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Anthony Giddens - Sociologia, Notas de estudo de Sociologia

Arquivo de Sociologia

Tipologia: Notas de estudo

2013
Em oferta
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Compartilhado em 13/10/2013

viviane-freitas-mascarenhas-dos-san
viviane-freitas-mascarenhas-dos-san 🇧🇷

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Baixe Anthony Giddens - Sociologia e outras Notas de estudo em PDF para Sociologia, somente na Docsity! Anthony Giddens Sociologia 6.a Edição Tradução de Alexandra Figueiredo Ana Patrícia Duarte Baltazar Catarina Lorga da Silva Patrícia Matos Vasco Gil Coordenação e revisão científica de José Manuel Sobral F U N D A Ç Ã O CALOUSTE GULBENKIAN Serviço de Educação e Bolsas Tradução do original inglês intitulado SOCJOLOGY 4'h Edition Copyright O Anthony Giddens 2001 publicado por Polity Press em associação com Blackwell Publishers Ltd. Reservado todos os direitos de harmonia com a lei Edição da FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN Av.de Bema I Lisboa 2008 Depósito Legal 273409/08 ISBN 978-972-31-1075-3 xii Í N D I C E D E T A L H A D O Sumário 45 Questões para reflexão 47 Leituras adicionais 47 Ligações à internet 47 3 Um Mundo em Mudança 48 Dimensões da globalização 51 Factores que contribuem para a globalização 52 As causas da globalização crescente 54 O debate em torno da globalização 58 Os «cépticos» 58 Os «hiperglobalizadores» 59 Os «transformacionalistas» 59 0 impacto da globalização nas nossas vidas 61 A emergência do individualismo 61 Padrões de trabalho 62 Cultura popular 64 Globalização e risco 65 A multiplicação dos riscos manufacturados 65 A «sociedade de risco» global 68 Globalização e desigualdade 69 Desigualdade e divisões globais 69 A campanha a favor de uma «justiça global» 72 Conclusão: a necessidade de uma governação global 74 Sumário 75 Questões para reflexão 76 Leituras adicionais 76 Ligações à Internet 11 4 Interacção Social e Vida Quotidiana 78 O estudo da vida quotidiana 80 Microssociologia e Macrossociologia 83 Comunicação não*verbal 84 A face, os gestos e as emoções 84 «Face» e auto-estima 85 Género e comunicação não-verbal 86 Conversa e regras sociais 86 Entendimentos partilhados 87 Experiências de Garflnkel 87 Vandalismo na interacção 88 Modos de falar 90 Gritos de resposta 90 Lapsos de língua 91 Face, corpo e fala na interacção 92 Encontros 93 Marcadores 94 Gestão das impressões 95 Regiões da frente e da retaguarda 95 Espaço pessoal 97 Interacção no tempo e no espaço 99 Tempo do relógio 100 A vida social e o ordenamento do espaço e do tempo 101 C o n c l u s ã o : a c o m p u l s ã o da proximidade 101 Sumário 103 Questões para reflexão 104 Leituras adicionais 104 Ligações à Internet 105 5 Género e Sexualidade 106 Diferenças de género 109 Género e Biologia: diferença natural 109 Socialização de género 110 A construção social do género e do sexo 111 Perspectivas sobre a desigualdade de género 114 Abordagens funcionalistas 115 Abordagens feministas 116 Feminilidades, masculinidades e reiaçòes de género 120 R. W. Connell: a ordem de género 120 Masculinidades em transformação 123 Sexualidade humana 126 Biologia e comportamento sexual 126 Influências sociais no comportamento sexual 127 A sexualidade na cultura ocidental 128 Uma nova fidelidade 130 Homossexualidade 131 A homossexualidade na cultura ocidental 132 Atitudes em relação à homossexualidade \ 33 A campanha pela legalização e reconhecimento 1 34 Prostituição 135 A prostituição na actualidade 135 A prostituição infantil e a «indústria do sexo» mundial 136 VMI ÍNDICE D E T A L H A D O Explicar a prostituição 138 Conclusão: género e globalização 138 Sumário 139 Questões para reflexão 140 Leituras adicionais 141 Ligações à Internet 141 6 Sociologia do Corpo: Saúde, Doença e Envelhecimento 142 A sociologia do corpo 146 A base social da saúde 146 Classe e saúde 147 Género e saúde 150 Raça e Saúde 154 Aleidos "cuidados inversos" 155 Medicina e Sociedade 155 A emergência do modelo biomédico de saúde 155 O modelo biomédico 156 Críticas ao modelo biomédico 157 A medicina e a saúde num mundo em mudança 159 Perspectivas sociológicas sobre a saúde e a doença 160 O papel de doente 161 A doença como «experiência vivida» 163 Saúde e envelhecimento 164 Os efeitos físicos do envelhecimento 166 Problemas do envelhecimento 167 Conclusão: o futuro do envelhecimento 168 Sumário 169 Questões para reflexão 170 Leituras adicionais \ 71 Ligações à Internet 171 7 Famílias m Conceitos elementares 175 A diversidade da família 176 Perspectivas teóricas sobre a família 176 A abordagem funcionalista \ 77 Abordagens feministas 177 Novas perspectivas na sociologia da família 180 Casamento e divórcio no Reino Unido 182 Agregados monoparenta is 183 Voltar a casar 184 Famílias recompostas 185 O "pai ausente" 188 Mulheres sem filhos 190 Variações nos padrões familiares: a diversidade étnica na Grã-Bretanha 191 Famílias oriundas do sul da Ásia 191 Famílias negras 192 Alternativas ao casamento 194 Coabitação 194 Casais homossexuais 194 Violência e abuso na vida familiar 195 A violência no seio da família 196 O incesto e o abuso sexual de crianças 197 O debate sobre os "valores familiares ' 198 Sumário 199 Questões para reflexão 200 Leituras adicionais 201 Ligações à Internet 201 8 Crime e Desvio 202 A sociologia do desvio 205 Abordagens do crime e do desvio 207 Explicações biológicas: os "tipos criminais" 207 Explicações psicológicas: os "estados mentais anormais" 208 Teorias sociológicas sobre o crime e o desvio 209 As teorias funcionalistas 209 As teorias interaccionistas 211 As teorias do conflito: "a nova criminologia " 214 As teorias do controlo social 217 Conclusões teóricas 218 Padrões do crime no reino unido 218 O crime e as estatísticas criminais 219 Estratégias de redução do crime na sociedade do risco 222 Políticas para enfrentar o crime 223 O policiamento na sociedade do risco 224 O Policiamento comunitário 225 As vítimas e os perpetradores do crime 226 Género e crime 226 Crimes contra homossexuais 230 A juventude e o crime 231 O crime do colarinho branco 233 Crime organizado 235 xii Í N D I C E D E T A L H A D O A mudança de rosto do crime organizado 236 O "cibercrime" 236 As p r i s õ e s s e r ã o uma r e s p o s t a a d e q u a d a ao c r ime? 239 C o n c l u s ã o : cr ime, de sv io e o r d e m social 240 Sumário 241 Questões para reflexão 243 Leituras adicionais 243 Ligações à Internet 243 Raça, Etnicidade e Migração 244 Compreender a raça e a etnicidade 247 Raça 247 Etnicidade 248 Preconce i to , d i sc r iminação e r ac i smo 252 Racismo 253 Explicar o r ac i smo e a d i sc r iminação étnica 254 Interpretações psicológicas 254 Interpretações sociológicas 256 Integração étnica e conflito étnico 258 Modelos de integração étnica 258 Conflito étnico 259 Migração global 260 Movimentos migratórios 260 Diásporas globais 262 Imigração para o Reino Unido 265 Mudança da política de imigração na Grã-Bretanha 266 Diversidade étnica no Reino Unido 267 Emprego e sucesso económico 269 Alojamento 272 Raça e crime 273 Imigração e relações étnicas no Continente 275 As migrações e a União Europeia 276 Refugiados, pessoas que procuram asilo e migrantes económicos 271 Conclusão 279 Sumário 279 Questões para reflexão 281 Leituras adicionais 281 Ligações à Internet 281 10 Classe, Estratificação e Desigualdade 282 Teorias sobre as classes e a estratificação 285 A teoria de Karl Marx 285 A teoria de Max Weber 287 A teoria de classes de Erik Olin Wright 288 A medição das classes 289 John Goldthorpe: classe e ocupação 290 Avaliação dos esquemas de classes 290 As divisões de classe nas sociedades ocidentais da actualidade 292 A questão da classe alta 292 A classe média 294 A mudança de natureza da classe trabalhadora 296 Classe e estilo de vida 298 A subclasse 299 Género e estratificação 300 A determinação da posição de classe das mulheres 300 O impacto do emprego das mulheres nas divisões de classe 301 Mobilidade social 302 Estudos comparativos sobre a mobilidade 302 Mobilidade descendente 303 Mobilidade social na Grã-Bretanha 304 Género e mobilidade social 305 Conclusão 306 Sumário 306 Questões para reflexão 308 Leituras adicionais 308 Ligações à Internet 309 11 Pobreza, Previdência e Exclusão Social 3io A pobreza 313 O que é a pobreza? 313 Medir a pobreza 314 Padrões recentes de pobreza no Reino Unido 316 Quem são os pobres? 317 Explicar a pobreza 318 Pobreza e mobilidade social 321 A con t rovérs ia d a s u b c l a s s e 322 Antecedentes do debate em torno da subclasse 323 x i i Í N D I C E D E T A L H A D O Bourdieu: educação e reprodução cultural 516 Tipos de novos movimentos religiosos 557 Willis: uma análise da reprodução cultural 5)7 Novos movimentos religiosos e secularização 559 0 g é n e r o e o s i s t e m a educa t ivo 519 Movimentos mi lenar i s tas 559 0 género e o desempenho escolar 519 Os seguidores de Joaquim 559 0 género e a educação superior 522 A Dança dos Espíritos 560 E d u c a ç ã o e e tn ic idade 523 A natureza dos movimentos milenaristas 560 Exclusão social e escolarização 523 Movimentos apocalípticos 560 0 01 e o s u c e s s o e s c o l a r 524 F u n d a m e n t a l i s m o rel igioso 561 0 que é a inteligência? 524 O fundamentalismo islâmico 561 Inteligência emocional e interpessoal 526 O fundamentalismo cristão 565 C o n c l u s ã o : a ap rend i zagem no d e c u r s o C o n c l u s ã o 567 da vida 527 Sumário 567 Sumário 528 Questões para reflexão 569 Questões para reflexão 530 Leituras adicionais 569 Leituras adicionais 530 Ligações à Internet 569 Ligações à Internet 531 18 As Cidades e os Espaços Urbanos 570 Religião 532 Carac te r í s t i cas d o u r b a n i s m o m o d e r n o 573 Definição d e religião 535 O desenvolvimento das cidades modernas 575 0 que não é religião 535 Teor ias d o u r b a n i s m o 575 0 que é a religião 535 A escola de Chicago 575 Var iedades d e rel igião 537 O urbanismo e o ambiente criado 578 Totemismo e animismo 537 T e n d ê n c i a s no desenvo lv imen to u r b a n o Judaísmo, Cristianismo e Islamismo 537 ocidental 580 As religiões do Extremo Oriente 539 A suburbanização 581 Teor ias d a religião 540 A decadência dos centros das cidades 582 Marx e a religião 540 Conflito urbano 583 Durkheim e o ritual religioso 541 Renovação urbana 584 Weber: as religiões mundiais e a mudança Urban ização no m u n d o social 542 e m desenvo lv imen to 589 Avaliação 543 Desafios da urbanização no mundo Tipos d e o rgan i zação rel igiosa 543 em desenvolvimento 589 Igrejas e seitas 543 0 futuro da urbanização no mundo Denominações religiosas e cultos 544 em desenvolvimento 592 Avaliação 544 As c i d a d e s e a g loba l ização 593 G é n e r o e religião 545 As cidades globais 593 Imagens religiosas 545 A cidade e a periferia 594 As mulheres nas organizações religiosas 546 A desigualdade e a cidade global 594 Religião, s ecu l a r i z ação e m u d a n ç a Governa r a s c i d a d e s na era global 595 soc ia l 548 Gerir o global 595 As dimensões da secularização 549 As cidades como agentes políticos, económicos A religião no Reino Unido 550 e sociais 596 A religião nos Estados Unidos 551 C o n c l u s ã o : a s c i d a d e s e a g o v e r n a ç ã o Avaliação da tese da secularização 555 global 598 Novos m o v i m e n t o s re l ig iosos 556 Sumário 598 xii Í N D I C E D E T A L H A D O Questões para reflexão 599 Leituras adicionais 600 Ligações à Internet 600 19 Crescimento da População e Crise Ecológica 602 O crescimento da população mundial 605 Análise da população: a demografia 605 Dinâmicas de mudança na população 605 O crescimento da população no mundo em vias de desenvolvimento 606 A transição demográfica 610 Projecções do crescimento da população para o futuro 610 O impacto humano no mundo naturai 61) Preocupações com o ambiente: existem limites para o crescimento? 612 O desenvolvimento sustentável 613 Consumo, pobreza e ambiente 614 Fontes de ameaça 614 Poluição e desperdício 615 O esgotamento dos recursos 619 O risco e o ambiente 623 O aquecimento global 623 Os alimentos geneticamente modificados 628 Olhando para o futuro 633 O ambiente: um tema sociológico? 634 Sumário 634 Questões para reflexão 636 Leituras adicionais 636 Ligações à Internet 636 20 Método de Investigação em Sociologia 638 Questões sociológicas 641 A sociologia será uma ciência? 642 O processo de investigação 643 O problema de investigação 644 Revisão dos conhecimentos 644 Definição do problema da investigação 644 Elaboração de um plano 644 Realização da investigação 644 Interpretação dos resultados 645 Elaboração do relatório final 645 A realidade intrometesse! 645 Compreender a causa e o efeito 646 Causalidade e correlação 646 O mecanismo causal 646 Variáveis de Controlo 647 Identificação das causas 647 Métodos de Investigação 648 Etnografia 648 inquéritos 649 Experiências 652 Histórias de vida 652 Análise histórica 652 A conjugação entre a investigação comparativa e a histórica 654 Investigação no mundo real: métodos, problemas, escolhas 654 Investigar a raça e a pobreza nos espaços urbanos 655 Conclusão: A influência da sociologia 659 Sumário 662 Questões para reflexão 662 Leituras adicionais 663 Ligações á Internet 663 21 O Pensamento Teórico na Sociologia 664 Max Weber: a Ética Protestante 666 Dilemasteóricos 668 Dilema I: Estrutura e acção 669 Dilema II: Consenso e conflito 671 Dilema III: O problema do género 672 Dilema IV: A formação do mundo moderno 674 Teorias recentes 676 A teoria pós-moderna 676 Michel Foucault 677 Outros pontos de vista 678 Jiirgen Habermas: a democracia e a esfera pública 678 Ulrich Beck: a sociedade do risco 679 Manuel Castells: a economia em rede 680 Anthony Giddens: a reflexividade social 681 Conclusão 682 Sumário 682 Questões para reflexão 683 Leituras adicionais 684 Prefácio V a Quarta Edição O texto desta edição de Sociologia foi revisto muito mais exaustivamente do que qualquer uma das edições anteriores. O ritmo da mudança no mundo social contem- porâneo é extraordinário e o texto procura tanto descrever essas mudanças como reflectir sobre elas. O livro pode obviamente ser lido por si só, mas foi pensado para interagir com o extenso material do seu website. Este último foi construído de modo a conter várias Ligações à Internet, às quais se pode facilmente aceder seja qual for o tema a ser explorado em maior profundidade. Pode aceder-se ao sitio na Internet asso- ciado ao livro no endereço http://www.poliiy.co.uk/giddens. Tanto os professores como os estudantes irão aí encontrar recursos valiosos, incluindo um manual com* plementar, exemplos de perguntas para reflexão, questionários on Une» Ligações à Internet adicionais a recursos da Internet, e muito mais. Esta opção adicional confere uma nova dimensão a Sociologia, 4.a Edição, obra que foi concebida para auxiliar tanto quem ensina como quem estuda a disciplina. Todos os dados empíricos do texto foram amplamente revistos e actualizados. Tal como em edições anteriores, tentei produzir um livro que fosse atractivo e fácil de ler, mas que tivesse em atenção os últimos avanços da disciplina. Recorri, obviamente, a estudos e artigos de revistas académicas como fontes de material de pesquisa, ainda que, de forma a manter o texto t io sucinto quanto possível, tenham sido também usa- dos jornais e outros periódicos como fontes actualizadas de informação. Desde a altu- ra da publicação das anteriores edições, a Internet tomou-se um recurso muito mais rico para a investigação. Muitas secções novas foram adicionadas ao livro. Ao inte- grá-las em partes do texto já com provas dadas, tentei perpetuar a reputação da obra como uma introdução actualizada à Sociologia. A primeira edição deste livro, publicada em 1989, foi inovadora em diversos aspectos. Deu-se uma grande ênfase ao impacto da globalização quando a sua dis- cussão estava na época apenas no início, mesmo nas áreas mais técnicas da discipli- na. Desde então, o debate em tomo da globalização intensificou-se muito, enquanto a própria globalização avançou ainda mais, em associação com algumas mudanças na área da tecnologia da informação. A presente edição é inovadora na medida em que é o primeiro texto a incluir, de uma forma exaustiva, discussões correntes em torno da forma como a Internet e outras mudanças na tecnologia da informação estão a alterar as nossas vidas. A preocupação com estas questões é uma constante praticamente em todos os capítulos. Um período de mudanças dramáticas envolve novos riscos - e o risco é também um tema recorrente no texto. A obra segue um padrão geral de apresentação acolhido com sucesso nas anterio- res edições. Para aquele que se inicia na disciplina, a Sociologia é mais bem enten- dida através da análise de questões que o leitor pode facilmente associar à sua vida quotidiana. Daí que, sobretudo nos capítulos iniciais, as teorias e as ideias abstractas introduzidas sejam relacionadas, sempre que possível, com exemplos familiares ao leitor. Todos os capítulos das edições anteriores foram reescritos de uma forma exaus- tiva e . na maior parte dos casos, reorganizados. Tentei manter a perspectiva predomi- nantemente comparativa característica das anteriores edições. S O C I O L O G I A xv i i sempre uma grande variedade de materiais relativos a outras sociedades ou culturas. São tidas em conta investigações levadas a cabo em outros países oci- dentais, bem como na Rússia, China ou Médio Orien- te, sociedades que passam actualmente por grandes processos de mudança. O livro inclui também mais material referente aos países mais pobres do mundo do que o que tem sido habitual nas introduções à dis- ciplina. Além disso, dei grande realce à relação entre a Sociologia e a Antropologia, pois as preocupações de ambas sobrepõem-se em grande medida. Dadas as ligações estreitas que actualmente mesclam as socie- dades do mundo entre si, e o completo desapareci- mento de muitas formas de sistemas sociais tradicio- nais, a Sociologia e a Antropologia distinguem-se cada vez menos. Um quarto tema reside na necessidade de adoptar uma orientação histórica. Tal implica fazer mais do que referir meramente o «contexto histórico» em que os acontecimentos tiveram lugar. Um dos avanços mais importantes em Sociologia nos últimos anos foi a ênfase crescente na análise histórica. Tal não deve ser entendido como uma simples aplicação da pers- pectiva sociológica ao passado, antes como uma forma de contribuir para uma melhor compreensão das instituições do presente. Trabalhos recentes na área da Sociologia Histórica são usados amplamente ao longo do livro, fornecendo um enquadramento para as interpretações sugeridas na maior parte dos capítulos. Em quinto lugar, é dada uma atenção especial ao longo do texto às questões de género. O estudo do género é visto habitualmente como um campo espe- cífico na Sociologia - e a presente edição inclui um capítulo que explora o pensamento teórico e as inves- tigações realizadas sobre o assunto. No entanto, as questões relativas às relações de género têm uma importância tão grande para a análise sociológica que não podem ser simplesmente relegadas para uma sub- divisão da disciplina. Um sexto tema é o da relação entre o social e o pessoal. O pensamento sociológico tem uma impor- tância vital para nos ajudar a entender-nos, o que, por sua vez, pode permitir uma melhor compreensão do mundo social. Estudar Sociologia devia ser uma experiência libertadora: a disciplina aumenta a nossa capacidade para entender e imaginar, abre caminho a novas formas de olhar as origens do nosso comporta- mento e fa2-nos ter consciência da existência de con- textos culturais diferentes dos nossos. Na medida em que as ideias sociológicas põem em causa dogmas, ensinam a apreciar a diversidade cultural e ajudam a perceber o funcionamento das instituições sociais, a prática da Sociologia desenvolve as capacidades da liberdade humana. Organização do livro No início da obra não há grandes discussões abstrac- tas em torno de conceitos sociológicos básicos. Pelo contrário, os conceitos são explicados à medida que vão sendo introduzidos nos capítulos adequados, pois procurei ilustrar exaustivamente ideias, conceitos e teorias com recurso a exemplos concretos. Embora estes derivem normalmente de pesquisas sociológi- cas, recorri com frequência a materiais provenientes de outras fontes (como artigos de jornais) de modo a ilustrar determinados assuntos. Tentei escrever do modo mais simples e directo possível, ao mesmo tempo que procurava produzir uma obra cheia de vida e «repleta de surpresas». Os capítulos seguem uma sequência pensada para ajudar a alcançar um domínio progressivo dos dife- rentes campos da Sociologia, ainda que tenha tido o cuidado de garantir que o livro possa ser usado de um modo flexível e facilmente adaptável às necessidades de cada um. Podem saltar-se os capítulos ou estes serem estudados segundo uma ordem diferente, sem que se perca muito com isso. Cada capítulo foi escri- to como uma unidade relativamente autónoma, embora com referência a pontos relevantes a outros capítulos. No fim dos capítulos há uma série de Ligações à Internet electrónicas, que oferecem alguns pontos de partida para a riqueza da informação sobre os seres humanos e a Sociologia disponível na Internet. Esta ferramenta é um recurso dinâmico que não permane- ce imóvel por muito tempo, pelo que determinados conteúdos ou sítios na Internet, podem crescer, mudar ou desaparecer por completo no intervalo das nossas visitas. O website que acompanha este livro será actualizado regularmente com novos conteúdos e Ligações à Internet, pelo que deve ser visto como uma fonte de informação valiosa. O que é a Sociologia? I S K. * ii- 'X . • U- V- Desenvolvendo uma perspectiva sociológica Estudar Sociologia Como pode a Sociologia ajudar-nos na nossa vida? Consciência de diferenças culturais Avaliação dos efeitos políticos Auto-consciencialização O desenvolvimento do pensamento sociológico Os primeiros teóricos Auguste Comte Émile Durkheim Karl Marx Max Weber Olhares sociológicos mais recentes Funcionalismo Perspectiva do conflito Perspectivas da acção social Conclusão Sumário 2 4 5 5 5 6 6 6 7 8 11 13 15 16 17 17 18 18 O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 4 O café significa o sustento destes trabalhadores de uma cooperativa de comércio justo na América do Sul. por apoiar cafetarias «independentes», em vez das cadeias internacionais de cafetarias como a «Star- bucks». Os consumidores de café podem decidir boi- cotar café proveniente de determinados países onde haja pouco respeito pelos direitos humanos e o ambiente natural. Para os sociólogos, é interessante perceber de que forma a globalização aumenta a consciência das pessoas acerca de questões que se passam em pontos remotos do planeta, incentivando- -as a actuar no dia-a-dia em função desse novo conhecimento. Estudar Sociologia A imaginação sociológica permite*nos ver que mui- tos dos fenómenos, que parecem dizer respeito ape- nas ao indivíduo, na verdade, reflectem questões mais amplas. O divórcio, por exemplo, pode ser um processo muito complicado para quem o atravessa - aquilo a que Mills chama «problema pessoal». Mas, como ele refere, o divórcio é também uma questão pública e na ordem do dia numa sociedade como a britânica nos dias de hoje, onde mais de um terço dos casamentos acaba ao fim de dez anos. O desemprego, para dar outro exemplo, pode ser uma tragédia pes- soal para quem foi despedido de um emprego e não consegue arranjar outro. Contudo, é uma questão que vai além do desespero privado, quando dez milhões de pessoas de uma sociedade estão nessa mesma situação: é uma questão pública que expressa grandes tendências sociais. Tente aplicar esta maneira de ver as coisas à sua própria vida. Não é necessário pensar unicamente em fenómenos inquietantes. Considere, por um momen* to, as razões pelas quais folheia as páginas deste livro - porque é que está a estudar Sociologia. Pode ser um estudante relutante de Sociologia, que tenta fazer o curso apenas por ter de obter uma licenciatura. Ou pode ser um entusiasta que procura saber mais acerca da matéria. Sejam quais forem as suas motivações, é provável que, sem que o saiba necessariamente, tenha muito em comum com outros que estudam Sociolo- O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 5 gia. A sua decisão privada reflecte a sua posição na sociedade. As seguintes características aplicam*se a si? É novo? É branco? De um estrato social de profissio- nais qualificados ou colarinhos-brancos? Teve ou tem algum «part-time» que lhe permita ganhar mais algum dinheiro? Deseja encontrar um bom emprego quando acabar a escola, embora não esteja especial- mente interessado nos estudos? Não tem a certeza do que é a Sociologia, embora pense que tem algo a ver com o comportamento das pessoas em grupos? Mais de três quartos de vocês responderá afirmativamente a estas perguntas. Os estudantes universitários não são uma amostra típica da população no seu todo, pois tendem a ser oriundos de meios sociais mais pri* vilegiados. E as suas atitudes, por norma, reflectem as dos seus amigos e conhecidos. Os meios sociais de onde provimos têm muito a ver com o tipo de deci- soes que consideramos adequadas. Mas suponha que respondeu negativamente a uma ou mais destas questões. Poderá ser oriundo de um grupo minoritário ou pobre. Poderá andar pela meia- -idade ou ser ainda mais velho. É provável que tenha tido que lutar para chegar onde chegou; pode ter sido obrigado a ultrapassar reacções hostis por parte de amigos e de outros quando anunciou que pretendia ir para a faculdade; ou pode ser ao mesmo tempo aluno do ensino superior e pai ou mãe. Embora todos sejamos influenciados pelo contex- to social em que nos inserimos, nenhum de nós tem o seu comportamento determinado unicamente por esses contextos. Nós possuímos, e criamos, a nossa própria individualidade. É tarefa da Sociologia inves- tigar as relações entre o que a sociedade faz de nós e o que nós fazemos de nós próprios. O que nós faze- mos tanto estrutura - dá forma a - o mundo social que nos rodeia como, simultaneamente, é estruturado por esse mesmo mundo social. O conceito de es t ru tura social é um conceito importante para a Sociologia. Refere-se ao facto de os contextos sociais das nossas vidas não consistirem apenas em acontecimentos e acções ordenados alea- toriamente; eles estão estruturados, ou padronizados, de diferentes maneiras. Há regularidades no modo como nos comportamos ou nas relações que temos com outras pessoas. Mas a estrutura social não é como uma estrutura física, como um edifício, que existe de forma independente das acções humanas. As sociedades humanas nunca deixam de estar em processo de es t ru turação. Elas são reconstruídas a todo o momento pelos vários «blocos» que as com- põem - seres humanos como nós. Como exemplo, pense novamente no caso do café. Uma chávena de café não aparece automaticamente nas nossas mãos. Tem de decidir, por exemplo, ir a um determinado café, optar entre uma bica ou um garoto, e por aí adiante. À medida que vai tomando essas decisões, juntamente com outros milhões de pessoas, está a configurar o mercado do café e a afec- tar a vida dos produtores de café que vivem possivel- mente do outro lado do mundo, a milhares de quiló- metros de distância. Como pode a Sociologia ajudar-nos na nossa vida? A Sociologia tem muitas implicações práticas para as nossas vidas, tal como Mills sublinhou quando de- senvolveu o seu conceito de imaginação sociológica. Consciência de diferenças culturais Em primeiro lugar, a Sociologia permite que olhemos para o mundo social a partir de muitos pontos de vista. Muito frequentemente, se compreendermos correctamente o modo como os outros vivem, adqui- rimos igualmente uma melhor compreensão dos seus problemas. As medidas políticas que não se baseiam numa consciência informada dos modos de vida das pessoas que afectam têm poucas hipóteses de suces- so. Deste modo, um assistente social branco que tra- balhe numa comunidade predominantemente negra não irá ganhar a confiança dos seus membros, a não ser que desenvolva uma sensibilidade face às dife- renças de experiência social que frequentemente separam brancos e negros. Avaliação dos efeitos das políticas Em segundo lugar, a pesquisa sociológica fornece uma ajuda prática na avaliação dos resultados de ini- ciativas políticas. Um programa de reformas práticas pode simplesmente falhar a consecução dos objecti- vos que os seus autores pretendiam, ou produzir con- sequências não intencionais de cariz prejudicial. A título de exemplo, refira-se que nos anos que se O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 6 seguiram à Segunda Guerra Mundial construíram-se grandes blocos habitacionais de iniciativa pública no centro das cidades de muitos países. A intenção era providenciar um bom nível de habitação, com zonas comerciais e outros serviços públicos à mão, para os moradores dos bairros degradados e com baixos ren- dimentos. Contudo, a investigação mostrou que mui- tos dos que se mudaram para esses blocos habitacio- nais se sentiam isolados e infelizes. Em muitos casos os grandes blocos habitacionais e as áreas comerciais em zonas pobres depressa se degradaram, tendo-se transformado em viveiros para a ladroagem e outros crimes violentos. A u t o - consc ien cia lizaça o Em terceiro lugar, e em alguns aspectos o mais importante, a Sociologia pode permitir-nos uma auto-consciencializaçâo - uma auto-compreensão cada vez maior. Quanto mais sabemos acerca das razões pelas quais agimos como agimos e como fun- ciona, de uma forma global, a nossa sociedade, tanto mais provável é que sejamos capazes de influenciar o nosso futuro. Não devemos conceber a Sociologia como algo que apenas ajuda os decisores políticos - ou seja, os poderosos - a tomar as melhores medidas. Não se pode presumir que aqueles que estão no poder, ao tomarem decisões, tenham sempre em con- sideração os interesses dos grupos menos poderosos ou desfavorecidos. Os grupos com autoconsciência podem, com frequência, beneficiar da investigação sociológica, para assim poder responder de uma forma eficaz às medidas políticas governamentais ou para promover as suas próprias iniciativas políticas. Grupos de auto-ajuda, como os Alcoólicos Anóni- mos, e movimentos sociais, como os ecologistas, são exemplos de grupos sociais que lograram introduzir reformas práticas com um sucesso considerável. O desenvolvimento do pensamento sociológico Quando começam a estudar Sociologia, muitos alu- nos ficam perplexos com a diversidade de aborda- gens existentes. A Sociologia nunca foi uma daquelas disciplinas com um corpo de ideias unanimemente aceites como válidas. Os sociólogos discutem entre si frequentemente acerca da melhor maneira de estudar o comportamento humano e da forma como os resul- tados das pesquisas devem ser interpretados. Porque é que isto se passa assim? A resposta está relaciona- da com a própria natureza do campo de estudos. A Sociologia debruça-se sobre as nossas vidas e o nosso próprio comportamento, e estudar-nos a nós próprios é a mais difícil e complexa tarefa que pode- mos empreender. Os primeiros teóricos Nós, os seres humanos, sempre sentimos curiosidade pelas razões do nosso próprio comportamento, mas durante milhares de anos as tentativas de nos enten- dermos dependeram de formas de pensar transmiti- das de geração em geração. Estas ideias eram expres- sas frequentemente em termos religiosos, ou em mitos bem conhecidos, superstições ou crenças tradi- cionais. O estudo objectivo e sistemático da socieda- de e do comportamento humano é uma coisa relati- vamente recente, cujos inícios remontam aos finais do século XVIII. Um desenvolvimento-chave foi o uso da ciência para se compreender o mundo - a emergência de uma abordagem científica teve como consequência uma mudança radical nas formas de ver e entender as coisas. As explicações tradicionais baseadas na religião foram suplantadas, em sucessi* vas esferas, por tentativas de conhecimento racional e crítico. Tal como a Física, a Química, a Biologia e outras disciplinas, a Sociologia surgiu como parte deste importante processo intelectual. As origens da disci- plina inserem-se no contexto de uma série de mudan- ças radicais introduzidas pelas «duas grandes revolu- ções» da Europa dos séculos XVIII e XIX. Estes acontecimentos profundos transformaram irreversi- velmente o modo de vida que os seres humanos leva- vam há milhares de anos. A Revolução Francesa de 1789 representou o triunfo das ideias e valores secu- lares, como a liberdade e a igualdade, sobre a ordem social tradicional. Foi o início de um movimento dinâmico e intenso que a partir de então se espalhou pelo globo, tornando-se algo inerente ao mundo moderno. A segunda grande revolução teve início na Grã-Bretanha em finais do século XVIII, antes de se verificar noutros locais da Europa, na América do Norte e noutros continentes. Ficou conhecida como O QUE E A S O C I O L O G I A ? 9 empírica; a emergência do indivíduo e a formação de uma ordem social; e as origens e carácter da autori- dade moral na sociedade. Encontraremos as ideias de Durkheim repetidas vezes nas nossas discussões teó* ricas acerca da religião, do desvio e do crime, do tra- balho e da vida económica. Para o autor, a principal preocupação intelectual da Sociologia reside no estudo dos factos sociais. Em vez de aplicar métodos sociológicos ao estudo de indivíduos, os sociólogos deviam antes analisar fac* tos sociais - aspectos da vida social que determinam a nossa acção enquanto indivíduos, tais como o esta- do da economia ou a influência da religião. Dur- kheim acreditava que as sociedades tinham uma rea- lidade própria - ou seja, a sociedade não se resume às simples acções e interesses dos seus membros indivi- duais. De acordo com o autor, factos sociais são for- mas de agir, pensar ou sentir que são externas aos indivíduos, tendo uma realidade própria exterior à vida e percepções das pessoas individualmente. Outra característica dos factos sociais é exercerem um poder coercivo sobre os indivíduos. No entanto, a natureza constrangedora dos factos sociais raramente é reconhecida pelas pessoas como algo coercivo, pois de uma forma geral actuam de livre vontade de acor- do com os factos sociais, acreditando que estão a agir segundo aç suas opções. Na verdade, afirma Dur- kheim, frequentemente as pessoas seguem simples* mente padrões que são comuns na sociedade onde se inserem. Os factos sociais podem condicionar a acção humana de variadas formas, que vão do casti- go puro e simples (no caso de um crime, por exem- plo) a um simples mal-entendido (no caso do uso incorrecto da linguagem). Durkheim reconhecia que os factos sociais são difíceis de estudar. Os factos sociais não podem ser observados de forma directa, dado serem invisíveis e intangíveis. Pelo contrário, as suas propriedades só podem ser reveladas indirectamente, através da aná- lise dos seus efeitos ou tendo em consideração tenta- tivas feitas para as expressar, como leis, textos reli- giosos ou regras de conduta estabelecidas. Durkheim sublinhava a importância de pôr de lado os precon- ceitos e a ideologia ao estudar factos sociais. Uma atitude científica exige uma mente aberta à evidência dos sentidos e liberta de ideias preconcebidas prove- nientes do exterior. O autor defendia que os conceitos científicos apenas podiam ser gerados pela prática científica. Desafiou os sociólogos a estudar as coisas tal como elas são e a construir novos conceitos que reflectissem a verdadeira natureza das coisas sociais. Tal como os outros fundadores da Sociologia, Durkheim estava preocupado com as mudanças que transformavam a sociedade do seu tempo. Estava particularmente interessado na solidariedade social e moral - por outras palavras, naquilo que mantém a sociedade unida e impede a sua queda no caos. A soli- dariedade é mantida quando os indivíduos se inte- gram com sucesso em grupos sociais e se regem por um conjunto de valores e costumes partilhados. Na sua primeira grande obra, A Divisão Social do Traba- lho (1893), Durkheim expôs uma análise da mudan- ça social, defendendo que o advento da era industrial representava a emergência de um novo tipo de soli* dariedade. Ao desenvolver este argumento, o autor contrastou dois tipos de solidariedade - mecânica e orgânica relacionando-os com a divisão do traba- lho e o aumento de distinções entre ocupações dife- rentes. Segundo Durkheim, as culturas tradicionais com um nível reduzido de divisão do trabalho caracteri- zam-se pela solidariedade mecânica. Em virtude da maior parte dos membros da sociedade estar envolvi- da em ocupações similares, eles estão unidos em tomo de uma experiência comum e de crenças parti- lhadas. A força destas últimas é de natureza repressi- va - a comunidade castiga prontamente quem quer que ponha em causa os modos de vida convencionais. Desta forma resta pouco espaço para dissidências individuais. A solidariedade mecânica baseia-se, por conseguinte, no consenso e na similaridade das cren- ças. No entanto, as forças da industrialização e da urbanização conduziram a uma maior divisão do tra* balho, o que contribuiu para o colapso desta forma de solidariedade. A especialização de tarefas e a cada vez maior diferenciação social nas sociedades desen- volvidas haveria de conduzir a uma nova ordem caracterizada pela solidariedade orgânica, defendia Durkheim. Este tipo de sociedades estão unidas pelos laços da interdependência económica entre as pes* soas e pelo reconhecimento da importância da contri- buição dos outros. À medida que a divisão do traba- lho aumenta, as pessoas tornam-se cada vez mais dependentes umas das outras, dado que cada uma necessita dos bens e serviços que só outras pessoas com ocupações diferentes podem fornecer. Relações •10 O O U E É A S O C I O L O G I A ? O estudo de Durkheim sobre o suicídio Um dos estudos clássicos da Sociologia que expio* ra a relação entre o individuo e a sociedade é a análise de Durkheim sobre o suicídio (Durkheim, 1952; originalmente publicado em 1897). Embora o s se res humanos se vejam a si próprios como Indiví- duos livres na sua vontade e opções, o s s e u s com- portamentos s á o muitas vezes padronizados e determinados pelo mundo social. O estudo de Dur- kheim demonstrou que mesmo um acto tão pessoal como o suicídio é influenciado pelo mundo social. Tinha havido anteriormente pesquisas sobre o suicídio, mas Durkheim foi o primeiro autor a insistir numa explicação sociológica para o fenómeno As obras anteriores tinham reconhecido a influência de factores sociais no suicídio, embora destacando factores como a raça, o clima ou perturbações merv tais, para explicar a probabilidade de alguém come* ter suicídio. Contudo, segundo Durkheim, o suicídio era um facto social que apenas podia ser explicado por outros factos sociais. O suicídio era algo mais do que um simples conjunto de actos individuais - era um fenómeno com características padroniza- das. Ao examinar registos oficiais sobre o suicídio em França, Durkheim descobriu que determinadas categorias de p e s s o a s eram mais propensas a cometer suicídio do que outras. Descobriu, por exemplo, que se verificavam mais suicídios entre o s homens do que entre a s mulheres, mais entre o s protestantes do que entre os católicos, mais entre o s ricos do que entre o s pobres, e mais entre o s solteiros do que entre o s casados. Durkheim percebeu também que a s taxas de suicídio tendiam a ser menores durante épocas de guerra e mais elevadas em alturas de mudança económica ou de instabilidade. Estes a d i a d o s levaram Durkheim a concluir que existem forças sociais externas ao indivíduo que influenciam as taxas de suicídio. O autor relacionou a sua explicação com a ideia de solidariedade social e com dois tipos de laços na sociedade - a integração social e a regulação social. Durkheim acreditava que a s pessoas que estavam solidamen- te integradas em grupos sociais, e cujos desejos e aspirações se regiam pelas normas sociais, tinham uma menor probabilidade de s e suicidar. Identificou quatro tipos de suicídio, em função da presença ou ausência da integração e da regulação Os suicídios egoístas caracterizam-se por uma fraca integração na sociedade e ocorrem quando o indivíduo es tá sozinhor ou quando os laços que o prendem a um grupo estão enfraquecidos ou que- brados. As baixas taxas de suicídio entre o s católi- cos, por exemplo, podem explicar-se pela sua forte de reciprocidade económica e de mútua dependência gião, são destruídos em larga medida pelo desenvoU vêm substituir as crenças partilhadas na função de vimento social moderno, o que deixa em muitos indi- criar um consenso social. víduos das sociedades modernas um sentimento de No entanto, os processos de mudança no mundo ausência de sentido na sua vida quotidiana, moderno são de tal maneira rápidos e intensos que Um dos estudos mais famosos de Durkheim (ver dão origem a problemas sociais importantes. Podem caixa de texto) dizia respeito à análise do suicídio, ter efeitos dissolventes sobre os estilos de vida tradi- O suicídio parece ser uma acção puramente pessoa], cionais, a moral, as crenças religiosas e os padrões do o resultado de uma infelicidade pessoal extrema, quotidiano, sem no entanto fornecerem novos valores O autor mostrou, contudo, que factores sociais exer- de forma evidente. Durkheim relacionou este contex- cem uma influência fundamental no comportamento to conturbado com a anomia , um sentimento de suicidário - sendo a anomia uma dessas influências, ausência de objectivos ou de desespero provocado As taxas de suicídio mostram padrões regulares de pela vida social moderna. Os padrões e meios de con- ano para ano, e esses padrões devem ser explicados trolo tradicionais, fornecidos anteriormente pela reli- sociologicamente. O Q U E E A S O C I O L O G I A ? 11 noção de comunidade social, enquanto que a líber* dade moral e pessoal dos protestantes significa que «estão sozinhos» perante Deus. O casamento iun- ciona como uma protecção em relação ao suicídio, ao integrar o indivíduo num relacionamento social estável, ao contrário das pessoas solteiras, que per- manecem mais isoladas no seio da sociedade. A menor taxa de suicídios em tempo de guerra, segundo Durkheim, pode ser vista como um sinal de uma maior integração social. O suicídio anómico é causado por uma ausência de regulação social. Para Durkheim, tal reportava* -se à s condições sociais de anomia, quando a s p e s s o a s se vêem «sem normas» em contextos de mudança súbita ou de Instabilidade na sociedade. A perda de um ponto de referência fixo no que diz respeito à s normas e desejos - como sucede em tempos de convulsões económicas ou de conflitos pessoais como o divórcio - pode perturbar o equilí- brio entre a realidade da vida das pessoas e o s s e u s desejos. O suicídio altruísta tem lugar quando um indiví- duo se encontra «excessivamente integrado» - os vínculos sociais são demasiado fortes - e valoriza mais a sociedade do que a si próprio. Neste caso, o suicídio trànsforrna-se numa espécie de sacrifício por um «bem maior». Os pilotos kamikase japone- s e s ou o s «bombistas suicidas» islâmicos são exem- plos de suicidas altruístas. Para Durkheim, este tipo de suicídio é característico das sociedades tradicio- nais, onde prevalece a solidariedade mecânica. O último tipo de suicídio é o suicídio fatalista. Embora para Durkheim este tipo de suicídio fosse pouco relevante na sociedade contemporânea, o autor acreditava que este s e verificava quando um indivíduo e m excessivamente regulado peta socie- dade. A opressão do indivíduo traduz-se num senti- mento de impotência perante o destino ou a socie- dade. Embora variem de sociedade para sociedade, a s taxas de suicídio apresentam padrões reguladores em cada sociedade ao longo dos anos. Para Dur- kheim, tal provava que existem forças sociais con- sistentes que influenciam o comportamento suícidá» rio. Uma análise das taxas de suicídio revela até que ponto podem ser identificados padrões sociais gerais em acções individuais. Desde a publicação de O Suicídio* foram levan- tadas muitas objecções a es te estudo de Dur- kheim, especialmente acerca da sua utilização nas estatísticas oficiais, da sua rejeição de influências de carácter não-social sobre o suicídio, e da sua insistência em classificar em conjunto todos o s tipos de suicídio. De qualquer maneira, esta obra continua a ser um estudo clássico e a sua asserção fundamental permanece válida: mesmo um acto tão pessoal como o suicídio exige uma explicação sociológica. K a r l M a r x As ideias de Karl Marx (1881-83) contrastam radi- calmente com as de Comte e Durkheim, embora, tal como eles, também Marx tenha tentado explicar as mudanças que ocorriam na época da Revolução Industrial. As actividades políticas de Marx, quando jovem, tiveram como consequência um conflito com as autoridades alemãs; após uma breve estadia em França, fixou-se, para sempre, no exílio na Grã-Bre- tanha. Marx assistiu ao aumento do número de fábri- cas e da produção industrial, bem como às desigual- dade daí resultantes. O seu interesse pelo movimento operário europeu e pelas ideias socialistas reflectiu- -se na sua obra, que abrange uma grande diversidade de assuntos. A maior parte dos seus escritos centra-se em questões económicas, mas, como sempre teve como preocupação relacionar os problemas económi- cos com as instituições sociais, a sua obra era, e é, rica em reflexões sociológicas. Mesmo os seus críti- cos mais implacáveis consideram a sua obra de importância para o desenvolvimento da Sociologia. Capitalismo e luta de classes Embora escrevesse acerca de várias fases da história, Marx concentrou-se na mudança nos tempos moder- nos. Para ele, as mudanças mais importantes estavam 14 O Q U E É A S O C I O L O G I A ? Uma fundadora esquecida Embora Comte, Durkheim, Marx e Weber sejam, sem dúvida alguma, as figuras fundadoras da Sociologia, existem outros pensadores importantes do mesmo período histórico cuja contribuição deve também ser tomada em conta. A Sociologia, como muitas outras áreas académicas, nem sempre teve a postura ideal de reconhecer a importância de cada um dos autores cu|a obra tenha um mérito intrínseco. No período «clássico» do fim do século XIX e princípios do século XX, muito poucas mulheres ou membros de minorias étnicas tiveram a possibilidade d e s e tornarem sociólogos profis- sionais á tempo inteiro. Além disso, os poucos que tiveram a possibilidade de conduzir pesquisas sociológicas d e importância maior foram muitas vezes esquecidos pelo meia Gente como Harriet Martâneau merece a atenção dos sociólogos con- temporâneos. Harriet Martineau (1802-1876) próprias da sociedade Ocidental, em comparação com as outras grandes civilizações. Estudou as reli- giões da China, índia e Próximo Oriente, e no decor- rer dessas pesquisas fez grandes contribuições para a Sociologia da religião. Comparando os principais sis- temas religiosos da China e índia com os do Ociden- te, Weber concluiu que alguns aspectos das crenças cristãs influenciaram grandemente o aparecimento do capitalismo. Este não emergira, como Marx acredita- va, apenas graças às mudanças económicas. Segundo Weber, os valores e as ideias culturais contribuem para moldar a sociedade e as nossas acções indivi- duais. Um elemento importante da perspectiva sociológi- ca de Weber era a ideia de tipo ideal - modelos con- ceptuais ou analíticos que podem ser usados para compreender o mundo. Na vida real, é raro existirem, se é que existem, tipos ideais - muitas vezes existem apenas algumas das suas características. Estas cons- truções hipotéticas podem, no entanto, revelar-se muito úteis, na medida em que se pode compreender qualquer situação do mundo real através da sua com- paração com um tipo ideal. Desta forma, os tipos ideais servem como pontos de referência fixos. É importante sublinhar que por tipo «ideal» Weber não entendia que essa concepção fosse algo de per- feito ou desejável, sendo antes uma forma «pura» de determinado fenómeno. Weber utilizou os tipos ideais nas suas obras sobre a burocracia e o mercado. Racionalização Segundo Weber, a emergência da sociedade moderna foi acompanhada por importantes mudanças ao nível dos padrões de acção social. O autor acreditava que as pessoas estavam a afastar-se das crenças tradicio- nais baseadas na superstição, na religião, no costume e em hábitos enraizados. Em vez disso, os indivíduos envolviam-se cada vez mais em cálculos racionais e instrumentais que tinham em consideração a eficiên- cia e as consequências futuras. Na sociedade indus- trial, havia pouco espaço para os sentimentos e para fazer certas coisas só porque sempre tinham sido fei- tas assim desde há muitas gerações. O desenvolvi- O O U E E A S O C I O L O G I A ? 15 Harriet Martineau Harriet Martineau (1802-1876) foi já chamada a «primeira mulher socióloga», mas, tal como Marx ou Weber, não pode ser vista apenas como uma socióloga. Ela nasceu e cresceu em Inglaterra, tendo escrito mais de cinquenta livros, bem como numerosos ensaios. Martineau é hoje considerada como tendo introduzido a Sociologia na Grã-Breta- nha, por via da sua tradução da Filosofia Positiva de Comte, tratado fundador da disciplina (Rossi, 1973). Além disso, Martineau conduziu um estudo siste- mático em primeira mão sobre a sociedade ameri- cana no decurso das suas extensas viagens pelo interior dos Estados Unidos da América, na década de 30 do século XIX, das quais resultou o seu livro A Sociedade na América. A autora tem importância para os sociólogos de hoje em dia por diversas razões. Em primeiro lugar, defendia que quando alguém estuda uma sociedade deve centrar-se em todos o s s e u s aspectos, incluindo a s principais ins- tituições politicas, religiosas ou sociais. Em segun- do lugar, insistia em que a análise de uma socieda- de deve incluir a vida das mulheres. Em terceiro, foi a primeira a olhar de uma forma sociológica para assuntos anteriormente ignorados, como o casa- mento, a s crianças, a vida pessoal e religiosa, e a s relações raciais. Como escreveu a autora, «o quar- to das crianças, o s aposentos femininos, e a cozi- nha são escolas excelentes, onde podemos ficar a conhecer a moral e o s modos de uma povo» (Mar* tineau, 1962, p. 53). Por último, a autora defendia que o s sociólogos não devem limitar-se apenas a observar, mas devem igualmente agir em prol de uma sociedade. Consequentemente, Martineau foi uma figura activa tanto na defesa dos direitos das mulheres como na luta pela emancipação dos escravos. mento da ciência, da tecnologia moderna e da buro- cracia foi colectivamente descrito por Weber como racionalização - a organização da vida económica e social segundo princípios de eficiência e tendo por base o conhecimento técnico. Se nas sociedades tra- dicionais a religião e os hábitos enraizados definiam os valores e as atitudes das pessoas, a sociedade moderna caracterizava-se pela racionalização de cada vez mais campos, da política à religião, passando pela actividade económica. De acordo com o autor, a Revolução Industrial e a emergência do capitalismo eram provas de uma ten- dência maior no sentido da racionalização. O capita- lismo não era dominado pelo conflito de classes, como Marx defendia, mas pelo avanço da ciência e da burocracia - organizações de grande dimensão. Para Weber, o carácter científico era um dos traços mais característicos do Ocidente. A burocracia, o único modo de organizar eficientemente um grande número de pessoas, expandiu-se com o crescimento económico e político. O autor utilizou o termo desen» caruamento para descrever a forma pela qual o pen- samento científico no mundo moderno fez desapare- cer as forças sentimentais do passado. Weber não era, no entanto, totalmente optimista em relação às consequências da racionalização. Temia uma sociedade moderna que fosse um sistema que, ao tentar regular todas as esferas da vida social, destruísse o espírito humano. Receava, em particular, os efeitos potencialmente sufocantes e desumanizan- tes da burocracia e as suas implicações no destino da democracia. A agenda do Iluminismo do século XVIII, da promoção do progresso, da riqueza e da felicidade através da rejeição da tradição e da supers- tição em favor da ciência e da tecnologia, produz os seus próprios perigos. Olhares sociológicos mais recentes Os primeiros sociólogos partilhavam o desejo de con- ferir sentido à sociedade em mudança em que viviam. Todavia, queriam fazer algo mais do que limitar-se a descrever e interpretar os acontecimentos momentâ- neos do seu tempo. Mais importante do que isso, pro- 16 O Q U E É A S O C I O L O G I A ? curavam desenvolver formas de estudar o mundo social que pudessem explicar o funcionamento das sociedades em geral e a natureza da mudança social. No entanto, como já pudemos observar, Durkheim, Marx e Weber utilizaram abordagens muito diferen- tes entre si nos estudos do mundo social. Por exem- plo, enquanto Durkheim e Marx se centraram no poder de forças externas aos indivíduos, Weber adop* tou como ponto de partida a capacidade que os indi- víduos têm de agir de forma criativa sobre o mundo exterior. Enquanto Marx apontava a predominância das questões económicas, Weber tomou em conside* ração um leque muito mais vasto de factores que con- siderou significantes. Tais diferenças de abordagem têm continuado a veríficar-se ao longo da história da Sociologia. Mesmo quando os sociólogos estão de acordo em relação ao objecto da análise, esta é con- duzida muitas vezes a partir de perspectivas teóricas diferentes. Três de entre as mais importantes correntes teóricas recentes: o funcionalismo, a perspectiva do conflito, e o interaccionismo simbólico, estão directamente rela- cionadas com Durkheim, Marx e Weber, respectiva- mente (ver figura 1.1). Ao longo da presente (Ara irão encontrar-se discussões e ideias que derivam destas abordagens teóricas e lhes servem de ilustração. Auguste Comíe (1798-1857) Kart Marx {1816-1803) t Êmfte Duricheim (1858*1917) Max Weber (1884-1920) George Herbert Mead (1863-1931) t T Funcionalismo Marxismo Interaccionismo dmbóBco As linhas contínuas indicam uma influência directa» as s linhas a tracejado uma relação indirecta. Mead não é discí- « pulo de Weber, ainda que as posições deste último autor - ? sublinhando a natureza intencional e significativa da acção ti humana - tenham afinidades com os temas estudados peto f Interaccionismo Simbólico. í Figura 1.1 Abordagens teóricas da Sociologia F u n c i o n a l i s m o O funcionalismo defende que a sociedade é um sis- tema complexo cujas partes se conjugam para garan- tir estabilidade e solidariedade. Segundo esta pers- pectiva, a Sociologia, enquanto disciplina, deve investigar o relacionamento das partes da sociedade entre si e para com a sociedade enquanto um todo. Podemos analisar as crenças religiosas e costumes de uma sociedade, por exemplo, ilustrando a forma como se relacionam com outras instituições, pois as diferentes partes de uma sociedade estão intimamen- te relacionadas entre si. Estudar a função de uma instituição ou prática social é analisar a contribuição dessa instituição ou prática para a continuidade da sociedade. Os funcio- nalistas, incluindo Comte ou Duricheim, usaram mui- tas vezes uma analogia orgânica para comparar a actividade da sociedade com a de um organismo vivo. Defendem que, à imagem dos vários compo- nentes do corpo humano, as partes da sociedade con- jogam-se em benefício da sociedade enquanto um todo. Para estudar um órgão humano como o coração é necessário demonstrar a forma como se relaciona com outras partes do corpo. Ao bombear sangue pelo corpo inteiro, o coração desempenha um papel vital na perpetuação da vida no organismo. Da mesma forma, analisar a função de um item social significa demonstrar o papel que desempenha na perpetuação da existência e prosperidade de uma sociedade. O funcionalismo enfatiza a importância do con- senso moral na manutenção da ordem e da estabili- dade na sociedade. O consenso moral verifica-se quando a maior parte das pessoas de uma sociedade partilham os mesmos valores. Os funcionalistas con- cebem a ordem e o equilíbrio como o estado normal da sociedade * este equilíbrio social assenta na exis* tência de um consenso moral entre os membros da sociedade. Por exemplo, Durkheim acreditava que a religião reitera a adesão das pessoas a valores sociais nucleares, pelo que contribui para a solidez da coesão social. Durante um longo período, o pensamento funcio- nalista foi provavelmente a principal corrente teórica da Sociologia, em particular nos Estados Unidos da América. Tanto Talcott Parsons como Robert Merton, considerados dois dos seus aderentes mais proemi- nentes, inspiraram-se muito na obra de Durkheim. O QUE E A S O C I O L O G I A ? 19 tempo, a Sociologia fornece os meios para melhorarmos a nossa sensibilidade cultural, criando condições para que as políticas se baseiem numa consciência de valores culturais diferentes. Em termos práticos, podemos investigar as conse- quências da adopção de determinadas linhas de orientação política. Por último, e talvez o mais importante, a Sociologia permite auto-conhecimento, oferecendo aos grupos e aos indivíduos mais oportunidades para alterar as condições em que decorrem as suas próprias vidas. 4 A Sociologia surgiu como uma tentativa para compreender as mudanças radicais que ocorreram nas sociedades humanas durante os últimos dois ou três séculos. As mudanças em causa não foram apenas mudanças em grande escala, mas tam- bém transformações nas características mais pessoais e íntimas da vida das pes- soas. 5 Entre os fundadores clássicos da Sociologia, quatro figuras são particularmente importantes: Auguste Comte, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Comte e Marx, que trabalharam em meados do século XIX, estabeleceram algumas das questões essenciais da Sociologia, mais tarde desenvolvidas por Durkheim e Weber. Estas questões dizem respeito à natureza da Sociologia e ao impacto das mudanças resultantes da modernização no mundo social. 6 Há diversas abordagens teóricas em Sociologia. Se as discussões teóricas são difí- ceis de solucionar mesmo no caso das ciências naturais, em Sociologia estamos perante dificuldades acrescidas, dados os problemas complexos que envolvidos quando se trata de estudar o nosso próprio comportamento. 7 O funcionalismo, a perspectiva do conflito e o interaccionismo simbólico consti- tuem as principais abordagens teóricas na Sociologia. Existem algumas diferen- ças básicas entre elas, diferenças que muito influenciaram o desenvolvimento da disciplina durante o período que se seguiu ao pós-guerra. Cultura e Sociedade O conceito de cultura Valores e normas Diversidade cultural Etnocentrismo Socialização Papéis sociais Identidade Tipos de sociedade O mundo em extinção: as sociedades pré*modernas e o seu destino O mundo moderno: as sociedades industriais Desenvolvimento global Mudança social Influências na mudança social Mudança no período moderno Conclusão Sumário Questões para reflexão Leituras adicionais Endereços electrónicos 22 22 24 25 26 29 29 30 31 35 36 42 42 44 45 45 47 47 47 R /R £ Vr > I I C U L T U R A E S O C I E D A D E 24 mente uma prática comum. No entanto, à medida que a industrialização se expande na Gronelândia, alguns patrões têm tentado incutir o sorriso como um valor cultural. Acreditam que sorrir e ser gentil para com os clientes é essencial às práticas comerciais numa lógi- ca de mercado. Os clientes que são atendidos com um sorriso e com palavras gentis acabam, com mais pro- babilidade, por se tornar clientes habituais. Hoje em dia, em muitos supermercados da Gronelândia, são mostrados aos empregados vídeos educativos sobre técnicas de atendimento cortês, tendo-se chegado ao ponto de empregados de algumas cooperativas terem sido mandados frequentar acções de formação no estrangeiro! A inauguração de restaurantes de fast- -food, como a cadeia McDonalds, introduziu pela pri- meira vez uma abordagem de estilo ocidental nos ser- viços. Os empregados do McDonalds foram instruí- dos no sentido de se apresentarem, de cumprimenta- rem os clientes e de sorrirem frequentemente. Os empregados começaram por sentir alguma descon- fiança perante estas exigências, entendendo este esti- lo de atendimento como falso e artificial. No entanto, com o tempo a ideia de sorrir em público - pelo menos no local de trabalho - tomou-se mais aceite. D i v e r s i d a d e c u l t u r a l Não são só as crenças culturais que variam de cultura para cultura. Também a diversidade do comportamen- Um choque cultural entre Ocidente e Oriente: cachorros que são tratados como animais domésticos na Europa poderiam ser vendidos como uma iguaria para uma famí» Ha na China. to e práticas humanas é extraordinária. As formas acei- tes de comportamento variam grandemente de cultura para cultura, contrastando frequentemente de um modo radical com o que as pessoas das sociedades ocidentais consideram «normal». Por exemplo, no Ocidente moderno as crianças de doze ou treze anos são consideradas demasiado novas para casar. No entanto, em outras culturas são arranjados casamentos entre crianças dessas idades. No Ocidente, comemos ostras, mas não comemos gatinhos e cachorros, e tanto uns como outros são considerados, em algumas partes do mundo, iguarias gastronómicas. Os Judeus não comem carne de porco, enquanto os Hindus, embora comam porco, evitam a carne de vaca. Os Ocidentais consideram o acto de beijar uma parte natural do com- portamento sexual, mas em muitas outras culturas esse acto ou é desconhecido ou considerado de mau-gosto. Todos estes diferentes tipos de comportamento são aspectos das grandes diferenças culturais que distin- guem as sociedades umas das outras. As sociedades de pequena dimensão, como as sociedades de «caçadores-recolectores», tendem a ser culturalmente uniformes ou monoculturais. Algumas sociedades modernas, como o Japão, permaneceram relativamente monoculturais e caracterizam-se por elevados níveis de homogeneidade cultural. A maio- ria das sociedades industrializadas, pelo contrário, são cada vez mais culturalmente diversificadas, ou multiculturais. Como se verá mais adiante, durante a discussão do fenómeno da migração global no capí- tulo 9 («Raça, Etnicidade e Migração»), processos como a escravidão, o colonialismo, a guerra, a migra- ção ou a globalização contemporânea, levaram a que populações iniciassem processos de migração e se instalassem em novas localizações. Tal conduziu à emergência de sociedades que são culturalmente mis- tas, ou seja, a sua população é constituída por um determinado número de grupos de diferentes origens culturais, étnicas e linguísticas. Nas sociedades modernas, por exemplo, muitas comunidades subcul- turais vivem lado a lado - negros oriundos das índias Ocidentais, paquistaneses, indianos naturais do Ban- gladesh, italianos, gregos e chineses habitam, hoje em dia, algumas zonas centrais de Londres. Quando falamos em subcul turas não nos referi* mos apenas a grupos étnicos ou linguísticos minori- tários de uma sociedade, mas a qualquer segmento da população que se distinga do resto da sociedade em C U L T U R A E S O C I E D A D E 25 virtude dos seus padrões culturais. A variedade de subculturas é enorme, podendo incluir naturistas, góticos, hackers informáticos, hippies, rastas, fãs de Hip-Hop ou apoiantes de um clube de futebol. Algu- mas pessoas podem identificar*se claramente com uma determinada subcultura, enquanto outras podem mover-se de uma forma fluida entre um certo núme- ro de diferentes subculturas. A cultura desempenha um papel importante na per- petuação das normas e valores de uma sociedade, ofe- recendo também oportunidades importantes de criati- vidade e de mudança. As subculturas e as contracul- turas - grupos que rejeitam a maior parte das normas e dos valores vigentes numa sociedade - podem pro- mover pontos de vista alternativos à cultura dominan- te. Os movimentos sociais e os grupos de pessoas que partilham os mesmos estilos de vida constituem for- ças poderosas de mudança no interior das sociedades. Desta forma, as subculturas oferecem às pessoas a possibilidade de se expressarem e agirem de acordo com as suas opiniões, aspirações e valores. Etnocentrismo Todas as culturas têm um padrão de comportamento próprio, que parece estranho a pessoas de outros con- textos cultivais. Se já viajou ao estrangeiro, é-lhe pro- vavelmente familiar a sensação resultante de se encontrar inserido numa cultura nova. Certos aspectos da vida quotidiana que, em determinada cultura, são inconscientemente tomados como assentes podem, em outras partes do mundo, não fazer parte do dia-a* -dia. Mesmo países que partilham a mesma língua podem ter hábitos, costumes e modos de comporta- mento bem diferentes. A expressão choque cultural é adequada! É frequente as pessoas sentirem-se deso- rientadas, quando se inserem numa cultura nova, pois perdem os pontos de referência que lhes são familia- res e que ajudam a entender o mundo que as rodeia, e ainda não aprenderam a orientar-se na nova cultura. As culturas podem ser extremamente difíceis de entender quando vistas de fora. Não é possível com- preender crenças e práticas se as separamos das cul- turas de que fazem parte. Uma cultura tem de ser estudada segundo os seus próprios significados e valores - um pressuposto essencial da Sociologia. Esta ideia é também conhecida como relativismo cultural . Os sociólogos esforçam-se o mais possível por evitar o etnocentrismo, que consiste em julgar as outras culturas tomando como medida de compara- ção a nossa. Dada a ampla variação das culturas humanas, não é surpreendente que as pessoas prove- nientes de uma cultura achem frequentemente difícil aceitar as ideias ou o modo de comportamento das pessoas de uma diferente. Aplicar o relativismo cultural - isto é, analisar uma situação segundo os padrões de outra cultura, suspendendo os nossos valores culturais bem enrai- zados - pode ser algo repleto de incerteza e desafios. Não apenas porque se pode revelar difícil ver as coi- sas de um ponto de vista completamente diferente, mas também porque às vezes se levantam questões inquietantes. O relativismo implica que julguemos todos os costumes e comportamentos como sendo igualmente legítimos? Existirão padrões universais que todos os seres humanos deveriam seguir? Atente no exemplo seguinte. Nos anos que se seguiram à retirada militar da União Soviética do Afeganistão, a região foi assolada por conflitos e pela guerra civil. Grande parte do país passou a ser controlada pelos Taliban, um grupo que tinha como objectivo construir uma sociedade pura de acordo com os princípios islâmicos*. Durante o governo Taliban, as mulheres afegãs foram sujeitas a regras muito estritas em todos os aspectos das suas vidas, incluindo o modo de vestir, os seus movimen- tos em público e os seus assuntos privados. Quando saíam de casa, as mulheres deviam estar cobertas dos pés à cabeça e usar uma burka para esconder a cara. As mulheres perderam o direito a trabalhar fora do lar e o direito à educação. A versão taliban da lei islâmi- ca Sharia é por muitos eruditos muçulmanos conside- rada rigorosa. Apesar das críticas da comunidade internacional e de campanhas empenhadas em favor das mulheres afegãs, os Taliban defendiam que a sua política face à mulheres era essencial ao propósito de construir uma sociedade pura onde as mulheres eram respeitadas ao máximo e a sua dignidade venerada. Será esta política taliban em relação às mulheres aceitável no começo do século XXI? Não há solução * Nota do revisor científico: O regime dos Taliban foi derruba- do pela afiança entre os seus opositotres e forças externas, nomea- damente norte-americanas, devido ao facto de apoiarem a Al- -Qaeda, organização responsável pelos atentados nos E U A , em 11 de Setembro de 2001. C U L T U R A E S O C I E D A D E 26 Música Reggae Quando um conhecedor de música Pop-Rock ouve uma canção é muitas vozes capaz de distinguir a s influências estilísticas que lhe estão subjacentes. No fundo, todo e qualquer estilo musical representa uma forma particular de combinar ritmo, melodia» harmonia e palavras. E embora nâo seja preciso ser um génio para perceber as diferenças entre grunge, hard rock, techno e hip-hop» muitas vezes os músi- cos combinam vários estilos musicais quando com- põem uma música. Identificar os componentes des- tas combinações pode revelar-se difícil, mas para os sociólogos da cultura é algo que vale a pena. Os diferentes estilos musicais tendem a emergir de grupos sociais diferentes, pelo que estudar a manei- ra como o s estilos se combinam e fundem é uma boa forma de cartografar os contactos culturais entre os grupos sociais. Alguns sociólogos da cultura centraram a sua atenção na música reggae, pois esta é um exemplo do processo pelo qual contactos entre grupos sociais conduzem à criação de novas formas musi- cais. As raízes do reggae podem ser atribuídas à África Ocidental. No século XVII, um grande núme- ro de africanos daquela região foram escravizados por colonialistas britânicos e levados de barco para trabalhar nas plantações de açúcar das índias Oci- dentais. Embora os ingleses tenham tentado impe- dir os escravos africanos de tocar a sua música tra- dicional, temendo que isso servisse de incitamento à revolta, os escravos conseguiram manter viva a tradição de percussão africana, integrando-a por vezes nos estilos musicais europeus que os senho- res impunham. Na Jamaica, um estilo de percussão típico de um grupo de escravos, o Burru, foi aberta- mente tolerado pelos senhores europeus, pois aju- dava a impor o ritmo de trabalho. A escravatura foi finalmente abolida na Jamaica em 1834, mas a tra- dição dos ritmos Burru continuou viva, mesmo quando muitos homens desta etnia emigraram de zonas rurais para os bairros de lata de Kingston. Foi nestes bairros que começou a emergir um novo culto religioso que se haveria de revelar crucial para o desenvolvimento da música reggae. Em 1930, um homem chamado Haile Selassié foi coroado imperador da Etiópia, em África. Enquanto os opositores do colonialismo europeu de todo o mundo festejaram a subida ao trono de Selassié, um certo número de pessoas da índias Ocidentais começaram a acreditar que ele era um deus, que teria sido enviado à Terra para conduzir à liberdade os oprimidos de África. Um dos nomes por que Haile Selassié era conhecido era «Príncipe Ras Tafari», e aqueles que nas índias Ocidentais lhe prestavam culto chamavam-se a si próprios «Rasta- farians». O culto fundiu-se rapidamente com a tradi- ção Burru, e a música rastafarian acabou por mistu- rar a percussão Burru com temas bíblicos de opres- são e libertação. Na década de 50 do século XX, músicos das Índias Ocidentais começaram a cruzar ritmos e letras rastafarians com elementos do jazz americano e do rhythnVnHues negro. Essa combi- nação acabou por dar origem à música «ska» e, mais tarde, no final da década seguinte, ao reggae - estilo caracterizado pela sua batida relativamente lenta, pela ênfase no baixo, pelas suas histórias que giram em torno da pobreza urbana e do poder da fácil para esta questão, tal como para dezenas de outros casos em que as normas e os valores culturais não coincidem. Por um lado, é importante o esforço para não aplicar os nossos próprios padrões culturais a pessoas que vivem em contextos muito diferentes. Por outro lado, é inquietante ter que aceitar explica- ções culturais para situações que vão contra as normas e valores que temos como assentes. O papel do soció- logo é o de evitar respostas precipitadas, procurando analisar as situações complexas com cuidado e a par- tir do maior número de ângulos possível. Socialização Como já se tornou claro, a cultura pertence a esses aspectos da sociedade que são aprendidos e, portanto. C U L T U R A E S O C I E D A D E 29 alguma da responsabilidade que pertencia à família. As escolas* os grupos de pares, instituições, os meios de comunicação e eventualmente o local de trabalho, tornam-se forças de socialização de um indivíduo. Nestes contextos, as interacções sociais ajudam as pessoas a aprender as normas, valores e crenças que constituem os padrões da sua cultura. Papéis sociais Por intermédio do processo de socialização, os indi- víduos aprendem os seus papéis sociais - expectati- vas socialmente definidas seguidas pelas pessoas de uma determinada posição social. O papel social de «médico», por exemplo, envolve um conjunto de comportamentos que devem ser seguidos por todo e qualquer médico, independentemente das suas opi- niões pessoais ou maneiras de ver. Na medida em que todos os médicos partilham este papel, é possível falar em termos genéricos de um modo de comporta- mento profissional dos médicos, independente dos indivíduos específicos que ocupam essas posições. Alguns sociólogos, especialmente os associados à corrente funcional is ta, vêem os papéis sociais como partes constantes e algo inalteráveis da cultura de uma sociedade, tornando-os factos sociais. De acordo com esta perspectiva, os indivíduos aprendem as expectativas ligadas às posições sociais na cultura onde estão inseridos, desempenhando estes papéis em grande medida tal como foram definidos. Os papéis sociais não implicam negociação ou criativi- dade - pelo contrário, condicionam e orientam o comportamento dos indivíduos. Através da socializa- ção, os indivíduos interiorizam os papéis sociais e aprendem a desempenhá-los. No entanto, este ponto de vista é errado. Sugere que os indivíduos se limitam a desempenhar papéis, sem intervirem na sua criação e negociação. Na verdade, a socialização é um processo pelo qual os seres humanos se tomam agentes. Eles não são simplesmente sujeitos passivos à espera de serem instruídos ou programados. Os indivíduos concebem e assumem papéis sociais, no decurso de um processo de interacção social. Identidade Os contextos culturais onde nascemos e crescemos influenciam o nosso comportamento, mas tal não sig- nifica que seja negada individualidade ou livre arbítrio aos seres humanos. Pode parecer que somos simples- mente o resultado dos moldes pré-concebidos que a sociedade tem preparados para nós. Alguns sociólogos tendem, de facto, a escrever desta forma acerca da socialização. No essencial, esta perspectiva é errónea. O facto de estarmos envolvidos em interacções com os outros, desde que nascemos até morrermos, condicio- na certamente as nossas personalidades, os nossos valores e comportamentos. No entanto, a socialização está também na origem da nossa própria liberdade e individualidade. Cada um de nós, no decurso da socia- lização, desenvolve um sentido de identidade e a capa- cidade para pensar e agir de fornia independente. Para a sociologia, o conceito de identidade é mul- tifacetado, podendo ser abordado de muitas maneiras. De uma forma geral, a identidade está relacionada com os entendimentos que as pessoas têm acerca de quem são e do que é importante para elas. Estes enten- dimentos formam-se em função de determinados atri- butos que são prioritários em relação a outras fontes geradoras de sentido. O género, a orientação sexual, a classe social, a nacionalidade ou a etnicidade são algumas das principais fontes de identidade. Os soció- logos referem-se sobretudo a dois tipos de identidade: a identidade social e a identidade pessoal. Embora analiticamente distintas, estas formas de identidade estão intimamente relacionadas. Por identidade social entendem-se as características que os outros atribuem a um indivíduo. Estas podem ser vistas como marcadores que indicam, de um modo geral, quem essa pessoa é. Ao mesmo tempo, posicionam essa pessoa em relação a outros indivíduos com quem partilha os mesmos atributos. Estudante, mãe, advo- gado, católico, sem-abrigo, asiático, disléxico, casa- do, etc., são exemplos de identidades sociais. Muitos indivíduos têm identidades sociais que abrangem mais do que um atributo. Uma pessoa pode simulta- neamente ser mãe, engenheira, muçulmana e vereado- ra. O facto de se ter múltiplas identidades sociais reflecte as muitas dimensões da vida de uma pessoa. Embora esta pluralidade de identidades sociais possa constituir uma fonte potencial de conflitos, a maioria das pessoas organiza o sentido e a experiência das suas vidas à volta de uma identidade principal que é relativamente contínua no tempo e no espaço. As identidades sociais implicam, então, uma dimensão colectiva, estabelecendo as formas pelas C U L T U R A E S O C I E D A D E 30 A decoração corporal pode ser uma importante manifes- tação de identidade própria e ao mesmo tempo um mar- cador de uma identidade social passível de ser reconhe- cida pelos outros. quais os indivíduos se «assemelham» uns aos outros. As identidades partilhadas - decorrentes de um con- junto de objectivos, valores e experiências comuns - podem constituir um importante ponto de partida para movimentos sociais. Feministas, ambientalistas, sindicalistas, fundamentalistas religiosos e/ou nacio- nalistas são exemplos de casos em que uma identida- de social comum é construída como uma fonte importante de sentido. Se as identidades sociais estabelecem as formas pelas quais os indivíduos são semelhantes a outros, a identidade pessoal distingue-nos enquanto indiví- duos. Este tipo de identidade diz respeito ao proces- so de desenvolvimento pessoal através do qual for- mulamos uma noção intrínseca de nós próprios e do relacionamento com o mundo à nossa volta. A noção de identidade pessoal deriva em grande medida da obra dos interaccionistas simbólicos. A negociação constante do indivíduo com o mundo que o rodeia ajuda a criar e moldar a sua noção de identidade. O processo de interacção entre o eu e a sociedade contribui para ligar o mundo pessoal e o mundo público. Embora o contexto cultural e social seja um factor que dá forma à identidade pessoal, a agência e a escolha individual são de importância central. Ao abordar as mudanças da identidade pessoal das sociedades tradicionais até às modernas, pode perce- ber-se um afastamento dos factores invariáveis e her- dados que antigamente determinavam a formação da identidade. Se antes a identidade das pessoas era em grande medida determinada pela sua pertença a gru- pos sociais vastos, delimitados pela classe ou nacio- nalidade, hoje em dia a identidade é mais multiface- tada e instável. Os processos de crescimento urbano, a industrialização e o colapso das antigas formações sociais enfraqueceram o impacto das convenções e regras herdadas. Os indivíduos passaram a ter mais mobilidade social e geográfica, facto que libertou as pessoas das comunidades unitárias e relativamente homogéneas do passado onde os padrões eram trans- mitidos de uma forma rígida de geração em geração. Esta mudança criou espaço para que outras fontes de sentido, como o género ou a orientação sexual, desempenhassem um papel mais importante na noção de identidade das pessoas. No mundo actual, temos a oportunidade sem pre- cedentes para decidir a nossa vida e criar a nossa pró- pria identidade. Somos o nosso melhor recurso na definição de quem somos, de onde vimos e para onde vamos. Agora que os sinais tradicionais se tornaram menos determinantes, o mundo social confronta-nos com um estonteante leque de escolhas acerca de quem devemos ser, como viver e o que fazer - sem oferecer grandes orientações acerca das selecções a fazer. As decisões que tomamos no quotidiano - acer- ca do que vestir, como agir ou como ocupar o tempo - ajudam-nos a tornar-nos quem somos. O mundo moderno força-nos a descobrir-nos a nós próprios. Como seres humanos cientes e auto-conscientes, criamos e recriamos as nossas identidades a todo o momento. Tipos de sociedade Os traços culturais estão intimamente relacionados com os padrões gerais de desenvolvimento da socie- dade. O nível de cultura material que determinada sociedade atinge influencia, mas de maneira nenhu- ma determina completamente, outros aspectos de C U L T U R A E S O C I E D A D E 31 desenvolvimento cultural. Tal pode ser facilmente verificável, por exemplo, no que diz respeito ao nível de tecnologia: muitas das características culturais da vida moderna - carros, telefones, computadores, água corrente, luz eléctrica - dependem de inovações tecnológicas que surgiram muito recentemente em termos de história humana. Algo de parecido se pode aplicar às fases anteriores de desenvolvimento social. Antes da invenção da fundição do metal, por exem- plo, os bens eram forçosamente feitos de materiais que existiam na natureza, como a madeira ou a pedra - uma limitação básica no tipo de bens que podiam ser produzidos. O desenvolvimento da escrita é outro dos factores que mais influenciaram a configuração das sociedades humanas. Durante a maior parte da história humana desconheceu-se a escrita, no entanto; a sua emergência tomou possível formas de organi- zação social diferentes daquelas que existiam ante- riormente. Passamos agora a analisar os principais tipos de sociedade que existiram no passado e que ainda se podem encontrar hoje em dia no mundo. Nos dias de hoje, estamos habituados a sociedades com muitos milhões de pessoas, muitas delas vivendo aglomera- das em áreas urbanas. Mas durante a maior parte da história do homem, o mundo teve sempre uma densi- dade populacional muito menor do que hoje, e só na última centena de anos, mais ou menos, apareceram sociedades em que a maioria da população era cons- tituída por habitantes urbanos. Tem de se recorrer à dimensão histórica da imaginação sociológica para se entenderem as formas sociais anteriores à industriali- zação moderna. O mundo em extinção: as sociedades pré-modernas e o seu destino Caçadores recolectores Durante a maior parte da nossa existência na Terra, os seres humanos viveram em sociedades de caçadores recolectores, que retiravam o seu sustento da caça, pesca e recolecção de plantas silvestres comestíveis. Este tipo de culturas continua a existir em algumas partes do mundo, como em certas terras áridas afri- canas e nas florestas do Brasil e da Nova Guiné. A maioria das sociedades de caçadores recolectores, contudo, foi destruída ou assimilada pela expansão da civilização ocidental, e não é de todo provável que as que ainda persistem se mantenham intactas por muito mais tempo. Actualmente, o número de pes- soas no mundo que retira o seu sustento através da caça e recolecção é inferior a um quarto de milhão - apenas 0.001 % da população mundial. Em comparação com sociedades maiores - espe- cialmente sociedades modernas, como a Grã-Breta- nha ou os Estados Unidos da América encontramos poucas desigualdades no seio da maioria dos grupos de caçadores recolectores, que pouco interesse têm em incrementar a riqueza material para além do necessário para as suas necessidades básicas. As suas principais preocupações, por norma, prendem-se com valores religiosos, actividades rituais e cerimoniais. Os bens materiais de que necessitam limitam-se a armas para caçar, ferramentas para cavar e construir, armadilhas, e utensílios para cozinhar. Há, assim, no que diz respeito ao número ou quantidade de posses materiais, poucas diferenças entre os membros deste tipo de sociedade - não há divisões entre ricos e pobres. As diferenças de posição e hierarquia tendem a estar limitadas à idade e ao sexo; os homens são quase sempre os caçadores, enquanto as mulheres colhem os frutos silvestres, cozinham e tomam conta das crianças. No entanto, a divisão de trabalho entre homens e mulheres é muito importante: os homens tendem a dominar as posições públicas e cerimoniais. Os caçadores recolectores não são simplesmente povos «primitivos» cujos modos de vida já não nos interessam. Estudar as suas culturas permite-nos ver com mais clareza que algumas das nossas instituições estão longe de ser fenómenos «naturais» da vida humana. Não devemos, por certo, idealizar as cir- cunstâncias em que os caçadores recolectores vive- ram, mas, de qualquer forma, a ausência de guerra e de desigualdades significativas de riqueza e poder, e uma maior ênfase na cooperação do que na competi- ção, impedem que esqueçamos que o mundo criado pela civilização industrial moderna não pode ser necessariamente identificado com «progresso». Sociedades pastoris e agrárias Há cerca de vinte mil anos, alguns grupos de caçado- res recolectores passaram a fomentar a criação de animais domésticos e o cultivo de pequenas porções de determinados terrenos como forma de subsistên- C U L T U R A E S O C I E D A D E 34 Quadro 2.1 Tipos de sociedades humanas pré-modernas Tipo Período de Existência Características Sociedades de caça e recolecção. Sociedades agrárias. 50.000 A.C. até ao presente (à beira do desaparecimento total). 12.000 A.C. até ao presente. A maioria faz hoje parte de instituições políticas maiores e tem a s suas identidades próprias em perigo. Consistem em pequenos grupos de pessoas que vivem da caça, pesca e recolecção de plantas comestíveis. Poucas desigualdades. Diferenças de estatuto limitadas à idade e sexo. Baseadas em pequenas comunidades rurais, sem vilas ou cidades. A subsistência é garantida pela agricultura, muitas vezes com contribuições da caça e recolecção. Maiores desigualdades do que entre os caça- dores recolectores. Sociedades pastoris. Civilizações nâo-industriais. 12.000 A.C. até ao presente. Hoje, a maioria faz parte de es tados maiores; o seu modo de vida tradicional está a ser, pouco a pouco, destruído. 6.000 A.C. até ao século XIX. Todas as civilizações desapareceram. Governadas por chefes. Dependem da criação de animais domésticos para a sua subsistência material. O tamanho da sua população pode ir de pou- cas centenas até muitos milhares de pes- soas. Marcadas por vincadas desigualdades. Governadas por chefes ou reis guerreiros. Baseadas sobretudo na agricultura. Existência de algumas cidades, onde se con- centra o comércio e a manufactura. De tamanho muito grande, algumas com milhões de pe s soas (embora pequenas, quando comparadas com sociedades indus- trializadas muito maiores). Aparelho próprio de governação chefiado por um rei ou imperador. Existem importantes desigualdades entre as diferentes classes sociais. C U L T U R A E S O C I E D A D E 35 das à governação de reis e imperadores. Na medida em que usavam a escrita e tinham uma ciência e for- mas de arte evoluídas, sâo frequentemente designa- das como civilizações. As primeiras civilizações desenvolveram-se no Médio Oriente, normalmente em áreas ribeirinhas e férteis. O Império chinês teve as suas origens há cerca de 4000 anos, altura em que também foram fundados outros estados poderosos na região que cor- responde à índia e ao Paquistão dos nossos dias. Um certo número de grandes civilizações existiu no México e na América Latina - como os Aztecas do México, os Maias da península do Jucatan e os Incas do Peru. A maioria das civilizações tradicionais eram tam- bém impérios, tendo atingido a dimensão que atingi- ram através de conquistas e da anexação de outros povos (Kautsky: 1982). Isto ap!ica-se,por exemplo, a Roma e à China tradicional. No seu apogeu, por volta do século I D.C., as fronteiras do Império Romano iam das Ilhas Britânicas, no noroeste da Europa, até para lá do Médio Oriente. O Império Chinês, que durou mais de dois mil anos, até ao início do século XX, estendia-se pela maior parte da imensa região do Leste da Ásia hoje ocupada pela China moderna. O m u n d o m o d e r n o : a s s o c i e d a d e s i n d u s t r i a i s O que terá levado à destruição das formas de socie- dade que dominaram o mundo inteiro até há dois séculos atrás? Numa só palavra, a resposta é a indus- trialização - um conceito já discutido no Capítulo 1 («O que é a Sociologia?»). A industr ial ização pode ser definida como o aparecimento da produção mecanizada, baseada no uso de recursos energéticos inanimados (como o vapor ou a electricidade). As sociedades industr ia is (por vezes chamadas sim- plesmente «sociedades modernas» ou «desenvolvi- das») são absolutamente diferentes, sob muitos pon- tos de vista, de qualquer outro tipo de ordem social anterior e o seu desenvolvimento teve consequências que se estenderam muito para além das suas origens europeias. Mesmo nas formas de civilização tradicional mais avançadas, a maioria das pessoas estava ligada ao tra- balho agrícola. O nível relativamente rudimentar de desenvolvimento tecnológico só permitia que uma pequena minoria da população estivesse liberta das Quadro 2.2 Mào-de-obra agrícola em países industrializa- dos e náo-industnalízados, em 1998 Percentagem de mâo-de-obra País agrícola Sociedades nào-índustrializadas Nepal 91.1 Ruanda 90.1 Etiópia Ô8.3 Uganda 82.1 Bangladesh 64.2 Sociedades industrializadas Japão 6.2 Austrália 5.0 Alemanha 3.8 Canadá 3.4 Estados Unidos da América 2.8 Reino Unido 2.0 obrigações da produção agrícola. Ao contrário, uma característica principal das sociedades industriais actuais é a grande maioria da população activa traba- lhar em fábricas, escritórios ou lojas, e não na agri- cultura (ver Quadro 2.2). Mais de 90% da população vive em cidades, onde se encontram a maior parte dos postos de trabalho e novas oportunidades de emprego são criadas. A dimensão das principais cida- des é muito maior do que a dos centros urbanos das civilizações tradicionais. Nas cidades, a vida social torna-se mais impessoal e anónima do que anterior- mente, sendo que muitos dos nossos encontros diá- rios e casuais são com estranhos e desconhecidos, e não com pessoas nossas conhecidas. Organizações em grande escala, como empresas ou organismos governamentais, acabam por influenciar a vida de praticamente toda a gente. Uma outra característica das sociedades modernas diz respeito aos seus sistemas políticos, muito mais desenvolvidos e intensivos do que as formas de govemo dos estados tradicionais. Nas civilizações C U L T U R A E S O C I E D A D E 36 tradicionais, as autoridades políticas (monarcas e imperadores) tinham muito pouca influência directa nos hábitos e costumes da maioria dos seus súbditos, que viviam em aldeias razoavelmente autosuficien- tes. Com a industrialização, o transporte e as comu- nicações tornaram-se muito mais rápidos, criando uma comunidade «nacional» mais integrada. As sociedades industriais foram os primeiros esta- dos-nação, comunidades políticas divididas e delimi- tadas entre si por meio de fronteiras claras, em vez das vagas áreas de fronteira que separavam habitual- mente os estados tradicionais. Nos estados-nação, os governos têm amplos poderes sobre muitos aspectos da vida dos cidadãos, promulgando leis que se apli* cam a todos os que vivam no interior das suas fron- teiras. A Grã-Bretanha é um estado-nação, como o são praticamente todas as outras sociedades no mundo de hoje. A tecnologia industrial não foi, de forma alguma, aplicada somente em processos pacíficos de desen- volvimento económico. Desde a fase mais inicial da industrialização, os processos de produção modernos foram colocados ao serviço dos militares, o que veio alterar radicalmente as formas de guerra, criando armamento e formas de organização militar muito mais avançados do que os das culturas não industria- lizadas. Um poder económico superior, a coesão poli- tica e a força militar estão na origem da expansão, aparentemente irreversível, dos modos de vida oci- dentais por todo o mundo nos últimos dois séculos. Desenvolvimento global Entre o século XVII e o princípio do século XX, os países ocidentais estabeleceram colónias em numero- sas áreas anteriormente ocupadas por sociedades tra- dicionais, fazendo uso, quando necessário, da sua superioridade militar. Embora praticamente todas essas colónias tenham hoje alcançado a sua indepen- dência, o processo do colonialismo foi central para a definição do mapa social do globo como hoje o conhecemos. Em algumas regiões, como a América do Norte, a Austrália e a Nova Zelândia, habitadas somente por pequenas comunidades de caça e reco- lecção, os europeus tornaram-se a maioria da popula- ção. Noutras regiões, como na maior parte da Ásia, África e América do Sul, as populações locais manti- veram-se em maioria. As sociedades do primeiro destes tipos, tal como os Estado Unidos da América, tornaram-se industria- lizadas. As sociedades do segundo tipo têm um nível de desenvolvimento industrial muito mais reduzido, e são frequentemente apelidadas como sociedades em vias de desenvolvimento. Estas sociedades incluem a China, a índia e a maioria dos países africanos (como a Nigéria, o Gana e a Argélia) e países da América do Sul (como, por exemplo, o Brasil, o Peru e a Vene- zuela). Em virtude de muitas destas sociedades esta- rem situadas a sul dos Estados Unidos e da Europa, são por vezes colectivamente referidas como o S«/, em oposição ao Norte, mais industrializado e rico. O Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo Se calhar já ouviu falar destes países em vias de desenvolvimento como sendo parte do Terceiro Mundo. Este termo foi entendido, originalmente, como parte de um contraste estabelecido entre os três principais tipos de sociedade dos princípios do século XX (ver Figura 2.3). Os países do Primeiro M u n d o eram (e são) os estados industrializados da Europa, os Estados Unidos da América, a Australá- sia (Austrália, Nova Zelândia, Tasmânia e Melané- sia) e o Japão. Quase todas as sociedades do Primei- ro Mundo têm sistemas políticos multipartidários e parlamentares. O Segundo Mundo dizia respeito às antigas sociedades comunistas, à União Soviética (URSS) e à Europa de Leste, que incluíam a Che- coslováquia, a Polónia, a Alemanha de Leste e a Hungria. As sociedades do Segundo Mundo tinham economias de planificação centralizada que apenas concediam um pequeno papel à propriedade privada ou à actividade empresarial competitiva. Eram igual- mente estados de partido único: o Partido Comunis- ta dominava tanto o sistema político como o econó- mico. Seguindo os ensinamentos de Marx (ver capí- tulo 1), os líderes comunistas acreditavam que o sis- tema de produção de propriedade colectiva tomar- -se-ia mais próspero do que o sistema de mercado livre do Ocidente. Por um período de aproximadamente setenta e cinco anos, a história mundial viveu uma rivalidade global entre, por um lado» a União Soviética e os paí- ses da Europa de Leste e, por outro, as sociedades capitalistas do Ocidente e o Japão. Esta situação de permanente confronto armado ficou conhecida como C U L T U R A E S O C I E D A D E 3 9 VòngUi fepobfc» Paprtor «CNra OCt ANO PA C i f ICO :>!úsi' : Uhat ,*t*4WM Ĵémw fbotf •• :-iV|u 'f « M : i M 7 HiUw C * f$riUi*a t. Ih» Croft* • • •w . •tM .SMall dln̂ ainit * fltyohtfw oceano IHOICO Mtdmscar o «JMurfctt >\MOto x<, • * «AM ttvt CiWWi Tuvriu flji Noa ZMIMU C U L T U R A E S O C I E D A D E 40 • • de L w t « América Latina a Caraíbas Crtaflçu» npmtiW» 10 mH*** M pmm iiturcanMHH 4» um «un por * praça* Figura 2.4 A pobreza por regiões em vias de desenvolvimento Fonte Banco Mundial. WòrhJ Devetopment Report 1996-9, Oxford Urtfversity Press, p. 118 to per capita praticamente iguais aos dos países desenvolvidos mais pobres. Até ao final da década de 90, os países do Leste Asiático recém-industrializados ostentaram os me- lhores níveis de crescimento económico sustentado. A exportação de produtos manufacturados, em espe* ciai para os países industrializados, contribuiu para um rápido crescimento económico nos chamados «tigres asiáticos». Estes países caracterizaram-se igualmente pelos altos níveis de investimento, tanto no plano interno como no externo. A produção de aço da Coreia do Sul cresceu rapidamente e as suas indústrias electrónica e de construção naval estão ao nível das melhores do mundo. Singapura emergiu como o principal centro financeiro e comercial do sudeste asiático. A Formosa assumiu-se como uma referência na indústria electrónica e em outras manu- facturas. Nos anos de 1997 e 1998, as economias do leste asiático foram desestabilizadas quando surgiu uma crise financeira global que se generalizou, rápida e intensamente, na região e para lá dela. Apesar deste contratempo, o desenvolvimento económico nos paí- ses recém*industrializados do leste da Ásia levou a um aumento da qualidade de vida de milhões de pes* soas na região. Os níveis de pobreza e as taxas de mortalidade infantil decresceram, enquanto a espe- rança média de vida aumentou. O desenvolvimento das economias da Ásia e da América Latina parece não estar relacionado com a vida das pessoas na Grã-Bretanha, Estados Unidos da America ou outros países industrializados. Mas isso não é de modo nenhum verdade. As nações fazem hoje parte de uma economia global, pelo que factos que ocorram numa qualquer parte do mundo fazem sentir os seus efeitos e consequências a nível mun- dial. O crescimento da indústria do aço na região leste asiática, por exemplo> afectou directamente a Grã-Bretanha. cuja quota na produção mundial de aço decresceu significativamente nas últimas três décadas. De igual forma, a recente crise financeira que despontou no leste da Ásia tornou os mercados financeiros do mundo inteiro mais voláteis, desesta- bilizando economias aparentemente sólidas. Por ulti- C U L T U R A E S O C I E D A D E 41 Quadro 2.3 Tipos de sociedades humanas modernas Tipo Sociedades do Primeiro Mundo. Período de Existência Características Sociedades do Segundo Mundo. Sociedades do Terceiro Mundo. Países recém- 'industrializados Do século XVIII ao pre- sente. Dos princípios do sécu- lo XX (depois da Revo* lução Russa de 1d17) ao início da década de 90 desse século. Do século XVIII (a maio* ria, territórios coloniza- dos) ao presente. Da década de 70 do sé* cu lo XX ao presente. Baseadas na produção industrial e, de uma forma geral, na iniciativa privada. A maforra da população vive nas cidades e pouca gente tra- balha na agricultura. Grandes desigualdades entre classes, embora menos acentuadas do que nos estados tradicionais. Diferentes comunidades políticas ou estados-nação, incluin- do a s nações do Ocidente, o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia. Baseadas na indústria, mas com um sistema económico centralizado e estatal. Apenas uma pequena parte da população trabalha na agri- cultura; a maioria vive nas cidades. Persistência de importantes desigualdades entre classes sociais. Diferentes comunidades políticas ou estados-naçâo. Até 1989, compostas pela Rússia e Europa de Leste, mas as mudanças sociais e políticas transtormaram-nas em sis- temas de mercaao livre, tornando-se assim sociedades do Primeiro Mundo. A maioria da população trabalha na agricultura, utilizando métodos tradicionais de produção. Parte do produto agrícola é vendido em mercados mundiais. Alguns têm sistemas de mercado livre, outros de planifica- ção centralizada. Comunidades políticas distintas ou estados-nação em que se incluem a China, a índia e a maioria da África e da Amé- rica do Sul. Antigas sociedades do Terceiro Mundo, na actualidade as- sentes na produção industrial e geralmente na livre iniciati- va. A maioria da população vive em cidades, alguns ainda tra- balham na agricultura. Fortes desigualdades de classe, mais pronunciadas do que nas sociedades do Primeiro Mundo. O rendimento médio per capita é consideravelmente menor do que nas sociedades do Primeiro Mundo. Jncluem-se aqui Hong-Kong, a Coreia do SuJ, Singapura» Taiwan, o Brasil e o México. C U L T U R A E S O C I E D A D E 44 acerca da relação entre o passado, o presente e o futu- ro. As sociedades que dominam a escrita mantêm um registo de acontecimentos passados e sabem situar-se na história. Entender a história pode permitir desen- volver uma noção da evolução geral ou da linha de desenvolvimento seguida por determinada sociedade, pelo que as pessoas podem então procurar promovê- -la ainda mais de uma forma intencional. A liderança faz parte do conjunto geral de factores culturais. Alguns líderes individuais têm tido uma enorme influência na história mundial. Basta pensar nas grandes figuras religiosas (como Jesus), nos líde- res políticos e militares (como Júlio César), nos cien- tistas e filósofos pioneiros (como Isaac Newton), para perceber que assim é. Um líder capaz de prosse- guir políticas dinâmicas, de gerar a adesão das mas- sas, e alterar de forma radical modos de pensamento anteriores, pode inverter uma determinada ordem preestabelecida. No entanto, os indivíduos só conseguem alcançar posições de liderança e tornarem-se eficazes se exis- tirem as necessárias condições sociais. Adolf Hitler, por exemplo, conseguiu tomar o poder na Alemanha na década de trinta do século XX em virtude das cri- ses e tensões que na altura assolavam o país. Se não se tivessem verificado essas circunstâncias, provavel- mente não teria passado de uma figura obscura de uma facção política minoritária. O mesmo se aplica a Mahatma Gandhi, o famoso líder pacifista da índia do pós-guerra, que conseguiu assegurar a indepen- dência do país do império Britânico, muito por causa dos efeitos da II Guerra Mundial e de outros aconte- cimentos que agitaram as instituições coloniais que existiam na índia. A mudança no período moderno Que explicações haverá para que nos últimos dois séculos, o período da modernidade, se tenha assistido a uma tremenda aceleração no ritmo da mudança social? Esta é uma questão complexa, mas não é difí- cil apontar alguns dos factores responsáveis. Pode- mos, sem surpresa, classificá-los de modo similar aos factores que influenciaram a mudança social através da história, ainda que devamos subordinar o impacto do meio ambiente ao âmbito global da importância dos factores económicos. Influências económicas A indústria moderna é fundamentalmente diferente da dos sistemas de produção anteriores, na medida em que implica a expansão contínua da produção e uma acumulação crescente da riqueza. Nos sistemas tradicionais, os níveis de produção eram relativamen- te estáticos, dado limitarem-se à satisfação das neces- sidades habituais e costumeiras. O capitalismo pro- move a inovação constante dos meios tecnológicos de produção, um processo em que é tida em conta de modo crescente a ciência. A taxa de inovação tecno- lógica promovida pela indústria moderna é muito superior à de qualquer outro tipo anterior de ordem económica. O impacto da ciência e da tecnologia no modo como vivemos pode, em grande medida, ser determi- nado por factores económicos, mas não se limita à esfera económica. A ciência e a tecnologia tanto influenciam como são influenciadas por factores políticos e culturais. O desenvolvimento científico e tecnológico, por exemplo, ajudou a criar as formas de comunicação modernas, como a rádio, a televisão, os telemóveis e a Internet. Nos últimos anos, estas for- mas electrónicas de comunicação produziram mudanças na esfera política (ver capítulo 14, «Governo e Política»). O recurso a meios de comuni- cação electrónicos, como a televisão e a Internet, aca- bou por influenciar o modo como consideramos e concebemos o mundo à nossa volta. Influências politicas O segundo grande tipo de influências na mudança no período moderno consiste em factores políticos. A luta das nações para expandir o seu poder, aumen- tar a sua riqueza e triunfar militarmente sobre os seus competidores tem sido, nos últimos dois ou três sécu- los, uma potente fonte de mudança. Nas civilizações tradicionais, a mudança política estava confinada às elites. Acontecia, por exemplo, uma família aristo- crata substituir outra no poder, enquanto a vida da maioria da população continuava relativamente na mesma. O mesmo não se aplica aos sistemas políticos modernos, onde as acções dos líderes políticos e dos dirigentes governamentais nunca deixam de afectar a vida da esmagadora maioria da população. Tanto no plano interno como no externo, a decisão política C U L T U R A E S O C I E D A D E 45 promove e orienta a mudança social muito mais do que acontecia antigamente. A evolução política dos últimos dois ou três sécu- los influenciou por certo tanto a mudança económica tanto quanto esta foi influenciada pela política. Hoje, os governos desempenham um papel crucial no estí- mulo (e, às vezes, no condicionamento) ao cresci* mento económico, e em todas as sociedades indus- triais verifica-se um alto índice de intervenção estatal na produção, com o governo a assumir-se de longe como o maior empregador. A guerra e o poder militar têm tido igualmente uma enorme importância. A partir do século XVII, o poderio militar das nações ocidentais permitiu-lhes exercer influência em todos os cantos do mundo - o que se revelou essencial à expansão global dos modos de vida ocidentais. No século XX, as conse- quências de duas guerras mundiais foram profundas: a devastação de muitos países conduziu a processos de reconstrução que se traduziram em importantes mudanças institucionais, como, por exemplo, no caso da Alemanha e do Japão depois da Segunda Grande Guerra. Mesmo os países que saíram vitoriosos - como a Grã-Bretanha - sofreram grandes mudanças internas em resultado do impacto da guerra sobre a economia. Influências culturais Entre os factores culturais que afectam os processos de mudança social nos tempos modernos, o desen- volvimento da ciência e a secularização do pensa* mento contribuíram para o carácter crítico e inovador da perspectiva moderna. Deixámos de presumir que hábitos ou costumes são aceitáveis apenas porque têm a autoridade ancestral da tradição. Pelo contrário, o nosso modo de vida requer cada vez mais uma base «racional». O projecto de construção de um hospital, por exemplo, já não se baseia essencialmente na esté* tica tradicional, mas está pensado em função da capa- cidade de servir o seu propósito - tratar dos doentes de forma eficaz. Para além do modo como pensamos, também o conteúdo das ideias mudou. Ideais como superar*nos a nós próprios, liberdade, igualdade ou participação democrática são, em grande parte, criações produzi- das nos últimos dois ou três séculos. Tais ideais ser* viram para mobilizar processos de mudança política e social, incluindo revoluções. Estas ideias não deri- vam da tradição mas sugerem, pelo contrario, a revi- são constante dos modos de vida no sentido do melhoramento dos humanos. Embora estes ideais tenham surgido inicialmente no Ocidente, tornaram- -se genuinamente globais e universais na sua aplica* ção, promovendo a mudança na maior parte das regiões do mundo. Conclusão As mudanças por que o mundo passa actualmente estão a tomar as diferentes culturas e sociedades muito mais interdependentes do que se passava antigamente. À medida que o ritmo da mudança acelera, o que acon- tece em determinado ponto do mundo pode afectar directamente outras regiões. Em relação às gerações anteriores, em parte graças às novas formas de comu- nicação electrónica já mencionadas, vivemos hoje todos muito mais interdependentes uns dos outros. O sistema global não é apenas um contexto no qual determinadas sociedades - como a Grã-Bretanha, por exemplo - mudam e se desenvolvem. Os laços econó- micos, sociais e políticos que ligam entre si os países condicionam decisivamente o destino dos cidadãos de qualquer um deles. Esta interdependência cada vez maior da sociedade mundial será analisada no capítulo seguinte, «Um Mundo em Mudança». 1 O conceito de cultura é uma das noções mais importantes da Sociologia. Por cuU tura referi mo-nos aos modos de vida dos membros de determinada sociedade, ou de grupos sociais dessa sociedade. Inclui a arte, a literatura e a pintura, mas vai muito para além disso. Outros itens culturais são, por exemplo, o modo de vestir, costumes, padrões de trabalho e cerimónias religiosas. 2 Os valores são ideias abstractas que definem o que em determinada cultura é con- siderado importante, significativo ou desejável. Normas são regras de comporta* C U L T U R A E S O C I E D A D E 46 mento que reflectem os valores de uma cultura. Em conjunto> as normas e os valores definem como os membros de uma cultura se comportam em diferentes contextos. As normas e os valores estão profundamente enraizados, mas podem mudar ao longo do tempo. 3 As crenças e as práticas culturais são extremamente diversas. O etnocentrismo é o acto de julgar outras culturas à imagem da nossa própria cultura. Os sociólogos procuram aplicar o relativismo cultural - estudar uma cultura segundo os seus próprios valores e significados. 4 Através do processo de socialização, os seres humanos aprendem as característi- cas da cultura. As agências de socialização são grupos ou contextos sociais onde ocorrem processos de socialização importantes. A socialização na infância é o processo pelo qual a criança, através do contacto com outros seres humanos, se torna gradualmente um ser auto-consciente e com conhecimento, detentor dos atributos de determinada cultura. 5 A identidade pode ser definida como as percepções que as pessoas têm acerca de quem são e do que é importante para si. A identidade social engloba as caracte- rísticas que os outros atribuem a um indivíduo. Estes atributos derivam frequen- temente dos grupos sociais a que se pensa que um indivíduo pertence - como género masculino, asiático ou católico, por exemplo - e estabelecem a forma como um indivíduo é semelhante aos outros. A identidade pessoa) diferencia-nos enquanto indivíduos, dizendo respeito ao sentido de um «eu» único que resulta do desenvolvimento pessoal e da interacção constante de um indivíduo com o mundo exterior. 6 Uma sociedade é um conjunto de inter-relacionamentos que ligam os indivíduos entre si. Podem distinguir-se vários tipos de sociedades pré-modemas. Nas socie- dades de caçadores-recolectores as pessoas viviam da apanha de plantas e da caça de animais. As sociedades pastoris são aquelas cuja principal forma de subsis- tência residia na criação de animais domesticados. As sociedades agrárias depen- dem do cultivo de determinados pedaços de terra. As sociedades urbanas, de maior dimensão e mais desenvolvidas, constituem as civilizações tradicionais. 7 Nas sociedades industrializadas, a produção industrial é como a base principal da economia. A maior parte da população vive em áreas urbanas, e as organizações em larga escala influenciam a vida de praticamente todos os cidadãos. As socie- dades industriais foram os primeiros estados-naçâo, comunidades políticas que se encontram separadas umas das outras através de fronteiras bem delimitadas. 8 O desenvolvimento das sociedades industrializadas e a expansão do Ocidente levou à conquista de muitas partes do mundo, e o processo de colonização mudou radicalmente culturas e sistemas sociais seculares. 9 Os países industrializados do Ocidente, mais o Japão, a Austrália e a Nova Zelân- dia, foram apelidados de Primeiro Mundo, ou mundo desenvolvido. Por Segun- do Mundo entendem-se as sociedades industrializadas sob governação comunis- ta da Europa de Leste e da antiga União Soviética. Com o fim da Guerra Fria, um período de confrontação armada permanente entre os países do Primeiro e os do Segundo Mundo, estes últimos deixaram de existir. 10 Os países objecto de colonização, e que se encontram num nível mais baixo de desenvolvimento industrial, são conhecidos como Terceiro Mundo, ou mundo em vias de industrialização. A maioria da população mundial vive neste conjunto de países. Os países recém-industrializados são os países em vias de industrializa- Capítulo 3: Um Mundo em Mudança Poderá pensar que o seu supermercado não tem muita relevância para o estudo da Sociologia mas, como já vimos no capítulo I, os sociólogos procuram fre- quentemente dados do mundo social nos lugares mais surpreendentes. O supermercado é um local que nos pode dizer muito sobre fenómenos sociais de grande interesse para os sociólogos no início do século XXI: o ritmo vertiginoso da mudança social e o aprofundar da sociedade global. Na próxima vez que for ao seu supermercado pres- te atenção à grande variedade de produtos expostos nas prateleiras. Se, como muitas pessoas fazem, ini- ciar as compras pela secção de produtos frescos, é provável que encontre ananases do Hawai, uvas de Israel, maçãs da África do Sul e abacates de Espanha. No corredor seguinte, poderá dar de caras com uma vasta gama de pastas de caril e de especiarias para a cozinha indiana, variadíssimos ingredientes típicos do Médio Oriente» como cuscuz e falafel, bem como com leite de coco enlatado para a cozinha tailandesa. Continuando as compras, tome atenção ao café pro- veniente do Quénia, da Indonésia ou da Colômbia, à carne de ovelha da Nova Zelândia, às garrafas de vinho da Argentina ou do Chile. Se prestar atenção a um pacote de bolachas ou a uma tablete de chocola- te, notará que os ingredientes vêm descritos em oito ou dez línguas diferentes. Que dimensões sociológicas estão associadas a esta curta ronda pelo supermercado? Como vimos na discussão em torno da sociologia do café (ver capítu- O mundo numa prateleira de supermercado, graças á globalização: as pessoas já nâo têm de esperar pela época das suas frutas e vegetais preferidos. U M M U N D O EM M U D A N Ç A 51 lo 1, «O que é a Sociologia?»), não podemos separar as nossas acções locais de contextos sociais mais amplos que se estendem pelo mundo. A enorme variedade de produtos que nos habituámos a ver nos supermercados ocidentais depende de laços económi- cos e sociais complexos que ligam as pessoas e os países do mundo inteiro. Tal reflecte igualmente pro- cessos de mudança social em larga escala - processos que forçaram diferentes partes do mundo a entrar em relação umas com as outras. Em relação ao passado, o mundo em que vivemos hoje em dia tornou-nos muito mais interdependentes das outras pessoas, ainda que estas estejam a milhares de quilómetros de distância. Estas relações entre local e global são bastante recentes em termos de história humana, tendo-se ace- lerado nos últimos trinta ou quarenta anos, em resul- tado dos progressos dramáticos no campo da comu- nicação, da tecnologia de informação e dos transpor- tes. Graças ao desenvolvimento de aviões a jacto, de velozes navios cargueiros de grande dimensão, e de outros meios de transporte de grande velocidade, pes- soas e bens podem hoje ser transportados de forma contínua através do mundo inteiro. Da mesma forma, o sistema mundial de comunicação por satélite, esta- belecido apenas há cerca de trinta anos, tornou possí- vel que as pessoas entrem em contacto umas com as outras de forma instantânea. Os sociólogos usam o termo globalização quando se referem a estes processos que intensificam cada vez mais a interdependência e as relações sociais a nível mundial. Trata-se de um fenómeno social com vastas implicações, muitas das quais serão analisadas mais à frente. Não deve pensar-se na globalização apenas como o desenvolvimento de redes mundiais - sistemas económicos e sociais afastados das nossas preocupações individuais. É também um fenómeno local, que afecta a vida quotidiana de todos nós. Como ilustração, voltemos ao exemplo do super- mercado. Os efeitos da globalização reflectem-se de várias formas nas prateleiras de um supermercado. Em primeiro lugar, assistisse nas últimas décadas a um enorme aumento na quantidade e variedade de produtos à venda nos supermercados. Estes são cada vez maiores, de modo a albergar a gama crescente de produtos disponíveis. As barreiras ao comércio inter- nacional têm vindo a diminuir, abrindo os mercados a um leque mais vasto de produtos. Em segundo lugar, os produtos que encontra à venda no supermercado foram cultivados ou produzidos em cem ou mais paí- ses diferentes. Antigamente, por razões práticas, era quase impossível transportar tantos produtos, em par- ticular artigos frescos, através de longas distâncias. Em terceiro, alguns dos produtos mais populares à venda nos supermercados hoje em dia podiam há uns anos atrás ser relativamente desconhecidos - é o caso das «comidas étnicas» referidas atrás. Uma explica- ção para o facto pode estar nos padrões de migração global, que produzem sociedades culturalmente diversas e novos gostos culturais. Em último lugar, muitos dos produtos mais comuns à venda nos super- mercados são hoje em dia distribuídos simultanea- mente em muitos países, e não se destinam a merca- dos nacionais específicos. Os rótulos dos produtos reflectem esta nova diversidade geográfica: as instru- ções e os ingredientes são muitas vezes impressos em várias línguas, de modo a tomar o produto acessível a consumidores de muitas nacionalidades. A globalização está a mudar a forma como o mundo se nos apresenta e a maneira como olhamos para o mundo. Se adoptarmos uma perspectiva glo- bal, tornamo-nos mais conscientes dos laços que nos ligam às pessoas de outras sociedades. Tornamo-nos igualmente mais conscientes dos problemas que o mundo atravessa no início do século XXI. A perspec- tiva global lembra-nos que os laços cada vez mais fortes que nos unem ao resto do mundo implicam que o que fazemos tem consequências na vida dos outros e que os problemas mundiais têm consequências para nós. Neste capítulo, analisaremos com algum detalhe a noção de globalização - as suas causas, dimensões e hipotéticas consequências. Por constituir um con- junto de processos imprevisíveis, é difícil controlar a globalização, o que leva a novos riscos que nos afec- tam a todos. Ao longo do texto, ouvir-se-á falar muito destes dois fenómenos interligados: o ritmo acelera- do da mudança e o surgimento de novos riscos. Nas secções seguintes, iremos apresentar algumas das vias usadas pelos sociólogos para estudar este nosso mundo em mudança. Dimensões da globalização Provavelmente já ouviu falar muito da globalização, ainda que não saiba ao certo o que significa. Nos U M MUNDO EM M U D A N Ç A 54 Quadro 3.1 Desigualdades a nível mundial em termos da infraestrutura das telecomunicações e do uso do telefone, em 1995. População Unhas talai Telemóveis Faxes Computadoras Chamadas Chamadas (milhões) por 100 (milhares) (mNhares) (milhares) efectuadas recebidas habitantes (MMiTT) (MMÍTT) China 1.201.0 3.0 3,629 270 2,600 533 551 França 56.1 56.0 1,379 1,200 9,300 2.804 2,959 Alemanha 81.9 49.0 3,500 1,447 13,500 5.244 3.881 índia 929.3 1.3 135 50 1,000 341 806 Japão 125.1 49.0 10,204 6,000 19,000 1,638 1,140 Suécia a.ô 68.0 2,026 n.a. 1,700 900 n.a. Reino Unido 58.5 n.a. 5,737 n.a. 10.900 4,016 4,021 Estados Unidos 263.1 63.0 33,786 14,052 86.300 15,623 7,010 da América MMiTT = milhões de minutos de conversa telefónica. Fonte: HeW. 0 et ai, Global Transtormations, Pdiíy, 1999, adaptado de Staple. G. (ed.), Tatagaography, International Instituía of Communications, 1996. Também a integração da economia mundial está a fazer avançar a globalização. Ao contrário de épocas mais antigas» a economia global já não assenta pri- mordialmente na agricultura, ou na indústria. Ao invés, é cada vez mais dominada por actividades «leves» e intangíveis (Quah, 1999). Esta economia «light» de fine-se como uma economia em que os produtos se baseiam na informação, como é o caso do software informático, dos produtos multimédia e de entretenimento e dos serviços on line. Este novo con- texto económico foi já descrito de várias formas, seja como «sociedade pós-industrial», «era da informa- ção» e, a definição talvez mais comum hoje em dia, a economia (ver capítulo 13, «Trabalho e Vida Econó- mica»). Segundo alguns, a emergência deste tipo de economia está relacionada como o aparecimento de uma vasta gama de consumidores tecnologicamente instruídos e que integram avidamente nas suas vidas quotidianas novos avanços nos campos da informáti- ca, do espectáculo e das telecomunicações. A economia global reflecte no seu modus faciendi as mudanças que ocorreram na era da informação. Muitos aspectos da economia processam-se hoje em dia através de redes internacionais, não se limitando às fronteiras de um país (Castells, 1996). Para se tor- narem competitivas nas condições que a globalização impõe, as firmas e as empresas tiveram de se reestru- turar, no sentido de uma maior flexibilização e de uma menor hierarquização (ver capítulo 12, «Organi* zações Modernas»). As práticas de produção e os padrões organizacionais tomaram-se mais flexíveis, as parcerias entre empresas tomaram-se comuns, e a participação em redes mundiais de distribuição tor- nou-se essencial para negociar neste mercado global em mudança rápida. As c a u s a s da g loba l i zação c rescen te Mudanças politicas Um certo número de influências está a fazer avançar o actual processo de globalização. Uma das mais importantes foi o colapso do comunismo de estilo soviético que teve lugar na Europa de Leste em 1989, numa série de revoluções dramáticas que culminaram na dissolução da própria União Soviética em 1991 (ver capítulo 2, «Cultura e Sociedade»). Com a queda dos regimes comunistas, os países que constituíam o «bloco» soviético - Rússia, Ucrânia, Polónia, Hun* gria, República Checa, Estados Bálticos, países do Cáucaso e Ásia Central, e muitos outros - estão agora mais próximos do sistema económico e político de estilo ocidental. Deixaram de estar isolados da comu- U M M U N D O ÊM M U D A N Ç A 55 Suíça 247 «-Bélgica 100 « - C a n a d á 80 60 «-Estados Unidos da América «—Austrália 40 «-Hungria 2 0 « - C o s t a Rica «—Japão «-Áfr ica do S«1 0 1 i r Menos d© 5 minutos Tailândia 4 Colômbia 3 Egipto 2 Federação Russa 2 Benim 1 Gana 1 Paquistão 1 Figura 3.2 Chamadas telefónicas internacionais (minutos anuais per capita) e m 1995. Fonte: UNDP Muman Devefopment Report, Oxford Uníversity Press, 1999, p. 26. nidade mundial, integrando-se cada vez mais nela. Este acontecimento traduziu-se no fim do sistema que existia durante a Guerra Fria, quando havia uma separação entre países do «Primeiro Mundo» e do «Segundo Mundo». O colapso do comunismo contri- buiu para o incremento dos processos de globaliza- ção, mas deve também ser visto como uma conse- quência da própria globalização. As economias comunistas de planeamento centralizado e o controlo cultural da autoridade política comunista acabaram por não conseguir sobreviver numa era de comunica- ção global e numa economia mundial integrada elec- tronicamente. Um segundo factor importante para a intensifica- ção da globalização é o aumento dos mecanismos internacionais e regionais de governo. As Nações Unidas e a União Europeia são os dois principais exemplos de organizações internacionais que agrega- ram os estados-nação em fóruns políticos comuns. Embora as Nações Unidas o façam enquanto associa- ção de estados-nação individuais, a União Europeia é uma forma mais pioneira de governação transnacio- nal, onde os Estados membros abdicam de um deter- minado grau de soberania nacional. Os governos dos Estados que constituem a União Europeia sujei tam- ise a directivas, regulamentos e decisões judiciais de instituições europeias comuns, mas também tiram proveito de benefícios políticos, económicos e sociais que derivam da sua participação nesta união de carácter regional. Finalmente, as organizações intergovernamentais (OIG's) e as organizações não governamentais inter- nacionais (ONG's) estão a fazer avançar a globaliza- ção. Embora estes conceitos possam ser novidade para muitos, as ideias subjacentes a estas organiza* ções são provavelmente bem conhecidas. Uma orga- nização intergovernamental é um organismo estabe- lecido pelos governos que nele participem e ao qual é atribuído responsabilidade para regular, ou supervi- sionar, um determinado campo de actividades de âmbito transnacional. A primeira destas entidades, a União Internacional do Telégrafo, foi fundada em 1865. Desde então, foi criado um grande número de organismos semelhantes para regular assuntos que vão desde a aviação civil à emissão televisiva, pas- sando pelo tratamento de resíduos perigosos. Em 1909 existiam 37 OIG's para regular assuntos inter- nacionais. Em 1996, o número havia aumentado para 260 (Held et ai., 1999). Tal como o nome sugere, as ONG's têm uma natu- reza diferente, dado que não estão sob a dependência de instituições governamentais. Pelo contrário, são organizações independentes que operam a par de organismos governamentais na tomada de decisões políticas e na definição de posições quanto a questões internacionais. Algumas das ONG*s mais conhecidas - como a Greenpeace, o WWF, a rede global do ambiente, os Médicos sem Fronteiras, a Cruz Verme- U M M U N D O EM M U D A N Ç A 56 lha ou a Amnistia Internacional - estão envolvidas na defesa do meio ambiente e na ajuda humanitária. Mas as acções de milhares de organizações menos conhe- cidas unem também entre si comunidades e países (ver a figura 3.3). Fluxos de informação Vimos já que a expansão da tecnologia da informação fez aumentar as possibilidades de contacto entre pes- soas de vários pontos do mundo. Veio de igual modo facilitar o fluxo de informação acerca de pessoas e eventos em locais distantes. Os meios de comunica- ção mundiais levam diariamente è casa das pessoas notícias, imagens e informações, ligando-as directa e permanentemente ao mundo exterior. Alguns dos eventos mais dramáticos dos últimos quinze anos - como a queda do Muro de Berlim, a repressão vio- lenta dos manifestantes chineses pró-democracia na praça Tiananmen, a eleição de Nelson Mandela como presidente da África do Sul, a morte da Princesa Diana, ou os terramotos devastadores que tiveram lugar na Turquia - desenrolaram-se via meios de comunicação perante uma audiência verdadeiramen- te global. Graças a tais acontecimentos, a par de milhares de outros com muito menos carga dramáti* ca, assistisse a uma reorientação do modo de pensar das pessoas, passando-se do nível nacional para um nível global. Hoje em dia, as pessoas estão mais conscientes da sua ligação aos outros e mais dispos- tas a identificar-se com questões e processos globais do que antigamente. Esta evolução para uma perspectiva global possui duas dimensões importantes. Em primeiro lugar, enquanto membros de uma comunidade global, os indivíduos tomam cada vez mais consciência de que a responsabilidade social não acaba nas fronteiras nacio- nais, mas estendesse para lá delas. Os desastres e as injustiças de que são alvo pessoas de outros pontos do mundo não são simplesmente infortúnios que têm de ser suportados, mas constituem causas legítimas de acção e intervenção. Há a noção crescente de que a comunidade internacional tem a obrigação de agir perante situações de crise, de modo a proteger a inte- gridade física ou os direitos humanos das pessoas cujas vidas se encontram ameaçadas. No caso de catástrofes naturais, tais intervenções tomam a forma de ajuda humanitária e de assistência técnica. Nos últimos anos, tremores de terra na Arménia e na Turquia, cheias em Moçambique, a fome em África, e os efeitos de fura- cões na América Central suscitaram a ajuda mundial. Nos últimos anos houve também lugar a fortes apelos em favor de intervenções em contextos de guerra, de conflito étnico e de violação dos direitos humanos, embora tais mobilizações sejam mais pro- blemáticas do que em caso de catástrofes naturais. No entanto, tanto no caso da Guerra do Golfo em 1991 como aquando dos violentos conflitos na antiga Jugoslávia (Bósnia e Kosovo), muita gente, que acre- ditava que os direitos humanos e a soberania nacional deviam ser defendidos, considerou justificável a intervenção militar. Em segundo lugar, uma perspectiva global signifU ca que as pessoas, quando formulam a sua própria noção de identidade, estão a referir-se cada vez mais a outros contextos que não o do estado-nação. Este é produto dos processos de globalização que, por sua vez, contribui para acelerar. Numa época em que o controlo tradicional do estado-nação sofre profundas transformações, as identidades culturais locais em várias panes do mundo estão a passar por revivalis- mos poderosos. Na Europa, por exemplo, os habitan- tes da Escócia e da região basca de Espanha podem sentir-se mais inclinados a auto-identificar*se como escoceses ou bascos - ou simplesmente como euro- UM M U N D O E M M U D A N Ç A 59 rica do Norte. Os países da União Europeia, por exemplo, efectuam trocas comerciais predominante- mente entre si. O mesmo se aplica às outras zonas de comércio, peto que a noção de uma única economia global não é válida (Hirst, 1997). Muitos cépticos focam a sua atenção nos proces- sos de regionalização da economia mundial - tais como a emergência de grandes blocos financeiros e comerciais. Para os cépticos, a crescente regionaliza- ção é prova de que a economia mundial se tomou menos integrada, e não o contrário (Boyer e Drache, 1996; Hirst e Thompson, 1999). Em comparação com os padrões de comércio que se verificaram há um século atrás, pode dizer-se que a economia mundial é menos global em termos de amplitude geográfica, e mais concentrada em bolsas de intensa actividade económica. Os cépticos rejeitam a perspectiva de alguns autores - nomeadamente o ponto de vista dos hiperglobaliza- dores (ver abaixo) segundo a qual a globalização está basicamente a minar o papel dos governos nacio- nais e a produzir uma ordem mundial onde estes detêm uma menor importância. De acordo com os cépticos, os governos nacionais continuam a ser figuras-chave, dado o seu papel na regulação e coordenação da acti- vidade económica. Por exemplo, os governos são as forças impulsionadoras de muitos acordos de comércio e de políticas de liberalização económica. O s h i p e r g l o b a l i z a d o r e s Os hiperglobalizadores adoptam uma posição oposta à dos cépticos - defendem que a globalização é fenó- meno bem real, cujas consequências se podem sentir praticamente em todo o lado. A globalização é vista como um processo indiferente às fronteiras nacio- nais. Está a produzir uma nova ordem global, que deriva de poderosos fluxos de comércio e de produ- ção que atravessam fronteiras. O escritor japonês Kenichi Ohmae, um dos hiperglobalizadores mais conhecidos, concebe o fenómeno como um processo que conduz a um «mundo sem fronteiras» - um mundo no qual as forças do mercado têm mais poder do que os governos nacionais (Ohmae, 1990, 1995). Muita da análise em tomo da globalização levada a cabo pelos hiperglobalizadores centra-se na mudan- ça no papel da nação. Argumenta-se que os países deixaram de controlar as suas economias, graças ao amplo crescimento do comércio mundial. Alegam que os governos nacionais e os políticos que os com- põem detêm cada vez menos controlo sobre questões que atravessam as fronteiras nacionais - tais como os voláteis mercados financeiros ou as ameaças ambien- tais. Os cidadãos reconhecem que os políticos têm uma capacidade limitada para lidar com essas quês* toes, pelo que deixam de acreditar nos actuais siste- mas de governo. Alguns hiperglobalizadores acredi- tam que o poder dos governos nacionais está também a ser posto em causa por organismos mais amplos - as novas instituições regionais e internacionais, como a União Europeia, a Organização Mundial de Comér- cio e outras. Para os hiperglobalizadores, estas mudanças assi- nalam, no seu conjunto, o amanhecer de uma «era global» (Albrow 1996) marcada pelo declínio em importância e influência dos governos nacionais. O s « t r a n s f o r m a c i n n a l i s t a s » Os transformacional istas adoptam uma posição inter- média. Concebem a globalização como a força motriz de um conjunto amplo de mudanças que hoje em dia estão a alterar as sociedades modernas. De acordo com esta perspectiva, a ordem global está a ser transformada, mas muitos dos padrões tradicio- nais continuam a existir. Por exemplo, os governos ainda detêm uma considerável dose de poder, apesar do aumento de interdependência global. Estas trans- formações não se confinam apenas às economias, mas fazem-se sentir igualmente na esfera política, cultural e na vida doméstica. De acordo com o argu- mento dos transformacionalistas, os níveis actuais de globalização estão a fazer desaparecer as antigas fronteiras entre «interno» e «externo», «local» e «internacional». Na tentativa de se ajustarem a esta nova ordem, as sociedades, as instituições e as pró* prias pessoas são forçadas a navegar em contextos em que as antigas estruturas foram abaladas. Ao contrário dos hiperglobalizadores, os transfor- macionalistas concebem a globalização como um processo dinâmico e aberto sujeito a influências e à mudança. Está a evoluir de uma forma contraditória, incorporando tendências que, por norma, se opõem umas às outras. A globalização não é um processo de sentido único, ao contrário do que alguns afirmam, mas um fluxo de imagens, informações e influências U M M U N D O EM M U D A N Ç A 60 Cuadro 3.9 Conceptualizando a globalização: três tendências O que há de novo? Característica» dominantes Poder dos governos nacionais Forças motrizes da globalização Padrão de estratificação Interesse dominante Conceptua I ização da globalização Trajectória histórica Argumento principal Hiperglobalizadores Uma era global Capitalismo global, governação global, sociedade civil global Em declínio ou erosão Capitalismo e tecnologia Erosão das antigas hierarquias McDonald's, Madonna, etc. Como um reordenamento do enquadramento da acção humana Civilização global O fim do estado-nação Cépticos Blocos de comércio, formas de geogovernança mais fracas do que em períodos históricos ante- riores Mundo menos interdepen- dente do que por volta de 1890 Reforçado ou aumentado Governos e mercados Marginalização crescente dos países pobres do Sul interesse nacional Como internacionalização e regionalização Blocos regionais e con- fronto de civilizações A internacionalização depende da concordância e do apoio do governo Transformacionalistas Níveis historicamente sem precedentes de interligação global Globalização «espessa» (intensa e extensivamente) Reconstituído e reestruturado Combinação de forças da modernidade Nova configuração da ordem mundial Transformação da comunidade política Como o reordenamento das relações inter regionais e como acção à distância Indeterminada: integração e fragmentação global A globalização está a transformar o poder dos governos e a política mundial Fonte: Adaptado d© Hekl, O. et a/., Global Translormatíons, Poity 1999. p-10 em dois sentidos. A migração global, os meios de comunicação e as telecomunicações estão a contri- buir para a difusão de influências culturais. As «cida- des globais» mais fervilhantes do mundo são em grande medida multiculturais, onde grupos étnicos e diferentes culturas se intersectam e vivem lado a lado. Segundo os transformacionalistas, a globaliza- ção é um processo «descentrado» e reflexivo caracte- rizado por uma séria de ligações e fluxos culturais que operam de forma mu bidireccional. A globaliza- ção não pode ser vista como algo conduzido a partir de uma parte do mundo em particular, pois é o pro- duto de numerosas redes globais interligadas. Ao contrário dos hiperglobalizadores, que afir- mam que os países estão a perder a sua soberania, os transformacionalistas defendem que os países estão a U M M U N D O E M M U D A N Ç A 61 reestruturar-se para responder às novas formas de organização social e económica que não possuem base territorial (como as empresas, os movimentos sociais e os organismos internacionais). Alegam tam- bém que o mundo em que vivemos deixou de ser um mundo centrado no Estado; face à situação complexa gerada pela globalização, os governos vêem-se força- dos a adoptar uma postura mais activa e virada para o futuro (Rosenau, 1997). Que posição se aproxima mais da verdade? A dos transformacionistas, quase seguramente. Os cépticos estão equivocados, na medida em que não têm em conta até que ponto o mundo está a mudar - os mer» cados financeiros mundiais, por exemplo, estão hoje muito mais organizados a nível global do que no pas- sado. Os hiperglobalizadores, por seu lado, vêem o fenómeno demasiadamente em termos económicos e como um processo excessivamente unilateral, quan- do, na verdade, a globalização é uma questão muito mais complexa. O impacto da globalização nas nossas vidas Embora a globalização esteja frequentemente asso- ciada às mudanças no seio de «grandes» sistemas, tais como as telecomunicações, a produção e comer- cialização ou os mercados financeiros mundiais, os efeitos da globalização fazem-se igualmente sentir de forma activa na esfera privada. A globalização não é algo que simplesmente «exista algures», operando a um nível abstracto sem se relacionar com questões individuais. Enquanto fenómeno, a globalização «existe aqui e agora», afectando as nossas vidas pes- soais e íntimas de inúmeras formas. As nossas vidas viram-se inevitavelmente alteradas por acção das for- ças globalizantes que entram em nossas casas, comu- nidades ou contextos locais através de meios impes- soais - como os media, a Internet ou a cultura popu- lar - ou através do contacto pessoal com indivíduos de outros países e culturas. A globalização está a mudar radicalmente a natu- reza das nossas experiências quotidianas. À medida que as sociedades em que vivemos sofrem profundas transformações, as instituições que antigamente as sustentavam tornaram-se obsoletas. Tal obriga a uma redefinição de determinados aspectos íntimos e pes- soais das nossas vidas, como a família, os papéis de género, a sexualidade, a identidade pessoal, as nossas interacções com os outros e a nossa relação com o trabalho. Graças à globalização, a forma como nos concebemos a nós próprios e a relação com as outras pessoas estão a ser profundamente alterados. A e m e r g ê n c i a d o i n d i v i d u a l i s m o Nesta época em que vivemos, os indivíduos têm muito mais oportunidades para configurar as suas vidas do que no passado. Antigamente a tradição e os hábitos exerciam uma influência determinante sobre a vida das pessoas. Factores como a classe social, o género, a etnicidade e mesmo a religião podiam fechar ou abrir determinadas portas. Nascer-se filho mais velho de um alfaiate, por exemplo, provavel- mente quereria dizer que se iria aprender a profissão do pai e ser-se também alfaiate para o resto da vida. De acordo com a tradição, o espaço natural da mulher era o lar: a sua vida e identidade eram, em grande medida, definidas pelo esposo ou peio pai. No passa- do, as identidades pessoais dos indivíduos forma- vam-se no seio da comunidade em que nasciam. A ética, os valores e os estilos de vida dominantes em determinada comunidade forneciam as regras relati- vamente fixas que guiavam as pessoas na sua vida. Sob a globalização, estamos contudo perante a emergência de um novo individualismo, no qual as pessoas têm de constituir-se a si próprias de modo activo e construir as suas identidades. A medida que as comunidades locais interagem com uma nova ordem mundial, o peso da tradição e dos valores esta- belecidos enfraquece. Os «códigos sociais» que anti- gamente guiavam as escolhas e as acções das pessoas perderam significativamente importância. Hoje, por exemplo, o filho mais velho de um alfaiate pode escolher inúmeros caminhos de vida futuros, as mulheres já não estão confinadas ao espaço domésti- co, e muitas outros factores que moldavam a vida das pessoas deixaram de existir. Os quadros tradicionais de identidade estão a dissolver-se, enquanto emergem novos padrões de identidade. A globalização está a obrigar as pessoas a viver de uma forma mais aberta e reflexiva. Isto significa que estamos constantemen- te a responder ao contexto de mudança à nossa volta e a ajustar-nos a ele; enquanto indivíduos, evoluímos U M MUNDO EM M U D A N Ç A 64 C u l t u r a p o p u l a r O impacto cultural da globalização foi alvo de muita atenção. Imagens, ideias, produtos e estilos dissemi- nam-se hoje em dia pelo mundo inteiro de uma forma muito mais rápida. O comércio, as novas tecnologias de informação, os meios de comunicação internacio- nais e a migração global fomentaram um fluxo sem restrições de cultura que transpõe as fronteiras das diversas noções. Muitas pessoas defendem que vive- mos hoje numa única ordem de informação - uma gigantesca rede mundial, onde a informação é parti- lhada rapidamente e em grande quantidade (ver capí- tulo 15, «Meios de Comunicação e Comunicação». Um simples exemplo é o suficiente para ilustrar este ponto em concreto. Alguma vez viu o filme Titanitf É bastante prová- vel que sim. Segundo estimativas, centenas de milhões de pessoas do mundo inteiro assistiram ao filme, em salas de cinema ou em vídeo. Estreado em 1997, o Titanic conta a história de um jovem casal que se apaixona a bordo do fatídico navio transoceâ- nico, e é um dos filmes mais populares de sempre. O Titanic quebrou todos os recordes de bilheteira, acumulando mais de 1.8 mil milhões de dólares de receitas provenientes de salas de cinema em cinquen- ta e cinco países diferentes. Aquando da estreia do filme, formaram-se em muitos países filas de cente- nas de pessoas para comprar bilhete, e as sessões estavam permanentemente esgotadas. O filme foi muito bem recebido por todos os escalões etários, mas especialmente por meninas adolescentes, muitas das quais pagaram para ver o filme várias vezes. Os protagonistas de Tiianic, Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, viram o seu futuro e as suas carreias profun- damente transformadas - passaram de actores meno- res a celebridades mundiais. O filme é um dos muitos produtos culturais que conseguiu quebrar as frontei- ras nacionais e dar origem a um fenómeno de verda- deiras proporções internacionais. O que pode explicar a enorme popularidade de um filme como o Txtanic? O que revela o sucesso deste filme acerca da globalização? Por um lado, a popula- ridade de Titanic prende-se com razões muito sim- ples: combinava um enredo relativamente simples (uma história de amor face à iminência da tragédia) com um episódio histórico famoso (o afundamento, em 1912, do Tttanic, onde mais de 1.600 pessoas per- deram a vida). O filme contava também com uma produção sumptuosa, onde foi dada grande atenção aos pequenos detalhes, e incluía uma série de efeitos especiais de ponta. Por outro lado, outra razão que explica o sucesso de Titanic é o facto de o filme reflectir um conjunto particular de ideias e valores com que as assistências pelo mundo fora conseguiam identificar «se. Uma das temáticas centrais de o filme é a da possibilidade do amor romântico vencer as diferenças de ciasse social e as tradições familiares. Embora este ideal seja, de uma forma geral, aceite na maior parte dos países ocidentais, ainda não prevalece em muitas outras regiões do mundo. O sucesso de uma película como o Titanic reflecte a mudança de atitudes em relação a relacionamentos pessoais e casamentos, por exem- plo, em partes do mundo onde os valores mais tradi- cionais têm prevalecido. No entanto, pode dizer-se que o Tiianic, tal como muitos outros filmes ociden- tais, contribui para esta mudança de valores. Os fil- mes e programas de televisão produzidos no Ociden- te, que dominam os media mundiais, tendem a avan- çar uma série de agendas políticas, sociais e econó- micas que reflectem uma visão do mundo especifica- mente ocidental. Alguns preocupam-se com o facto da globalização estar a conduzir à criação de uma «cultura global», em que os valores dos mais ricos e poderosos - neste caso, os estúdios de cinema de Hollywood - se sobrepõem à força dos hábitos e das tradições locais. De acordo com esta perspectiva, a globalização é uma forma de «imperialismo cultu- ral», em que os valores, os estilos e as perspectivas ocidentais são divulgados de modo tão agressivo que suprimem as outras culturas nacionais. Outros autores, pelo contrário, associaram os pro- cessos de globalização a uma crescente diferenciação no que diz respeito a formas e tradições culturais. Ao contrário dos que insistem no argumento da homoge- neidade cultural, estes autores afirmam que a socie- dade global se caracteriza actualmente pela coexis- tência lado a lado de uma enorme diversidade de cul- turas. Às tradições locais, junta-se um conjunto de formas culturais adicionais provenientes do estran- geiro, presenteando as pessoas com um leque eston- teante de opções de escolha de estilos de vida. Esta- remos a assistir à fragmentação de formas culturais, e não à formação de uma cultura mundial unificada (Baudrillard, 1988). As antigas identidades e modos U M M U N D O EM M U D A N Ç A 65 Para muitos, a cadeia de comida rápida MçOonald* tornou-se símbolo do novo «imperialismo cultura!» que ameaça sobrepor-se às culturas focais com importantes marcas provenientes do Ocidente. de vida enraizados em culturas e em comunidades locais estão a dar lugar a novas formas de «identida- de híbrida», compostas por elementos de diferentes origens culturais (Hall, 1992). Deste modo, um cida- dão negro e urbano da África do Sul actual pode per- manecer fortemente influenciado pelas tradições e perspectivas culturais das suas raízes tribais, mas simultaneamente adoptar um gosto e estilo de vida cosmopolitas - na roupa, no lazer e nos tempos livres, etc. - que resultam da globalização. Globalização e risco As consequências da globalização são de largo alcan- ce, afectando praticamente todos os aspectos do mundo social. No entanto, dado a globalização ser um processo em aberto e intrinsecamente contraditó- rio, as suas consequências são difíceis de prever e controlar. Outra forma de pensar esta dinâmica é em termos de risco. Muitas das mudanças acarretadas pela globalização resultam em novas formas de risco, muito diferentes das que existiam em épocas anterio- res. Ao contrário dos riscos do passado, que tinham causas estabelecidas e efeitos conhecidos, os riscos de hoje em dia são incalculáveis e de consequências indeterminadas. \ m u l t i p l i c a ç ã o d o s r i scos m a n u f a c t u r a d o s Os seres humanos sempre se depararam directamen- te com riscos de uma espécie ou de outra, mas os ris- cos são actualmente de uma natureza diferente da dos de épocas anteriores. Até muito recentemente, as sociedades humanas estavam sob a ameaça de riscos externos - perigos que advêm de secas, terramotos, fome e tempestades que têm origem no mundo natu- ral e não estão relacionados com a acção do homem. Hoje em dia, no entanto, somos cada vez mais con- frontados com vários tipos de riscos manufac tura - dos - riscos que resultam do impacto da acção do U M M U N D O E M M U D A N Ç A 66 Vírus electrónicos A 4 de Maio de 2000 gerou-se o caos no mundo electrónico quando um vírus apelidado o «bug do amor» conseguiu penetrar os sistemas informáticos de todo o mundo. Lançado a partir de um computa* dor pessoal localizado em Manila, a capital das Fili- pinas, o «bug do amor» espalhou-se rapidamente pelo mundo inteiro, obrigando ao encerramento d e um décimo dos servidores de correio electrónico de todo o mundo. O vírus propagou-se peto globo atra- vés d e uma mensagem electrónica com o titulo «Amo-te». Quando os destinatários abriram o fichei- ro em anexo, activaram involuntariamente o vírus no seu próprio computador. O «bug do amor» reprodu- z i s s e então e enviou-se a si próprio para todas a s moradas electrónicas que constavam da lista de endereços pessoais, antes de atacar a informação e os ficheiros guardados no disco rígido do compu- tador. O vírus espaihou-se pelo mundo inteiro, de es te para oeste, primeiro na Ásia e depois na Euro- pa e na América do Norte, à medida que as pes- soas foram chegando de manhã ao emprego e pro- curaram novas mensagens electrónicas. Ao fim deste dia estimava-se que o «bug do amor» tinha provocado no mundo inteiro prejuízos no valor de mais de mil milhões de libras. Embora fosse de propagação excepcionalmente rápida, o «bug do amor» não foi o primeiro vírus deste género. Os vírus electrónicos tornaram-se cada vez mais comuns - e perigosos - à medida que os computadores e as formas electrónicas de comunicação foram aumentando a sua importância e sofisticação. Vírus como este demonstram quanto o mundo se tornou interdependente com o avanço da globalização. Poderá pensar-se que, neste caso, a interdependência global provou ser um coisa negativa, uma vez que se conseguiu que um vírus tão perigoso se espalhasse de forma tão rápida pelo mundo inteiro. Contudo, também aqui se reflec- tem muitos dos aspectos positivos da globalização. Assim que o vírus foi detectado, especialistas infor- máticos e de segurança Informática de todo o mundo uniram esforços de maneira a impedir que se espalhasse ainda mais, tentando proteger os sis- temas informáticos nacionais e partilhar informa- ções acerca da origem do vírus. Embora a globali- zação encerre-riscos inéditos, incentiva também o uso d a s novas tecnologias e o recurso a novas for- mas de coordenação mundial no combate a esses perigos. nosso saber e tecnologia sobre o mundo natural. Como veremos, muitos dos riscos ambientais e de saúde com que se deparam as sociedades contempo- râneas são exemplos de riscos manufacturados - são um produto da nossa acção sobre a natureza. Riscos ambientais As ameaças actuais que derivam do meio ambiente são um dos exemplos mais claros de riscos manufac- turados (ver capítulo 19, «Crescimento da População e Crise Ecológica»). Uma das consequências do aumento do ritmo de desenvolvimento industrial e tecnológico tem sido o aumento constante da inter- venção humana sobre a natureza. Há poucos aspectos do mundo natural onde a mão do homem não tenha ainda tocado - a urbanização, a produção industrial e a poluição, a construção de represas e barragens hidroeléctricas, os projectos agrícolas em larga esca- la, e os programas de energia nuclear são apenas algumas das formas de impacto dos seres humanos sobre o meio natural. O resultado colectivo de tais processos tem sido o início de uma destruição ambiental generalizada, cuja causa específica não é conhecida e cujas consequências são igualmente difí- ceis de calcular. No mundo globalizante de hoje em dia, os riscos ecológicos ameaçam-nos de variadas formas. A preo- cupação com o aquecimento global tem inquietado a comunidade científica há já algum tempo: é hoje amplamente aceite o facto de que a temperatura do planeta tem vindo a aumentar com o acumular de U M M U N D O EM M U D A N Ç A 69 mações nos padrões de emprego, um nível cada vez maior de insegurança laboral, influência decrescente da tradição e dos hábitos enraizados na identidade pessoal, erosão dos padrões familiares tradicionais, e democratização dos relacionamentos pessoais. Uma vez que o nosso futuro pessoal é hoje em dia muito menos previsível em relação ao que se passava nas sociedades tradicionais, todo o tipo de decisões implicam riscos para os indivíduos. Contrair matri- mónio, por exemplo, é hoje em dia uma decisão muito mais arriscada do que antigamente, quando o casamento era uma instituição vitalícia. As decisões quanto às habilitações literárias e a carreira a seguir podem também acarretar riscos - é difícil adivinhar as aptidões que serão valorizadas numa economia que muda de uma forma tão rápida como a nossa. Segundo Beck, um aspecto importante da socieda- de de risco é que os seus perigos não são limitados espacial, temporal ou socialmente (1995). Os riscos de hoje em dia afectam todos os países e todas as classes sociais: as suas consequências são globais, e não ape- nas pessoais. Muitas formas de riscos manufactura- dos, como aqueles que dizem respeito à saúde huma- na e ao meio ambiente, atravessam fronteiras nacio- nais. A explosão da central nuclear de Chemobyl, na Ucrânia, em 1986, ilustra bem este ponto. Todas as pessoas que, viviam na vizinhança de Chemobyl - independentemente da idade, classe, género ou estatu- to - foram expostas a níveis perigosos de radiação. Ao mesmo tempo, os efeitos do incidente fizeram-se sen- tir bem longe de Chemobyl propriamente dita - por toda a Europa, e em lugares mais distantes, níveis excepcionalmente elevados de radiação foram detec- tados muito depois da explosão ter ocorrido. Globalização e desigualdade Como Beck e outros autores chamaram a atenção, o risco constitui uma das principais consequências da globalização e do progresso tecnológico. As novas formas de risco apresentam desafios complexos tanto para os indivíduos como para as sociedades, forçan- do-os a navegar em águas desconhecidas. Não obs- tante, a globalização gera também outros desafios importantes. A globalização está a desenrolar-se de uma forma assimétrica. O impacto da globalização é sentido de forma diferente, e algumas das suas consequências não são de todo benignas. Lado a lado com o acumu- lar de problemas ecológicos, o aumento das desigual- dades entre as várias sociedades é um dos maiores desafios que o mundo enfrenta nos primórdios do século XXI. D e s i g u a l d a d e e d iv isões g loba i s Como vimos já na discussão em torno dos tipos de sociedade (capítulo 2, «Cultura e Sociedade»), a Figura 3.4 O alargamento do fosso entre os países mais ricos e os mais pobres, no período entre 1Ô20 e 1992. Fonte: UNDP Human Devetopment Report, Oxford Universíty Press, 1999, p. 38 U M M U N D O E M M U D A N Ç A 70 vasta maioria da riqueza mundial está concentrada nos países industrializados ou «desenvolvidos», ao passo que os países do «terceiro mundo» sofrem de pobreza generalizada, sobrepopulação, sistemas defi- cientes de prestação de cuidados de saúde e educa- ção, e pesadas dívidas externas. A disparidade entre o mundo desenvolvido e o mundo em vias de desen- volvimento tem aumentado a um ritmo contínuo durante os últimos vinte anos, sendo hoje maior do que nunca. O Relatório de Desenvolvimento Humano de 1999, publicado pelas Nações Unidas, revelou que o rendimento médio do quinto da população mundial, que vive nos países mais ricos, é 74 vezes maior que o rendimento médio do quinto que vive nos países mais pobres. No final da década de 90,20% da popu- lação mundial era responsável por 86% do consumo total mundial, 82% dos mercados de exportação e 74% das linhas de telefones. As 200 pessoas mais ricas do mundo duplicaram a sua fortuna entre 1994 e 1998: os bens dos três bilionários mais ricos do mundo ultrapassam a soma dos Produtos Internos Brutos (PIB) de todos os países menos desenvolvidos e dos 600 milhões de pessoas que neles vivem (UNDP, 1999). Em grande parte do mundo em vias de desenvol- vimento, os níveis de produção e crescimento econó- mico registados durante o último século não acompa- nharam a taxa de crescimento da população, enquan- to o nível de desenvolvimento económico nos países industrializados a ultrapassou de longe. Estas tendên- cias contrárias conduziram a uma acentuada separa- ção entre os países mais ricos e os mais pobres do mundo. A distância entre os países mais ricos e os mais pobres traduzia-se em 1820 na proporção de 3 para 1, de 11 para 1 em 1913, de 35 para 1 em 1950 e de 72 para 1 em 1992 (ver figura 3.4). Durante o último século, o rendimento per capita no segmento mais rico da população mundial quase sextuplicou, enquanto que no segmento mais pobre o aumento não chegou a triplicar. A globalização parece exacerbar esta tendência, ao concentrar ainda mais o rendimento, a riqueza e os recursos num pequeno número de países (ver figura 3.5). Como fomos vendo ao longo deste capítulo, a economia mundial está a crescer e a integrar-se a um ritmo extremamente rápido. A expansão do comércio mundial desempenhou um papel central neste proces- OBO* tf» PB mundial Mafericoa 20% MÉdfOS 60% 19% Quota fe «portaçáo tf* b m • apvlçoa Mtferteoc 20% - • ,, MMios 00% 17% Ottota tfo tifv»HmwWo <*mAQ no mranqdro Mais ricos 20% Mécfc» 60% «aspo*» j 1 % Quota * HHUMMM 4a Intamat Matarias 20% Médk* 60% Figura 3.5 Quota dos países mais ricos e mais pobres em relação ao rendimento, comércio, finanças e teleco- municações a nível mundial, em 1997 Fonte. UNOP. Human Devabpmant Raport, Oxford University Press, 1999, p.2. so - entre 1990 e 1997, o comércio internacional cresceu 6.5%. No entanto, apenas um reduzido número de países beneficiou deste crescimento, pois o processo de integração na economia global não foi equilibrado (ver figura 3.6). Alguns países - como as economias do leste asiático, o Chile, a índia e a Poló- nia - registaram um desenvolvimento considerável, com aumentos nas exportações superiores a 5%. Outros países, como a Rússia, a Venezuela e a Argé- lia, tiveram pouco a ganhar com a globalização e a expansão do comércio (UNDP, 1999). Conclusões do U M M U N D O E M M U D A N Ç A 7 1 íftTAÇAO D6 60IS g SCftVKpOS - taxa» d® mécfe anual. 1980*9$ 14 12 8 •Sotsaana -Uganda euridna •Jordânia •Marrocoa •lUnWa '^Araéfta •BarçfeM* •Napal -Ma -Ct*m Coraéa •itttoa •fWptnaa •Paraguai «México .CNte Costa Rtea •PoNMa • w * -̂Quatamata •Nígar Álrtea Ptiaaaitoaa AatatfoM EMpártt Laata Aaláfloo Sudast» Atfáflco América UBna £urapa*a Laataa APaefltoo «Garate ax4JnB»awi*tlea EXFOffl5Kto DÊ UANUFWm*^ 1990-97 too •Goraia 90 40 20 •Maurtriaa ftepôttea CaMo- •AMeana ts» Moçambique -«-Camarões •itatala •Marrocos <G Aitftta 'Sautfta índia -SriUnka •CNna Mongâto •Singapura •IfelMa * 'OmMa RapúMca •DeoMeana Mftte •EaMrfa s •Roménia •ftrtrta •«•ecIMa -«-Equador PafeaaÁrabaa Áalad»8uJ laata Aatéfteo SttdaateAalifta América u*na *Can*aa niniuiim înwnMiinnÉBiiiiiii ir>»ii|iiiMiiihB miiiilw ila iinî niiii fíi lifta rimimi»i>i •nurtniti i>n ial itn flui ihi> 1111111111 ali tWTT Figura 3.6 Desigualdades no nível de exportações entre países de diferentes regiões do mundo, 1980-97 Fonte: UNDP, Human Devefopment Raport, Oxford University Press, 1999, p. 27. U M M U N D O E M M U D A N Ç A 74 incluindo leis nacionais ou acordos bilaterais firma- dos para proteger o ambiente, impedir o esgotamento de recursos, salvaguardar a saúde pública ou garantir normas laborais ou direitos humanos. Por exemplo, a OMC agiu contra a União Europeia, quando esta se recusou a importar carne de vaca americana tratada à base de hormonas devido às alegadas ligações a casos de cancro, e pôs em causa uma lei aprovada pelo esta- do norte-americano de Massachusetts que proibia as empresas de investir na Birmânia (Myanmar) devido às violações dos direitos humanos que aí têm lugar. Uma última preocupação partilhada por muitos activistas reside na enorme influência que os Estados Unidos da América têm sobre as actividades da OMC e outras organizações internacionais como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional. Nos anos que se seguiram à queda da União Soviética, os EUA passaram a ser considerados por muitos como a única superpotência mundial. O que, de alguma forma, não deixa de ser verdade. Com o seu esmaga- dor poderio militar, económico e político, os Estados Unidos da América conseguem influenciar as discus- sões e as medidas políticas adoptadas por muitas ins- tituições internacionais. O carácter assimétrico da glo- balização deve ser visto em parte como um reflexo do facto de o poder económico e político estar concen- trado nas mãos de um pequeno número de países. Os críticos da OMC, e de outras instituições finan- ceiras internacionais como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional, defendem que essa obsessão com a integração económica mundial está a obrigar as pessoas a viver numa «economia» e não numa «sociedade». Muitos estão convencidos de que tais medidas irão enfraquecer ainda mais a posição económica das sociedades mais pobres, ao permitir que as transnacionais operem sem respeitar as nor- mas ambientais ou de segurança. Os interesses comerciais, dizem, estão a ganhar uma preponderân- cia crescente sobre a preocupação com o bem-estar da humanidade. Não é apenas nos países em vias de desenvolvimento, mas também no mundo industriali- zado, que se verifica a necessidade de se investir mais no «capital humano» - saúde pública, educação, formação se não quisermos que as divisões mun- diais se agravem ainda mais. O principal desafio do século XXI é garantir que a globalização beneficie as pessoas do mundo inteiro, e não apenas aquelas que estão à partida bem colocadas para daí tirar partido. Conclusão: A necessidade de uma governação global À medida que a globalização avança, parece notó- rio que as estruturas e os modelos políticos existentes não estão preparados para enfrentar um mundo cheio de riscos, desigualdades e desafios que transcendem as fronteiras dos países. Os governos nacionais vêem-se incapazes de, sozinhos, controlarem o aumento de incidência da SIDA, conterem os efeitos do aqueci- mento global, ou regularem os voláteis mercados financeiros. Muitos dos processos que afectam as sociedades do mundo inteiro estão além da competên- cia dos actuais mecanismos de exercício do governo. Face a este «déficit» de governo, algumas pessoas têm exigido novas formas de governação mundial para lidar com questões globais de uma forma global. Segundo esta perspectiva, à medida que um número cada vez maior de problemas é colocado acima do nível individual dos países, as respostas a estes proble- mas também devem ser essencialmente transnacionais. Embora não pareça realista falar em governação acima do nível do estado-nação, foram já dados alguns passos no sentido da criação de uma estrutura democrática global, como a constituição das Nações Unidas e da União Europeia. Esta última, em particu- lar, pode ser vista como uma resposta inovadora à globalização, sendo provável que venha a tornar-se um modelo para organizações similares em outras partes do mundo onde os laços regionais sejam for- tes. Novas forma de exercício de governo mundial podem ajudar a promover uma ordem global cosmo- polita, onde sejam estabelecidas e observadas leis transparentes e padrões de comportamento interna- cional, como a defesa dos direitos humanos. A década que se seguiu ao fim da Guerra Fria foi marcada pela violência, por conflitos domésticos e por transformações caóticas em muitas partes do mundo. Enquanto alguns observadores adoptaram um ponto de vista pessimista, vendo a globalização como um acelerador da crise e do caos, outros viram oportunidades cruciais para agregar as forças globali- zantes no intuito de alcançar um nível cada vez maior de igualdade, democracia e prosperidade. Esta mudança em direcção a uma governação global e a instituições cada vez mais eficientes na regulação é absolutamente apropriada numa altura em que a interdependência mundial e o ritmo vertiginoso da U M M U N D O EM M U D A N Ç A 75 mudança ligam a população mundial mais do que nunca entre si. Está nas nossas mãos fazer prevalecer o desejo de um mundo social melhor. Na verdade, tal tarefa parece ser da maior necessidade e constituir simultaneamente o maior desafio que as sociedades humanas enfrentam no início do século XXI. 1 Um dos fenómenos sociais de maior importância para os sociólogos contempo- râneos é a globalização - a intensificação da interdependência e das relações sociais mundiais. A globalização traduz-se no facto de vivermos cada vez mais num «único mundo», onde as nossas acções têm consequências para os outros e os problemas mundiais têm consequências para nós. A globalização afecta hoje em dia a vida das pessoas de todos os países, sejam ricos ou pobres, transfor- mando não apenas os sistemas globais mas também a vida quotidiana. 2 A globalização é muitas vezes tida como um fenómeno económico, embora este ponto de vista seja demasiadamente simplista. A globalização resulta da conju- gação de factores sociais, políticos, económicos e culturais. É conduzida, sobre- tudo, pelos avanços nas tecnologias de informação e comunicação, que intensifi- cam a velocidade e a amplitude da interacção entre as pessoas em todo o mundo. 3 Vários factores estão a contribuir para o incremento da globalização. Em primei- ro lugar, factores como o fim da Guerra Fria, o colapso dos regimes comunistas de estilo soviético e o crescimento das formas de governação regionais e inter- nacionais, criaram as condições para uma maior aproximação entre os países de todo o mundo. Em segundo lugar, a divulgação das tecnologias de informação veio facilitar o fluxo de informação à volta do globo, encorajando as pessoas a adoptar uma postura global. Em terceiro, as multinacionais aumentaram em dimensão e importância, tendo constituído redes de produção e de consumo que abrangem o mundo inteiro e ligam os mercados económicos. 4 A globalização tornou-se um assunto de acesas discussões. Os «cépticos» defen- dem que a ideia de globalização é exagerada e que os níveis actuais de interde- pendência não são historicamente inéditos. Alguns cépticos centram-se antes nos processos de regionalização que estão a intensificar a actividade no âmbito de grandes grupos financeiros e comerciais. Os «hiperglobalizadores» adoptam uma postura contrária, defendendo que a globalização é um fenómeno real e de gran- de magnitude que ameaça reduzir a zero o papel dos governos nacionais. Um ter- ceiro grupo, os transformacionalistas, acredita que a globalização está a alterar muitos aspectos da actual ordem mundial - incluindo as relações sociais, políti- cas e económicas - embora os velhos padrões ainda se mantenham. Segundo esta perspectiva, a globalização é um processo contraditório, envolvendo um fluxo multidireccionado de influências que por vezes se opõem entre si. 5 A globalização não se restringe aos grandes sistemas globais. O seu impacto reflecte-se nas nossas vidas pessoais, na maneira como pensamos acerca de nós próprios e nas nossas relações com os outros. As forças globalizantes penetram nos nossos contextos locais e nas nossas vidas pessoais, seja através de fontes impessoais como os meios de comunicação e a Internet, seja através de contac- tos pessoais com pessoas de outros países e culturas. 6 A globalização é um processo em aberto e contraditório - produz fenómenos difí- ceis de controlar e prever. Da globalização resultam novas formas de risco dife- rentes das anteriores. Os riscos externos são ameaças provenientes do mundo 76 U M M U N D O 6 M M U D A N Ç A natural, como os terramotos. Os riscos manufacturados resultam do impacto do saber e da tecnologia humana sobre o mundo natural. Alguns observadores acre* ditam que vivemos hoje numa sociedade global de risco, em que as sociedades humanas enfrentam riscos (como o aquecimento global) produzidos pela nossa própria acção sobre a natureza. 7 A globalização é um fenómeno em rápida expansão, ainda que de forma assimé- trica. Foi referida a separação crescente entre os países mais ricos e os países mais pobres do mundo. A riqueza, o rendimento, os recursos e o consumo con* centram-se nas sociedades desenvolvidas, enquanto grande parte do mundo em vias de desenvolvimento debate-se com a pobreza, a fome, as doenças e a dívida externa. Muitos dos países que mais necessitam dos benefícios da globalização correm o risco de ser marginalizados. 9 Nas últimas décadas, as barreiras ao comércio internacional têm sido progressi- vamente reduzidas e muitos observadores acreditam que o comércio livre e os mercados abertos permitirão que os países em desenvolvimento se integrem de uma forma mais plena na economia mundial. Os que se opõem a esta visão argu- mentam que as entidades internacionais de comércio, como a Organização Mun- dial de Comércio, são dominadas pelos interesses dos países mais ricos e esque- cem as necessidades do Terceiro Mundo. Argumentam que as regras que ditam o comércio mundial devem, acima de tudo, defender os direitos humanos, os direi- tos laborais, o meio ambiente e as economias nacionais, e não apenas procurar garantir maiores lucros para as empresas. 9 A globalização está a produzir riscos, desafios e desigualdades que atravessam fronteiras nacionais e diminuem a capacidade das estruturas políticas existentes. Em virtude de os governos não estarem preparados para, sozinhos, lidarem com estas questões transnacionais, há necessidade de novas formas de governação global, para lidar com os problemas mundiais de uma formal global. Reafirmar a nossa vontade no mundo social em rápida mudança em que vivemos pode cons- tituir o maior desafio do século XXI. . ( w A REFLEXÃO 1 Como pode a globalização ser considerada também um fenómeno local? 2 A globalização causou a queda do Comunismo? 3 A «McDonaldização» é essencialmente um fenómeno de dimensão económica, cultural ou política da globalização? 4 Com o sentido crescente de individualismo, seremos hoje em dia livres de ser quem desejamos ou ficaremos sem saber que caminho seguir? 5 As transnacionais têm realmente mais poder do que os governos? 6 Porque se diz que cada vez mais os riscos são «manufacturados»? I • I - • 11< < • . ADICIONAIS Peter Dicken, Global Shift: Transforming the World Economy, Nova Iorque: Guil- ford Press, 1998. John Gray, False Dawn: The Delusions of Global Capitalism, Oxford: Granta Books, 1998. David Held,et al (Eds.), Global Transformations, Cambridge, Polity, 1999. Capítulo 4: Interacção Social e Vida Quotidiana Alguma vez teve uma conversa face-a-face com um estrangeiro? Ou visitou um sítio de Internet alojado num outro país? Fez alguma vez uma viagem ao estrangeiro? Se respondeu afirmativamente a uma destas questões, já testemunhou os efeitos da globali- zação na interacção social - o processo em que agi- mos e reagimos relativamente ao que nos rodeia. Embora sempre tenha havido interacções entre pes- soas de nacionalidades diferentes, a verdade é que a globalização veio alterar tanto a frequência como a natureza desses contactos. Com a globalização, aumenta a proporção das nossas interacções que envolvem, directa ou indirectamente, pessoas de outras culturas ou nacionalidades. Quais são as características das interacções sociais entre indivíduos de países diferentes? Aqueles que trabalham na área da Sociologia do Turismo deram contribuições importantes para o estudo desta ques- tão. A globalização aumentou exponencialmente a possibilidade de fazer viagens internacionais, encora- jando por um lado o interesse noutros países e, por outro, facilitando a mobilidade de turistas no espaço internacional. Esta expansão do turismo internacional traduz-se num aumento do número de interacções face-a-face entre pessoas de países diferentes. Segun- do John Urry (1990), muitas destas interacções são configuradas pelo «olhar turístico», a expectativa do turista em passar por experiências exóticas quando em viagem pelo estrangeiro. As experiências «exóticas» são aquelas que vão contra as nossas expectativas quotidianas sobre a forma habitual das interacções sociais e a interacção com o meio ambiente. Para muitos europeus que via- jam até à Grã-Bretanha o facto de aí se guiar pelo lado esquerdo da estrada é desconcertante. As regras de trânsito estão tão enraizadas que achamos estranho as violações dessas regras. No entanto, enquanto turistas, sabe-nos bem essa estranheza. Em certo sen- tido, foi isso que pagámos para ver - juntamente com outras atracções turísticas. Imagine-se como seria frustrante viajar a um país estrangeiro e descobrir que tudo era praticamente igual à cidade onde se cresceu. A maioria dos turistas não deseja passar por expe- riências demasiado exóticas. Um dos locais mais fre- quentados por jovens turistas em Paris, por exemplo, é a cadeia de restaurantes McDonalds. Os cidadãos britânicos quando viajam ao estrangeiro muitas vezes não resistem a visitar pubs e bares de típico estilo inglês. Por vezes, tais atracções são o resultado da curiosidade, mas as pessoas apreciam frequentemen- te o conforto de comer e beber num ambiente que lhes é familiar. Estas vontades contraditórias entre o exótico e o familiar são cruciais ao olhar do turista. O olhar turístico pode limitar as interacções face- -a-face entre turistas e habitantes locais. Destes últi- mos, aqueles que fazem parte da indústria do turismo podem ver com bons olhos a chegada dos turistas estrangeiros, dados os benefícios económicos que estes trazem aos locais que visitam. Os restantes habitantes locais podem estranhar os turistas, desa- gradando-lhes as suas atitudes exigentes ou o sobre- desenvolvimento que normalmente está associado aos destinos turísticos populares. Os turistas podem questionar os habitantes locais acerca de certos aspectos das suas vidas quotidianas, tal como a comi- da, o trabalho e os hábitos de diversão. Fazem-no tanto para melhor compreender as outras culturas como para fazer maus juízos acerca daqueles que são diferentes. Com o aumento do turismo que a globali- zação trouxe, os sociólogos terão de observar deta- lhadamente os padrões de interacção que emergem entre turistas e habitantes locais, para determinar, entre outras coisas, se essas interacções são tenden- cialmente amistosas ou hostis. O estudo da vida quotidiana Embora à primeira vista o turismo pareça não ter grande interesse para os sociólogos, as experiências por que passam os turistas no estrangeiro podem, na verdade, revelar muito acerca do mundo social. A ideia de «olhar turístico» é importante pelo que revela acerca do papel das nossas vidas quotidianas na configuração da percepção que temos do mundo I N T E R A C Ç Ã O S O C I A L E VIOA Q U O T I D I A N A 81 que nos rodeia - o que é corrente e familiar, ou o que é excepcional. Na maioria das vezes, as actividades e as vistas que a um turista estrangeiro parecem «exó- ticas», são uma parte prosaica da vida da população local. Tome-se,como exemplo, um grupo de turistas oci- dentais de visita a um país muçulmano pela primeira vez. Estes são frequentemente surpreendidos pelo som das «chamadas para a oração» que se ouve cinco vezes por dia a partir dos minaretes de centenas de mesquitas. Este som, belo e inquietante, é estranho à maioria dos ouvidos ocidentais. Para os habitantes locais, no entanto, esta chamada para a oração faz de tal modo parte da sua vida quotidiana que é sentida de forma mais ou menos inconsciente. Se viajarem até ao Ocidente, onde as chamadas para a oração geralmente não se fazem ouvir, os cidadãos muçul- manos sentiriam a sua ausência de uma forma estra- nha e confusa. Independentemente de onde se viva, há coisas que fazemos diariamente vezes sem conta de uma forma mais ou menos desatenta. Como um outro exemplo, tome-se o caso de uma interacção muito simples que ocorre milhões de vezes por dia em qualquer cidade do mundo. Quando duas pessoas se cruzam na rua de uma cidade, trocam à distância breves olhares» des- viando o olhar e evitando olhar nos olhos da outra pessoa. Ao fazê«lo, estes indivíduos ilustram o que Erving Goffman (1967, 1971) designou como desa« tenção civil, aquilo que, em muitas situações, exigi- mos uns dos outros. A desatenção civil não é, de modo nenhum, o mesmo que ignorar a outra pessoa. Cada indivíduo demonstra ao outro o reconhecimento da sua presença, mas evita qualquer gesto que possa ser entendido como intromissão. Demonstrar desinteresse civil é algo que fazemos de forma mais ou menos inconsciente, mas é de uma importância fundamental no nosso dia-a-dia. A desatenção civil que as pessoas atribuem umas às outras quando se cruzam na rua não é algo que aconteça por acaso, mas uma técnica desenvolvida pelos habitantes das cidades que tem sido observada e estudada pelos interac- cronistas simbólicos.
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