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Apostila Introduzindo Hidrologia, Notas de estudo de Hidrologia

Apostila Hidrologia

Tipologia: Notas de estudo

2013
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Compartilhado em 20/04/2013

bruna-silva-goulart-10
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Baixe Apostila Introduzindo Hidrologia e outras Notas de estudo em PDF para Hidrologia, somente na Docsity! Introduzindo Hidrologia Walter Collischon Rutinéia Tassi Introduzindo hidrologia WALTER COLLISCHONN – IPH UFRGS RUTINÉIA TASSI – IPH UFRGS Capa: Andreas Collischonn Ilustrações: Fernando Dornelles Versão 5 H I D R O L O G I A 3 • Otimização da operação de sistemas interligados de geração elétrica que incluem hidrelétricas e termoelétricas. • Análise das relações entre o uso da água para geração de energia e outros usos, como irrigação, abastecimento urbano, navegação, preservação do meio ambiente e recreação. No Brasil a geração de energia elétrica está fortemente ligada à hidrologia porque a quase totalidade da energia gerada e consumida é oriunda de usinas hidrelétricas. Considerando os dados da década de 1990, o Brasil é o terceiro maior produtor de energia hidrelétrica do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Canadá e a frente da China, da Rússia e da França. Entretanto, a energia hidrelétrica no Brasil corresponde a mais de 97% do total da energia elétrica gerada, enquanto que, na maior parte dos outros países, a energia hidrelétrica corresponde a percentuais muito menores do total, conforme a Tabela 1. 1. Destes países apenas a Noruega apresenta uma dependência semelhante da água no setor de energia, com 99% da energia de origem hidrelétrica. A dependência mundial da energia hidrelétrica é de apenas 20%, conforme pode ser observado na última linha da tabela. Tabela 1. 1: Os dez países maiores produtores de energia hidrelétrica do mundo e a importância relativa da hidreletricidade na energia total produzida (Gleick, 2000). País Capacidade Instalada(MW) Energia Hidrelétrica produzida (GW.hora/ano) Percentual da energia total produzida (%) Estados Unidos 74.860 296.380 10 Canadá 64.770 330.690 62 China 52.180 166.800 18 Brasil 51.100 250.000 97 Rússia 39.990 162.800 27 Noruega 26.000 112.680 99 França 23.100 65.500 15 Japão 21.170 91.300 9 Índia 20.580 72.280 25 Suécia 16.540 63.500 52 Total dos 10 países 390.290 1.611.030 22 Mundo 633.730 2.445.390 20 Mesmo em usinas termelétricas a água tem um papel fundamental e é consumida em quantidades significativas. Neste caso a água é utilizada nos ciclos internos de resfriamento e geração de vapor. Nos Estados Unidos as usinas termelétricas utilizam cerca de 260 bilhões de metros cúbicos por ano, o que corresponde a 47% da utilização total de água neste país. Deve se ressaltar, entretanto, que nem toda esta H I D R O L O G I A 4 água é consumida, e grande parte retorna aos rios. Por este motivo, também as usinas termelétricas são construídas junto à fontes abundantes e confiáveis de água, e são necessários estudos hidrológicos para avaliar a sua disponibilidade. A água A água é uma substância com características incomuns. É a substância mais presente na superfície do planeta Terra, cobrindo mais de 70% do globo. O corpo humano é composto por água mais ou menos na mesma proporção. Já um tomate é composto por mais de 90 % de água, assim como muitos outros alimentos. Todas as formas de vida necessitam da água para sobreviver. A água é a única substância na Terra naturalmente presente nas formas líquida, sólida e gasosa. A mesma quantidade de água está presente na Terra atualmente como no tempo em que os dinossauros habitavam o planeta, há milhões de anos atrás. A busca de vida em outros planetas está fortemente relacionada a busca de indícios da presença de água. A estrutura molecular da água (H2O) é responsável por uma característica fundamental da água que é a sua grande inércia térmica, isto é, a temperatura da água varia de forma lenta. O sol aquece as superfícies de terra e de água do planeta com a mesma energia, entretanto as variações de temperatura são muito menores na água. Em função deste aquecimento diferenciado e do papel regularizador dos oceanos, o clima da Terra tem as características que conhecemos. Comparada com outros líquidos a água também apresenta uma tensão superficial relativamente alta. Esta tensão superficial é responsável pela organização da chuva na forma de gotas e pela ascensão capilar da água nos solos. Os recursos de água têm determinado o destino de muitas civilizações ao longo da história. Povos entraram em conflito e guerras foram iniciadas em torno de problemas relacionados ao acesso à água. O crescimento da população mundial ao longo do último século tornou criticamente necessária a racionalização do uso da água. No Brasil a geração de energia elétrica é apenas um dos usos da água, mas sua importância é muito grande, chegando a influenciar fortemente as estimativas do valor associado á água. A hidrosfera O termo hidrosfera refere-se a toda a água do mundo, que é estimada em aproximadamente 1,4 quilômetros cúbicos. Cerca de 97 % da água do mundo está nos oceanos. Dos 3% restantes, a metade (1,5% do total) está armazenada na forma de geleiras ou bancadas de gelo nas calotas polares. A água doce de rios, lagos e aqüíferos (reservatórios de água no subsolo) corresponde a menos de 1% do total. H I D R O L O G I A 5 Em valores totais a água doce existente na Terra e a água que atinge a superfície dos continentes na forma de chuva é suficiente para atender todas as necessidades humanas. Entretanto, grandes problemas surgem com a grande variabilidade temporal e espacial da disponibilidade de água. A América do Sul é, de longe, o continente com a maior disponibilidade de água, porém a precipitação que atinge nosso continente é altamente variável, apresentando na Amazônia altíssimas taxas de precipitação enquanto o deserto de Atacama é conhecido como o lugar mais seco do mundo. No Brasil a disponibilidade de água é grande, porém existem regiões em que há crescentes conflitos em função da quantidade de água, como na região semi-árida do Nordeste. Mesmo no Rio Grande do Sul, onde a disponibilidade de água pode ser considerada alta, ocorrem anos secos em que a vazão de alguns rios não é suficiente para atender as demandas para abastecimento da população e para irrigação. Tabela 1. 2: A água na Terra (Gleick, 2000). Percentual água do planeta (%) Percentual da água doce (%) Oceanos/água salgada 97 Gelo permanente 1,7 69 Água subterrânea 0,76 30 Lagos 0,007 0,26 Umidade do solo 0,001 0,05 Água atmosférica 0,001 0,04 Banhados 0,0008 0,03 Rios 0,0002 0,006 Biota 0,0001 0,003 O ciclo hidrológico O ciclo hidrológico é o conceito central da hidrologia. O ciclo hidrológico está ilustrado na Figura 1. 1. A energia do sol resulta no aquecimento do ar, do solo e da água superficial e resulta na evaporação da água e no movimento das massas de ar. O vapor de ar é transportado pelo ar e pode condensar no ar formando nuvens. Em circunstâncias específicas o vapor do ar condensado nas nuvens pode voltar à superfície da Terra na forma de precipitação. A evaporação dos oceanos é a maior fonte de vapor para a atmosfera e para a posterior precipitação, mas a evaporação de Os processos do ciclo hidrológico são: precipitação; infiltração; escoamento; evapotranspiração e condensação. H I D R O L O G I A 8 Um exemplo de bacia delimitada é apresentado na Figura 2. 1. A bacia delimitada corresponde à bacia do Arroio Quilombo, próximo a Lomba Grande e Novo Hamburgo, até a seção que corresponde a ponte da estrada vicinal indicada no mapa. O divisor de águas apresentado como uma linha pontilhada separa as regiões do mapa em que a água da chuva vai escoar até a seção da ponte das regiões em que a água da chuva não vai escoar até esta seção. O divisor de águas passa, em geral, pelas regiões mais elevadas do entorno do Arroio Quilombo e de seus afluentes, mas não necessariamente inclui os pontos mais elevados do terreno. O divisor de águas intercepta a rede de drenagem em apenas um ponto, que corresponde ao exutório da bacia (no exemplo é a seção da ponte). Figura 2. 1: Exemplo de uma bacia hidrográfica delimitada sobre um mapa topográfico. A área da bacia pode ser medida através de um instrumento denominado planímetro ou utilizando representações digitais da bacia em CAD ou em Sistemas de Informação Geográfica. H I D R O L O G I A 9 O comprimento da drenagem principal é uma característica fundamental da bacia hidrográfica porque está relacionado ao tempo de viagem da água ao longo de todo o sistema. O tempo de viagem da gota de água da chuva que atinge a região mais remota da bacia até o momento em que atinge o exutório é chamado de tempo de concentração da bacia. A declividade média da bacia e do curso d’água principal também são características que afetam diretamente o tempo de viagem da água ao longo do sistema. O tempo de concentração de uma bacia diminui com o aumento da declividade. A equação de Kirpich, apresentada abaixo, pode ser utilizada para estimativa do tempo de concentração de pequenas bacias: 385,03 57 ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ ∆ ⋅= h Ltc onde tc é o tempo de concentração em minutos; L é o comprimento do curso d’água principal em km; e ∆h é a diferença de altitude em metros ao longo do curso d’água principal. Outras características importantes da bacia Os tipos de solos, a geologia, a vegetação e o uso do solo são outras características importantes da bacia hidrográfica que não estão diretamente relacionadas ao relevo. Os tipos de solos e a geologia vão determinar em grande parte a quantidade de água precipitada que vai infiltrar no solo e a quantidade que vai escoar superficialmente. A vegetação tem um efeito muito grande sobre a formação do escoamento superficial e sobre a evapotranspiração. O uso do solo pode alterar as características naturais, modificando as quantidades de água que infiltram, que escoam e que evaporam, alterando o comportamento hidrológico de uma bacia. Balanço hídrico numa bacia O balanço entre entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica é denominado balanço hídrico. A principal entrada de água de uma bacia é a precipitação. A saída de água da bacia pode ocorrer por evapotranspiração e por escoamento. Estas variáveis podem ser medidas com diferentes graus de precisão. O balanço hídrico de uma bacia exige que seja satisfeita a equação: Tempo de concentração é o tempo que uma gota de chuva que atinge a região mais remota da bacia leva para atingir o exutório. H I D R O L O G I A 10 QEP dt dV −−= ou, num intervalo de tempo finito: QEP t V −−= ∆ ∆ onde ∆V é a variação do volume de água armazenado na bacia (m3); ∆t é o intervalo de tempo considerado (s); P é a precipitação (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento (m3.s-1). Figura 2. 2: Relevo de uma bacia hidrográfica e as entradas e saídas de água: P é a precipitação; ET é a evapotranspiração e Rs é o escoamento (adaptado de Hornberger et al., 1998). Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variação de armazenamento pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equação pode ser reescrita em unidades de mm.ano-1, o que é feito dividindo os volumes pela área da bacia. QEP += onde P é a precipitação em mm.ano-1; E é a evapotranspiração em mm.ano-1 e Q é o escoamento em mm.ano-1. H I D R O L O G I A 13 e a evapotranspiração é dada por E = P – Q =1600 – 715 = 885 mm.ano-1. O coeficiente de escoamento de longo prazo é dado por C = Q/P = 715/1600 = 0,447. Exercícios 1) Uma bacia de 100 km2 recebe 1300 mm de chuva anualmente. Qual é o volume de chuva (em m3) que atinge a bacia por ano? 2) Uma bacia de 1100 km2 recebe anualmente 1750 mm de chuva, e a vazão média corresponde a 18 m3/s. Calcule a evapotranspiração total desta bacia (em mm/ano). 3) A região da bacia hidrográfica do rio Uruguai recebe precipitações médias anuais de 1700 mm. Estudos anteriores mostram que o coeficiente de escoamento de longo prazo é de 0,42 nesta região. Qual é a vazão média esperada em um pequeno afluente do rio Uruguai numa seção em que a área da bacia é de 230 km2. 4) Considera-se para o dimensionamento de estruturas de abastecimento de água que um habitante de uma cidade consome cerca de 200 litros de água por dia. Qual é a área de captação de água da chuva necessária para abastecer uma casa de 4 pessoas em uma cidade com precipitações anuais de 1400 mm, como Porto Alegre? Considere que a área de captação seja completamente impermeável. H I D R O L O G I A 14 Precipitação água da atmosfera que atinge a superfície na forma de chuva, granizo, neve, orvalho, neblina ou geada é denominada precipitação. Na realidade brasileira a chuva é a forma mais importante de precipitação, embora grandes prejuízos possam advir da ocorrência de precipitação na forma de granizo e em alguns locais possa eventualmente ocorrer a neve. A chuva é a causa mais importante dos processos hidrológicos de interesse da engenharia e é caracterizada por uma grande aleatoriedade espacial e temporal. A água existente na atmosfera está, em sua maior parte, na forma de vapor. A quantidade de vapor que o ar pode conter é limitada. Ar a 20º C pode conter uma quantidade máxima de vapor de, aproximadamente, 20 gramas por metro cúbico. Quantidades de vapor superiores a este limite acabam condensando. A quantidade máxima de vapor que pode ser contida no ar sem condensar é a concentração de saturação. Uma característica muito importante da concentração de saturação é que ela aumenta com o aumento da temperatura do ar. Assim, ar mais quente pode conter mais vapor do que ar frio. A Figura 3. 1 apresenta a variação da concentração de saturação de vapor no ar com a temperatura. Observa-se que o ar a 10º C pode conter duas vezes mais vapor do que o ar a 0º C. O ar atmosférico apresenta um forte gradiente de temperatura, com temperatura relativamente alta junto à superfície e temperatura baixa em grandes altitudes. O processo de formação das nuvens de chuva está associado ao movimento ascendente de uma massa de ar úmido. Neste processo a temperatura do ar vai diminuindo até que o vapor do ar começa a condensar. Isto ocorre porque a quantidade de água que o ar pode conter sem que ocorra condensação é maior para o ar quente do que para o ar frio. Quando este vapor se condensa, pequenas gotas começam a se formar, permanecendo suspensas no ar por fortes correntes ascendentes e pela turbulência. Porém, em certas condições, as gotas das nuvens crescem, atingindo tamanho e peso Capítulo 3 A H I D R O L O G I A 15 suficiente para vencer as correntes de ar que as sustentam. Nestas condições, a água das nuvens se precipita para a superfície da Terra, na forma de chuva. Figura 3. 1: Relação entre a temperatura e o conteúdo de vapor de água no ar na condição de saturação. A formação das nuvens de chuva está, em geral, associada ao movimento ascendente de massas de ar úmido. A causa da ascensão do ar úmido é considerada para diferenciar os principais tipos de chuva: frontais, convectivas ou orográficas. Chuvas frontais As chuvas frontais ocorrem quando se encontram duas grandes massas de ar, de diferente temperatura e umidade. Na frente de contato entre as duas massas o ar mais quente (mais leve e, normalmente, mais úmido) é empurrado para cima, onde atinge temperaturas mais baixas, resultando na condensação do vapor. As massas de ar que formam as chuvas frontais têm centenas de quilômetros de extensão e movimentam se de forma relativamente lenta, conseqüentemente as chuvas frontais caracterizam-se pela longa duração e por atingirem grandes extensões. No Brasil as chuvas frontais são muito freqüentes na região Sul, atingindo também as regiões Sudeste, Centro Oeste e, por vezes, o Nordeste. Chuvas frontais têm uma intensidade relativamente baixa e uma duração relativamente longa. Am alguns casos as frentes podem ficar estacionárias, e a chuva pode atingir o mesmo local por vários dias seguidos. H I D R O L O G I A 18 torno do eixo, a cuba cheia esvazia e a cuba vazia começa a receber água. Cada movimento das cubas basculantes equivale a uma lâmina precipitada (por exemplo 0,25 mm), e o aparelho registra o número de movimentos e o tempo em que ocorre cada movimento. A principal vantagem do pluviógrafo sobre o pluviômetro é que permite analisar detalhadamente os eventos de chuva e sua variação ao longo do dia. Além disso, o pluviógrafo eletrônico pode ser acoplado a um sistema de transmissão de dados via rádio ou telefone celular. Figura 3. 3: Características de um pluviômetro. A chuva também pode ser estimada utilizando radares meteorológicos. A medição de chuva por radar está baseada na emissão de pulsos de radiação eletromagnética que são refletidos pelas partículas de chuva na atmosfera, e na medição do da intensidade do sinal refletido. A relação entre a intensidade do sinal enviado e recebido, denominada refletividade, é correlacionada à intensidade de chuva que está caindo em uma região. A principal vantagem do radar é a possibilidade de fazer estimativas de taxas de precipitação em uma grande região no entorno da antena emissora e receptora, embora existam erros consideráveis quando as estimativas são comparadas com dados de pluviógrafos. No Brasil são poucos os radares para uso meteorológico, com a exceção do Estado de São Paulo em que existem alguns em operação. Em alguns países, como os EUA, a Inglaterra e a Alemanha, já existe uma cobertura completa com sensores de radar para estimativa de chuva. H I D R O L O G I A 19 Também é possível fazer estimativas da precipitação a partir de imagens obtidas por sensores instalados em satélites. A temperatura do topo das nuvens, que pode ser estimada a partir de satélites, tem uma boa correlação com a precipitação. Além disso, existem experimentos de radares a bordo de satélites que permitem aprimorar a estimativa baseada em dados de temperatura de topo de nuvem. Análise de dados de chuva As variáveis que caracterizam a chuva são a sua altura (lâmina precipitada), a intensidade, a duração e a freqüência. Duração é o período de tempo durante o qual a chuva cai. Normalmente é medida em minutos ou horas. A altura é a espessura média da lâmina de água que cobriria a região atingida se esta região fosse plana e impermeável. A unidade de medição da altura de chuva é o milímetro de chuva. Um milímetro de chuva corresponde a 1 litro de água distribuído em um metro quadrado. Intensidade é a altura precipitada dividida pela duração da chuva, e é expressa, normalmente, em mm.hora-1. Freqüência é a quantidade de ocorrências de eventos iguais ou superiores ao evento de chuva considerado. Chuvas muito intensas tem freqüência baixa, isto é, ocorrem raramente. Chuvas pouco intensas são mais comuns. A Tabela 3. 1 apresenta a análise de freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes intensidades ao longo de um período de 23 anos em uma estação pluviométrica no interior do Paraná. Observa-se que ocorreram 5597 dias sem chuva (P = zero) no período total de 8279 dias, isto é, em 67% dos dias do período não ocorreu chuva. Em pouco mais de 17% dos dias do período ocorreram chuvas com intensidade baixa (menos do que 10 mm). A medida em que aumenta a intensidade da chuva diminui a freqüência de ocorrência. A variável utilizada na hidrologia para avaliar eventos extremos como chuvas muito intensas é o tempo de retorno (TR), dado em anos. O tempo de retorno é uma estimativa do tempo em que um evento é igualado ou superado, em média. Por exemplo, uma chuva com intensidade equivalente ao tempo de retorno de 10 anos é igualada ou superada somente uma vez a cada dez anos, em média. Esta última ressalva “em média” implica que podem, eventualmente, ocorrer duas chuvas de TR 10 anos em dois anos subseqüentes. H I D R O L O G I A 20 Tabela 3. 1: Freqüência de ocorrência de chuvas diárias de diferentes alturas em um posto pluviométrico no interior do Paraná ao longo de um período de, aproximadamente, 23 anos. O tempo de retorno pode, também, ser definido como o inverso da probabilidade de ocorrência de um determinado evento em um ano qualquer. Por exemplo, se a chuva de 130 mm em um dia é igualada ou superada apenas 1 vez a cada 10 anos diz-se que seu Tempo de Retorno é de 10 anos, e que a probabilidade de acontecer um dia com chuva igual ou superior a 130 mm em um ano qualquer é de 10%, ou seja: eobabilidadPr 1TR = Variabilidade espacial da chuva Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a medições executadas em áreas muito restritas (400 cm2), quase pontuais. Porém a chuva caracteriza-se por O Tempo de Retorno é igual ao inverso da probabilidade. Bloco Freqüência P = zero 5597 P < 10 mm 1464 10 < P < 20 mm 459 20 < P < 30 mm 289 30 < P < 40 mm 177 40 < P < 50 mm 111 50 < P < 60 mm 66 60 < P < 70 mm 38 70 < P < 80 mm 28 80 < P < 90 mm 20 90 < P < 100 mm 8 100 < P < 110 mm 7 110 < P < 120 mm 2 120 < P < 130 mm 5 130 < P < 140 mm 2 140 < P < 150 mm 1 150 < P < 160 mm 1 160 < P < 170 mm 1 170 < P < 180 mm 2 180 < P < 190 mm 1 190 < P < 200 mm 0 P > 200 mm 0 Total 8279 H I D R O L O G I A 23 Chuvas médias numa área Os dados de chuva dos pluviômetros e pluviógrafos referem-se a uma área de coleta de 400 cm2, ou seja, quase pontual. Porém, o maior interesse na hidrologia é por chuvas médias que atingem uma região, como a bacia hidrográfica. O cálculo da chuva média em uma bacia pode ser realizado utilizando o método da média aritmética; das Isoietas; dos polígonos de Thiessen ou através de interpolação em Sistemas de Informação Geográfica (SIGs). O método mais simples é o da média aritmética, em que se calcula a média das chuvas ocorridas em todos os pluviômetros localizados no interior de uma bacia. E X E M P L O 1) Qual é a precipitação média na bacia da Figura 3. 6? Utilizando o método da média aritmética considera-se os pluviômetros que estão no interior da bacia. A média da chuva é Pm = (66+50+44+40)/4 = 50 mm. Figura 3. 6: Mapa de uma bacia com as chuvas observadas em cinco pluviômetros. O método das isoietas parte de um mapa de isoietas, como o da Figura 3. 4, e calcula a área da bacia que corresponde ao intervalo entre as isoietas. Assim, considera-se que a área entre as isoietas de 1200 e 1300 mm receba 1250 mm de chuva. Um dos métodos mais utilizados, entretanto, é o método de Thiessen, ou do vizinho mais próximo. Neste método é definida a área de influência de cada posto e é calculada uma média ponderada da precipitação com base nestas áreas de influência. H I D R O L O G I A 24 Figura 3. 7: Mapa da bacia com chuvas nos postos pluviométricos para o exemplo 2. E X E M P L O 2) Qual é a precipitação média na bacia da Figura 3. 7? Utilizando o método dos polígonos de Thiessen o primeiro passo é traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos. A seguir é determinado o ponto médio em cada uma destas linhas e traçada uma linha perpendicular. A interceptação das linhas médias entre si e com os limites da bacia vão definir a área de influência de cada um dos postos. A seqüência é apresentada na próxima página. Área total = 100 km2 Área sob influência do posto com 120 mm = 15 km2 Área sob influência do posto com 70 mm = 40 km2 Área sob influência do posto com 50 mm = 30 km2 Área sob influência do posto com 75 mm = 5 km2 Área sob influência do posto com 82 mm = 10 km2 Precipitação média na bacia: Pm = 120x0,15+70x0,40+50x0,30+75x0,05+82x0,10 = 73 mm. Se fosse utilizado o método da média aritmética haveria apenas dois postos no interior da bacia, com uma média de 60 mm. Se fosse calculada uma média incluindo os postos que estão fora da bacia chegaríamos a 79,5 mm. H I D R O L O G I A 25 Traçar linhas que unem os postos pluviométricos mais próximos entre si. Traçar linhas médias perpendiculares às linhas que unem os postos pluviométricos. Definir a região de influência de cada posto pluviométrico e medir a sua área. Figura 3. 8: Exemplo de definição dos polígonos de Thiessen. H I D R O L O G I A 28 A Figura 3. 10 apresenta uma curva IDF obtida a partir da análise dos dados de um pluviógrafo que esteve localizado no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Cada uma das linhas representa um Tempo de Retorno; no eixo horizontal estão as durações e no eixo vertical estão as intensidades. Observa-se que quanto menor a duração maior a intensidade da chuva. Da mesma forma, quanto maior o Tempo de Retorno, maior a intensidade da chuva. Por exemplo, a chuva de 1 hora de duração com tempo de retorno de 20 anos tem uma intensidade de 60 mm.hora-1. H I D R O L O G I A 29 Figura 3. 10: Curva IDF para a cidade de Porto Alegre, com base nos dados coletados pelo pluviógrafo do DMAE localizado no Parque da Redenção, publicada pelo DMAE em 1972 (adaptado de Tucci, 1993). Evidentemente as curvas IDF são diferentes em diferentes locais. Assim, a curva IDF de Porto Alegre vale para a região próxima a esta cidade. Infelizmente não existem séries de dados de pluviógrafos longas em todas as cidades, assim, muitas vezes, é necessário considerar que a curva IDF de um local é válida para uma grande região do entorno. No Brasil existem estudos de chuvas intensas com curvas IDF para a maioria das capitais dos Estados e para algumas cidades do interior, apenas. É interessante comparar as intensidade de chuva da curva IDF da Figura 3. 10 com as chuvas da Tabela 3. 2, que apresenta as chuvas mais intensas já registradas no mundo, para diferentes durações. Observa-se que existem regiões da China em que já ocorreu em 10 horas a chuva de 1400 mm, que é equivalente ao total anual médio de precipitação em Porto Alegre. Tabela 3. 2: Chuvas mais intensas já registradas no Mundo (adaptado de Ward e Trimble, 2003). Duração Precipitação (mm) Local e Data 1 minuto 38 Barot, Guadeloupe 26/11/1970 15 minutos 198 Plumb Point, Jamaica 12/05/1916 30 minutos 280 Sikeshugou, Hebei, China 03/07/1974 60 minutos 401 Shangdi, Mongólia, China 03/07/1975 10 horas 1400 Muduocaidang, Mongólia, China 01/08/1977 24 horas 1825 Foc Foc, Ilhas Reunião 07 e 08/01/1966 12 meses 26461 Cherrapunji, Índia Ago. de 1860 a Jul. de 1861 Exercícios 1) Qual é a diferença entre um pluviômetro e um pluviógrafo? 2) Além do pluviômetro e do pluviógrafo, quais são as outras opções para medir ou estimar a precipitação? H I D R O L O G I A 30 3) Uma análise de 40 anos de dados revelou que a chuva média anual em um local na bacia do rio Uruguai é de 1800 mm e o desvio padrão é de 350 mm. Considerando que a chuva anual neste local tem uma distribuição normal, qual é o valor de chuva anual de um ano muito seco, com tempo de recorrência de 40 anos? 4) Considerando a curva IDF do DMAE para o posto pluviográfico do Parque da Redenção, qual é a intensidade da chuva com duração de 40 minutos que tem 1% de probabilidade de ser igualada ou superada em um ano qualquer em Porto Alegre? 5) No dia 03 de janeiro de 2007 uma chuva intensa atingiu Porto Alegre. Na Zona Sul a medição em um pluviômetro indicou 111 mm em 2 horas, e no centro outro pluviômetro indicou 80 mm em 2 horas. Qual foi o tempo de retorno da chuva em cada um destes locais? Considere intensidade constante e utilize a curva IDF do Parque da Redenção. 6) Qual é a diferença entre a chuva de 10 anos de tempo de retorno e 15 minutos de duração em Porto Alegre e a maior chuva já registrada no mundo com esta duração? 7) Qual é a chuva média na bacia da figura abaixo considerando que a chuva observada em A é de 1300 mm, a chuva observada em B é de 900 mm e a chuva observada em C é de 1100 mm? H I D R O L O G I A 33 A parte sólida mineral do solo normalmente é analisada do ponto de vista do diâmetro das partículas. De acordo com o diâmetro as partículas são classificadas como argila, silte, areia fina, areia grossa, e cascalhos ou seixos. A Tabela 4. 1 apresenta a classificação das partículas adotada pela Sociedade Internacional de Ciência do Solo, de acordo com seu diâmetro. Geralmente, os solos são formados por misturas de materiais das diferentes classes. As características do solo e a forma com que a água se movimenta e é armazenada no solo dependem do tipo de partículas encontradas na sua composição. Cinco tipos de textura de solo são definidas com base na proporção de materiais de diferentes diâmetros, conforme a Figura 4. 2. Tabela 4. 1: Classificação das partículas que compõe o solo de acordo com o diâmetro. diâmetro (mm) Classe 0,0002 a 0,002 Argila 0,002 a 0,02 Silte 0,02 a 0,2 Areia fina 0,2 a 2,0 Areia grossa H I D R O L O G I A 34 Figura 4. 2: Os cinco tipos de textura do solo, de acordo com a proporção de argila, areia e silte (Lepsch, 2004). A porosidade do solo é definida como a fração volumétrica de vazios, ou seja, o volume de vazios dividido pelo volume total do solo. A porosidade de solos arenosos varia entre 37 a 50 %, enquanto a porosidade de solos argilosos varia entre, aproximadamente, 43 a 52%. É claro que estes valores de porosidade podem variar bastante, dependendo do tipo de vegetação, do grau de compactação, da estrutura do solo (resultante da combinação das partículas finas em agregados maiores) e da quantidade de material orgânico e vivo. Água no solo Quando um solo tem seus poros completamente ocupados por água, diz se que está saturado. Ao contrário, quando está completamente seco, seus poros estão completamente ocupados por ar. É desta forma que normalmente é medido o grau de umidade do solo. Uma amostra de solo é coletada e pesada na condição de umidade encontrada no campo. A seguir esta amostra é seca em um forno a 105 oC por 24 horas para que toda a umidade seja retirada e a amostra é pesada novamente. A umidade do solo é calculada a partir da diferença de peso encontrada. Além deste método, denominado gravimétrico, existem outras formas de medir a umidade do solo. Um método bastante utilizado é o chamado TDR (Time Domain H I D R O L O G I A 35 Reflectometry). Este método está baseado na relação entre a umidade do solo e a sua constante dielétrica. Duas placas metálicas são inseridas no solo e é medido o tempo de transmissão de um pulso eletromagnético através do solo, entre o par de placas. A vantagem deste método é que não é necessário destruir a amostra de solo para medir a sua umidade, e o monitoramento pode ser contínuo. Uma importante forma de analisar o comportamento da água no solo é a curva de retenção de umidade, ou curva de retenção de água no solo (Figura 4. 3). Esta curva relaciona o conteúdo de umidade do solo e o esforço (em termos de pressão) necessário para retirar a água do solo. Como uma esponja mergulhada em um balde, o solo que é completamente imerso em água fica completamente saturado. Ao ser suspensa no ar, a esponja perde parte da água que escoa devido à força da gravidade. Da mesma forma o solo tem parte da sua umidade retirada pela ação da gravidade, atingindo uma situação denominada capacidade de campo. A partir daí, a retirada de água do solo é mais difícil e exige a ação de uma pressão negativa (sucção). As plantas conseguem retirar água do solo até um limite de sucção, denominado ponto de murcha permanente, a partir do qual não se recuperarão mais mesmo se regadas. A curva de retenção de água no solo é diferente para diferentes texturas de solo. Solos argilosos tendem a ter maior conteúdo de umidade na condição de saturação e de capacidade de campo, o que é positivo para as plantas. Mas, da mesma forma, apresentam maior umidade no ponto de murcha. Observa-se na curva relativa à argila que a umidade do solo argiloso no ponto de murcha permanente é de quase 20%, o que significa que nesta condição ainda há muita água no solo, entretanto esta água está tão fortemente ligada às partículas de argila que as plantas não conseguem retirá-la do solo, e morrem. Figura 4. 3: Curva de retenção de água no solo (Ward e Trimble, 2004) Saturação: condição em que todos os poros estão ocupados por água Capacidade de campo: Conteúdo de umidade no solo sujeito à força da gravidade Ponto de murcha permanente: umidade do solo para a qual as plantas não conseguem mais retirar água e morrem H I D R O L O G I A 38 Os parâmetros de uma equação de infiltração, como a de Horton, podem ser estimados a partir de experimentos no campo, sendo o mais comum o de medição de capacidade de infiltração com o método dos anéis concêntricos. O infiltrômetro de anéis concêntricos é constituído de dois anéis concêntricos de chapa metálica (Figura 4. 5), com diâmetros variando entre 16 e 40 cm, que são cravados verticalmente no solo de modo a restar uma pequena altura livre sobre este. Aplica-se água em ambos os cilindros, mantendo uma lâmina líquida de 1 a 5 cm, sendo que no cilindro interno mede-se o volume aplicado a intervalos fixos de tempo bem como o nível da água ao longo do tempo. A finalidade do cilindro externo é manter verticalmente o fluxo de água do cilindro interno, onde é feita a medição da capacidade de campo. Figura 4. 5: Medição de infiltração utilizando o infiltrômetro de anéis concêntricos, e esquema do fluxo de água no solo. Exercícios 1) Qual é o efeito esperado do pisoteamento do solo pelo gado sobre a capacidade de infiltração? 2) Considere uma camada de solo de 1 m de profundidade cujo conteúdo de umidade é 35% na capacidade de campo e de 12% na condição de ponto de murcha permanente. Quantos dias a umidade do solo poderia sustentar a evapotranspiração constante de 7 mm por dia de uma determinada cultura? 3) Uma camada de solo argiloso, cuja capacidade de infiltração na condição de saturação é de 4 mm.hora-1 , está saturado e recebendo chuva com intensidade de 27 mm.hora-1. Qual é o escoamento (litros por segundo) que está sendo gerado em uma área de 10m2 deste solo? H I D R O L O G I A 39 4) Uma medição de infiltração utilizando o método dos anéis concêntricos apresentou o seguinte resultado. Utilize estes dados para estimar os parâmetros fc, fo e β da equação de Horton. Tempo (minutos Total infiltrado (mm) 0 0.0 1 41.5 2 60.4 3 70.4 4 76.0 5 82.6 6 90.8 7 97.1 8 104.0 9 111.7 10 115.1 15 138.1 20 163.3 24 180.8 H I D R O L O G I A 40 Evapotranspiração retorno da água precipitada para a atmosfera, fechando o ciclo hidrológico, ocorre através do processo da evapotranspiração. A importância do processo de evapotranspiração permaneceu mal- compreendido até o início do século 18, quando Edmond Halley provou que a água que evaporava da terra era suficiente para abastecer os rios, posteriormente, como precipitação. A evapotranspiração é o conjunto de dois processos: evaporação e transpiração. Evaporação é o processo de transferência de água líquida para vapor do ar diretamente de superfícies líquidas, como lagos, rios, reservatórios, poças, e gotas de orvalho. A água que umedece o solo, que está em estado líquido, também pode ser transferida para a atmosfera diretamente por evaporação. Mais comum neste caso, entretanto, é a transferência de água através do processo de transpiração. A transpiração envolve a retirada da água do solo pelas raízes das plantas, o transporte da água através da planta até as folhas e a passagem da água para a atmosfera através dos estômatos da folha. Do ponto de vista do profissional envolvido com a geração de energia hidrelétrica a evapotranspiração tem um interesse muito específico nas perdas de água que ocorrem nos reservatórios que regularizam a vazão para as usinas por evaporação direta da superfície líquida. Além disso, a evapotranspiração é um processo que influencia fortemente a quantidade de água precipitada que é transformada em vazão em uma bacia hidrográfica. Do ponto de vista da geração de energia, portanto, a evapotranspiração pode ser encarada como uma perda de água. Evaporação ocorre quando o estado líquido da água é transformado de líquido para gasoso. As moléculas de água estão em constante movimento, tanto no estado líquido como gasoso. Algumas moléculas da água líquida tem energia suficiente para romper a barreira da superfície, entrando na atmosfera, enquanto algumas moléculas de água na forma de vapor do ar retornam ao líquido, fazendo o caminho inverso. Capítulo 5 O H I D R O L O G I A 43 Fatores que afetam a evaporação Os principais fatores que afetam a evaporação são a temperatura, a umidade do ar, a velocidade do vento e a radiação solar. Radiação solar A quantidade de energia solar que atinge a Terra no topo da atmosfera está na faixa das ondas curtas. Na atmosfera e na superfície terrestre a radiação solar é refletida e sofre transformações, de acordo com a Figura 5. 2. Parte da energia incidente é refletida pelo ar e pelas nuvens (26%) e parte é absorvida pela poeira, pelo ar e pelas nuvens (19%). Parte da energia que chega a superfície é refletida de volta para o espaço ainda sob a forma de ondas curtas (4% do total de enegia incidente no topo da atmosfera). A energia absorvida pela terra e pelos oceanos contribui para o aquecimento destas superfícies que emitem radiação de ondas longas. Além disso, o aquecimento das superfícies contribuem para o aquecimento do ar que está em contato, gerando o fluxo de calor sensível (ar quente), e o fluxo de calor latente (evaporação). Finalmente, a energia absorvida pelo ar, pelas nuvens e a energia dos fluxos de calor latente e sensível retorna ao espaço na forma de radiação de onda longa, fechando o balanço de energia. O processo de fluxo de calor sensível é onde ocorre a evaporação. A intensidade desta evaporação depende da disponibilidade de energia. Os valores apresentados na figura 5.2. referem-se às médias globais, o que significa que a energia utilizada para evaporação pode ser maior ou menor, dependendo principalmente da latitude e da época do ano. Regiões mais próximas ao Equador recebem maior radiação solar, e apresentam maiores taxas de evapotranspiração. H I D R O L O G I A 44 Espaço Atmosfera Superfície (Terra + Oceanos) R ad ia çã o So la r in ci de nt e 6 re fle tid a pe lo ar 20 re fle tid a pe la s n uv en s re fle tid a pe la su pe rfí ci e 4 Absorvida na superfície 51 3 Absorvida pelas nuvens Absorvida pelo ar e poeira 16 ondas curtas 21 15 Emitida pela superfície 6 2638 ondas longas Absorvida pelo vapor de H2O e CO2 Fluxo de calor sensível 7 23 Fluxo de calor latente Emitida pelas nuvens Emitida pelo vapor de H2O e CO2 10 0 Figura 5. 2: Média global de fluxos de energia na atmosfera da Terra. Temperatura A quantidade de vapor de água que o ar pode conter varia com a temperatura. Ar mais quente pode conter mais vapor, portanto o ar mais quente favorece a evaporação. Umidade do ar Quanto menor a umidade do ar, mais fácil é o fluxo de vapor da superfície que está evaporando. O efeito é semelhante ao da temperatura. Se o ar da atmosfera próxima à superfície estiver com umidade relativa próxima a 100% a evaporação diminui porque o ar já está praticamente saturado de vapor. Velocidade do vento O vento é uma variável importante no processo de evaporação porque remove o ar úmido diretamente do contato da superfície que está evaporando ou transpirando. O processo de fluxo de vapor na atmosfera próxima à superfície ocorre por difusão, isto H I D R O L O G I A 45 é, de uma região de alta concentração (umidade relativa) próxima à superfície para uma região de baixa concentração afastada da superfície. Este processo pode ocorrer pela própria ascensão do ar quente como pela turbulência causada pelo vento. Medição de evaporação A evaporação é medida de forma semelhante à precipitação, utilizando unidades de mm para caracterizar a lâmina evaporada ao longo de um determinado intervalo de tempo. As formas mais comuns de medir a evaporação são o Tanque Classe A e o Evaporímetro de Piche. O tanque Classe A é um recipiente metálico que tem forma circular com um diâmetro de 121 cm e profundidade de 25,5 cm. Construído em aço ou ferro galvanizado, deve ser pintado na cor alumínio e instalado numa plataforma de madeira a 15 cm da superfície do solo. Deve permanecer com água variando entre 5,0 e 7,5 cm da borda superior. A medição de evaporação no Tanque Classe A é realizada diariamente diretamente numa régua, ou ponta linimétrica, instalada dentro do tanque, sendo que são compensados os valores da precipitação do dia. Por esta razão o Tanque Classe A é instalado em estações meteorológicas em conjunto com um pluviômetro. Figura 5. 3: Tanque Classe A para medição de evaporação. H I D R O L O G I A 48 A umidade do ar também tem um valor médio (q) e uma flutuação em torno deste valor médio (q’). O valor de q’ positivo significa ar com umidade ligeiramente superior à média q, enquanto o valor q’ negativo significa umidade ligeiramente inferior à média. Se num instante qualquer tanto w’ como q’ são positivos então ar mais úmido do que a média está sendo afastado da superfície, e se w’ e q’ são, ao mesmo tempo, negativos, então ar mais seco do que o normal está sendo trazido para próximo da superfície. De fato, esta correlação entre as variáveis umidade e velocidade vertical ocorre e pode ser medida para estimar a evapotranspiração. São necessários para isto sensores de resposta muito rápida para medir a velocidade do ar e sua umidade, e um processador capaz de integrar os fluxos w’.q’ ao longo do tempo. Estimativa da evapotranspiração por balanço hídrico A evapotranspiração pode ser estimada, também, pela medição das outras variáveis que intervém no balanço hídrico de uma bacia hidrográfica. De forma semelhante ao apresentado na equação 5.4, para um lisímetro, pode ser realizado o balanço hídrico de uma bacia para estimar a evapotranspiração. Neste caso, entretanto, as estimativas não podem ser feitas considerando o intervalo de tempo diário, mas apenas o anual, ou maior. Isto ocorre porque, dependendo do tamanho da bacia, a água da chuva pode permanecer vários dias ou meses no interior da bacia antes de sair escoando pelo exutório. Para estimar a evapotranspiração por balanço hídrico de uma bacia é necessário considerar valores médios de escoamento e precipitação de um período relativamente longo, idealmente superior a um ano. A partir daí é possível considerar que a variação de armazenamento na bacia pode ser desprezada, e a equação de balanço hídrico se reduz à equação 5.5. E = P – Q (5.5) E X E M P L O 1) Uma bacia de 800 km2 recebe anualmente 1600 mm de chuva, e a vazão média corresponde a 700 mm. Qual é a evapotranspiração anual? H I D R O L O G I A 49 A evapotranspiração pode ser calculada por balanço hídrico da bacia desprezando a variação do armazenamento na bacia E = 1600 – 700 = 900 mm. Equação de Thornthwaite Uma equação muito utilizada para a estimativa da evapotranspiração potencial quando se dispõe de poucos dados é a equação de Thornthwaite. Esta equação serve para calcular a evapotranspiração em intervalo de tempo mensal, a partir de dados de temperatura. a I TE ⎥⎦ ⎤ ⎢⎣ ⎡ ⋅⋅= 1016 onde E é a evapotranspiração potencial (mm.mês-1); T é a temperatura média do mês (oC); e a e I são coeficientes calculados segundo as equações que seguem: 514,112 1 5 ∑ = ⎥ ⎦ ⎤ ⎢ ⎣ ⎡ = j jTI 49239,010792,11071,71075,6 22537 +⋅⋅+⋅⋅−⋅⋅= −−− IIIa onde j é cada um dos 12 meses do ano; e Tj é a temperatura média de cada um dos 12 meses. E X E M P L O 2) Calcule a evapotranspiração potencial mensal do mês de Agosto de 2006 em Porto Alegre, onde as temperaturas médias mensais são dadas na figura abaixo. Suponha que a temperatura média de agosto de 2006 tenha sido de 16,5 oC. Mês Temperatur a Janeiro 24,6 Fevereiro 24,8 Março 23,0 Abril 20,0 Maio 16,8 Junho 14,4 Julho 14,6 H I D R O L O G I A 50 Agosto 15,3 Setembro 16,5 Outubro 17,5 Novembro 21,4 Dezembro 25,5 O primeiro passo é o cálculo do coeficiente I a partir das temperaturas médias mensais obtidas da tabela. O valor de I é 96. A partir de I é possível obter a = 2,1. Com estes coeficientes, a evapotranspiração potencial é: 1,2 96 5,161016 ⎥⎦ ⎤ ⎢⎣ ⎡ ⋅⋅=E =53,1 mm/mês Portanto, a evapotranspiração potencial estimada para o mês de agosto de 2006 é de 53,1 mm/mês. Equação de Penman-Monteith As equações para cálculo da evapotranspiração são do tipo empírico ou de base física. A principal equação de evapotranspiração de base física é a equação de Penman- Monteith (equação 5.6). ( ) ( ) W a s a ds pAL 1 r r 1 r ee cGR E ρ⋅λ ⋅ ⎟ ⎟ ⎟ ⎟ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎜ ⎜ ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ +⋅γ+∆ − ⋅⋅ρ+−⋅∆ = (5.6) onde E [m.s-1] é a taxa de evaporação da água;  [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização;  [kPa.ºC-1] é a taxa de variação da pressão de saturação do vapor com a temperatura do ar; RL [MJ.m -2.s-1] é a radiação líquida que incide na superfície; G [MJ.m-2.s-1] é o fluxo de energia para o solo; ρA [kg.m -3] é a massa específica do ar; ρW [kg.m-3] é a massa específica da água; cp [MJ.kg -1.ºC-1] é o calor específico do ar úmido (cp = 1,013.10 -3 MJ.kg-1.ºC-1);es [kPa] é a pressão de saturação do vapor ; ed [kPa] é a pressão real de vapor de água no ar;  [kPa.ºC-1] é a constante psicrométrica (γ = 0,66); rs [s.m -1] é a resistência superficial da vegetação; e ra [s.m -1] é a resistência aerodinâmica. Os valores das variáveis podem ser obtidos pelas seguintes equações: ( )T002361,0501,2 ⋅−=λ (5.7) H I D R O L O G I A 53 ( )ssrWTOP sencoscossensend1000392,15S ω⋅δ⋅ϕ+δ⋅ϕ⋅ω⋅⋅ λ⋅ρ ⋅= (5.18) onde  [MJ.kg-1] é o calor latente de vaporização; STOP [MJ.m -2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; ρW [kg.m -3] é a massa específica da água;  [radianos] é a declinação solar;  [graus] é a latitude; s [radianos] é o ângulo do sol ao nascer; e dr [-] é a distância relativa da terra ao sol, dada por: ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ ⋅ π⋅ ⋅+= J 365 2cos033,01d r (5.19) onde J é o dia do calendário Juliano. A radiação que atinge o topo da atmosfera é parcialmente refletida pela própria atmosfera, não atingindo a superfície terrestre. As nuvens são as principais responsáveis pela reflexão, e a estimativa da radiação que atinge a superfície terrestre depende da fração de cobertura de nuvens, conforme a abaixo: TOPssSUP SN nbaS ⋅⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ ⋅+= (5.20) onde N [horas] é a insolação máxima possível numa latitude em certa época do ano; n [horas] é a insolação medida; STOP [MJ.m -2.dia-1] é a radiação no topo da atmosfera; SSUP [MJ.m -2.dia-1] é a radiação na superfície terrestre; as [-] é a fração da radiação que atinge a superfície em dias encobertos (quando n=0); e as + bs [-] é a fração da radiação que atinge a superfície em dias sem nuvens (n=N). Quando não existem dados locais medidos que permitam estimativas mais precisas, são recomendados os valores de 0,25 e 0,50, respectivamente, para os parâmetros as e bs (Shuttleworth, 1993). Quando a estação meteorológica dispõe de dados de insolação, a equação acima é utilizada com n medido e N estimado pela equação 5.15. Quando a estação dispõe de dados de fração de cobertura, utiliza-se o valor de n/N diretamente. Uma parte da radiação que atinge a superfície terrestre (SSUP) é refletida, conforme já descrito. A maior parte da energia irradiada pelo sol está na faixa de ondas curtas, de 0,3 a 3 µm. O balanço de energia, porém, também inclui uma pequena parcela de radiação de ondas longas, de 3 a 100 µm. O balanço de radiação de ondas longas na superfície terrestre depende, basicamente, de quanta energia é emitida pela superfície terrestre e pela atmosfera. Normalmente, a superfície terrestre é mais quente do que a atmosfera, resultando em um balanço H I D R O L O G I A 54 negativo, isto é, há perda de energia na faixa de ondas longas. A equação a seguir descreve a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície terrestre. ( )4n 2,273TfL +⋅σ⋅ε⋅= (5.21) onde Ln [MJ.m -2.dia-1] é a radiação líquida de ondas longas que deixa a superfície; f [-] é um fator de correção devido à cobertura de nuvens; T [ºC] é a temperatura média do ar a 2 m do solo;  [-] é a emissividade da superfície;  [MJ.m-2.ºK-4.dia-1] é uma constante (σ=4,903.10-9 MJ.m-2.ºK-4.dia-1). A emissividade da superfície pode ser estimada pela equação abaixo. ( )de14,034,0 ⋅−=ε (5.22) onde ed é a pressão parcial de vapor de água no ar [kPa]. O fator de correção da radiação de ondas longas devido à cobertura de nuvens (f) pode ser estimado com base na equação a seguir: N n9,01,0f ⋅+= (5.23) Por simplicidade, o fluxo de calor para o solo - termo G na equação de Penman- Monteith – pode ser considerado nulo, principalmente quando o intervalo de tempo é relativamente grande (1 dia). Na analogia da evapotranspiração com um circuito elétrico, existem duas resistências que a “corrente” (fluxo evaporativo) tem de enfrentar: resistência superficial e resistência aerodinâmica. A resistência aerodinâmica representa a dificuldade com que a umidade, que deixa a superfície das folhas e do solo, é dispersada pelo meio. Na proximidade da vegetação o ar tende a ficar mais úmido, dificultando o fluxo de evaporação. A velocidade do vento e a turbulência contribuem para reduzir a resistência aerodinâmica, trocando o ar úmido próximo à superfície que está fornecendo vapor, como as folhas das plantas ou as superfícies líquidas, pelo ar seco de níveis mais elevados da atmosfera. A resistência aerodinâmica é inversamente proporcional à altura dos obstáculos enfrentados pelo vento, porque são estes que geram a turbulência. 2 010,m a z 10ln u 25,6r ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ ⋅= para h < 10 metros H I D R O L O G I A 55 10,m a u 94r = para h > 10 metros onde ra [s.m -1] é a resistência aerodinâmica; um,10 [m.s -1] é a velocidade do vento a 10 m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície; h [m] é altura média da cobertura vegetal. A rugosidade da superfície é considerada igual a um décimo da altura média da vegetação. As estações climatológicas normalmente dispõe de dados de velocidade do vento medidas a 2 m de altura. Para converter estes dados a uma altura de referência de 10 m é utilizada a equação a seguir (Bremicker, 1998). ⎟ ⎟ ⎟ ⎟ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎜ ⎜ ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ ⋅= 0 0 2,m10,m z 2ln z 10ln uu onde um,10[m.s -1] é a velocidade do vento a 10 m de altura; um,2 [m.s -1] é a velocidade do vento a 2 m de altura; z0 [m] é a rugosidade da superfície. A resistência superficial é a combinação, para o conjunto da vegetação, da resistência estomática das folhas. A resistência superficial representa a resistência ao fluxo de umidade do solo, através das plantas, até a atmosfera. Esta resistência é diferente para os diversos tipos de plantas e depende de variáveis ambientais como a umidade do solo, a temperatura do ar e a radiação recebida pela planta. A maior parte das plantas exerce um certo controle sobre a resistência dos estômatos e, portanto, pode controlar a resistência superficial. A resistência estomática das folhas depende da disponibilidade de água no solo. Em condições favoráveis, os valores de resistência estomática e, em conseqüência, os de resistência superficial são mínimos. A resistência superficial em boas condições de umidade é um parâmetro que pode ser estimado com base em experimentos cuidadosos em lisímetros. A grama utilizada para cálculos de evapotranspiração de referência tem uma resistência superficial de 69 s.m-1 quando o solo apresenta boas condições de umidade. Florestas tem resistências superficiais da ordem de 100 s.m-1 em boas condições de umidade do solo. H I D R O L O G I A 58 Escoamento azão é o volume de água que passa por uma determinada seção de um rio dividido por um intervalo de tempo. Assim, se o volume é dado em litros, e o tempo é medido em segundos, a vazão pode ser expressa em unidades de litros por segundo (l.s-1). No caso de vazão de rios, entretanto, é mais usual expressar a vazão em metros cúbicos por segundo (m3.s-1), sendo que 1 m3.s-1 corresponde a 1000 l.s-1 (litros por segundo). A vazão de um rio é o resultado da interação entre a precipitação e a bacia, e depende das características da bacia que influenciam a infiltração, armazenamento e evapotranspiração. O escoamento em uma bacia é, normalmente, estudado em duas partes: geração de escoamento e propagação de escoamento. O escoamento tem origens diferentes dependendo se está ocorrendo um evento de chuva ou não. Durante as chuvas intensas, a maior parte da vazão que passa por um rio é a água da própria chuva que não consegue penetrar no solo e escoa imediatamente, atingindo os cursos d’água e aumentando a vazão. É desta forma que são formados os picos de vazão e as cheias ou enchentes. O escoamento rápido que ocorre em conseqüência direta das chuvas é chamado de escoamento superficial (figura 6.1). Nos períodos secos entre a ocorrência de eventos de chuva a vazão de um rio é mantida pelo esvaziamento lento da água armazenada na bacia, especialmente da água subterrânea. Assim, o escoamento lento que ocorre durante as estiagens pode ser chamado de escoamento subterrâneo, porque a maior parte da água está chegando ao rio via fluxo de água através do subsolo. Capítulo 6 V Escoamento superficial ocorre durante e imediatamente após a chuva. Escoamento subterrâneo é o que mantém a vazão dos rios durante as estiagens. H I D R O L O G I A 59 Escoamento Superficial Escoamento subterrâneo pico as ce nç ão recessão Figura 6. 1: Hidrograma de um rio como resposta a um evento de chuva: durante e imediatamente após a chuva predomina o escoamento superficial, enquanto durante a estiagem predomina o escoamento subterrâneo. Geração de escoamento durante a chuva No capítulo 3 é analisado o processo de infiltração de água da chuva no solo. Dependendo da intensidade da chuva, parte da água não consegue infiltrar no solo e começa a se acumular na superfície. Em determinadas condições a água começa a escoar sobre a superfície, formando pequenos córregos temporários ou escoando na forma de uma lâmina em superfícies mais lisas. O escoamento gerado desta forma é denominado escoamento superficial, e é importante porque gera os picos de vazão nos rios, como resposta aos eventos de chuva. A geração do escoamento é um dos temas mais complexos da hidrologia, não porque a física envolvida seja complexa, mas sim porque a variabilidade das características da bacia é muito grande, e porque a água pode tomar vários caminhos desde o momento em que atinge a superfície, na forma de chuva, até o momento em que chega ao curso d’água. Existem dois principais processos reconhecidos na formação do escoamento superficial: precipitação de intensidade superior à capacidade de infiltração; e precipitação sobre solos saturados. Se uma chuva com intensidade de 30 mm.h-1 atinge um solo cuja capacidade de infiltração é de 20 mm.h-1, uma parte da chuva (10 mm.h-1) se transforma em escoamento superficial. Este é o processo de geração de escoamento por excesso de chuva em relação à capacidade de infiltração, também conhecido como processo Hortoniano, porque foi primeiramente reconhecido por Horton (1934). H I D R O L O G I A 60 O processo Hortoniano é importante em bacias urbanas, em áreas com solo modificado pela ação do homem, ou em chuvas muito intensas, mas é raramente visto em bacias naturais durante chuvas menos intensas, onde o escoamento superficial é quase que totalmente originado pela parcela da precipitação que atinge zonas de solo saturado. Solos saturados são normalmente encontrados próximos à rede de drenagem, onde o nível do lençol freático está mais próximo da superfície. Volume de escoamento: método SCS Um dos métodos mais simples e mais utilizados para estimar o volume de escoamento superficial resultante de um evento de chuva é o método desenvolvido pelo National Resources Conservatoin Center dos EUA (antigo Soil Conservation Service – SCS). De acordo com este método, a lâmina escoada durante uma chuva é dada por: ( ) ( )SIaP IaPQ +− − = 2 quando IaP > e 0=Q quando IaP ≤ 25425400 −= CN S onde Q é a lâmina escoada ou volume de escoamento dividido pela área da bacia (mm); P é a precipitação durante o evento (mm); S é um parâmetro que depende da capacidade de infiltração e armazenamento do solo (parâmetro adimensional CN – veja tabela 6.1); e Ia é uma estimativa das perdas iniciais de água, dado por Ia=S/5. H I D R O L O G I A 63 Figura 6. 2: Hidrograma do rio dos Bois, em Goiás, de 1990 a 1993, com respostas às chuvas de verão e recessões durante os meses de inverno. Destacando o período de estiagem de junho a setembro de 1991, é possível verificar o comportamento típico da recessão do hidrograma deste rio, como mostra a próxima figura. Quando representado em escala logarítmica, o hidrograma durante a estiagem mostra um comportamento semelhante a uma linha reta. Isto sugere que o comportamento da vazão do rio dos Bois ao longo deste período pode ser representado por uma equação do tipo: ( ) k t t eQQ − ⋅= 0 onde t é o tempo; Q0 é a vazão num instante t0; Q(t) é a vazão num instante t (por exemplo: t dias após t0); e é a base dos logaritmos naturais; e k é uma constante (em unidades de t). (a) (b) Figura 6. 3: a) Hidrograma do rio dos Bois (GO) durante os meses de estiagem de 1991; b) o mesmo hidrograma representado em escala logarítmica e aproximado por uma linha reta Esta aproximação da curva de recessão de vazão utilizando uma equação exponencial decrescente é válida para um grande número de casos e pode ser utilizada para prever qual será a vazão de um rio após alguns dias, conhecendo a vazão no tempo atual, considerando que não ocorra nenhuma chuva. A maior dificuldade para resolver este tipo de problema é estimar o valor da constante k, mas isto pode ser feito utilizando dois valores conhecidos de vazão espaçados por um intervalo de tempo ∆t., e rearranjando a equação exponencial, como mostra a equação a seguir: H I D R O L O G I A 64 ( ) ( ) ⎟ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ ∆− = ∆+ t tt Q Q tk ln O valor de k depende das características físicas da bacia, em especial as suas características geológicas. Bacias localizadas em regiões onde predominam as rochas sedimentares normalmente tem maior capacidade de armazenamento de água subterrânea e os rios que drenam estas áreas apresentam valores de k relativamente altos. Bacias localizadas em regiões de rochas pouco porosas, como o basalto, tendem a apresentar valores de k mais baixos. E X E M P L O 2) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas duas medições de vazão, com quatro dias de intervalo entre si, conforme a tabela abaixo. Qual seria a vazão esperada para o dia 31 de agosto do mesmo ano, considerando que não ocorre nenhum evento de chuva neste período? Data Vazão 14/agosto 60.1 15/agosto - 16/agosto - 17/agosto - 18/agosto 57.6 Espera-se que o comportamento do hidrograma na recessão seja bem representado por uma curva exponencial decrescente. A constante k pode ser estimada considerando os dois valores de vazão conhecidos (60,1 e 57,6), separados por 4 dias. 94 1,60 6,57ln 4 ≅ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ − =k Portanto, a constante k tem valor de 94 dias. A vazão no dia 31 de agosto pode ser estimada a partir da vazão do dia 18, considerando a diminuição que ocorre ao longo dos 13 dias que separam estas duas datas: ( ) 2,506,57 94 13 ≅⋅= − eQ t Durante as estiagens a vazão de um rio diminui ao longo do tempo de acordo com uma função exponencial decrescente. H I D R O L O G I A 65 Portanto, a vazão esperada no dia 31 de agosto seria de 50,2 m3.s-1. A idéia do reservatório linear simples O balanço hídrico geral de água subterrânea em uma bacia hidrográfica pode ser representado pelas mesmas equações apresentadas nos capítulos 1, 2 e 4: QEG t V −−= ∆ ∆ onde ∆V é a variação do volume de água armazenado no aqüífero da bacia (m3); ∆t é o intervalo de tempo considerado (s); G é a percolação do solo para o aquífero (m3.s- 1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q é o escoamento (m3.s-1). Normalmente a evapotranspiração diretamente a partir do aqüífero é nula e num período de estiagem o fluxo de percolação entre o solo e o subsolo (G) pode ser considerado desprezível. Assim, a equação acima pode ser reescrita, para um intervalo de tempo infinitesimal: Q dt dV −= Aproximar a curva de recessão de um hidrograma durante uma longa estiagem por uma equação exponencial decrescente equivale a admitir a idéia que a relação entre armazenamento de água subterrânea e descarga do aqüífero para o rio é linear, como na equação a seguir: k VQ = ou kQV ⋅= onde V é o volume de água armazenado pelo aqüífero (m3); Q é a vazão que passa pelo rio durante a estiagem, que é equivalente à descarga do aqüífero (m3.s-1); e k é uma constate com unidades de tempo (s). Substituindo a relação linear na equação de balanço hídrico simplificada, obtém-se a relação: Q dt dQk = A solução desta equação diferencial resulta numa equação exponencial decrescente, como apresentada na seção anterior deste capítulo: H I D R O L O G I A 68 P ARh = onde A é a área (B.y) e P o perímetro molhado. Das equações anteriores se deduz que quanto maior o nível da água y, maior a velocidade média da água no canal. O coeficiente n de Manning varia de acordo com o revestimento do canal. Canais com paredes muito rugosas, como os canais revestidos por pedras irregulares e os rios naturais com leito rochoso tem valores altos de n. Canais de laboratório, revestidos de vidro , por exemplo, podem ter valores relativamente baixos de n. Alguns valores de n de Manning para diferentes tipos de canais são dados na tabela a seguir. Tabela 6. 2: Valores de n de Manning para canais com diferentes tipos de revestimento de fundo e paredes (Hornberger et al., 1998). Tipo de revestimento n de Manning Vidro (laboratório) 0,01 Concreto liso 0,012 Canal não revestido com boa manutenção 0,020 Canal natural 0,024 a 0,075 Rio de montanha com leito rochoso 0,075 a >1,00 A vazão em um canal pode ser calculada pelo produto da velocidade média vezes a área de escoamento, ou seja: n SR AAuQ h 2 1 3 2 ⋅ ⋅=⋅= E X E M P L O 3) Qual é a vazão que escoa em regime permanente e uniforme por um canal de seção transversal trapezoidal com base B = 5 m e profundidade y = 2 m, considerando a declividade de 25 cm por km? Considere que a parede lateral do canal tem uma inclinação dada por m = 2, e que o canal não é revestido mas está com boa manutenção. Em um canal trapezoidal a área de escoamento é dada por ( ) 2 2 yymBBA ⋅⋅⋅++= onde B é a largura da base, y é a profundidade e m = cotg α, de acordo com a figura abaixo. H I D R O L O G I A 69 O perímetro molhado é dado por ( )222 ymyBP ⋅+⋅+= Portanto A = 18 m2 e P = 13,9 m. O raio hidráulico é Rh = 1,3 m. A declividade de 25 cm por km corresponde a S = 0,00025 m.m-1,o coeficiente de Manning para um canal não revestido com boa manutenção é de 0,020, então a vazão no canal é dada por ( ) ( ) 020,0 00025.03,118 2 1 3 2 2 1 3 2 ⋅ ⋅= ⋅ ⋅= n SR AQ h = 16,9 m3.s-1 Portanto, a vazão no canal é de 16,9 m3.s-1. Medição de vazão A medição de vazão em cursos d’água é realizada, normalmente, de forma indireta, a partir da medição de velocidade ou de nível. Os instrumentos mais comuns para medição de velocidade de água em rios são os molinetes, que são pequenos hélices que giram impulsionados pela passagem da água. Em situações de medições expeditas, ou de grande carência de recursos, as medições de velocidade podem ser feitas utilizando flutuadores, com resultados muito menos precisos. H I D R O L O G I A 70 Figura 6.3: Molinete para medição de velocidade da água. Os molinetes são instrumentos projetados para girar em velocidades diferentes de acordo com a velocidade da água. A relação entre velocidade da água e velocidade de rotação do molinete é a equação do molinete. Esta equação é fornecida pelo fabricante do molinete, porém deve ser verificada periodicamente, porque pode ser alterada pelo desgaste das peças. A velocidade da água é, normalmente, maior no centro de um rio do que junto às margens. Da mesma forma, a velocidade é mais baixa junto ao fundo do rio do que junto à superfície. Em função desta variação da velocidade nos diferentes pontos da seção transversal, utilizar apenas uma medição de velocidade pode resultar em uma estimativa errada da velocidade média. Por exemplo, a velocidade medida junto à margem é inferior à velocidade média e a velocidade medida junto à superfície, no centro da seção, é superior à velocidade média. Para obter uma boa estimativa da velocidade média é necessário medir em várias verticais, e em vários pontos ao longo das verticais, de acordo com as figuras 6.4 e 6.5. A tabela 6.3, adaptada de Santos et al. (2001), apresenta o número de pontos de medição em uma vertical de acordo com a profundidade do rio e a tabela 6.4 apresenta o número de verticais recomendado para medições de vazão de acordo com a largura do rio. A tabela 6.3 mostra que são recomendados muitas medições na vertical, porém, freqüentemente, as medições são feitas com apenas dois pontos na vertical, mesmo em rios com profundidade maior que 1,20 m. H I D R O L O G I A 73 ( ) ( ) ( ) ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ −⋅=⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ +− + ⋅= −+−+ 2 dd p 2 dd 2 dd pA 1i1ii i1i1ii ii onde o índice i indica a vertical que está sendo considerada; p é a profundidade; d é a distância da vertical até a margem. Na figura 6.7, por exemplo, a área da sub-seção da vertical 2 é dada por: ( ) ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ −⋅= 2 dd pA 1322 As pequenas áreas próximas às margens que não são consideradas nas sub-seções da primeira nem da última vertical (figura 6.8) não são consideradas no cálculo da vazão. Assim, a vazão total do rio é dada por: ∑ = ⋅= N 1i ii AvQ onde Q é a vazão total do rio; vi é a velocidade média da vertical i; N é o número de verticais e Ai é a área da sub-seção da vertical i. Figura 6. 8: As áreas sombreadas junto às margens não são consideradas na integração da vazão. E X E M P L O 4) Uma medição de vazão realizada em um rio teve os resultados da tabela abaixo. A largura total do rio é de 23 m. Qual é a vazão total do rio? Qual é a velocidade média? H I D R O L O G I A 74 Vertical 1 2 3 4 5 Distância da margem (m) 2,0 5,0 8,0 17,0 22,0 Profundidade (m) 0,70 1,54 2,01 2,32 0,82 Velocidade a 0,2xP (m.s-1) 0,23 0,75 0,89 0,87 0,32 Velocidade a 0,8xP (m.s-1) 0,15 0,50 0,53 0,45 0,20 Para cada uma das verticais de medição é determinada a área da sub-seção correspondente. Considera-se, para isso, que as velocidades medidas na vertical ocorrem em uma região retangular de profundidade pi e largura 0,5x(di+1 – di-1) . A vazão total é dada pela soma das vazões de cada sub-seção. Vertical 1 2 3 4 5 Total Distância da margem (m) 2,0 5,0 8,0 17,0 22,0 23 Profundidade (m) 0,70 1,54 2,01 2,32 0,82 Largura da vertical (m) 2,50 3,0 6,0 7,0 3,0 Área da sub-seção (m2) 1,75 4,62 12,06 16,24 2,46 37,13 Velocidade a 0,2xP (m.s-1) 0,23 0,75 0,89 0,87 0,32 Velocidade a 0,8xP (m.s-1) 0,15 0,50 0,53 0,45 0,20 Velocidade média na vertical (m.s-1) 0,19 0,63 0,71 0,66 0,26 Vazão na sub-seção (m3.s-1) 0,33 2,91 8,56 10,72 0,64 23,16 A vazão total é de 23,16 m3.s-1. Este valor pode ser arredondado para 23,2 m3.s-1 porque normalmente os erros das medições de velocidade, distância e profundidade não justificam tanta precisão. A velocidade média é igual à vazão total dividida pela área total, ou seja, 62,0 13,37 16,23v == A velocidade média é de 0,62 m.s-1. A curva-chave O ciclo hidrológico é um processo dinâmico, governado por processos bastante aleatórios, como a precipitação. Para caracterizar o comportamento hidrológico de um curso d’água ou de uma bacia não basta dispor de uma medição de vazão, mas sim de uma série de medições. É desejável que esta série estenda-se por, pelo menos, alguns anos, e é necessário que o intervalo de tempo entre medições seja adequado para acompanhar os principais processos que ocorrem na bacia, isto é, permitam H I D R O L O G I A 75 acompanhar as cheias e estiagens. Em um rio muito grande, de comportamento lento, isto pode significar uma medição por semana. Por outro lado, em um rio com uma área de drenagem pequena, em uma região montanhosa, com rápidas respostas durante as chuvas, pode ser necessária uma medição a cada minuto. A medição de vazão, conforme descrita no item anterior, é um processo caro, o que impede medições de vazão muito freqüentes. Normalmente a medição de vazão em rios exige uma equipe de técnicos qualificados e equipamentos como molinete, guincho e barcos. Em função disso, as medições de vazão são realizadas com o objetivo de determinar a relação entre o nível da água do rio em uma seção e a sua vazão. Esta relação entre o nível (ou cota) e a vazão é denominada a curva-chave de uma seção. Com a curva-chave é possível transformar medições diárias de cota, que são relativamente baratas, em medições diárias de vazão. Para gerar uma curva-chave representativa é necessário medir a vazão do rio em situações de vazões baixas, médias e altas. A figura 6.9 apresenta, de forma gráfica, o resultado de 62 medições de vazão realizadas entre 1992 e 2002, no rio do Sono no posto fluviométrico Cachoeira do Paredão, no Estado de Minas Gerais. Cada ponto no gráfico corresponde a uma medição de vazão. Observa-se que há mais medições de vazão na faixa de cotas e vazões baixas. Isto ocorre porque as vazões altas ocorrem apenas durante as cheias, que podem ser bastante rápidas e raramente coincidem com os dias programados para as medições de vazão. Figura 6. 9: Dados de medição de vazão do rio do Sono, de 1992 a 2002. A curva chave é uma equação ajustada aos dados de medição de vazão. Normalmente são utilizadas equações do tipo potência, como a equação a seguir: ( )b0hhaQ −⋅= H I D R O L O G I A 78 Figura 6. 6: Vertedor triangular com soleira delgada em ângulo de 90º. A Calha Parshal é um trecho curto de canal com geometria de fundo e paredes que acelera a velocidade da água e cria uma passagem por escoamento crítico. A medição de nível é feita a montante da passagem pelo regime crítico, e pode ser relacionada diretamente à vazão. As calhas Parshal são dimensionadas com diferentes tamanhos, de forma a permitir a medição em diferentes faixas de vazão. A principal vantagem das calhas e dos vertedores é que existe uma relação direta e conhecida, ou facilmente calibrável, entre a vazão e a cota. A calha ou o vertedor tem a desvantagem do custo relativamente alto de instalação. Além disso, durante eventos extremos estas estruturas podem ser danificadas ou, até mesmo, inutilizadas. Figura 6. 13: Calha Parshall para medição de vazão em pequenos córregos ou canais. H I D R O L O G I A 79 Medição de vazão com equipamento Doppler Em rios médios ou grandes, alguns medidores eletrônicos de velocidade, como o ADCP, substituem os molinetes com grandes vantagens. Estes instrumentos permitem medir a velocidade em muito mais pontos ao longo da seção transversal de um rio em muito menos tempo. Além disso, estes instrumentos comunicam-se diretamente a microcomputadores, transferem os dados de velocidade e calculam a vazão automaticamente, reduzindo substancialmente o tempo necessário para preencher planilhas no campo e para digitar estes dados, posteriormente, no escritório. A grande desvantagem destes instrumentos é o custo de aquisição. Apesar disto, estes equipamentos vêm se tornando cada vez mais comuns, e possivelmente levarão, em poucos anos, ao abandono completo das medições com molinetes. Estimativas de vazão em locais sem dados Normalmente não existem dados de vazão exatamente no local necessário. Assim, muitas vezes é necessário estimar valores a partir de informações de postos fluviométricos próximos. A este procedimento, quando realizado de forma cuidadosa e detalhada, dá se o nome de regionalização hidrológica. A forma mais simples de regionalização hidrológica é o estabelecimento de uma relação linear entre vazão e área de drenagem da bacia. Suponha que é necessário estimar a vazão média em um local sem dados localizado no rio Camaquã, denominado ponto A. A área de drenagem no ponto A é de 1700 km2. Dados de um posto fluviométrico localizado no mesmo rio, no ponto B, cuja área de drenagem é de 1000 km2 indicam uma vazão média de 200 m3.s-1. A vazão média no ponto A pode ser estimada por B A BA A A QQ ⋅= onde AA é a área de drenagem do ponto A e AB é a área de drenagem do ponto B, e QA é a vazão média no ponto A e QB é a vazão média no ponto B. Esta forma de estimativa pode ser aplicada também para estimar vazões mínimas, como a Q90 e a Q95. Obviamente, este método tem muitas limitações e não pode ser usado quando a bacia for muito heterogênea quanto às características de relevo, clima, solo e geologia. Para estimar vazões máximas em locais sem dados este método tende a superestimar as vazões quando a área de drenagem do ponto sem dados é maior do que a área de drenagem do ponto com dados. H I D R O L O G I A 80 Métodos de regionalização mais complexos incluem variáveis como a precipitação média, características de comprimento e declividade do rio principal, tipos de solos e geologia, e podem gerar informações relativamente confiáveis para locais sem dados. Os detalhes da regionalização hidrológica são apresentados de forma aprofundada em livros como Tucci (1998). Em resumo, a regionalização de vazões busca identificar relações entre os valores de vazões máximas, mínimas e médias com a área da bacia e outras características físicas da região. As relações normalmente são da forma apresentada na equação apresentada abaixo: b ref AaQ ⋅= onde a e b são constantes para uma região hidrológica homogênea, isto é, que tem aproximadamente as mesmas características geológicas e climáticas. Exercícios 1) Como se origina o escoamento superficial em uma bacia durante as chuvas? 2) Qual é a lâmina escoada superficialmente durante um evento de chuva de precipitação total P = 60 mm numa bacia com solos do tipo B e com cobertura de florestas? O que ocorreria com o escoamento caso as florestas fossem substituídas por plantações? 3) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas duas medições de vazão, conforme a tabela abaixo. Qual seria a vazão esperada para o dia 31 de agosto do mesmo ano, considerando que não ocorre nenhum evento de chuva neste período? data Vazão (m3.s-1) 14/ago 60.4 15/ago - 16/ago - 17/ago - 18/ago - 19/ago 51.7 4) Durante uma longa estiagem de um rio foram feitas seis medições de vazão, conforme a tabela abaixo. Qual seria a vazão esperada para o dia 31 de agosto do mesmo ano, considerando que não ocorre nenhum evento de chuva neste Hidrologia Estatística s variáveis hidrológicas como chuva e vazão têm como característica básica uma grande variabilidade no tempo. Para analisar a vazão de um rio ou a precipitação em um local ou região, incluindo a sua variabilidade temporal, é necessário utilizar alguns valores estatísticos que resumem, em grande parte, o comportamento hidrológico do rio ou da bacia. Entre as estatísticas mais importantes estão a média, a média mensal, a variância, os mínimos e máximos. A média A vazão ou precipitação média é a média de toda a série de vazões ou precipitações registradas, e é muito importante na avaliação da disponibilidade hídrica total de uma bacia. n x x n i i∑ == 1 A vazão média específica é a vazão média dividida pela área de drenagem da bacia. As vazões médias mensais representam o valor médio da vazão para cada mês do ano, e são importantes para analisar a sazonalidade de um rio. A Figura 7. 1 apresenta um gráfico das vazões médias mensais do rio Cuiabá na seção da cidade de Cuiabá, com base nos dados de 1967 a 1999. Capítulo 7 A H I D R O L O G I A 84 Figura 7. 1: Vazões medias mensais do rio Cuiabá em Cuiabá (dados de 1967 a 1999). Observa-se nesta figura que há uma sazonalidade marcada, com estiagem no inverno e vazões altas no verão. As maiores vazões mensais médias ocorrem em Fevereiro e as menores em Agosto, o que é conseqüência direta da sazonalidade das chuvas, que ocorrem de forma concentrada no período de verão. A mediana A mediana é o valor que é superado em 50% dos pontos da amostra. A média e a mediana podem ter valores relativamente próximos, porém não iguais. A mediana pode ser obtida organizando os n valores xi da amostra em ordem crescente. Sendo kx com k = 1 a n, os valores de x organizados em ordem decrescente, a mediana é obtida por: pxMediana = com 12 1 + − = np se n for ímpar; e 2 1++= pp xx Mediana se n for par. O desvio padrão O desvio padrão é uma medida de dispersão dos valores de uma amostra em torno da média. O desvio padrão é dado por: H I D R O L O G I A 85 ( ) 1 1 2 − − = ∑ = n xx s n i i o quadrado do desvio padrão s2 é chamada variância da amostra. A curva de permanência A elaboração da curva de permanência é uma das análises estatísticas mais simples e mais importantes na hidrologia. A curva de permanência auxilia na análise dos dados de vazão com relação a perguntas como as destacadas a seguir. • O rio tem uma vazão aproximadamente constante ou extremamente variável entre os extremos máximo e mínimo? • Qual é a porcentagem do tempo em que o rio apresenta vazões em determinada faixa? • Qual é a porcentagem do tempo em que um rio tem vazão suficiente para atender determinada demanda? A curva de permanência expressa a relação entre a vazão e a freqüência com que esta vazão é superada ou igualada. A curva de permanência pode ser elaborada a partir de dados diários ou dados mensais de vazão. A Figura 7. 2 apresenta o hidrograma de vazões diárias do rio Taquari, em Muçum (RS), e a curva de permanência que corresponde aos mesmos dados apresentados no hidrograma. Observa-se que a vazão de 1000 m3.s-1 é igualada ou superada em menos de 10% do tempo. Apesar de apresentar picos de cheias com 7000 m3.s-1 ou mais, na maior parte do tempo as vazões do rio Taquari neste local são bastante inferiores a 500 m3.s-1. Para destacar mais a faixa de vazões mais baixas a curva de permanência é apresentada com eixo vertical logarítmico, como mostra a Figura 7. 3. H I D R O L O G I A 88 A curva de permanência também é útil para diferenciar o comportamento de rios e para avaliar o efeito de modificações como desmatamento, reflorestamento, construção de reservatórios e extração de água para uso consuntivo. A Figura 7. 5 apresenta as curvas de permanência dos rios Cuiabá, em Cuiabá (MT), e Taquari, em Coxim (MS), baseadas nos dados de vazão diária de 1980 a 1984. As duas bacias tem áreas de drenagem de tamanho semelhante. A bacia do rio Cuiabá tem, aproximadamente, 22.000 km2, e a do rio Taquari cerca de 27.000 km2. O relevo e a precipitação média anual são semelhantes. A vazão média do rio Cuiabá é de 438 m3.s-1 neste período, enquanto a vazão média do rio Taquari é de 436 m3.s-1, ou seja, são praticamente idênticas. Entretanto, observa-se que as vazões mínimas são mais altas no rio Taquari do que no rio Cuiabá e as vazões máximas são maiores no rio Cuiabá. O rio Cuiabá apresenta maior variabilidade das vazões, que se alternam rapidamente entre situações de baixa e de alta vazão, enquanto o rio Taquari permanece mais tempo com vazões próximas da média. Esta diferença ocorre basicamente porque a geologia da bacia do rio Taquari favorece mais a infiltração da água no solo, e esta água chega ao rio apenas após um longo período em que fica armazenada no subsolo. A vazão do rio Taquari é naturalmente regularizada pelos aqüíferos existentes na bacia, enquanto que na bacia do rio Cuiabá este efeito não é tão importante. Figura 7. 5: Comparação entre as curvas de permanência dos rios Taquari (MS) e Cuiabá (MT). A Figura 7. 6 apresenta as curvas de permanência de vazão afluente (entrada) e efluente (saída) do reservatório de Três Marias, no rio São Francisco (MG). Este H I D R O L O G I A 89 reservatório tem um grande volume e uma grande capacidade de regularização, permitindo reter grande parte das vazões altas que ocorrem durante o período do verão, aumentando a disponibilidade de água no período de estiagem. Como resultado observa-se que a vazão Q90 é alterada de 148 m 3.s-1 para 379 m3.s-1 pelo efeito de regularização do reservatório, enquanto a vazão Q95 é alterada de 120 m 3.s-1 para 335 m3.s-1. Figura 7. 6: Curvas de permanência de vazão afluente e efluente do reservatório de Três Marias, no rio São Francisco (MG). Portanto o efeito da regularização da vazão sobre a curva de permanência é torná-la mais horizontal, com valores mais próximos da mediana durante a maior parte do tempo. Séries temporais A vazão de um rio é uma variável que se modifica de forma contínua no tempo, e pode ser representada em um hidrograma, que é o gráfico que relaciona os valores de vazão com o tempo, como na figura 7.7. Diversas análises estatísticas de dados hidrológicos são realizadas de forma mais conveniente sobre valores discretos no tempo, ao contrário das seqüências contínuas. A partir de uma seqüência contínua de vazões é possível identificar séries temporais de valores discretos, como, por exemplo, as vazões médias anuais, as vazões máximas anuais e as vazões mínimas anuais, conforme representado na figura 7.8 e na tabela 7.1. As séries discretas que são obtidas a partir da observação de alguns anos de dados de vazão são tratadas como amostras do comportamento de um rio ou de uma bacia. A H I D R O L O G I A 90 população, neste caso, seriam todos os anos de existência de um rio. A vazão é considerada uma variável aleatória porque depende de fenômenos climáticos complexos e de difícil previsibilidade a partir de um certo horizonte. Figura 7. 7: As vazões variam continuamente no tempo (linha) mas a partir dos dados de vazão é possível gerar séries temporais discretas, como as médias, máximas (triângulos) e mínimas (círculos) anuais (adaptado de Dingman, 2002). Figura 7. 8: Gráfico das séries discretas de médias, mínimas e máximas anuais. H I D R O L O G I A 93 Existem duas formas de atribuir probabilidades e tempos de retorno às vazões máximas e mínimas: métodos empíricos e métodos analíticos. Probabilidades empíricas podem ser estimadas a partir da observação das variáveis aleatórias. Por exemplo, a probabilidade de que uma moeda caia com a face “cara” virada para cima é de 50%. Esta probabilidade pode ser estimada empiricamente lançando a moeda 100 vezes e contando quantas vezes cada uma das faces fica voltada para cima. O problema das probabilidades empíricas é que quando o tamanho da amostra é pequeno, a estimativa tende a ser muito incerta. Suponha, por exemplo, que apenas 6 lançamentos sejam feitos para estimar a probabilidade de que uma moeda caia com a face “cara” voltada para cima. É possível que seja estimada uma probabilidade muito diferente de 50%. Para contornar este problema é comum supor que os dados hidrológicos sejam aleatórios e que sigam uma determinada distribuição de probabilidade analítica, como a distribuição normal, por exemplo. Esta metodologia analítica permite explorar melhor as amostras relativamente pequenas de dados hidrológicos, como se descreve na seqüência deste capítulo. Chuvas anuais e a distribuição normal O total de chuva que cai ao longo de um ano pode ser considerado uma variável aleatória com distribuição aproximadamente normal. Esta suposição permite explorar melhor amostras relativamente pequenas, com apenas 20 anos, por exemplo. A distribuição normal é descrita em qualquer livro introdutório de estatística e se aplica a muitos tipos de informações da natureza. Um gráfico da função densidade de probabilidade da distribuição normal tem uma forma de sino e é simétrica com relação à média, que é o valor central. A forma em sino indica que existe uma probabilidade maior de ocorrerem valores próximos à média do que nos extremos mínimo e máximo. A função densidade de probabilidade (PDF) da distribuição normal é uma expressão que depende de dois parâmetros: a média e o desvio padrão da população, conforme a equação seguinte: ( ) ⎥ ⎥ ⎦ ⎤ ⎢ ⎢ ⎣ ⎡ ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ − ⋅−⋅ ⋅⋅ = 2 2 1exp 2 1 x x x x x xf σ µ σπ (7.2) H I D R O L O G I A 94 onde µx é a média da população e σx é o desvio padrão da população. Para o caso mais simples, em que a média da população é zero e o desvio padrão igual a 1, a expressão acima fica simplifcada: ( ) ⎥ ⎦ ⎤ ⎢ ⎣ ⎡ −⋅ ⋅ = 2 exp 2 1 2zzf z π (7.3) onde z é uma variável aleatória com média zero e desvio padrão igual a 1. O gráfico desta última é apresentado na figura 7.9. A área total sob a curva é igual a 1. A área hachurada representa a probabilidade de ocorrência de um valor maior do que z (figura de cima) ou menor do que z (figura de baixo). A área sob a curva pode ser calculada por integração analítica, mas resulta numa série infinita. Por este motivo, as aplicações práticas são mais comuns na forma de tabelas que relacionam o valor de z com a probabilidade de ocorrer um valor maior do que z ou menor do que z. Existem, também, tabelas que fornecem valores da área entre 0 e z, ou de –z a z. No final do capítulo é apresentada uma tabela de probabilidades da distribuição normal. No programa Excel é possível obter os valores das probabilidades utilizando a função DIST.NORMP(z), que dá a probabilidade de ocorrer um valor inferior a z. Lembrando a relação entre probabilidades e tempos de retorno, é interessante saber os valores de z que correspondem a alguns valores específicos de probabilidade, como 0,1 0,01 e 0,001. Estes valores correspondem aos tempos de retorno de 10, 100 e 1000 anos. No final do capítulo é apresentada uma tabela de probabilidades da distribuição normal, indicando os valores de z correspondentes aos tempos de retorno de 2 a 10000 anos. H I D R O L O G I A 95 Figura 7. 9: Gráfico da distribuição normal (na figura superior é indicada a área hachurada que representa a probabilidade de ocorrer um valor maior do que z; e na figura inferior é indicada a área hachurada que representa a probabilidade de ocorrer um valor menor do que z). Uma variável aleatória x com média µx e desvio padrão σx pode ser transformada em uma variável aleatória z, com média zero e desvio padrão igual a 1 pela transformação abaixo: x xxz σ µ− = (7.4) Esta transformação pode ser utilizada para estimar a probabilidade associada a um determinado evento hidrológico em que a variável segue uma distribuição normal. Considere, por exemplo, a chuva anual em um determinado local. Anos com chuva próxima da média são relativamente freqüentes, enquanto anos muito chuvosos ou muito secos são menos freqüentes. Em muitos locais as chuvas anuais seguem, aproximadamente uma distribuição normal, como mostra a figura 7.10.
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