece-me que a importância desse ponto esteja sendo um pouco inflada. Há países em que altas taxas de crescimento da renda por ha- bitante “convivem” com elevado nível de desigualdade, baixa qualidade e ex- tensão de serviços básicos de educação e saúde, direitos políticos precários, excessiva emissão de poluentes etc.1 Porém, em média, e considerando períodos mais longos, a variável PIB por habitante não é má aproximação para um índice composto de desenvolvimento social que incorpore essas outras dimensões.2 Note-se, além disso, que o reverso também pode ocorrer, isto é, crescimen- to baixo com aumento mais expressivo do bem-estar. O Brasil do início dos anos 1990, pós-abertura comercial, é um exemplo típico. Naquele período, o crescimento do PIB foi fraco, em parte devido aos custos de curto prazo da abertura. Porém a evolução do bem-estar econômico na mesma janela temporal foi seguramente mais alentadora do que a do PIB, dados os ganhos vivenciados pelos consumidores domésticos em termos de melhores preços e qualidade dos bens antes não disponíveis.3 E também por causa dos benefícios da abertura aos produtores nacionais mais eficientes, que lucraram com a disponibilidade de importar bens intermediários de melhor qualidade. A lógica, ou fio condutor deste capítulo, é descrever os principais modelos teóricos e delinear suas respectivas implicações empíricas, evoluindo do mapea- mento das “causas próximas” do crescimento até a discussão corrente sobre suas “causas fundamentais” ou “profundas”.4 O capítulo está dividido em seis seções, incluindo esta breve Introdução. A segunda seção cobrirá os modelos de Solow e Ramsey, pilares da literatura de crescimento. A terceira seção é dedicada ao entendimento do funcionamento e dos problemas empíricos dos modelos de crescimento endógeno. Na quarta se- ção, que inicia a busca pelos fatores fundamentais do desenvolvimento, veremos o modelo de barreiras à adoção de tecnologias, de Stephen Parente e Edward Prescott, enquanto na quinta seção, sobre instituições e desenvolvimento, en- tenderemos a importância das instituições na explicação da alta variabilidade da renda por habitante entre os países. Finalmente, na sexta seção, sobre polí- ticas econômicas versus instituições, argumentamos que, além das instituições, 1 O Brasil, por exemplo, cresceu muito rapidamente no período do “milagre econômico”, entre o final da década de 1960 e o início da década seguinte, mas nesse período testemunhou simul- taneamente uma forte piora nos índices de desigualdade de renda. 2 Ver, por exemplo, o debate em Acemoglu (2009). 3 Ver Carvalho Filho e Chamon (2012). 4 A evidência empírica sobre crescimento econômico no pós-guerra é apresentada no Capítulo 1 deste livro. Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica 43 metodológico do economista moderno. Nesse sentido, ele é claramente superior ao modelo de Solow. Contudo, no que toca ao entendimento dos determinantes do crescimento econômico e sua dinâmica, o modelo de Ramsey conta uma história extrema- mente similar à de Solow. Em ambos, o crescimento do PIB por habitante no longo prazo está simbioticamente associado ao misterioso crescimento da pro- dutividade total dos fatores, que cai literalmente do céu. Ou seja, nesses modelos de crescimento, o único fator relevante na explica- ção das taxas de crescimento de longo prazo, segundo os próprios modelos, não se insere no bojo de sua própria lógica interna. Isso constitui sério defeito porque diversos estudos que decompõem as causas próximas do crescimento nas parcelas de capital físico, capital humano e PTF su- gerem que variações nesta última são fundamentais na explicação das variações observadas dos níveis de renda por habitante em uma grande cross-section de países. Com efeito, aproximadamente 50% das diferenças nos níveis de renda per capita se devem a diferenças de produtividade, e esse número é maior ainda quando a variá- vel explicada é a taxa de crescimento em vez do nível de renda.10 Em suma, a PTF parece ser um “fator próximo” importante demais para ser tratada como exógena. A análise econométrica realizada por Mankiw, Romer e Weil (MRW), no início dos anos 1990, testou o modelo de Solow (com capital humano) em um arcabouço estatístico simples de mínimos quadrados ordinários.11 Esse artigo ficou famoso ao sugerir que uma regressão múltipla das mais simples seria capaz de explicar cerca de 80% da variação de nível de renda observada numa amostra relativamente grande de países. Mas o otimismo logo esvaneceu. Em artigo divisor de águas nessa ramifica- ção empírica da literatura, Islam, usando técnicas de econometria de painel, de- monstra que o achado daqueles autores não é válido.12 MRW fazem a hipótese de uma PTF comum a todos os países da amostra, mas a eficiência econômica de dado país está claramente correlacionada com sua taxa de poupança (igual ao investimento em capital físico em uma economia fechada). Ao desprezarem esse fato na sua análise empírica, MRW atribuem um peso indevido ao com- ponente do capital, na medida em que este está captando indiretamente as di- ferenças primárias na PTF. Em jargão econométrico: países mais produtivos tendem também a poupar e investir mais, e, portanto, se a PTF de cada país não estiver “controlada” no 10 Ver, por exemplo, Hall e Jones (1999), Klenow e Rodríguez-Clare (1997) e o Capítulo 1 deste livro. 11 Mankiw et al. (1992). 12 Islam (1995). 44 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA modelo estimado, seu efeito aparecerá, indiretamente, na forma de um coefi- ciente artificialmente elevado do parâmetro de investimento. De fato, ao estimar o mesmo tipo de relação, mas com uma técnica que iso- la a parte da PTF específica ao país, Islam mostra a fragilidade dos achados de MRW e devolve às diferenças de eficiência um papel fundamental na explicação das variações de renda por habitante.13 Na verdade, mesmo antes de esse debate empírico se tornar intenso em mea- dos dos anos 1990, a profissão já estava se voltando para melhorar o entendi- mento teórico das diferenças de produtividade total dos fatores. Adveio por essa época a febre dos modelos de crescimento endógeno do fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990, que discutiremos a seguir. No entanto, antes de entrar nessa discussão, vale dizer que, apesar de suas deficiências aqui ressaltadas, os modelos de Solow e Ramsey guardam importância fundamental na linha evo- lucionária das teorias de crescimento, pois foi a partir dessas plataformas que a pesquisa teórica nessa área se tornou mais densa. Modelos de crescimento endógeno É no mínimo curioso que, em um modelo de crescimento econômico, a de- cisão de quanto investir em capital físico provenha de uma escolha ótima, en- quanto a de quanto investir em avanço tecnológico, não. Tendo como ponto de partida essa constatação, a maior parte dos modelos de crescimento endógeno dos anos 1990 se propõe justamente a ideia de incorporar tal escolha dentro de sua lógica interna. Modelos AK O primeiro modelo da série, contudo, exposto por Paul Romer, ainda não se calca em tais bases.14 Para obter crescimento endógeno de longo prazo – em oposição ao crescimento exógeno de Solow e Ramsey –, o autor postula que 13 Além disso, MRW usam uma medida de capital humano que possui extrema variabilidade na cross-section, isto é, a taxa de matrículas no ensino médio. Isso possivelmente diminui de forma artificial o papel das diferenças de produtividade na explicação das também enormes dispari- dades de renda. A crítica é: por que essa medida de capital humano é a relevante e não outra com menor variabilidade entre os países (cujo uso levaria a maior potencial explanatório para as diferenças de PTF)? Para uma discussão sobre as diversas formas de se medir o capital humano, ver o Capítulo 7 deste volume. 14 Romer (1986). Lucas (1988) também é artigo pioneiro nessa literatura de crescimento endógeno, mas sua ênfase é nas externalidades geradas pelo acúmulo de capital humano. Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica 45 os investimentos em capital físico de cada firma individual em dada economia geram externalidades positivas para o conjunto de todas elas. Nessa formulação, o progresso tecnológico vem então acoplado, ou melhor, indistinguível do pro- cesso de acumulação de capital. A intuição econômica subjacente é que realizar investimentos em máquinas e equipamentos acaba gerando aprendizado tec- nológico que, de alguma forma, transborda para todos os agentes da economia. Isso faz com que a PTF global, comum a todas as firmas de certa economia, pos- sa ser expressa como uma função direta do somatório desses investimentos indi- viduais. Com essa estrutura, Romer consegue gerar um modelo de crescimento no qual desaparecem os retornos decrescentes de escala no nível da economia: os ganhos de produtividade global associados aos investimentos individuais con- trabalançam os rendimentos decrescentes de escala no nível das firmas. No final das contas, a função de produção da economia toma um formato linear, do tipo AK, e não mais côncavo, como nos modelos tradicionais. Nessa categoria de modelos em que investimento e PTF são quase sinôni- mos, o crescimento é função de tudo o que afeta a taxa de poupança líquida da economia (pois ela tem ligação íntima com o investimento), como: grau de impaciência do agente representativo (ou seja, suas preferências em relação ao consumo futuro e ao consumo presente), tributação, taxa de depreciação etc. Segue-se que medidas de política econômica que incentivem a poupança e o investimento podem, nesse universo teórico, afetar permanentemente a taxa de crescimento do PIB. Apesar de inovadores em termos de formulação, os modelos AK não inter- nalizam de fato a decisão de investimento em tecnologia por parte de firmas em busca de maiores lucros. A chave que abre a porta para o crescimento de longo prazo é uma externalidade positiva. Talvez mais problemático ainda, em termos de implicações testáveis, esse tipo de modelo prevê que países com maior taxa de poupança apresentam mais rápida expansão da PTF, o que, porém, não se verifica empiricamente. De fato, um artigo de Jones joga uma ducha de água fria sobre o poder explicativo dos modelos AK.15 O autor mostra que a mudança de patamar das taxas de investi- mento verificada no pós-guerra não levou a mudanças perceptíveis nas taxas de crescimento econômico de longo prazo dos países, como seria de se esperar a partir de construções teóricas nas quais a acumulação de capital afeta a produ- tividade total dos fatores. De qualquer forma, os modelos AK foram apenas uma plataforma interme- diária para os modelos mais bem fundamentados de crescimento endógeno, que discutimos agora. 15 Jones (1995a). 48 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA Como bem resume Barro, o julgamento da profissão sobre a importância em- pírica dessa classe de modelos parece ter caminhado para o seguinte consenso: a lógica de “endogeneizar” a produção de novas tecnologias como fruto do esforço deliberado e motivado pelo lucro é relevante para explicar a expansão da fron- teira tecnológica mundial.23 Mas não parece ser a chave para explicar o enorme diferencial de crescimento e de nível de desenvolvimento entre os países. Note-se que não há contradição no parágrafo precedente, dado que um país não precisa produzir domesticamente sua própria matriz tecnológica para cres- cer, podendo importar ideias através das fronteiras, adaptando-as às circuns- tâncias locais a baixo custo. Basta uma pessoa “inventar a roda” para que todas possam usá-la. Mas, por outro lado, se ninguém investe na tentativa de inventá- la, não surge a tal roda.24 Encerremos esta parte com uma observação sobre os modelos de crescimen- to endógeno “schumpeterianos”, rapidamente mencionados, que nos servirão de “ponte temática”. Essa categoria de modelos apresenta uma diferença crucial em relação ao modelo de Paul Romer, do artigo de 1990: nela, os “entrantes” tor- nam obsoletos os produtores estabelecidos ao produzirem a mesma modalidade de insumo que aqueles, mas com melhor qualidade final (o que propulsiona a produtividade). Por causa dessa dinâmica de “destruição criativa”, tal classe de modelo gera como subproduto uma dinâmica de conflito distributivo entre os grupos, que, como veremos, está no cerne das teses de economia política que buscam as causas mais “profundas” dos diferenciais de nível de desenvolvimento entre as nações. Barreiras à adoção de tecnologias: o argumento de Prescott e Parente Explicar as grandes diferenças de PTF que nos revelam os dados virou impor- tante agenda de pesquisa na área do desenvolvimento econômico. A busca do Santo Graal aqui é a procura pelas “causas profundas” subjacentes. 23 Barro (1997). 24 Há um corpo de evidências empíricas sugerindo que boa parte da PTF de países em desen- volvimento pode ser explicada pelos esforços de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de seus principais parceiros comerciais mais ricos. Esse efeito transbordamento seguramente é relevante na prática, dado que mais de 95% dos investimentos em P&D em nível mundial ocorrem em um grupo de poucos países. Já para países desenvolvidos, diferenças em gastos com P&D parecem mais relevantes para explicar diferenciais de renda por habitante. Ver Helpman (2004). Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica 49 Edward Prescott e Stephen Parente formulam sua tese de economia política a partir da constatação empírica de que alguns países deixam de adotar tecnolo- gias e práticas de produção mais eficientes e amplamente disponíveis em escala mundial sem aparente motivo econômico que justifique tal escolha.25 Os auto- res se perguntam, primeiro, se esse tipo de ineficiência na escolha tecnológica tem potencial para explicar empiricamente as diferenças observadas de PTF e, segundo, por que isso ocorre. Não é boa a resposta que vem de forma mais imediata à cabeça: “Porque certos países/setores não têm acesso ao conjunto de tecnologias e melhores prá- ticas, estando estas disponíveis apenas a alguns.” “Tecnologia” ou “melhores práticas” são, em boa dimensão, um bem público, e a informação no mundo moderno viaja rapidamente e de modo desimpedido, seja direta (via investimento estrangeiro direto ou licenciamento de patentes, por exemplo), seja indiretamente, embutida em bens intermediários e finais transacionados internacionalmente. Uma segunda tentativa de resposta é: “Desníveis de capital humano expli- cam a inabilidade de alguns países em adotar técnicas sofisticadas, ainda que elas estejam em princípio acessíveis a qualquer um.” O problema com essa linha de raciocínio é que, mesmo em países ricos, com nível de capital humano similar, existe enorme variabilidade de produtividade setorial. Além disso, quando se fala em “melhores práticas”, não se está necessariamente falando de tecnologias muito sofisticadas que requerem curso universitário para ser manipuladas. Mui- tas vezes, trata-se de coisa bem mais simples, como uma máquina já usada para outros fins em outros setores e que poderia ser facilmente operada por qualquer um. A tese central de Prescott e Parente é a de que insiders (grupos de trabalha- dores empregados em certas indústrias) se organizam habilmente para barrar a adoção de métodos mais eficientes ou novas tecnologias poupadoras do fator trabalho. Assim procedem porque uma mudança do processo produtivo nessa direção, apesar de aumentar a rentabilidade do capitalista, os afetaria adversa- mente, tornando suas habilidades obsoletas. No modelo teórico, essa ideia é expressa por meio de um custo exógeno de transação que encarece a escolha da firma de investir em modernização do pro- cesso produtivo. A modelagem da ineficiência é, portanto, reconhecidamente bastante ad hoc. O que os autores mostram no bojo dessa estrutura é que, para uma escolha razoável dos parâmetros do modelo e intervalos aparentemente intuitivos para os tais “custos de transação”, é possível explicar grandes diferen- ciais teóricos de produtividade. 25 Parente e Prescott (2000). 50 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA Claro, a escolha de não adotar a melhor técnica disponível só pode se con- figurar como um equilíbrio caso essa resistência ao progresso não ameace cla- ramente a sobrevivência da firma – e, portanto, do grupo de pessoas que nela trabalha. Isso apenas pode dar-se em um ambiente onde haja barreiras à com- petição, no qual uma potencial firma “entrante” vislumbre dificuldades elevadas para montar um negócio com vistas a concorrer com as firmas já estabelecidas. Visto pelo prisma oposto, a lógica do modelo implica que apenas quando o risco de desaparecer do mercado por causa de escolhas ineficientes é grande, os insiders não lutarão contra a adoção de métodos produtivos mais eficazes que economizam o fator trabalho. Daí o papel crucial para o desenvolvimento eco- nômico de: (i) políticas públicas de incentivo à entrada (competição exante) no mercado de bens, como, por exemplo, restrições burocráticas leves à abertura de novas firmas e simplificação de procedimentos (por exemplo, concessão de licença ambiental); e (ii) flexibilização do mercado de trabalho, permitindo rá- pido e fluido processo de destruição de vagas e concomitante geração de novos postos. Parente e Prescott citam diversos casos em que esse mecanismo de barreiras à adoção de tecnologia parece desempenhar papel relevante no diferencial de desenvolvimento econômico, como no exemplo da diferença de produtividade verificada entre os setores têxteis da Inglaterra e da Índia no início do século XX, devido à decisão indiana de subutilizar maquinário já existente nas opera- ções do chão de fábrica para impedir aumento do desemprego setorial. Os autores mencionam ainda as oscilações, ao longo do tempo, da produ- tividade do trabalho nas minas de carvão dos Estados Unidos no pós-guerra, sugerindo que elas são diretamente associadas a oscilações do poder de barga- nha dos insiders (advindas de variações exógenas dos preços do carvão). Nos episódios de maior escassez de petróleo, concorrente direto do carvão como fonte de energia, verificam-se altas expressivas do preço do carvão e queda da produtividade dos trabalhadores (o que em princípio não faz sentido econômico algum). Já em períodos de petróleo abundante e barato, com os mineradores virtualmente com a cabeça a prêmio, a produtividade nas minas mostra-se con- sistentemente mais alta, mesmo na ausência de grandes novidades tecnológicas claramente associadas ao setor.26 O modelo também é consistente com o fato de a Revolução Industrial ter ocorrido na Inglaterra em vez de na França, argumentam Parente e Prescott. Enquanto na ilha britânica o poder político tornara-se fragmentado já desde o 26 A história da barreira à adoção de melhores práticas em mercados sob baixa pressão com- petitiva também é consistente com a evidência de que a produtividade da indústria brasileira cresceu vigorosamente na pós-abertura comercial. Ver, por exemplo, Ferreira e Rossi (2003). Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica 53 – variáveis geográficas e linguísticas são os instrumentos utilizados no artigo para a qualidade institucional –, os resultados se mantêm robustos. Acemoglu e outros autores estabelecem o mesmo resultado com outro con- junto de variáveis instrumentais e uma medida diferente para o conceito de “qualidade institucional”.34 Nesse caso, o instrumento econométrico para a va- riá vel de interesse “qualidade institucional” é sua homóloga dos tempos colo- niais, a qual, por sua vez, os autores conjeturam que esteja associada a quão ambientalmente inóspitas para os colonizadores eram as diferentes colônias eu- ropeias no século XVII. A ideia subjacente é que, nas regiões menos propensas a uma verdadeira “colonização de povoamento”, devido (i) às vicissitudes do ambiente natural; (ii) à presença de recursos facilmente capturáveis e populações nativas bem or- ganizadas que poderiam servir de mão de obra escrava; ou ainda (iii) a um tipo de solo propenso a culturas em que grande escala das propriedades/escravidão era a escolha tecnologicamente eficiente,35 os europeus optaram por implan- tar “instituições de exploração”, predatórias, com pouco zelo pelos direitos de propriedade. Dado que eles não iriam ficar e objetivavam predar, essa estratégia fazia sentido sob seu ponto de vista. Nesses lugares, as doenças infecciosas e os solos naturalmente muito ricos germinaram instituições socioeconômicas deletérias ao crescimento de longo prazo. Já em lugares climática e ambientalmente mais similares aos seus de origem, onde predar recursos e populações nativas não fazia muito sentido econômico e nos quais o solo não favorecia o plantio em larga escala (e, por conseguinte, instituições escravocratas), os mesmos europeus fincaram pé em “colônias de povoamento”, com divisão igualitária da terra, e implantaram instituições so- cioeconômicas iniciais garantidoras de direitos de propriedade para uma ampla parcela da população (que eram eles mesmos!).36 Formava-se assim nessas localidades um solo institucional fértil para o de- senvolvimento econômico futuro. Enfatize-se que essa diferença inicial no tipo de colonização não seria tão importante para explicar os diferenciais de de- senvolvimento economicamente verificados correntemente nos dados não fosse pela enorme inércia do arcabouço institucional dos países. A história ligando o ambiente natural de outras épocas à qualidade institucional atual só fecha com a hipótese adicional – fortemente defendida pelos economistas da vertente 34 Acemoglu et al. (2001, 2002). 35 Ver Engerman e Sokoloff (2000). 36 Ainda que elaborada de forma distinta, o cerne da ideia de diferenças institucionais associadas à presença de colônias de povoamento e de exploração na América já pode ser encontrado em Prado Júnior (1942). 54 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA institucional, como North – de que instituições, boas ou ruins, tendem a se perpetuar no tempo.37 Não que qualidade institucional seja algo imutável, mas mudanças direcio- nais nessa variável são demasiadamente suaves e lentas, semelhantes às guinadas de um grande transatlântico. O motivo já foi elaborado anteriormente: qualquer arranjo institucional vigente gera ganhadores que investem pesadamente na ma- nutenção da estrutura que os beneficia – muitas vezes, ineficiente ao extremo para a economia como um todo. Caso ocorra de as instituições nascerem com viés pró-crescimento, como nas colônias da América do Norte, essa inércia é uma bênção, mas caso contrário... A vertente institucional explica satisfatoriamente o intrigante fenômeno co- nhecido como “reversão das fortunas” – pobres se tornando ricos e ricos se tor- nando pobres.38 Em 1700, 200 anos após a descoberta da América, a renda por habitante em Cuba ainda era aproximadamente o dobro da dos Estados Unidos. Mesmo com a diferença de escolha institucional mencionada anteriormente: amplos direitos de propriedade que favorecem a inovação e o investimento nos Estados Unidos e o perfeito contrário em Cuba. Isso não deveria ter levado a diferenças de riqueza mais rapidamente? Enquanto a vantagem comparativa associada à produtividade bruta do solo manteve-se como o fator econômico mais relevante, instituições ruins não leva- ram a baixo nível de desenvolvimento (mas “apenas” a extrema desigualdade). O grande descolamento só veio depois, com a chegada da Revolução Indus- trial, que muda a importância relativa dos fatores e gera a famosa reversão das fortunas. Sociedades até então ricas por causa de sua abundância de fatores naturais, mas pobres institucionalmente (extremamente desiguais, com estrutura de po- der centralizado e vertical, frágil garantia de direitos de propriedade, aversão à competição e baixo capital humano), não foram capazes de absorver para seu proveito o salto descontínuo associado à descoberta de novas tecnologias e às mudanças radicais nos processos produtivos. Já as sociedades menos ricas, mas com boa qualidade institucional, rapidamente copiaram o sucesso inglês, teste- munhando enormes saltos de renda a partir do século XVIII. Em suma, o ponto aqui é que a riqueza inicial foi prejudicial, em uma pers- pectiva de longo prazo, para as colônias europeias, não porque recursos naturais abundantes sejam algo ruim em si, mas pelo fato de essa riqueza facilmente capturável induzir instituições socioeconômicas prejudiciais ao investimento e à inovação. 37 North (1990). 38 Acemoglu et al. (2002). Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica 55 Após mais de 10 anos de adensamento da pesquisa nessa área, é possível afir- mar que há um modesto consenso na literatura de que (i) diferenciais de PTF são extremamente importantes, na maior parte dos casos, para explicar diferen- ciais de nível de desenvolvimento e (ii) esses diferenciais de PTF se devem, em boa medida, a diferenças na qualidade das instituições. Políticas econômicas versus instituições É importante evidenciar as origens históricas e a trajetória lenta das institui- ções socioeconômicas, bem como o seu impacto sobre o desenvolvimento da economia, mas sem recair em fatalismo exagerado. É verdade que a abundante dotação inicial de fatores naturais e solo propício a culturas de larga extensão com mão de obra escrava ajuda a explicar o atraso institucional de vários países (incluindo o Brasil) e, consequentemente, o nível de desenvolvimento econômico. Porém, sem contestar sua importância primor- dial, o entorno institucional de um país não é tudo e não determina unicamente o nível de desenvolvimento passível de ser atingido. A relação entre essas variá- veis não é, definitivamente, biunívoca. A evidência e o bom-senso econômico sugerem que o vetor de políticas econômicas adotadas, dentro do escopo das restrições impostas por um dado arcabouço institucional, também exerce im- pacto significativo sobre o desenvolvimento socioeconômico.39 Peter Henry e Conrad Miller usam o caso de Barbados e Jamaica para ilus- trar esse ponto.40 Essas duas ilhas tropicais têm em comum diversos aspectos institucionais importantes, a saber: (i) foram colonizadas por ingleses (ambas tornando-se independentes na década de 1960); (ii) são países dotados de am- biente natural/geografia similar; (iii) a plataforma econômica inicial de ambos teve por base grandes monoculturas escravagistas; e (iv) o sistema político e a estrutura constitucional das garantias de direitos de propriedade dos dois países no pós-independência foram moldados à feição dos seus homólogos ingleses. Apesar de as instituições serem similares, as taxas de crescimento da renda por habitante nas quatro décadas seguintes à independência foram bem distin- tas: 0,8% ao ano na Jamaica e 2,2% em Barbados. Uma diferença de nível de renda de estrondosos 75% em 40 anos! Na sua narrativa, os autores argumentam que um conjunto de políticas ma- croeconômicas equivocadas em um e acertadas no outro, principalmente depois 39 O Capítulo 6 deste livro analisa a relação entre a política econômica e o desenvolvimento econômico brasileiro. 40 Henry e Miller (2009). 58 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA lógica interna, uma boa explicação para taxas positivas de crescimento no longo prazo. Neles, o que determina o crescimento de longo prazo é um parâmetro completamente exógeno. Os modelos de crescimento endógeno dos anos 1980 e 1990 que se seguem são bem-sucedidos em tratar essa última crítica de modo mais consistente, mas pouco nos ajudam a compreender por que alguns países são tão mais desenvol- vidos que outros. São importantes para entendermos a expansão da fronteira mundial, mas não para realizarmos comparações entre os países. Dadas a importância empírica dos diferenciais de PTF na explicação da dis- paridade de renda por habitante e a inabilidade dos modelos de crescimento en- dógeno de explicar com precisão os diferenciais de PTF, a pesquisa nos últimos 15 anos muda o foco para as chamadas “causas profundas” desses diferenciais, forjando um casamento frutífero entre os modelos de crescimento e as áreas de economia política e economia das instituições. A lição principal aqui é que a qualidade institucional, determinada pela com- plexa interação entre fatores geográficos, econômicos e políticos, é o principal fator por trás das enormes diferenças de PTF. Ainda que a associação entre as medidas disponíveis de qualidade institucional e o nível de desenvolvimento não seja única e fixada em pedra (as políticas econômicas também importam), o “estado da arte” hoje sugere ser essa a chave principal para o entendimento da forte dispersão entre as rendas por habitante dos países. Leituras recomendadas Para uma visão formal de parte dos modelos aqui comentados, Jones (2000) é um texto interessante no qual a sofisticação matemática é mantida em nível acessível ao aluno de graduação. Acemoglu (2009) exige conhecimento técnico mais profundo, mas seus qua- tro primeiros capítulos e seu capítulo final fazem uma abrangente cobertura da realidade dos dados e das principais ideias dessa fascinante área de pesquisa. Por fim, este capítulo não cobre o longuíssimo prazo e, portanto, não aborda questões associadas à dinâmica do desenvolvimento sob uma perspectiva mi- lenar, como por exemplo: por que os europeus se desenvolveram a ponto de chegarem à América e conquistá-la, e não o contrário?47 O clássico imperdível aqui é Diamond (2001). 47 O Capítulo 3 a seguir apresenta uma perspectiva de longo prazo do desenvolvimento econômico. Desenvolvimento econômico: uma breve incursão teórica 59 Referências Acemoglu, D. Introduction to Modern Economic Growth. Cambridge: The MIT Press, 2009. Acemoglu, D. Unbundling Institutions. Journal of Political Economy, 113, 949-995, 2004. Acemoglu, D. e Linn, J. Market Size in Innovation: Theory and Evidence from the Pharmaceutical Industry. Quarterly Journal of Economics, 119(3), 1049-1090, 2004. Acemoglu, D.; Johnson, S. e Robinson, J. Reversal of Fortune: Geography and Institutions in the Making of Modern World Distribution. 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Ao mesmo tempo, toca diretamente nos dois conjuntos de questões que estão no centro dos estudos na área de desenvol- vimento econômico: o crescimento e a equidade. Nesse sentido, o estudo da história do desenvolvimento econômico mundial em uma perspectiva de longuíssimo prazo (como a que se pretende tomar aqui) revela dois fatos estilizados importantes, cada um referente a um dos grandes temas de estudo na área: a. Crescimento: a taxa de crescimento da renda per capita foi, historicamen- te, muito lenta no mundo todo, tendo aumentado substancialmente após a Revolução Industrial; como tal, essa revolução constitui um divisor de águas crucial na história do desenvolvimento. 1 Ver Diamond (2004), p. 14. 64 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA b. Equidade: a desigualdade de renda per capita internacional (isto é, entre os países) cresceu continuamente desde a Revolução Industrial. Em ou- tras palavras, verificou-se divergência nos níveis de renda per capita dos diversos países, tendência que sofreria uma inflexão e modesto recuo a partir da década de 1980;2 já a desigualdade de renda global (ou seja, entre indivíduos do mundo, independentemente do país) cresceu sem in- terrupção desde o início do século XIX. Este capítulo tem por objetivo analisar o fenômeno do desenvolvimento eco- nômico em suas duas dimensões – o crescimento e a equidade – a partir de uma abordagem histórica. Em outras palavras, seu foco será o como (fatos) mais do que o porquê (teoria) do fenômeno do desenvolvimento econômico ao longo dos séculos. O capítulo está dividido em quatro seções, incluindo esta Introdução. Na segunda seção, são discutidos alguns fatos estilizados sobre o fenômeno do cres- cimento econômico no longuíssimo prazo. Na terceira seção, resume-se a ex- periência histórica de crescimento dos últimos dois séculos, dividida em suas principais fases. A quarta seção, por sua vez, analisa a distribuição de renda no mundo ao longo da história, com ênfase nos últimos 200 anos. O crescimento econômico na história: alguns fatos estilizados Se, à época em que Diamond e Yali mantiveram seu diálogo, era clara a diferença de padrão de vida, por exemplo, entre a Nova Guiné e as economias industrializadas do Ocidente, será que tais diferenças sempre existiram? Dito de outra forma, os desníveis de renda per capita entre os diversos povos são um fato estilizado que descreva razoavelmente a experiência histórica da humanidade? A resposta é sim e não. Não, no sentido de que, durante mais de 99% da história humana, o padrão de vida de todos os povos era, grosso modo, semelhante – e baixo. Vivia-se, em suma, em um mundo de pobreza generalizada, não muito diferente daquele evocado por Thomas Hobbes no Leviatã, para quem a vida do homem em seu estado “natural” era “solitária, pobre, sórdida, brutal e curta”.3 2 Este resultado se verifica quando se pondera a renda per capita dos países pela sua população e é influenciado pelo crescimento acima da média mundial, nas últimas décadas, apresentado pela China e Índia. Esse ponto será retomado mais à frente. 3 Note-se que, a rigor, a renda per capita e o padrão de vida não são sempre iguais. Em socie- dades modernas, com significativa provisão pelo Estado de bens meritórios (educação e saúde, por exemplo), é perfeitamente possível haver uma melhoria do padrão de vida de um indivíduo sem que necessariamente sua renda esteja aumentando. Feita essa ressalva, ao longo do presente capítulo ambos os termos serão utilizados como sinônimos. O desenvolvimento econômico em perspectiva histórica 65 Em princípio, a caracterização da história econômica mundial como sendo dominada por pobreza generalizada parece incompatível com o legado material e cultural das gerações passadas, sob a forma de templos, palácios, obras de arte etc. que chegaram aos dias atuais. Porém, conforme lembra, entre outros, Ro- bert Lucas, era perfeitamente possível às sociedades agrárias do passado susten- tarem civilizações impressionantes a partir da extração de excedentes da maio- ria camponesa e sua posterior canalização aos proprietários de terras e às elites urbanas. O que tais sociedades não conseguiam proporcionar era um aumento significativo no padrão de vida da maioria das pessoas.4 Contudo, nos últimos 200 (vale dizer, os 0,2% mais recentes da história hu- mana) ou, no máximo, 500 anos, tal estado de coisas passou a ficar para trás. Pri- meiramente, no noroeste da Europa e, em seguida, em outras partes do mundo, houve o início de uma mudança profunda nessa longa história de baixos padrões de vida médios em todas as sociedades – daí o sim como parte da resposta à per- gunta levantada no início desta seção. Essa mudança envolveu o início de um processo que ganharia a designação de crescimento econômico “moderno” e que, com o passar do tempo, iria permitir ao habitante médio de várias sociedades con- temporâneas, pela primeira vez na história, gozar de um conforto material digno das elites do passado (e, em muitos casos, amplamente superior).5 A história humana de baixa renda média desde sempre, seguida – nos últi- mos 200 anos – de crescimento sustentado dos padrões de vida, pode ser repre- sentada pela curva de renda per capita exibida no Gráfico 3.1.6 A curva de PIB per capita no Gráfico 3.1 resume o primeiro fato estilizado a que se referiu na Introdução deste capítulo, isto é, os séculos de baixíssimo (ou nenhum) crescimento dos níveis de renda per capita. Tal situação decorria, fundamentalmente, do fato de o crescimento econômico em sociedades agrá- rias estar limitado por uma combinação de dependência extrema de um fator relativamente fixo (a terra) e lento progresso técnico. Sob esse regime, épocas de crescimento econômico vinham acompanhadas de crescimento demográfico (por melhoria da alimentação ou antecipação dos casamentos, com aumento 4 Ver Lucas (2009). Para experiências bem documentadas de crescimento econômico e de- mográfico em diversas partes do mundo antes da Revolução Industrial, ver Goldstone (2002). 5 A expressão “crescimento econômico moderno” tornar-se-ia consagrada a partir do livro ho- mônimo de Kuznets (1966). Tal como definido por Kuznets, esse tipo de crescimento envolve, simultaneamente, aumento sustentado do PIB per capita e mudança na estrutura produtiva da economia, representada pela perda de peso relativo da agricultura e avanço dos setores indus- trial e de serviços. 6 Por conveniência, a data no eixo X do gráfico começa no ano 1 d. C. Para todos os efeitos, porém, ela poderia começar milhares de anos antes, dado que as estimativas disponíveis suge- rem que a renda per capita média na Antiguidade não era significativamente diferente daquela que prevalecia no início da Era Cristã. Ver, a respeito, Malanima (s.d.). 68 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA um indivíduo adquire experiência na produção, maiores os ganhos potenciais advindos da observação de regularidades no processo produtivo, do acaso e da tentativa e erro. O conhecimento novo (e útil) assim adquirido permite alarga- mento do conhecimento técnico e irá gerar maior produção e/ou melhoria na qualidade dos produtos para um dado emprego de insumos. Em outras palavras, permite aumentos de eficiência (produtividade). Ao final, portanto, as sociedades pré-industriais deparavam-se com dois tipos de forças opostas: as primeiras, de natureza malthusiana, puxavam-nas na dire- ção da estagnação; as segundas, via maior divisão do trabalho e learning by doing na produção, empurravam-na para a frente lentamente, com ganhos de renda per capita. A Figura 3.1 resume essa ideia. FIGURA 3.1 Forças malthusianas e smithianas no crescimento econômico E o que a evidência histórica revela sobre a resultante dessas duas forças opostas? Será verdade que as forças malthusianas eram de fato universais e ines- capáveis antes da Revolução Industrial, conforme argumenta parcela majoritária da literatura moderna de crescimento econômico? Aparentemente, não. Inú- meros trabalhos indicam a existência de regiões no noroeste da Europa (Holan- da e, posteriormente, Inglaterra) que, a partir do século XVI, já exibiam uma tendência a romper com o modelo malthusiano e, com isso, conseguiam con- jugar aumento populacional com elevação – ainda que modesta (em média, de 0,15 a 0,25% ao ano [a.a.]) – dos níveis de renda per capita.10 10 Para uma síntese dos resultados dessas pesquisas, ver Van Zanden (2009). A esses dois países deve-se acrescentar o caso das 13 colônias britânicas da América do Norte no século XVIII, que, ao que parece, tampouco estiveram presas ao regime malthusiano. Com isso, apresentaram taxas de crescimento da renda per capita até maiores, estimadas em 0,3-0,5% a.a., em média, no período. O excepcional caso americano será retomado no Capítulo 4. Crescimento populacional + Retornos decrescentes Renda per capita Divisão do trabalho Progresso técnico baseado em learning by doing + + + + –+ Fonte: Persson (2010), p. 61. O desenvolvimento econômico em perspectiva histórica 69 Contudo, mesmo a Inglaterra e a Holanda pré-industriais, por mais que não possam ser caracterizadas como economias sujeitas a limites malthusia- nos estritos, partilhavam com as demais economias da época um limite ener- gético inescapável, que impedia que a sua renda per capita crescesse a taxas muito superiores a 0,15 e 0,25% a.a. Tal limite pode ser percebido a partir da noção de economia “orgânica”, atribuída ao demógrafo histórico Edward Wrigley.11 Nessas economias, a terra era a fonte última de energia. Dela pro- vinham os alimentos para seres humanos e animais – estes últimos emprega- dos na tração de arados, nos transportes, na movimentação de moinhos etc. e na provisão de esterco para a agricultura – e a lenha usada na produção de carvão vegetal (combustível vital para o aquecimento doméstico e diversos processos industriais). Nessas circunstâncias, o crescimento demográfico e a maior demanda por alimentos (grãos) acabavam por competir pela terra anteriormente dedicada à criação de animais ou ocupada por florestas. Esse trade-off entre fontes alterna- tivas de energia (grãos, pastagem, lenha) em um contexto de dependência de uma quantidade relativamente fixa de terra terminava por limitar as possibili- dades de crescimento de economias orgânicas. Ao final, tais limites só seriam efetivamente superados a partir do aproveitamento, em larga escala, de uma fonte praticamente inesgotável de energia – o carvão mineral, que não competia com as demais pelo fator terra. E tal aproveitamento teve início na Inglaterra, no século XVI, acentuando-se com a Revolução Industrial. Nesse sentido (energético), a Revolução Industrial foi um divisor de águas na história da humanidade, ao permitir o rompimento definitivo das amarras que prendiam as economias orgânicas. A partir dela, as sociedades passariam a dispor, crescentemente, de fontes (quase) ilimitadas de energia que não com- petiam com a produção de alimentos pela ocupação de terras agricultáveis. Mas não foi apenas nesse sentido que a Revolução Industrial mudou o mundo. O caráter verdadeiramente revolucionário da Revolução Industrial manifesta-se em, pelo menos, duas outras formas: na economia e na demografia. No primeiro caso, ele reside no fato de a Revolução Industrial ter alterado os parâmetros do crescimento econômico. Ou seja, antes de meados do século XVIII, a maior parte do crescimento econômico – quando ele ocorria – era re- sultante de melhorias institucionais que permitiam o surgimento do comércio (e os ganhos ditos smithianos, de especialização, a ele associados). Havia pro- gresso técnico antes da Revolução Industrial, mas seu papel no crescimento econômico era modesto. Já durante a Revolução Industrial e após, o crescimen- to passou a ser cada vez mais dominado por melhorias na tecnologia. Esta, ao 11 Ver Wrigley (2010). 70 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA contrário de outras formas de crescimento econômico, não incorria em rendi- mentos decrescentes e, portanto, poderia se sustentar no tempo.12 Dito de outra forma, se antes dela o crescimento econômico era fenômeno episódico que, com sorte, poderia alçar uma economia a um nível de renda per capita ligeiramente superior ao de subsistência, a partir da Revolução Industrial o crescimento se tornou uma condição permanente das economias que, seguin- do o exemplo britânico, passaram a introduzir continuamente novas técnicas no processo produtivo.13 O resultado desse novo tipo de crescimento, acumulado nos últimos 200 anos, é a enorme prosperidade de que desfruta parcela conside- rável da humanidade nos dias atuais. Já do ponto de vista demográfico – o segundo aspecto revolucionário que se deseja enfatizar –, nota-se também uma inflexão na trajetória da população mundial a partir da virada do século XVIII para o XIX (ver a curva correspon- dente no Gráfico 3.1), coincidindo, portanto, com a Revolução Industrial e, em parte, decorrente dela. Assim, nos 17,5 séculos da Era Cristã anteriores à Re- volução Industrial, estima-se que a população mundial tenha passado de 250 pa ra 770 milhões de habitantes (isto é, uma taxa de crescimento média de 0,06% a.a.). Nos dois séculos a partir de 1750, essa taxa de crescimento prati- camente multiplicou-se 10 vezes (para 0,6% a.a.).14 Tal processo, por sua vez, resultou da rápida acumulação de recursos, do controle do meio ambiente e do declínio da mortalidade, todos eles tornados possíveis pelo crescimento econô- mico exponencial que a Revolução Industrial inaugurou.15 12 Ainda assim, não são claras as razões para essa aceleração do progresso técnico ao final do século XVIII na Inglaterra. Nas palavras de Joel Mokyr, “não é possível ‘explicar’ por que o crescimento moderno aconteceu após 1800, assim como não sabemos por que o Homo sapiens surgiu quando surgiu e não, digamos, 30 milhões de anos antes”. Ver Mokyr (2002), p. 286 (tradução do autor). 13 Ver Mokyr (2003). 14 A taxa de crescimento populacional aumentou para 1,7% a.a. nos últimos 60 anos. Ver Livi- Bacci (2007), p. 28. 15 Nos chamados modelos de crescimento “unificados”, a Revolução Industrial é vista, do ponto de vista econômico-demográfico, como uma fase intermediária entre o regime malthusiano e o do crescimento moderno. Segundo essa família de modelos, no mundo pré-industrial malthusiano o crescimento do PIB foi acompanhado de crescimento populacional, resultando em PIB per capita em níveis baixos e com muito pouco crescimento ao longo dos séculos. A Revolução Industrial, por sua vez, seria uma fase “pós-malthusiana”, de transição, na qual já se observa crescimento mais significativo da renda per capita, embora o crescimento populacional ainda esteja positivamente relacionado ao aumento do padrão de vida. Finalmente, a partir da segunda metade do século XIX, entrar-se-ia em uma terceira fase, de crescimento “moderno”, iniciada com uma maior demanda por capital humano (tipicamente, com o emprego da ciência no processo produtivo, na chamada Se- gunda Revolução Industrial, que envolveu os setores químico, elétrico, de energia e as engenharias) e a chamada transição demográfica. Com esta última, inaugura-se um período de menores taxas de natalidade, permitindo que o crescimento demográfico deixe de contrabalançar, como no passado, o aumento da renda. Para um exemplo desse tipo de modelo, ver Galor e Moav (2002). Para um balanço dessa literatura, ver Snowdon (2008) e Mokyr e Voth (2010). O desenvolvimento econômico em perspectiva histórica 73 dobrou a cada 55 anos. Insistindo nesse ponto: comparada à virtual estagnação dos padrões de vida médios no mundo pré-industrial, tem-se a real dimensão do avanço material observado nos últimos dois séculos.20 Quanto aos diversos subperíodos, um primeiro exame dos dados da Tabela 3.1 revela taxa de crescimento da renda per capita entre 1820 e 1870 já em ritmo claramente “moderno” (isto é, muito superior ao observado no mundo pré-industrial), mesmo que à época vários países ainda estivessem presos ao re- gime malthusiano. Essa taxa se acelera durante a primeira onda de globalização (1870-1913) para arrefecer no entreguerras. A chamada Era de Ouro (1950- 1973), por sua vez, irá se caracterizar pelas mais elevadas taxas de crescimento do PIB per capita na história, após o que a expansão desse indicador se dará em um ritmo mais lento – ainda que um pouco superior ao que prevaleceu nas dé- cadas que antecederam a Primeira Guerra. E o que dizer dos fatores explicativos dessa trajetória de crescimento que envolve variações marcantes, tanto no tempo como no espaço? Para abordar essa questão, um ponto de partida útil é a distinção, devida a Angus Maddison, entre os determinantes “próximos” e “últimos” do crescimento econômico. Os primeiros dizem respeito, respectivamente, à acumulação de fatores (isto é, ao crescimento em sua forma extensiva) e à eficiência (crescimento da produtivi- dade ou intensivo) e servem de base para os exercícios empíricos de decomposi- ção das fontes de crescimento econômico encontrados na literatura. Já os determinantes “últimos” do crescimento são muitos, mas a literatura tem enfatizado a importância de três, a saber: a geografia (latitude, proximida- de a cursos de água, clima etc.); o comércio internacional (no sentido amplo, incluindo benefícios e custos de participar dos fluxos internacionais de merca- dorias, serviços, capitais e mão de obra); e as instituições (definidas como arran- jos sociopolíticos formais e informais que desempenham importante papel em promover ou retardar o crescimento).21 A geografia influencia as taxas de crescimento econômico através de diver- sos canais. Diretamente, através da existência de depósitos de recursos naturais comercializáveis, a exemplo de petróleo, diamantes e outros minerais que sir- vam de fonte de renda para um país. A qualidade do solo e a pluviosidade, por sua vez, determinam a produtividade da terra e, em última instância, a renda. 20 Salvo indicação em contrário, todos os dados de PIB ou PIB per capita (e sua variação no tempo) apresentados nesta seção têm como fonte Maddison (2010). Esses dados são calculados em paridade de poder de compra, ou seja, são ajustados em função das diferenças de custo de vida entre os países. 21 Ver Rodrik (2003), p. 5, e o Capítulo 2 neste volume. Para autores que enfatizam a importân- cia de cada um desses determinantes “últimos” do crescimento econômico (a saber, geogra- fia, comércio internacional e instituições), ver, respectivamente, Diamond (2004), Williamson (2011) e North (1990). 74 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: UMA PERSPECTIVA BRASILEIRA A geografia também influencia o ambiente epidemiológico de um país, com efeitos sobre morbidade e crescimento. Indiretamente, ela afeta o crescimento econômico via dois outros canais. Primeiramente, ao limitar a extensão em que um país consegue se integrar ao mercado internacional (pensar em países mon- tanhosos e sem acesso ao mar, como a Bolívia e o Butão). Em segundo lugar, ao ajudar a moldar as instituições de um país, a exemplo do que ocorreu com as colônias de povoamento que viriam a dar origem aos Estados Unidos, con- trastadas com a América portuguesa tropical, típica colônia de exploração, com instituições (posse de terra, acesso ao voto etc.) distintas daquelas vigentes nas 13 colônias britânicas na América do Norte.22 Parte da literatura dá destaque ao papel da integração na economia mundial (isto é, comércio) como sendo um fator adicional por trás do crescimento eco- nômico. Segundo esse argumento, o grau de abertura de uma economia tem impacto positivo sobre o crescimento, através dos ganhos de especialização e do poder das importações de forçarem um aumento na produtividade dos produ- tores domésticos. Finalmente, as instituições têm recebido atenção crescente da literatura de crescimento, à medida que, por exemplo, o respeito aos direitos de propriedade, a existência de estruturas regulatórias adequadas, a qualidade e independência do poder judiciário e a capacidade da burocracia estatal são elementos impor- tantes para o início do processo de crescimento econômico e sua sustentação no tempo. Esses três determinantes “últimos” servirão de base, no restante desta seção, para uma breve análise do crescimento econômico agregado e das principais regiões do mundo nos seis subperíodos em que se dividiu a história moderna.23 O crescimento econômico no “longo século XIX” (isto é, até as vésperas da Primeira Guerra) comporta duas fases distintas, separadas pelo ano de 1870. Entre 1820 e 1870, o crescimento da renda per capita mundial se deu em ritmo mais lento, ainda que notavelmente superior ao observado nos séculos anteriores à Revolução Industrial. O resultado até 1870 deveu-se, quase exclusivamente, ao desempenho dos primeiros países a se industrializarem, na Europa e Estados Unidos. Por seu turno, os chamados países “retardatários” continuavam, em sua maioria, ainda imersos em um mundo malthusiano de pouco avanço na renda per capita (e, em alguns casos, possíveis recuos, como na Ásia e América Latina). O ritmo de crescimento da maior parte das economias iria se acelerar a partir 22 Esse tema será retomado na discussão da experiência de colonização brasileira no Capítulo 4. 23 Inevitavelmente, no que se segue apresenta-se não mais que um breve resumo da experiên- cia internacional com o crescimento econômico moderno. Para uma discussão mais alentada, recomenda-se ao leitor interessado a consulta a Cameron (1997) e, para o século XX, Frieden (2006). O desenvolvimento econômico em perspectiva histórica 75 dos anos 1870, fruto dos avanços tecnológicos trazidos pela chamada Segunda Revolução Industrial, combinados aos ganhos trazidos pela maior integração entre as economias (globalização).24 Conforme nota Rondo Cameron, a expansão do comércio mundial foi um dos principais motores dos ganhos de produtividade (e, portanto, do cresci- mento) no século XIX, seja diretamente, ao permitir melhor alocação dos re- cursos dentro das economias e entre elas, seja como veículo para a difusão de conhecimento tecnológico através do mundo.25 Para a intensificação do comér- cio internacional no século XIX (quando cresceu em um ritmo quatro vezes superior ao da economia), contribuiu uma combinação de avanços tecnológicos e institucionais. Entre os primeiros destacam-se melhoramentos na tecnologia de transportes e comunicações (ferrovias e navios a vapor; telégrafo elétrico). Do lado institucional, ressaltam-se: o desmantelamento gradativo das restrições mercantilistas que emperravam as trocas até então (ver os processos de inde- pendência nas Américas e o fim das restrições coloniais); a redução das tarifas médias de importação (até o final dos anos 1870); e, a partir de 1871, a conso- lidação do sistema de padrão-ouro internacional (e as taxas de câmbio fixas a ele associadas).26 É provável que, mais que em qualquer outra época, tenha sido durante o século XIX que a geografia exerceu um papel decisivo na determinação das trajetórias de crescimento econômico das diversas regiões do globo. Nessa linha, Jeffrey Williamson argumenta que os padrões de especialização produtiva dos países – determinados pela dotação relativa de fatores e, em última instância, por condições climáticas, tipos de solo etc. – foram reforçados durante o pe- ríodo.27 Para o autor, os ganhos generalizados proporcionados pela chamada “grande especialização” da época (na qual os países do “centro” se especializa- ram na produção e exportação de manufaturados e os da “periferia” na produ- ção e exportação de commodities) se deram na direção “correta” prevista pelo modelo ricardiano de vantagens comparativas – ou seja, todos os países se be- neficiaram da ampliação do comércio internacional no período. Contudo, tais ganhos teriam sido parcialmente contrabalançados, nos países da periferia, por 24 Vale ressaltar que a ênfase conferida na literatura ao papel da indústria para a aceleração do crescimento econômico no último quarto do século XIX não deve servir para ofuscar a impor- tância, para esse processo, dos ganhos de produtividade alcançados também no setor de serviços. Para uma discussão, no contexto do catch-up e posterior ultrapassagem dos Estados Unidos e Alemanha em relação à pioneira industrial Grã Bretanha, ver Broadberry (1998). 25 Cameron (1997). Para um argumento na mesma linha, ver Findlay e O’Rourke (2007) e Lucas (2009). 26 Para o papel desempenhado pelo padrão-ouro e a estabilidade cambial na expansão da econo- mia global na segunda metade do século XIX, ver Estevadeordal et al. (2003). 27 Williamson (2011).
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