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O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA (1932) E DOS EDUCADORES (1959), Notas de estudo de Pedagogia

APRESENTAÇÃO: O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educadores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colocar à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram alguns dos principais expoentes da história educacional, nos planos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante para o amadurecimento de ideias e de alt

Tipologia: Notas de estudo

2013

Compartilhado em 01/04/2013

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MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA (1932) E DOS EDUCADORES (1959) MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:211 Alceu Amoroso Lima | Almeida Júnior | Anísio Teixeira Aparecida Joly Gouveia | Armanda Álvaro Alberto | Azeredo Coutinho Bertha Lutz | Cecília Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan Fernandes Frota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos Helena Antipoff | Humberto Mauro | José Mário Pires Azanha Julio de Mesquita Filho | Lourenço Filho | Manoel Bomfim Manuel da Nóbrega | Nísia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo Freire Roquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dória | Valnir Chagas Alfred Binet | Andrés Bello Anton Makarenko | Antonio Gramsci Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Célestin Freinet Domingo Sarmiento | Édouard Claparède | Émile Durkheim Frederic Skinner | Friedrich Fröbel | Friedrich Hegel Georg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich Jan Amos Comênio | Jean Piaget | Jean-Jacques Rousseau Jean-Ovide Decroly | Johann Herbart Johann Pestalozzi | John Dewey | José Martí | Lev Vygotsky Maria Montessori | Ortega y Gasset Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco Coordenação executiva Carlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari Comissão técnica Carlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente) Antonio Carlos Caruso Ronca, Ataíde Alves, Carmen Lúcia Bueno Valle, Célio da Cunha, Jane Cristina da Silva, José Carlos Wanderley Dias de Freitas, Justina Iva de Araújo Silva, Lúcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero Revisão de conteúdo Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, Célio da Cunha, Jáder de Medeiros Britto, José Eustachio Romão, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia Secretaria executiva Ana Elizabete Negreiros Barroso Conceição Silva MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:212 SUMÁRIO Apresentação, por Fernando Haddad, 7 Introdução, por Fernando de Azevedo, 11 As conquistas da civilização e a inquietação do homem interior, 13 O Manifesto dos pioneiros da Educação Nova (1932), 33 Manifesto dos educadores: mais uma vez convocados (1959), 69 Os manifestos, por Fernando Haddad, 101 Apêndices, 107 MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:215 -] MANIFESTOS finais pnd 6 21/10/2010, 08:21 7 APRESENTAÇÃO O propósito de organizar uma coleção de livros sobre educa- dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo- car à disposição dos professores e dirigentes da educação de todo o país obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram alguns dos principais expoentes da história educacional, nos pla- nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentos nessa área, seguida de debates públicos, constitui passo importante para o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da prática pedagógica em nosso país. Para concretizar esse propósito, o Ministério da Educação insti- tuiu Comissão Técnica em 2006, composta por representantes do MEC, de instituições educacionais, de universidades e da Unesco que, após longas reuniões, chegou a uma lista de trinta brasileiros e trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critérios o reconhecimento histórico e o alcance de suas reflexões e contribuições para o avanço da educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co- leção Penseurs de l´éducation, organizada pelo International Bureau of Education (IBE) da Unesco em Genebra, que reúne alguns dos mai- ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas. Para garantir o êxito e a qualidade deste ambicioso projeto editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto Paulo Freire e de diversas universidades, em condições de cumprir os objetivos previstos pelo projeto. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:217 10 MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2110 11 INTRODUÇÃO A civilização contemporânea, que se caracteriza pelo triunfo inau- dito do homem sobre as coisas, apresenta-se ao observador menos atento como materialista, em que as conquistas de ordem moral não correram paralelas aos progressos científicos no domínio e na sub- missão das forças naturais. Mas, antes de tudo, a uma civilização que resultou da aplicação laboriosa do espírito humano à conquista da natureza e ao melhoramento das condições e das possibilidades do homem, não seria própria a denominação de “materialista”, mais adequada a uma civilização “limitada pela matéria e incapaz de dominá-la, aproveitá-la e ultrapassá-la”. A série de vitórias sucessi- vas sobre a natureza, além de ser o produto de uma longa elabora- ção espiritual, a que não faltou nem podia faltar o impulso generoso de forças morais, argumentando a “eficiência” dos homens e apro- ximando-os cada vez mais, abre as mais largas perspectivas de com- preensão e simpatia humana. A ciência, a máquina e a economia que trazem a marca da força criadora do espírito que por elas se mani- festa e nelas se contempla, constituem um “sistema de meios” indis- pensáveis não apenas à satisfação de interesses, mas à expressão de sentimentos e à criação de ideais e valores da cultura. As zonas de interesses e sentimentos, de crenças e desejos, sujeitas a ações e rea- ções recíprocas, não se limitam por demarcações distintas. As con- quistas no domínio das ciências aplicadas trazem em si mesmas, frequentemente, o gérmen de conquistas morais e permitem vencer resistências contra as quais se anulam as mais poderosas correntes de MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2111 12 opinião. A máquina libertou o homem, tornando possível e efetiva a abolição do regime servil com a substituição da manufatura pela maquinofatura. E se se acompanhar a longa e progressiva formação histórica dos sentimentos e das ideias morais, ver-se-á claramente que a civilização atual, aparentemente materialista, apresenta uma série de conquistas morais do maior alcance e da significação mais pro- funda, com as quais se operou uma vigorosa transformação de que apenas se podem perceber todas as consequências sociais, nas ideias da humanidade. A obra da civilização atual – e por isso é que pode receber o nome de civilização – ultrapassa largamente o vasto qua- dro das realizações e vitórias materiais, não é somente a indústria que se desenvolveu, organizando-se o mundo das máquinas, para um acréscimo de riqueza social que resulta da utilização cada vez mais extensa das forças naturais; é a humanidade também que evo- luiu, libertando-se da servidão de preconceitos, adquirindo uma consciência mais profunda da solidariedade necessária dos interesses e dos sentimentos dos homens e ampliando para círculos sociais, cada vez mais vastos, os benefícios e as utilidades que acumulou. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2112 15 da verdade progressiva que o fará passar do místico ao positivo, pela educação científica do espírito. A própria filosofia que nos ins- pirar deve ser científica, isto é, uma filosofia que buscar as verdades, com o espírito e os métodos da ciência. Tudo está em “não ser o homem, menor do que sua obra”. Os recursos materiais, máquinas e instrumentos que fabricou para satisfazer a todas as suas exigênci- as, complicaram-se e centuplicaram de eficiência, à medida que se desenvolveu a civilização: e “seu conjunto, como observou C. Bouglé, acabou por formar um verdadeiro mundo artificial, por cujo inter- médio ele se adapta ao mundo natural”. Falharia o homem à sua missão, se não procurasse tornar-se tão grande quanto a civilização material que chegou a criar. Sua mentalidade que se enriqueceu e evoluiu não pode acompanhar, porém, no seu ritmo acelerado até à vertigem, o progresso da ciência e de suas aplicações técnicas, e ain- da se mantém antiga, submissa a preconceitos e a erros em que se formou, enquanto tudo se renovou à volta do homem; pelas suas próprias mãos e pelo seu maravilhoso poder de transformação. A diferença de níveis de cultura, nos diversos povos e a resis- tência oposta pela tradição a uma concepção da vida ajustada à nova situação industrial têm impedido identificar, em pontos de intersecção superior, aspirações e ideais de acordo com as forças que elaboram a nova civilização. A espantosa facilidade de comu- nicação de ideias, pela imprensa, pelo cinema e pelo rádio, deter- minou, em cada país, a afluência de todas as correntes de opinião que, provenientes de pontos diversos e seguindo direções opostas, encontraram, entrecruzando-se e chocando-se com, ímpeto, como formidáveis redemoinhos em que parece submergir a própria ci- vilização. A violência desse conflito de ideias provém exatamente das forças novas que determinam a nossa vida e da reação dos conservadores a todo transe, nostálgicos, de espírito vazado em moldes gastos, de egoísmos rebeldes e incuráveis, e de instintos inconfessáveis que fazem nascer as riquezas por muito tempo acu- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2115 16 muladas. Mas todas as “semelhanças provenientes da vida social” argumentam cada vez mais, com os inventos que revolucionaram os nossos meios de produção e de intercâmbio; as mesmas ideias, as mesmas crenças morais, as mesmas instituições sociais e políti- cas tendem a espalhar-se pelo mundo inteiro. Esse processo de assimilação e socialização não se pode precipitar senão quando, de um lado, as elites ainda tumultuárias se renovarem, tomarem cons- ciência de si mesmas e derem expressão e forma aos novos ideais, e, por outro, esses ideais, representados a todos os espíritos, en- contrarem um ambiente de receptividade para se estenderem e se irradiarem, pelo impulso de sua força vital, das elites em que se encontrarem, para as massas que gravitam em torno delas. Indisciplina mental agravada por condições especiais Ora, num povo ainda em formação como o nosso, sem lastro de tradições e de cultura, e constituído de grupos sociais, móveis e dispersos, sem coesão e sem vida coletiva, a “indisciplina social e mental”, que caracteriza a nossa época, tinha de agravar-se sob a pressão dessas condições particulares. A nossa evolução processa- da sobre uma base étnica heterogênea, constituída de três taças que se distribuem em proporções desiguais, recebeu um impulso mai- or, nos estados do Sul, pela invasão lenta, progressivamente pene- trante e inevitável de quase todas as raças. Mas, posta à parte a velha doutrina antropológica que fazia da raça o principal fator de civilização, esse alargamento quantitativo dos círculos sociais pelas correntes imigratórias havia de trazer forçosamente, como trouxe, a mudança progressiva das formas sociais. O período em que a nossa evolução adquiriu um ritmo mais acelerado e em que, por- tanto, começaram a definir-se e a agravar-se os nossos problemas, em toda sua variedade e complexidade, coincidia assim com a fase mais aguda da crise dramática que atravessa a civilização. As condições especiais em que se desenvolveu o processo histórico MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2116 17 de nossa formação e das quais não foi a menor a pobreza do solo, não nos permitiram atingir, nessa fase de crise econômica e social no mundo, o estado de relativa organização e estabilidade em que já se encontram o Uruguai, a Argentina e os Estados Unidos A atitude brasileira em face dos problemas E – o que é mais grave – além de não cuidarmos da solução de problemas fundamentais antes que viessem a se agravar sob a pres- são de causas exteriores, deixamos de criar e organizar o nosso apa- relho de cultura, para habilitar as novas gerações a enfrentá-los e a resolvê-los, numa época em que se acentua por toda a parte a inter- venção da ciência na direção dos negócios públicos, entregues até então ao instinto dos povos e ao capricho dos governos. Vivemos, por isso, constantemente perturbados por alucinações periódicas ou por perigos quiméricos. Os perigos reais e evidentes, esses dir-se-ia que nos deixam antes “hipnotizados” do que dispostos a encará-los e a vencê-los. E quando julgávamos, nessa nebulosa política, ter pos- to um problema em via de solução, não tínhamos feito outra coisa senão agravá-lo: o sonho não tardava a desvanecer-se, logo que nos dávamos ao trabalho de examinar as coisas mais de perto... Daí as alternativas entre o romantismo político que nos deixou, durante anos, deslumbrados diante da natureza, de que nos faziam esperar tudo, num otimismo ingênuo, e o pessimismo que pinta com as cores mais sombrias o futuro, pondo certo gosto em enervar as nossas coragens e destruir as nossas energias. As correntes de opi- nião e de ideias, mal esboçadas, acabaram por estagnar-se no pânta- no político, em que se ouvia, entre raras vozes protéticas, o coaxar de interesses partidários e de ideias descompassadas. A falta de cultura universitária A inteligência brasileira, escaldada pela natureza tropical, natu- ralmente viva e inquieta, abandonada a si mesma, dera de si o que MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2117 20 todos os respeitos e a complexidade de problemas que eram cha- mados a enfrentar e a resolver, agravou, entre nós, essa indisciplina mental e moral que, embora própria de toda uma época, tinha de forçosamente acentuar-se nos países em que a organização social e as reservas de cultura ofereciam menor resistência às forças dissolventes e às influências perturbadoras das classes e instituições parasitárias. A nossa educação, estranha às realidades nacionais e tradicionalmente baseada no humanismo, correspondia à política educativa do Império, em que, emperrada na escola secundária, de tipo clássico, estritamente literário, o problema da educação nacio- nal, nos seus dois aspectos fundamentais, das universidades e da educação popular, nunca se desprendeu de aspirações e fórmulas vagas. Os debates parlamentares e as lutas políticas que se trava- vam “em torno do poder” e raramente “em torno de proble- mas”, podiam satisfazer a esse pequeno público das classes médi- as, de formação acadêmica, cujos aplausos se reservavam aos ho- mens que se disputavam a primazia, na astúcia dos manejos políti- cos ou no brilho dos torneios oratórios... O despertar de uma consciência educacional Certamente as maiores figuras de minha geração se ressentem dos defeitos do meio social e do sistema de educação em que se formaram. Mas – e é nisso exatamente que se distingue – foi, pelos representantes mais altos do seu espírito, a primeira que rea- giu contra esses defeitos e inscreveu, no seu programa de ação, as reformas econômicas, sociais e pedagógicas, radicais e profundas. Colhida em plena mocidade, pela Grande Guerra e por todas as suas consequências, expectadora torturada e inquieta da Revolu- ção Russa, que procurou conhecer, nos seus princípios e nas suas realizações, como nas suas causas e nos seus efeitos, amadureceu, sob a dupla pressão esmagadora da crise universal e da maior crise por que passou a República, com a revolução política de Outubro. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2120 21 As perturbações políticas, econômicas e sociais a obrigaram a con- centrar-se, a refletir e a submeter às instituições, os homens e os fatos a um processo de revisão, objetiva e penetrante, com que aprendeu a sacudir os ombros aos sofismas de todos os merca- dores de ideias. Lutando com dificuldades agravadas e desaparelhadas, como as gerações que a precederam, dessa arma- dura de sólida aprendizagem, que só lhe podia dar a “disciplina dos estudos universitários”, ela trouxe novos ideais e uma consci- ência nova, banhada na clara inteligência das realidades do meio e dos problemas de seu tempo. Foi com os homens dessa geração, idealistas práticos, realistas a serviço do espírito, que se formou, no Brasil, uma “consciência educacional”, com que o problema da educação, tratado e discutido sob todos os aspectos, passou para o primeiro plano das cogitações, preparando-se o caminho para as grandes reformas escolares. Mentalidade que amadureceu Temos a consciência de nossas fraquezas e de nossos defeitos. A geração atual não é, nem podia ser, melhor do que as gerações que nos precederam. Mas não temos mais a obsessão e a supersti- ção do fácil. Compreendemos que não se forma o espírito por subterfúgios, é que devemos ganhar o pão com o suor do rosto, isto é, pelo esforço, lutando contra todos as resistências e subindo dolorosamente da confusão, da superficialidade e da fraqueza, para a claridade, a precisão e a força. Sem perdermos o gosto das coisas do espírito, temos o sentimento das coisas da vida, a cons- ciência do interesse comum, a solidariedade efetiva com o povo, a simpatia pelos seus sofrimentos, pelas suas aspirações e pelas suas necessidades, e a consciência de que a grandeza do país com a primeira civilização tropical, não romperá do seio da terra, mas do pensamento, da energia e do braço de seus filhos. A grande revolução, para nós, deve levantar-se antes sobre a “declaração de MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2121 22 deveres” do que sobre a “declaração de direitos”. Mas, libertan- do-nos do tradicionalismo, sentimos igualmente a necessidade de libertar-nos do utopismo – o pior dos preconceitos – por uma exata compreensão das coisas e uma poderosa armadura de hábi- tos e forças morais e científicas, com que se reduzam ao mínimo as nossas tendências, para a indisciplina e se eleve ao máximo a nossa “eficiência” na obra da civilização. Trocamos, enfim, o ro- mantismo estéril pelo idealismo prático e, por isto, fecundo; o sonho entorpecente pela realidade penosa; o brilho pela solidez; o ceticismo pela afirmação e as longas esperanças que enervam, pe- las atividades construtoras de uma geração viril, que, lutando por um ideal, aceita as condições do pensamento, da vida, das aspira- ções e das necessidades modernas. A campanha pela educação nacional é a grande obra, e a de maior alcance, realizada por homens dessa geração, em cujo gru- po sólido vieram incorporar-se, identificadas pelos mesmos ide- ais, outras figuras eminentes. Eu tive a fortuna de ver reunidos, um dia, numa obra comum, em convívio de todas as horas, alguns dos vultos mais representativos dessa nova mentalidade que ama- dureceu com a minha geração. O que se viveu é como o que se espalhou; não se pode mais reunir. Mas, os grandes ideais que nos uniram continuam a inspirar o pensamento e a ação de todos esses educadores que as circunstâncias afastaram, mas não tiveram for- ças para dividir e abater. Sucedem-se, de fato, em todos os terre- nos, as conquistas dos novos ideais de educação. O cerco das ve- lhas instituições escolares vai sendo cada vez mais apertado. Aba- lou-se a rotina; desacreditaram-se os velhos princípios; desintegra- ram-se sistemas rígidos; despertaram-se vocações; rasgaram-se novas perspectivas e se impuseram normas modernas de educa- ção. É toda uma nova política de educação que se introduziu, no Brasil, e diante de cujos princípios e de cuja atividade já capitula- ram os redutos mais resistentes. E de toda essa campanha de anos, MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2122 25 empirismo didático para o ar livre do pensamento moderno, da rotina burocrática para as ideias político-sociais, e dos planos do imediatismo utilitário para os domínios das cogitações científicas e filosóficas, de que dependem os sistemas de organização escolar, no seu sentido e na sua direção. O problema aqui não foi posto em abstrato ou em absoluto, mas segundo um ideal concreto e definido, nos seus dados especiais, fornecidos já pelas condições atuais da sociedade, em transformação, já pelas condições especi- ficas do meio, considerado nos fundamentos geográficos, na for- mação histórica e nos obstáculos naturais e de índole social e eco- nômica de nossa civilização. As divergências que suscitou e não podia deixar de despertar o manifesto, no seu conteúdo ideológi- co francamente revolucionário, provêm dos diferentes pontos de vista de que pode ser apreciado o problema fundamental dos fins de educação. Ninguém contesta a necessidade de ter o educador um ideal “que lhe ofereça precisamente a matéria dos sentimentos e dos hábitos que ele trabalha por inculcar às gerações novas”. Onde surgem as discordâncias é exatamente na “fixação desse ideal”, que varia em função de uma “concepção da vida” e, portanto, de uma filosofia, e, por isso, não pôde, em caso algum, satisfazer à variedade de pontos de vista particulares que nos dá a multiplicidade de ideias apriorísticas e dogmáticas. A cada época, na marcha da civilização, correspondem proces- sos novos de educação para uma adaptação constante às novas con- dições da vida social e à satisfação de suas tendências e de suas ne- cessidades. As ideias e as instituições pedagógicas são essencialmente “o produto de realidades sociais e políticas”. “À medida que os meios de ação se multiplicam à volta dos homens, pondera C. Bouglé, eles reclamam satisfações multiplicadas para as suas necessidades não mais somente de seu corpo, mas também de seu espírito. O seu organismo refinado complica as suas exigências; e elas se apresen- tam logo às suas consciências, como expressões de outras tantas MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2125 26 necessidades vitais”. Ora, não podia permanecer inalterável um apa- relho educacional, a cuja base residia uma velha concepção da vida, na sua rigidez clássica, numa época em que a indústria mecânica, aumentando a intensidade, transformou as maneiras de produção e as condições do trabalho, e, criando esse fenômeno novo da urbani- zação precipitada da sociedade, acelerou as modificações nas condi- ções e nas normas da vida social a que correspondem variações nas maneiras de pensar e de sentir e nos sistemas de ideias e de concei- tos. Era preciso, pois, examinar os problemas de educação do pon- to de vista não de uma estética social (que não existe senão por abstração), mas de uma sociedade em movimento; não dos interes- ses da classe dirigente, mas dos interesses gerais (de todos), para poder abraçar, pela escola, que é uma instituição social, um horizon- te cada vez mais largo, e atender, nos sistemas escolares, à variedade das necessidades dos grupos sociais. A questão do ponto de vista sociológico Nós não devíamos, nem podíamos recuar diante da resistên- cia dos ortodoxos, em face da extensão crescente da sociologia nos domínios da educação. O manifesto, em que a educação se encara como um processo social e se põe em relevo “o predomí- nio da ação que exercem os fatores sociais sobre os indivíduos”, acusa, certamente, na base e no desenvolvimento de seus princípi- os e de seu plano, uma consciência profunda das transformações que o poder crescente da indústria e do comércio impõe aos espí- ritos como às coisas, e, portanto, “o ponto de vista sociológico”, que considera um fato de estrutura social as transformações consequentes no sentido e na organização das instituições pedagó- gicas. É desse ponto de vista sociológico que aí se estuda a posição atual do problema dos fins de educação; é ele que nos fez encarar a educação como “uma adaptação ao meio social”, um processo pelo qual o indivíduo “se penetra da civilização ambiente”; é ele MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2126 27 ainda que nos levou a compreender e a definir a posição da escola no conjunto das influências cuja ação se exerce sobre o indivíduo, envolvendo-o do berço ao túmulo. Mas, essa consciência larga- mente compreensiva da multiplicidade dos fatores sociais que in- tervêm no desenvolvimento da crença, “socializando-a progressi- vamente”, por isso mesmo que dá uma noção nítida do papel da escola na sociedade, cria a consciência da necessidade de se alargar continuamente o campo da escola (das influências diretas ou mediatas), para contrabalançar as que se exercem fora de toda a intervenção consciente dos órgãos especiais de educação. A consciência sociológica de nossa formação como povo Se considerarmos como se constituiu no Brasil o meio social interno em que as distâncias, a heterogeneidade do clima e da raça e o processo histórico da formação nacional reduziram ao mínimo o grão de concentração coletiva, dificultando o contato, a comunicação e o convívio entre os núcleos sociais, ramificados em toda a extensão do território; se observarmos que a falta de intensidade de trocas econômicas como de intercâmbio moral favoreceu o desenvolvimento de um individualismo dispersivo, da indisciplina social e da incapacidade de espírito de coopera- ção, concluir-se-á que do manifesto, de que não esteve ausente, na concepção das doutrinas educacionais, “o ponto de vista so- ciológico”, não esteve também afastada na organização do siste- ma escolar, “a consciência sociológica de nossa formação como povo”. Todo o sistema educacional, lançado em bases científi- cas, se organizou aí, para alargar e fortificar tanto o espírito do trabalho em comum, de colaboração e solidariedade social, como o domínio sobre a vida e sobre a natureza, pelo desenvolvimen- to do espírito experimental e da disciplina científica, com que o homem, criando e desenvolvendo “o meio artificial”, consegue dominar com ele, “o mundo natural”, que lhe é hostil, subordi- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2127 T] | MANIFESTOS finais pnd 30 21/10/2010, 08:21 | m 31 O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA 1932 MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2131 -] MANIFESTOS finais pnd a2 21/10/2010, 08:21 35 aparente e do efêmero, “o jogo poderoso das grandes leis que do- minam a evolução social”, e a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização. Se têm essa cultura geral, que lhe permite organizar uma doutrina de vida e ampliar seu horizonte mental, poderá ver o problema educacional em conjunto, de um ponto de vista mais largo, para subordinar o problema pedagógico ou dos métodos ao problema filosófico ou dos fins da educação; se tiver um espírito científico, empregará os métodos comuns a todo gênero de investigação científica, podendo recorrer a técnicas mais ou menos elaboradas e dominar a situação, realizando experiências e medindo os resultados de toda e qualquer modificação nos proces- sos e nas técnicas, que se desenvolveram sob o impulso dos traba- lhos científicos na administração dos serviços escolares. Movimento de renovação educacional À luz dessas verdades e sob a inspiração de novos ideais de educação, foi que se gerou, no Brasil, o movimento de reconstru- ção educacional, com que, reagindo contra o empirismo domi- nante, pretendeu um grupo de educadores, nesses últimos doze anos, transferir do terreno administrativo para os planos político- sociais a solução dos problemas escolares. Não foram ataques in- justos que abalaram o prestígio das instituições antigas; foram es- sas instituições, criações artificiais ou deformadas pelo egoísmo e pela rotina, a que serviram de abrigo, que tornaram inevitáveis os ataques contra elas. De fato, por que os nossos métodos de educa- ção haviam de continuar a ser tão prodigiosamente rotineiros, en- quanto no México, no Uruguai, na Argentina e no Chile, para só falar na América espanhola, já se operavam transformações pro- fundas no aparelho educacional, reorganizado em novas bases e em ordem a finalidades lucidamente descortinadas? Por que os nossos programas se haviam ainda de fixar nos quadros de segre- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2135 36 gação social, em que os encerrou a República, há 43 anos, enquan- to nossos meios de locomoção e os processos de indústria centuplicaram de eficácia, em pouco mais de um quartel de sécu- lo? Por que a escola havia de permanecer, entre nós, isolada do ambiente, como uma instituição incrustada no meio social, sem meios de influir sobre ele, quando, por toda a parte, rompendo a barreira das tradições, a ação, educativa já desbordava a escola, articulando-se com as outras instituições sociais, para estender seu raio de influência e de ação? Embora, a princípio, sem diretrizes definidas, esse movimento francamente renovador inaugurou uma série fecunda de combates de ideias, agitando o ambiente para as primeiras reformas impelidas para uma nova direção. Multiplicaram-se as associações e iniciativas escolares, em que esses debates testemunhavam a curiosidade dos espíritos, pondo em circulação novas ideias e transmitindo aspira- ções novas com um caloroso entusiasmo. Já se despertava a consci- ência de que, para dominar a obra educacional, em toda sua exten- são, é preciso possuir, em alto grau, o hábito de se prender, sobre bases sólidas e largas, a um conjunto de ideias abstratas e de princí- pios gerais, com que possamos armar um ângulo de observação, para vermos mais claro e mais longe e desvendarmos, através da complexidade tremenda dos problemas sociais, horizontes mais vastos. Os trabalhos científicos no ramo da educação já nos faziam sentir, em toda sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser tão científico no estudo e na resolução dos problemas educativos, como nos da engenharia e das finanças. Não tardaram a surgir, no Distrito Federal e em três ou quatro Estados as reformas e, com elas, as realizações, com espírito científico, e inspiradas por um ideal que, modelado à imagem da vida, já lhe refletia a complexidade. Contra ou a favor, todo o mundo se agitou. Esse movimento é hoje uma ideia em marcha, apoiando-se sobre duas forças que se com- pletam: a força das ideias e a irradiação dos fatos. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2136 37 Diretrizes que se esclarecem Mas, com essa campanha, de que tivemos a iniciativa e assumi- mos a responsabilidade, e com a qual se incutira, por todas as formas, no magistério, o espírito novo, o gosto da crítica e do debate e a consciência da necessidade de um aperfeiçoamento constante, ainda não se podia considerar inteiramente aberto o caminho às grandes reformas educacionais. É certo que, com a efervescência intelectual que produziu no professorado, se abriu, de uma vez, a escola a esses ares, a cujo oxigênio se forma a nova geração de educadores e se vivificou o espírito nesse fecundo movimento renovador no campo da educação pública, nos últi- mos anos. A maioria dos espíritos, tanto da velha como da nova geração, ainda se arrasta, porém, sem convicções, através de um labirinto de ideias vagas, fora de seu alcance, e certamente, acima de sua experiência; e, porque manejam palavras, com que já se familiarizaram, imaginam muitos que possuem as ideias claras, o que lhes tira o desejo de adquiri-las... Era preciso, pois, imprimir uma direção cada vez mais firme a esse movimento já agora naci- onal, que arrastou consigo os educadores de mais destaque, e levá- lo a seu ponto culminante com uma noção clara e definida de suas aspirações e suas responsabilidades. Aos que tomaram posição na vanguarda da campanha de renovação educacional, cabia o dever de formular, em documento público, as bases e diretrizes do mo- vimento que souberam provocar, definindo; perante o público e o governo, a posição que conquistaram e vêm mantendo desde o início das hostilidades contra a escola tradicional. Reformas e a reforma Se não há país “onde a opinião se divide em maior número de cores, e se não se encontra teoria que entre nós não tenha adep- tos”, segundo já observou Alberto Torres, princípios e ideias não passam, entre nós, de “bandeira de discussão, ornatos de polêmica MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2137 40 das diferentes civilizações, nos ensina que o “conteúdo real desse ideal” variou sempre de acordo com a estrutura e as tendências sociais da época, extraindo sua vitalidade, assim como sua força inspiradora, da própria natureza da realidade social. Ora, se a educação está intimamente vinculada à filosofia da cada época, que lhe define o caráter, rasgando sempre novas pers- pectivas ao pensamento pedagógico, a educação nova não pode deixar de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional, artificial e verbalista, mon- tada para uma concepção vencida. Desprendendo-se dos interesses de classes, a que ela tem servido, a educação perde o “sentido aristológico”, para usar a expressão de Ernesto Nelson, deixa de constituir um privilégio determinado pela condição econômica e social do indivíduo, para assumir um “caráter biológico”, com que ela se organiza para a coletividade em geral, reconhecendo a todo o indivíduo o direito a ser educado até onde o permitiam suas apti- dões naturais, independente de razões de ordem econômica e social. A educação nova, alargando sua finalidade para além dos limites das classes, assume, com uma feição mais humana, sua verdadeira fun- ção social, preparando-se para formar “a hierarquia democrática” pela “hierarquia das capacidades”, recrutadas em todos os grupos sociais, a que se abrem as mesmas oportunidades de educação. Ela tem, por objeto, organizar e desenvolver os meios de ação durável, com o fim de “dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas de seu crescimento”, de acordo com uma certa concepção do mundo. A diversidade de conceitos da vida provém, em parte, das diferenças de classes e, em parte, da variedade de conteúdo na noção de “qualidade socialmente útil”, conforme o ângulo visual de cada uma das classes ou grupos sociais. A educação nova que, certamente pragmática, se propõe ao fim de servir não aos inte- resses de classes, mas aos interesses do indivíduo, e que se funda MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2140 41 sobre o princípio da vinculação da escola com o meio social, tem seu ideal condicionado pela vida social atual, mas profundamente humano, de solidariedade, de serviço social e cooperação. A esco- la tradicional, instalada para uma concepção burguesa, vinha man- tendo o indivíduo na sua autonomia isolada e estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que teve, aliás, seu papel na formação das democracias e sem cujo assalto não se teriam que- brado os quadros rígidos da vida social. A escola socializada, reconstituída sobre a base da atividade e da produção, em que se considera o trabalho como a melhor maneira de estudar a realida- de em geral (aquisição ativa da cultura) e a melhor maneira de estudar o trabalho em si mesmo, como fundamento da sociedade humana, se organizou para remontar a corrente e restabelecer, en- tre os homens, o espírito de disciplina, solidariedade e coopera- ção, por uma profunda obra social que ultrapassa largamente o quadro estreito dos interesses de classes. Valores mutáveis e valores permanentes Mas, por menos que pareça, nessa concepção educacional, cujo embrião já se disse ter-se gerado no seio das usinas e de que se impregnam a carne e o sangue de tudo que seja objeto da ação educativa, não se rompeu nem está a pique de romper-se o equi- líbrio entre os valores mutáveis e os valores permanentes da vida humana. Onde, ao contrário, se assegurará melhor esse equilíbrio é no novo sistema de educação, que, longe de se propor a fins particulares de determinados grupos sociais, as tendências ou pre- ocupações de classes, os subordina aos fins fundamentais e ge- rais que assinala a natureza nas suas funções biológicas. É certo que é preciso fazer homens, antes de fazer instrumentos de pro- dução. Mas, o trabalho que foi sempre a maior escola de forma- ção da personalidade moral, não é apenas o método que realiza o acréscimo da produção social, é o único método susceptível MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2141 42 de fazer homens cultivados e úteis sob todos os aspectos. O trabalho, a solidariedade social e a cooperação, em que repousa a ampla utilidade das experiências; a consciência social que nos leva a compreender as necessidades do indivíduo através das da co- munidade e o espírito de justiça de renúncia e de disciplina, não são, aliás, grandes “valores permanentes” que elevam a alma, enobrecem o coração e fortificam a vontade, dando expressão e valor a vida humana? Um vício das escolas espiritualistas, já o ponderou Jules Simon, é o “desdém pela multidão”. Quer-se raciocinar entre si e refletir entre si. Evita experimentar a sorte de todas as aristocracias que se estiolam no isolamento. Se quiser servir à humanidade, é preciso estar em comunhão com ela... Certo, a doutrina de educação, que se apóia no respeito da per- sonalidade humana, considerada não mais como meio, mas como fim em si mesmo, não poderia ser acusada de tentar, com a escola do trabalho, fazer do homem uma máquina, um instrumento exclu- sivamente apropriado a ganhar o salário e a produzir um resultado material num tempo dado. “A alma tem uma potência de milhões de cavalos, que levanta mais peso do que o vapor. Se todas as verda- des matemáticas se perdessem – escreveu Lamartine, defendendo a causa da educação integral –, o mundo industrial, o inundo material, sofreria sem dúvida um detrimento imenso e um dano irreparável; mas, se o homem perdesse uma só das suas verdades morais, seria o próprio homem, seria a humanidade inteira que pereceria”. Mas, a escola socializada não se organizou como um meio essencialmente social senão para transferir do plano da abstração ao da vida escolar em todas suas manifestações, vivendo-as intensamente, essas virtu- des e verdades morais, que contribuem para harmonizar os interes- ses individuais e os interesses coletivos. “Nós não somos antes ho- mens e depois seres sociais, lembranos a voz insuspeita de Paul Bureau; somos seres sociais, por isso mesmo que somos homens, e a verda- de está antes em que não há ato, pensamento, desejo, atitude, resolu- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2142 45 c) A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação A laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação são ou- tros tantos princípios em que assenta a escola unificada e que de- correm tanto da subordinação à finalidade biológica da educação de todos os fins particulares e parciais (de classes, grupos ou cren- ças), como do reconhecimento do direito biológico que cada ser humano tem à educação. A laicidade, que coloca o ambiente esco- lar acima de crenças e disputas religiosas, alheio a todo o dogmatismo sectário, subtrai o educando, respeitando-lhe a inte- gridade da personalidade em formação, a pressão perturbadora da escola quando utilizada como instrumento de propaganda de seitas e doutrinas. A gratuidade extensiva a todas as instituições oficiais de educação é um princípio igualitário que torna a educa- ção, em qualquer de seus graus, acessível não a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos os cidadãos que tenham vontade e estejam em condições de recebê-la. Aliás, o Estado não pode tornar o ensino obrigatório, sem torná-lo gratuito. A obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em relação ao ensino primário, e se deve estender pro- gressivamente até uma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18 anos, é mais necessária ainda “na sociedade mo- derna em que o industrialismo e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem”, cuja educação é fre- quentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas. A escola unificada não permite ainda, entre alunos de um e outro sexo outras separa- ções que não sejam as que aconselham suas aptidões psicológicas e profissionais, estabelecendo em todas as instituições “a educação em comum” ou coeducação, que, pondo-os no mesmo pé de igual- dade e envolvendo todo o processo educacional, torna mais econô- mica a organização da obra escolar e mais fácil sua graduação. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2145 46 A função educacional a) A unidade da função educacional A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, já penetrou profundamente os espíritos, como condições essenciais à organização de um regime escolar, lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação do ensino, com todas suas consequências. De fato, se a educação se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser considerada “uma só” a função educacional, cujos diferen- tes graus estão destinados a servir às diferentes fases de seu cresci- mento, “que são partes orgânicas de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa formação”. Nenhum outro princí- pio poderia oferecer ao panorama das instituições escolares pers- pectivas mais largas, mais salutares e mais fecundas em consequências do que esse que decorre logicamente da finalidade biológica da edu- cação. A seleção dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças sobre base econômica, a in- corporação dos estudos do magistério à universidade, a equipara- ção de mestres e professores em remuneração e trabalho, a correla- ção e a continuidade do ensino em todos seus graus e a reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital, constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador, que modifica profundamente a estrutura íntima e a organização dos elementos constitutivos do en- sino e dos sistemas escolares. b) A autonomia da junção educacional Mas, subordinada a educação pública a interesses transitórios, caprichos pessoais ou apetites de partidos, será impossível ao Esta- do realizar a imensa tarefa que se propõe da formação integral das novas gerações. Não há sistema escolar cuja unidade e eficácia não MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2146 47 estejam constantemente ameaçadas, senão reduzidas e anuladas, quan- do o Estado não soube ou não quis se acautelar contra o assalto de poderes estranhos, capazes de impor a educação fins inteiramente contrários aos fins gerais que assinala a natureza em suas funções biológicas. Toda a impotência manifesta do sistema escolar atual e a insuficiência das soluções dadas às questões de caráter educativo não provam senão o desastre irreparável que resulta, para a educação pública, de influências e intervenções estranhas que conseguiram sujeitá- la a seus ideais secundários e interesses subalternos. Daí decorre a necessidade de uma ampla autonomia técnica, administrativa e eco- nômica, com que os técnicos e educadores, que têm a responsabili- dade e devem ter, por isso, a direção e administração da função educacional, tenham assegurados os meios materiais para poderem realizá-la. Esses meios, porém, não podem reduzir-se às verbas que, nos orçamentos, são consignadas a esse serviço público e, por isso, sujeitas às crises dos erários do Estado ou às oscilações do interesse dos governos pela educação. A autonomia econômica não se pode- rá realizar, a não ser pela instituição de um “fundo especial ou esco- lar”, que, constituído de patrimônios, impostos e rendas próprias, seja administrado e aplicado exclusivamente no desenvolvimento da obra educacional, pelos próprios órgãos do ensino, incumbidos de sua direção. c) A descentralização A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios do Estado, no espírito da verdadeira comunidade po- pular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem, as condições geográficas do país e a necessidade de adaptação crescente da escola aos interes- ses e às exigências regionais. Unidade não signifi-ca uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que pareça, à pri- meira vista, não é, pois, na centralização, mas na aplicação da dou- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2147 50 interesse, que é a primeira condição de uma atividade espontânea e o estímulo constante ao educando (criança, adolescente ou jovem) a buscar todos os recursos ao seu alcance, “graças à força de atração das necessidades profundamente sentidas”. É certo que, deslocan- do-se, por esta forma, para a criança e para seus interesses, móveis e transitórios, a fonte de inspiração das atividades escolares, quebra-se a ordem que apresentavam os programas tradicionais do ponto de vista da lógica formal dos adultos, para os pôr de acordo com a “lógica psicológica”, isto é, com a lógica que se baseia na natureza e no funcionamento do espírito infantil. Mas, para que a escola possa fornecer aos “impulsos interiores a ocasião e o meio de realizar-se”, e abrir ao educando, à sua energia de observar, experimentar e criar todas as atividades capa- zes de satisfazê-la, é preciso que ela seja reorganizada como um “mundo natural e social embrionário”, um ambiente dinâmico em íntima conexão com a região e a comunidade. A escola que tem sido um aparelho formal e rígido, sem diferenciação regional, in- teiramente desintegrado em relação ao meio social, passará a ser um organismo vivo, com uma estrutura social, organizada à ma- neira de uma comunidade palpitante pelas soluções de seus pro- blemas. Mas, se a escola deve ser uma comunidade em miniatura, e se em toda a comunidade as atividades manuais, motoras ou construtoras “constituem as funções predominantes da vida”, é natural que ela inicie os alunos nessas atividades, pondo-os em contato com o ambiente e com a vida ativa que os rodeia, para que eles possam, desta forma, possuí-la, apreciá-la e senti-la de acordo com as aptidões e possibilidades. “A vida da sociedade, observou Paulsen, se modifica em função da sua economia, e a energia individual e coletiva se manifesta pela sua produção mate- rial”. A escola nova, que tem de obedecer a esta lei, deve ser reor- ganizada de maneira que o trabalho seja seu elemento formador, favorecendo a expansão das energias criadoras do educando, pro- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2150 51 curando estimular-lhe o próprio esforço como o elemento mais eficiente em sua educação e preparando-o, com o trabalho em grupos e todas as atividades pedagógicas e sociais, para fazê-lo penetrar na corrente do progresso material e espiritual da socieda- de de que provier e em que vai viver e lutar. Plano de reconstrução educacional a) As linhas gerais do plano Ora, assentada a finalidade da educação e definidos os meios de ação ou processos de que necessita o indivíduo para seu desenvolvi- mento integral, ficam fixados os princípios científicos sobre os quais se pode apoiar solidamente um sistema de educação. A aplicação desses princípios importa, como se vê, numa radical transformação da educação pública em todos seus graus, tanto à luz do novo con- ceito de educação, como à vista das necessidades nacionais. No pla- no de reconstrução educacional, de que se esboçara aqui apenas suas grandes linhas gerais, procuramos, antes de tudo, corrigir o erro capital que apresenta o atual sistema (se é que se pode chamá-lo de sistema), caracterizado pela falta de continuidade e articulação do ensino, em seus diversos graus, como se não fossem etapas de um mesmo processo, e cada um dos quais deve ter seu “fim particular”, próprio, dentro da “unidade do fim geral da educação” e dos prin- cípios e métodos comuns a todos os graus e instituições educativas. De fato, o divórcio entre as entidades que mantêm o ensino primá- rio e profissional e as que mantêm o ensino secundário e superior, vai concorrendo insensivelmente, como já observou um dos signa- tários deste manifesto, “para que se estabeleçam no Brasil, dois siste- mas escolares paralelos, fechados em compartimentos estanques e incomunicáveis, diferentes nos seus objetivos culturais e sociais, e, por isso mesmo, instrumentos de estratificação social”. A escola primária que se estende sobre as instituições das esco- las maternais e dos jardins de infância e constitui o problema fun- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2151 52 damental das democracias, deve, pois, articular-se rigorosamente com a educação secundária unificada, que lhe sucede, em terceiro plano, para abrir acesso às escolas ou institutos superiores de espe- cialização profissional ou de altos estudos. Ao espírito novo que já se apoderou do ensino primário não se poderia, porém, subtrair a escola secundária, em que se apresentam, colocadas no mesmo nível, a educação chamada “profissional” (de preferência manual ou mecânica) e a educação humanística ou científica (de prepon- derância intelectual), sobre uma base comum de três anos. A esco- la secundária deixará de ser assim a velha escola de “um grupo social”, destinada a adaptar todas as inteligências a uma forma rígida de educação, para ser um aparelho flexível e vivo, organiza- do para ministrar a cultura geral e satisfazer às necessidades práti- cas de adaptação à variedade dos grupos sociais. É o mesmo prin- cípio que faz alargar o campo educativo das universidades, em que, ao lado das escolas destinadas ao preparo para as profissões chamadas “liberais”, se devem introduzir, no sistema, as escolas de cultura especializada, para as profissões industriais e mercantis, pro- pulsoras de nossa riqueza econômica e industrial. Mas esse princí- pio, dilatando o campo das universidades, para adaptá-las à varie- dade e às necessidades dos grupos sociais, tão longe está de lhes restringir a função cultural que tende a elevar constantemente as escolas de formação profissional, achegando-as suas próprias fontes de renovação e agrupando-as em torno dos grandes núcleos de criação livre, de pesquisa científica e de cultura desinteressada. A instrução pública não tem sido, entre nós, na justa observa- ção de Alberto Torres, senão um “sistema de canais de êxodo da mocidade do campo para as cidades e da produção para o parasitismo”. É preciso, para reagir contra esses males, já tão luci- damente apontados, por em via de solução o problema educacio- nal das massas rurais e do elemento trabalhador da cidade e dos centros industriais, já pela extensão da escola do trabalho educativo MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2152 55 nos adolescentes e que “representam as únicas forças capazes de arrastar o espírito dos jovens à cultura superior”. A escola do pas- sado, com seu esforço inútil de abarcar a soma geral de conheci- mentos, descurou a própria formação do espírito e a função que lhe cabia de conduzir o adolescente ao limiar das profissões e da vida. Sobre a base de uma cultura geral comum, em que importa- rá menos a quantidade ou qualidade das matérias do que o “méto- do de sua aquisição”, a escola moderna estabelece para isso, de- pois dos 15 anos, o ponto em que o ensino se diversifica, para se adaptar já à diversidade crescente de aptidões e de gostos, já à variedade de formas de atividade social. c) O conceito moderno de universidade e o problema universitário no Brasil A educação superior que tem estado, no Brasil, exclusivamente a serviço das profissões “liberais” (engenharia, medicina e direito), não pode evidentemente erigir-se à altura de uma educação universitária, sem alargar para horizontes científicos e culturais sua finalidade estri- tamente profissional e sem abrir seus quadros rígidos à formação de todas as profissões que exijam conhecimentos científicos, elevan- do-as todas a nível superior e tornando-se, pela flexibilidade de sua organização, acessível a todos. Ao lado das faculdades profissionais existentes, reorganizadas em novas bases, impõe-se a criação simul- tânea ou sucessiva, em cada quadro universitário, de faculdades de ciências sociais e econômicas; de ciências matemáticas, físicas e natu- rais, e de filosofia e letras, que, atendendo à variedade de tipos men- tais e das necessidades sociais, deverão abrir às universidades que se criarem ou se reorganizarem, um campo cada vez mais vasto de investigações científicas. A educação superior ou universitária, a par- tir dos 18 anos, inteiramente gratuita, como as demais, deve tender, de fato, não somente à formação profissional e técnica, no seu má- ximo desenvolvimento, como à formação de pesquisadores, em MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2155 56 todos os ramos de conhecimentos humanos. Ela deve ser organiza- da de maneira que possa desempenhar a tríplice função que lhe cabe de elaboradora ou criadora de ciência (investigação), docente ou transmissora de conhecimentos (ciência feita) e de vulgarizadora ou popularizadora, pelas instituições de extensão universitária, das ciên- cias e das artes. No entanto, com ser a pesquisa, na expressão de Coulter, o “sistema nervoso da universidade”, que estimula e domina qualquer outra função; com ser esse espírito de profundidade e universalida- de, que imprime a Educação superior um caráter universitário, pon- do-a em condições de contribuir para o aperfeiçoamento constante do saber humano, a nossa educação superior nunca ultrapassou os limites e as ambições de formação profissional, a que se propõem as escolas de engenharia, de medicina e direito. Nessas instituições, organizadas antes para uma função docente, a ciência está inteira- mente subordinada a arte ou a técnica da profissão a que servem, com o cuidado da aplicação imediata e próxima, de uma direção utilitária em vista de uma função pública ou de uma carreira privada. Ora, se, entre nós, vingam facilmente todas as fórmulas e frases feitas; se a nossa ilustração, mais variada e mais vasta do que no Império, é hoje, na frase de Alberto Torres, “mais vaga, fluida, sem assento, incapaz de habilitar os espíritos a formar juízos e incapaz de lhes inspirar atos”, é porque a nossa geração, além de perder a base de uma educação secundária sólida, posto que exclusivamente literá- ria, se deixou infiltrar desse espírito enciclopédico em que o pensa- mento ganha em extensão o que perde em profundidade; em que da observação e da experiência, em que devia exercitar-se, se deslo- cou o pensamento para o hedonismo intelectual e para a ciência feita, e em que, finalmente, o período criador cede o lugar à erudi- ção, e essa mesma quase sempre, entre nós, aparente e sem substân- cia, dissimulando sob a superfície, às vezes brilhante, a absoluta falta de solidez de conhecimentos. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2156 57 Nessa superficialidade de cultura, fácil e apressada, de autodidáticas, cujas opiniões se mantêm prisioneiras de sistemas ou se matizam das tonalidades das mais variadas doutrinas, se tem de buscar as causas profundas da estreiteza e da flutuação dos espíritos e da indisciplina mental, quase anárquica, que revelamos em face de todos os problemas. Nem a primeira geração nascida com a República, no seu esforço heroico para adquirir a posse de si mesma, elevando-se acima de seu meio, conseguiu libertar-se de todos os males educativos de que se viciou sua formação. A orga- nização de universidades é, pois, tanto mais necessária e urgente quanto mais pensarmos que só com essas instituições, a que cabe criar e difundir ideais políticos, sociais, morais e estéticos, é que podemos obter esse intensivo espírito comum, nas aspirações, nos ideais e nas lutas, esse “estado de ânimo nacional”, capaz de dar força, eficácia e coerência à ação dos homens, sejam quais forem as divergências que possa estabelecer entre eles a diversidade de pontos de vista na solução dos problemas brasileiros. É a univer- sidade, no conjunto de suas instituições de alta cultura, propostas ao estudo científico dos grandes problemas nacionais, que nos dará os meios de combater a facilidade de tudo admitir; o ceticismo de nada escolher nem julgar; a falta de crítica, por falta de espírito de síntese; a indiferença ou a neutralidade no terreno das ideias; a ignorância “da mais humana de todas as operações intelectuais, que é a de tomar partido”, e a tendência e o espírito fácil de subs- tituir os princípios (ainda que provisórios) pelo paradoxo e pelo humor, esses recursos desesperados. d) O problema dos melhores De fato, a universidade, que se encontra no ápice de todas as instituições educativas, está destinada, nas sociedades modernas a desenvolver um papel cada vez mais importante na formação das elites de pensadores, sábios, cientistas, técnicos e educadores, de MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2157 60 os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ide- ais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à forma- ção da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educa- ção unitária da mocidade, sem que, haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de transmiti-la. Nós não temos o feiticismo, mas o princípio da unidade, que reconhecemos não ser possível senão quando se criou esse “espírito”, esse “ideal comum”, pela unificação, para todos os graus do ensino, da formação do magis- tério, que elevaria o valor dos estudos, em todos os graus, impri- miria mais lógica e harmonia às instituições, e corrigiria, tanto quanto humanamente possível, as injustiças da situação atual. Os profes- sores de ensino primário e secundário, assim formados, em esco- las ou cursos universitários, sobre a base de uma educação geral comum, dada em estabelecimentos de educação secundária, não fariam senão um só corpo com os do ensino superior, preparan- do a fusão sincera e cordial de todas as forças vivas do magistério. Entre os diversos graus do ensino, que guardariam sua função específica, se estabeleceriam contatos estreitos que permitiriam as passagens de um ao outro nos momentos precisos, descobrindo as superioridades em gérmen, pondo-as em destaque e asseguran- do, de um ponto a outro dos estudos, a unidade do espírito sobre a base da unidade de formação dos professores. O papel da escola na vida e sua função social Mas, ao mesmo tempo em que os progressos da psicologia aplicada à criança começaram a dar à educação bases científicas, os estudos sociológicos, definindo a posição da escola em face da vida, nos trouxeram uma consciência mais nítida da sua função social e da estreiteza relativa de seu círculo de ação. Compreende-se, à luz des- ses estudos, que a escola, campo específico de educação, não é um MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2160 61 elemento estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas “uma instituição social”, um órgão feliz e vivo, no conjunto das instituições necessárias à vida, o lugar onde vivem a criança, a ado- lescência e a mocidade, de conformidade com os interesses e as alegrias profundas de sua natureza. A educação, porém, não se faz somente pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, amplia- da ou reduzida pelo jogo de forças inumeráveis que concorrem ao movimento das sociedades modernas. Numerosas e variadíssimas são de fato as influências que formara o homem através da existên- cia. “Há a herança que é a escola da espécie, como já se escreveu; a família que é a escola dos pais; o ambiente social que é a escola da comunidade, e a maior de todas as escolas, a vida, com todos seus imponderáveis e forças incalculáveis”. Compreender-se-á, então, para empregar a imagem de C. Bouglé, que, na sociedade, a “zona lumi- nosa é singularmente mais estreita que a zona de sombra; os peque- nos focos de ação consciente que são as escolas, não são senão pon- tos na noite, e a noite que as cerca não é vazia, mas cheia e tanto mais inquietante; não é o silêncio e a imobilidade do deserto, mas o frêmito de uma floresta povoada”. Dessa concepção positiva da escola, como uma instituição social, limitada, na sua ação educativa, pela pluralidade e diversida- de das forças que concorrem ao movimento das sociedades, re- sulta a necessidade de reorganizá-la, como um organismo maleável e vivo, aparelhado de um sistema de instituições suscetíveis de lhe alargar os limites e o raio de ação. As instituições pré-escolares e pós-escolares, de caráter educativo ou de assistência social, devem ser incorporadas em todos os sistemas de organização escolar para corrigirem essa insuficiência social, cada vez maior, das instituições educacionais. Essas instituições de educação e cultura, dos jardins de infância às escolas superiores, não exercem a ação intensa, larga e fecunda que são chamadas a desenvolver e não podem exercer senão por esse conjunto sistemático de medidas de projeção social MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2161 62 da obra educativa além dos muros escolares. Cada escola, seja qual for seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em torno de si as famílias dos alunos, estimulando e aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação; constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com as escolas; utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltiplos elementos materiais e espirituais da coletividade e despertando e desenvol- vendo o poder de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na obra da educação. Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão uma só- lida obra educacional sem se rasgarem na escola aberturas no maior número possível de direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa, para se desenvolver, recorrendo à comuni- dade como a fonte que lhes há de proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições materiais e espirituais das esco- las. A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade im- põe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com as outras instituições da comunidade. Mas, além de atrair para a obra comum as instituições que são destinadas, no sistema social geral, a fortificar-se mutuamente, a escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu a obra de educação e cultura e que assumem, em face das condições geográfi- cas e da extensão territorial do país, uma importância capital. A es- cola antiga, presumida da importância do seu papel e fechada no seu exclusivismo acanhado e estéril, sem o indispensável comple- mento e concurso de todas as outras instituições sociais, se sucederá à escola moderna aparelhada de todos os recursos para estender e MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2162 65 dade, pelas ruas de Berlim, ressoavam os tambores franceses... Não são, de fato, senão as fortes convicções e a plena posse de si mes- mos que fazem os grandes homens e os grandes povos. Toda a profunda renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos precisa acompanhar-se de profundas transformações no regime educacional: as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como um princípio de desagrega- ção moral e de indisciplina, poderá tranformar-se numa fonte de esforço moral, de energia criadora, de solidariedade social e de espírito de cooperação. “O ideal da democracia que – escrevia Gustave Belot em 1919 – parecia mecanismo político, torna-se princípio de vida moral e social, e o que parecia coisa feita e reali- zada revelou-se como um caminho a seguir e como um programa de longos deveres”. Mas, de todos os deveres que se incumbe ao Estado, o que exige maior capacidade de dedicação e justifica maior soma de sacrifícios; aquele com que não é possível transigir sem a perda irreparável de algumas gerações; aquele em cujo cumpri- mento os erros praticados se projetam mais longe nas suas consequências, agravando-se à medida que recuam no tempo; o dever mais alto, mais penoso e mais grave é, decerto, o da educa- ção que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a identidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2165 66 Fernando de Azevedo Afrânio Peixoto A. De Sampaio Dória Anísio Spinola Teixeira M. Bergström Lourenço Filho Roquette-Pinto J. G. Frota Pessoa Julio de Mesquita Filho Raul Briquet Mário Casasanta C. Delgado de Carvalho A. Ferreira de Almeida Jr. J. P. Fontenelle Roldão Lopes de Barros Noemy M. da Silveira Hermes Lima Attílio Vivacqua Francisco Venâncio Filho Paulo Maranhão Cecília Meireles Edgar Sussekind de Mendonça Armanda Álvaro Alberto Garcia de Rezende Nóbrega da Cunha Paschoal Lemme Raul Gomes Os signatários do Manifesto: MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2166 67 MANIFESTO DOS EDUCADORES MAIS UMA VEZ CONVOCADOS 1959 MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2167 70 reconstituição dos fatos e a inteligência das novas condições de vida, não nos sobressaltam os fantasmas do medo e da ameaça que vagueiam nessa cerração, feita de confusões, intencionais ou inconscientes, e que, tocada por ventos fortes de um ou outro ponto do horizonte, se adensa cada vez mais à volta de nós, ten- tando subtrair-nos aos olhos as necessidades e tendências reais da educação no mundo contemporâneo. Esta mensagem, decorridos mais de 25 anos da primeira que em 1932 nos sentimos obrigados a transmitir ao público e às suas camadas governantes, marca nova etapa no movimento de re- construção educacional que se procurou então desencadear, e que agora recebe a solidariedade e o apoio de educadores da nova geração. Outras, muito diversas, são as circunstâncias atuais que naturalmente reflete este novo documento, menos doutrinário, mais realista e positivo, na linha, porém, do pensamento da mesma cor- rente de educadores. O que era antes um plano de ação para o futuro, tornou-se hoje matéria já inadiável como programa de re- alizações práticas, por cuja execução esperamos inutilmente, du- rante um quarto de século de avanços e recuos, de perplexidades e hesitações. Certamente, nesse largo período, tivemos a fortuna de constatar numerosas iniciativas do maior alcance, muitas delas de responsabilidade direta ou sob a inspiração de alguns dos signatá- rios do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Mas foram elas ou largos planejamentos, parcialmente executados, ou medi- das fragmentárias, em setores isolados da educação ou de influên- cias regionais, sem as conexões indispensáveis com as diversas es- feras do aparelhamento escolar, cuja estrutura geral não se modifi- cou, mantendo-se incongruente e desarticulada em suas peças fun- damentais. Não negamos nenhum dos princípios por que nos ba- temos em 1932, e cuja atualidade é ainda tão viva, e mais do que viva, tão palpitante que esse documento, já velho de mais de 25 anos, se diria pensado e escrito nestes dias. Vendo embora com MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2170 71 outros olhos a realidade, múltipla e complexa, – porque ela mu- dou e profundamente sob vários aspectos, – e continuando a ser homens de nosso tempo, partimos do ponto em que ficamos, não para um grito de guerra que soaria mal na boca de educadores, mas para uma tomada de consciência da realidade atual e uma retomada, franca e decidida, de posição em face dela e em favor, como antes, da educação democrática, da escola democrática e progressista que tem como postulados a liberdade de pensamento e a igualdade de oportunidades para todos. Um pouco de luz sobre a educação no país e suas causas A despeito de iniciativas e empreendimentos de primeira or- dem, do governo federal e de Estados, que importam em reais progressos no campo educacional, surgem por toda a parte críti- cas severas a vários setores da educação no país, as quais, avolumando–se, tomam as proporções de um clamor geral. A organização do ensino é má, arcaica e, além de antiquada, deficien- te a tantos respeitos, todos o afirmam; que a educação pumária, em dois, três ou quatro turnos, se reduziu a pouco mais do que nada, que são em número extremamente reduzido as escolas téc- nicas e baixou o nível do ensino secundário, ninguém o contesta; que se agravaram desmedidamente os problemas de edificações e instalações escolares, é outra afirmação que caiu no domínio co- mum e já não precisa, por sua evidência, nem de pesquisas para pô-la à prova dos fatos nem do reforço de pareceres de autorida- des na matéria. O professorado de ensino primário (e mesmo o do grau médio), além de, geralmente, mal preparado, quer sob o aspecto cultural quer do ponto de vista pedagógico, é constituído, na sua maioria, por leigos (2/3 ou 3/4 conforme os Estados); não tem salário condizente com a alta responsabilidade de seu papel social nem dispõe de quaisquer meios para a revisão periódica de seus conhecimentos. Com a proliferação desordenada, sem plane- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2171 72 jamento e sem critério algum (a não ser o eleitoral), de escolas superiores e, particularmente, de Faculdades de Filosofia, já se podem calcular as ameaças que pesam sobre esse nível de ensino, outrora com as poucas escolas tradicionais que o constituíam, e apesar de suas deficiências, um dos raros motivos de desvenecimento da educação nacional. Se se considerar ainda que ultrapassa de 50% da população geral o número de analfabetos no país e que, de uma população em idade escolar (isto é, de 7 a 14 anos) de 12 milhões de crianças, não frequentam escola senão menos da metade ou, mais precisamente, 5.775.246, nada será pre- ciso acrescentar, pois já se terá, com isso, um quadro sombrio demais para lhe carregarmos as cores e desolador demais para nos determos na indagação melancólica de outros fatos e detalhes. Mas fabricar com todos esses ingredientes opinião contra a educação pública, como se ela, a vitima, fosse responsável pelo abandono a que a relegaram os governos, é realmente de pasmar. Pois as causas da lamentável situação a que se degradou, por um processo de desintegração de que somente agora se dão conta os seus detratores, saltam aos olhos de qualquer cidadão esclarecido e disposto a refletir um pouco sobre os fatos. Na impossibilidade de alongar-nos na análise de cada uma delas, bastará apontá-las. O rápido crescimento demográfico, nestes últimos trinta anos; o pro- cesso de industrialização e urbanização que se desenvolve num ritmo e com intensidade variáveis de uma para outra região; as mudanças econômicas e sócio-culturais que se produziram, em conseqüência, são alguns dos fatores que determinaram esse desequilíbrio e desajustamento entre o sistema de educação e as modificações surgidas na estrutura demográfica e industrial do país. Processou-se o crescimento espontâneo da educação, pela própria forma das cousas, e tanto mais desordenadamente quanto, em vez de se ampliar, se reduziu a ação coordenadora do poder público, federal e estadual, que não se depuseram também a dominar e a MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2172 75 seu direito à educação e pelo sentimento de revolta contra a falta de escolas e o abandono a que se relegaram as existentes, – escolas não para todos mas para privilegiados na massa enorme da popu- lação em idade de frequentá-las. Não é como um favor, mas como um direito que ela exige a educação com altivez e tantas vezes com energia e veemência. Nenhum sacrifício, no entanto, se tem feito pela nossa mocidade e nenhum governo ainda elevou ao primeiro plano de suas cogitações esse problema fundamental. Que o país pelos seus órgãos competentes não tenha cumprido os seus deve- res para com as novas gerações, sistemàticamente esquecidas e entregues, em grande parte, à sua própria sorte, não há sombra de dúvida. Os fatos aí estão para atestá-lo com uma evidência agres- siva. Nós mesmos, os que mais por elas temos lutado e exaustiva- mente temos cuidado dessa questão em vidas inteiras dedicadas ao seu estudo e às suas soluções, não temos escapado, da parte dos que só agora despertaram, estremunhados, para discuti-Ia, às suas críticas e acusações. Cremos, porém, que não temos traído, em momento algum, à nossa missão e não nos cabe a mínima responsabilidade no estado, desolador e inquietante, a que chegou a educação no Brasil. Dos educadores que assinaram o Manifesto de 32 e este também subscrevem, apoiados nos da nova geração, nenhum, de fato, teve nas mãos, com autoridade ministerial, o poder e os instrumentos para uma ação de larga envergadura e, quando deles um ou outro dispôs por períodos curtos e para uma obra de âmbito nacional ou circunscrita a esse ou aquele Estado, foi sem desfalecimentos e sob a inspiração dos mesmos ideais que se empenharam em reformas profundas e em realizações que fi- caram. No entanto, não desejamos de forma alguma, também, nós, esquivar-nos à confissão pública de culpa, onde porventura a tenhamos tido, por ato, negligência ou omissão. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2175 76 O Manifesto de 32 e o projeto de Diretrizes e Bases É nesse mesmo Manifesto, tantas vezes incompreendido e mal interpretado, que foi lançada a idéia que se procura agora concre- tizar no projeto de lei de Diretrizes e Bases da educação nacional, em discussão na Câmara de Deputados. Vale a pena de desenter- rar os fatos mais significativos dessa pequena história que já tem pouco mais de um quarto de século e é afinal um dos episódios do próprio movimento de reconstrução educacional de que tive- ram alguns de nós a iniciativa e por que vimos lutando sem des- canso, entre incompreensões e hostilidades. Mas, antes de irmos aos fatos, é do maior interesse lembrar um dos trechos desse do- cumento, referentes à matéria. “A organização da educação sobre a base e os princípios fixados pelo Estado, no espírito da verda- deira comunidade popular e no cuidado da unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se opõem as con- dições geográficas e sócio-culturais do país e a necessidade de adap- tação da escola aos interesses e às exigências regionais. Unidade não significa uniformidade. A unidade pressupõe diversidade. Por menos que pareça à primeira vista, não é, pois, na centralização mas na aplicação da doutrina federativa e descentralizadora que temos de buscar o meio de levar a cabo, em toda a república, uma obra metódica e coordenada, de acordo com um plano comum, de grande eficácia, tanto em intensidade quanto em extensão. Ao Distrito Federal e aos Estados, nos seus respectivos territórios, é que deve competir a educação em todos os graus, dentro dos princípios gerais fixados na nova Constituição que deve conter, com a definição de atribuições e deveres, os fundamentos da edu- cação nacional. Ao governo central, pelo Ministério da Educação, caberá vigiar sobre a obediência a esses princípios, fazendo seguir as orientações e os rumos gerais estabelecidos na Carta Constituci- onal e em leis ordinárias, socorrendo onde haja deficiência de meios, facilitando o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados e in- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2176 77 tensificando por todas as formas as suas relações espirituais”. O texto é claro e positivo, e é dele, como do programa da política educacional extraído do Manifesto, que provieram os textos res- pectivos de duas Constituições, na elaboração dos quais participa- ram alguns de seus signatários. Em defesa da idéia sustentada nesse documento e mais clara- mente definida no número I, letra b do programa educacional que dele se extraiu, saíram a campo os educadores e escritores que o subscreveram. Na 5ª Conferência Nacional de Educação que se reuniu em Niterói em janeiro de 1933, retomamos a questão nos termos em que a colocamos no Manifesto. Foi dos debates trava- dos sobre o assunto em comissão especial e, a seguir, no plenário, que saiu o primeiro anteprojeto, traçado em suas grandes linhas, das diretrizes e bases da educação, de acordo com o referido Manifesto. A Constituição de 1934 acolhera a idéia num dispositi- vo constitucional, depois de entendimentos com um grupo de Deputados à Assembléia Constituinte, promovidos pela Associa- ção Brasileira de Educação que, teve parte realmente importante nesse trabalho. A Carta Constitucional outorgada em 10 de no- vembro de 1937 o suprimiu, em conformidade com as idéias centralizadoras que voltaram a dominar, ao ser instaurado no país o Estado autoritário. Restaurado o regime democrático, a Consti- tuição de 1946 restabeleceu a disposição que consagra o princípio de descentralização e manda proceder, por lei complementar, à fixação das diretrizes e bases da educação nacional. No governo do marechal Eurico Dutra, o ministro Clemente Mariani consti- tuiu em 1947 uma Comissão de 15 professores, por ele escolhidos e designados, para elaborarem o projeto de lei que, aprovado pelo Ministro que de perto acompanhou esses trabalhos com alta com- preensão dos problemas educacionais e uma firmeza e dedicação exemplares, e encaminhado ao Presidente da República, foi por este submetido em 1947 à apreciação da Câmara de Deputados. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2177 80 de uma luta entre grupos políticos, igualmente prejudicial ao deba- te do problema que temos o dever de examinar em face da Cons- tituição Federal e conforme os princípios que regem as instituições democráticas. Pois, em primeiro lugar já por várias vezes direita e esquerda se aliaram na defesa da escola pública e, em segundo lugar, não falamos em nome de partidos, mas sob a inspiração e em defesa daqueles princípios. Em matéria religiosa, somos pela liberdade de culto e de crenças e erguemo-nos, com o Père J. Henri Didon, dominicano e notável orador sacro, contra todos aqueles que “querem fazer da religião um instrumento da política (instrurnentum regni)” e contra todos aqueles que “querem fazer da política um instrumento da religião”. Eu tenho a observar (es- creveu o grande dominicano) “que nada na fé católica, nada na autoridade eclesiástica se opõe a uma opinião liberal, republicana, democrática. Chegou a hora talvez em que o Catolicismo deve demonstrar por fatos públicos que sua larga idéia de universalida- de não é uma palavra vã e que há nele lugar para todas as opiniões políticas desde que elas respeitem a verdade, a justiça e a virtude.”2 Ora, somos todos os que assinamos esse Manifesto, educadores republicanos e democráticos, fiéis aos mais altos valores da tradi- ção liberal. E, quando se trata de problemas como os da educa- ção, entendemos que essa é “uma das questões em cujo terreno (as palavras são de Rui Barbosa) são intrusas as paixões políticas, ques- tão a que devemos todos concorrer com a consciência limpa de antagonismos pessoais e de que se deve banir o gênio da agitação, como mau companheiro da ciência e, nestes domínios, perigoso inimigo da verdade”.3 2 Père J. Henri Didon, Indissolubitité et Divorce. Conférences de Saint-Phillipe du Roule. (publicadas em 1880 e reeditadas em 1892). 3 Assim Rui Barbosa concluiu em 6 de junho de 1901 o seu discurso no Senado e se preparava para a defesa da reforma do ensino, in Obras Completas, Vol. XXVIII, 1901, tomo 1. Discursos Parlamentares. Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, 1955. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2180 81 Violentas reações a essa política educacional em outros países Essa política educacional, armada em nome de uma “liberda- de total” no ensino, já foi proposta na Itália, em 1947, e, ainda este ano, voltou a agitar os meios escolares na França, em que os parti- dários da escola livre, no grande Congresso que se reuniu em Caen, reabriram a questão. No documento que aqui pretendeu consagrá- la, não há, pois, nenhuma invenção nova, nenhuma nova idéia. O programa que apresenta, nada tem de revolucionário. É velho e revelho no estrangeiro e em nosso próprio país. Em 1947, na Itá- lia, quando se discutia o projeto da Constituição (lembrava O Est- ado de S. Paulo em uma de suas excelentes notas, já citada), as ban- cadas mais próximas da Santa Sé propuseram que à nova Carta se incorporasse o pacto de Latrão, convencionado em 1929 entre o Vaticano e Mussolini. No tocante ao ensino, isto equivalia a uma política educacional idêntica à que foi sugerida para o Brasil, – ensino livre não fiscalizado, mas subvencionado pela Nação. Uma onda de protestos ergueu-se em todo o país, encabeçada pelas mais altas figuras da intelectualidade peninsular. Benedetto Croce que foi dos mais ativos no combate, escreveu: “será a nossa renún- cia às grandes conquistas do século dezenove (...). A despeito do clamor dos intelectuais, a proposta passou. Mas a vitória foi apa- rente, e não real. A mesma Constituição que no art. 7º adotou o pacto de Latrão, inscreveu depois, em dois tópicos do art. 33, dispositivos que limitam as prescrições daquele pacto. Um deles assegura “às entidades e aos particulares” o direito de manter es- colas e institutos de educação, mas “sem ônus para o Estado”, e o outro estabelece o exame de Estado para a admissão às várias ordens e graus de ensino, para a conclusão dos cursos e para a habilitação ao exercício profissional. A Itália, portanto, não parece ter renunciado às conquistas do século XIX, tanto que Guido Gonella, Ministro da Instrução Pública, em 1950, pôde escrever, a respeito das relações entre o Estado e a educação, que das três MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2181 82 posições admissíveis, – a de monopólio, a de liberdade total e a de liberdade disciplinada, fôra escolhida esta última: “na solução que poderemos chamar orgânica, isto é, de liberdade disciplinada pelo Estado, as entidades e os particulares têm o direito de criar escolas, mas dentro do quadro das normas gerais fixadas pelo Estado, ao qual compete o poder de intervir, em defesa do bem comum, na atribuição dos títulos escolares legalmente válidos para a vida soci- al. A nossa Constituição (concluiu o Ministro), – com o instituto da equivalência e do exame do Estado, – prevê exatamente essa terceira solução”. A batalha que se travou na Itália há pouco mais de dez anos entre os partidários da liberdade total e os da liberdade disciplina- da, entre os do ensino livre e os do ensino público, com a vitória afinal destes, já se anunciou na França com um ímpeto inicial que prometia graves conflitos e parece ter-se esmorecido. “0 governo sentiu perfeitamente o perigo” diante das forças contrárias que ràpidamente se mobilizaram e se dispunham para a luta. “Os par- tidários da escola livre (observa Gilles Lapouge, em nota para “O Estado de S. Paulo”, e o confirma o semanário “L’Express”, de Pa- ris) tinham a impressão de que o espírito laico estava regredindo na França e, por isso, não seria muito grande a resistência dos partidários da escola pública. Foi esse, sem dúvida, o seu erro, pois, imediatamente o outro campo mobilizou, como por encan- to, suas forças e lançou no país uma contra-ofensiva extremamen- te severa”. Ela representa uma violenta reação contra a perigosa tentativa de se renegar, na França, ainda que temporàriamente, uma dessas “grandes conquistas do século XIX”, a que se referia Benedetto Croce, e que é a escola pública. Se se considerarem a campanha que teve de sustentar Jules Ferry quando, Ministro da Instrução Pública de 1879 a 1882, empreendeu a reforma de legis- lação de ensino, e a agitação considerável que levantaram então suas propostas, provocando o choque entre os partidários do en- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2182 85 mais o direito de escolha: a Constituição Federal já a adotou, em termos positivos. O documento a que aludimos, inverte totalmen- te esses termos; o que é principal (ensino público) na Carta Cons- titucional, passa a ser, nele, supletivo, e o que supre, completa ou substitui, isto é, a iniciativa privada, toma o lugar às funções ou ao papel que ao Estado atribuiu. Senão vejamos os dispositivos cons- titucionais e demos a palavra a quem tem autoridade para proferi- la, quando se trata de questão de direito, – a um jurista, seja, por exemplo, o dr. Jayme Junqueira Ayres que os aponta com admirá- vel lucidez em parecer sobre a matéria. “Um dos princípios fir- memente assentes na Constituição Brasileira é o de que “o ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos, e é livre a iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem (Art. 167)”. Não caberá aqui (pondera o ilustre jurista) relembrar que este princípio é uma conquista da idade moderna e contemporâ- nea: corre ao poder público o dever de ministrar a educação po- pular. O que sobretudo cumpre e importa, é observá-lo mais do que louvá-lo. E cumpre, por igual, observar o da liberdade à inici- ativa particular, de ministrá-la, respeitadas as leis respectivas”. E acrescenta, em outra passagem, com sua reconhecida autoridade: “Muito importa, pois, o que está escrito no art. 171: “Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino”. Com o dispositivo acima ou sem ele, tal poder seria igualmente dos Estados. Mas o fito da Constituição, no caso, não foi só o de reconhecer um direito, mas sim de incumbir um dever. Daí, a ên- fase. É não só franquia, mas ônus ou obrigação de cada Estado organizar o seu sistema de ensino. Cada Estado deve ter seu siste- ma local, e dele não pode demitir-se. E nenhuma ênfase se dirá mais justa e necessária do que esta que proclama a indemissibilidade dos Estados de seu dever de “ministrar” ensino ao povo brasilei- ro. Tão decididamente interessada está a Constituição em que os Estados mantenham e desenvolvam seus sistemas como princi- MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2185 86 pais que ao sistema particular da União deu o caráter supletivo, destinado a suprir as deficiências locais, e obrigou a União a coo- perar pecuniàriamente para o desenvolvimento daqueles sistemas estaduais”.4 A educação – monopólio do Estado? A vista dos termos da Constituição de 1946 e do projeto n.º 2.222-B/57, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, quem poderá afirmar a sério que o que consagrou aquela e este estabeleceu, tenha importado ou importe em erigir em monopó- lio do Estado a educação nacional? O parecer em que se procurou discriminar o que é constitucional do que não o é, e se recorda que “corre ao poder público o dever de ministrar a educação” e que a escola pública é uma conquista da idade moderna, poderá porventura ser suspeitado, quando interpreta a rigor os dispositi- vos constitucionais, de pretender transferir para o Estado a exclu- sividade monopolizaste da educação? Onde a prova em defesa da tese reacionária de que o Estado coage os pais e a liberdade de pensamento e de escolha das instituições em que prefiram educar os filhos, quando e só porque fornece o ensino público? E, quanto a nós, quem nos ouviu advogar a causa da educação como privi- légio exclusivo do Estado e, portanto, a supressão às entidades privadas da liberdade de abrir escolas de quaisquer tipos e graus, respeitadas as leis que regulam e tem, no interesse comum, de re- gular a matéria? Quem nos encontrou, em alguma trincheira, pug- nando pelo monopólio do Estado ou nos pode acusar de, em qualquer escrito ou de viva voz, ter procurado impor ou mesmo indicar à mocidade escolar ideologia desse ou daquele partido, como política estatal da educação? Porque não nos dispomos a 4 Jayme Junqueira Ayres. Inconstitucionalidade do Substitutivo do Deputado Carlos Lacerda ao Projeto 2.222-B/1957, que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Rio de Janeiro, 15 de maio de 1959. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2186 87 fanfarrear nas festas do ensino livre, nessa orgia de tentativas e erros a que resvalaria a educação no país, não se segue nem se há de concluir que pregamos o monopólio do Estado. Pela liberdade disciplinada, é que somos. Monopólio só existiria quando a educa- ção funcionasse como instrumento político e ideológico do Esta- do, como um instrumento de dominação. Que não existe ele entre nós, estão aí por prova a legislação do ensino que abre à iniciativa privada amplas possibilidades de exploração de quaisquer domí- nios da atividade educacional, e o número crescente de escolas particulares de todos os graus e tipos que por aí se fundaram e funcionam, não sob o olho inquisidor e implacável do Estado, mas com uma indulgência excessiva dos poderes públicos em face de deficiências de toda ordem e de ambições de lucro, a que, salvo não poucas e honrosas exceções, devem tantas instituições priva- das de ensino secundário a pecha de “balcões de comércio”, como as batizou Fernando de Magalhães há mais de vinte e cinco anos, numa crítica severa de nosso sistema educacional. Se, na esfera do ensino fundamental comum, certamente me- nos lucrativo, dos 5.775.246 alunos matriculados, não frequentam escolas particulares senão 720.746 (e, por isso mesmo, pela pre- ponderância da escola pública, o que temos de melhor, apesar de todas as suas deficiências, é o ensino primário), atinge a 80% o ensino secundário entregue a particulares, – e daí exatamente de- corre toda a grave crise em que se debate esse grau de ensino no país. Onde, pois, como se vê, cumpriu o Estado com mais zelo os deveres que lhe impôs a Constituição, progrediu o ensino, – é a parte referente à educação fundamental e superior; e onde dele se descuidou, descarregando suas obrigações às costas de entidades privadas, como no caso do ensino secundário, é o que de pior se exertou no sistema geral de educação. O dia em que esse grau de ensino (o “secundário”, que passou a sê-lo no sentido pejorativo da palavra) tiver dos poderes públicos a atenção que requer, e se MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2187 90 nica que residem à base da civilização industrial, são três teses fun- damentais defendidas por educadores progressistas do mundo inteiro. A educação tornou-se uma função ou caiu “sob a ingerên- cia e direção do público”, pela extensão, gravidade de suas consequências e sua qualidade de irreparáveis; e ao Estado que tem um papel social de assimilação, que estabelece “a solidarieda- de entre as diversas partes da comunidade nacional, as associa a uma vida comum, solda a dependência entre as gerações”, nas palavras ele Félix Pécaut, compete, promovendo a educação pú- blica, promover a convergência e a harmonia dos esforços huma- nos lá onde aqueles que olham de baixo não vêm senão luta e competição de grupos. A escola pública concorre para desenvol- ver a consciência nacional: ela é um dos mais poderosos fatores de assimilação como também de desenvolvimento das instituições democráticas. Entendemos, por isso, que a educação deve ser uni- versal, isto é, tem de ser organizada e ampliada de maneira que seja possível ministrá-la a todos sem distinções de qualquer ordem; obrigatória e gratuita em todos os graus; integral, no sentido de que, destinando-se a contribuir para a formação da personalidade da criança, do adolescente e do jovem, deve assegurar a todos o maior desenvolvimento de suas capacidades físicas, morais, inte- lectuais e artísticas. Fundada no espírito de liberdade e no respeito da pessoa humana, procurará por todas as formas criar na escola as condições de uma disciplina consciente, despertar e fortalecer o amor à pátria, o sentimento democrático, a consciência de respon- sabilidade profissional e cívica, a amizade e, a união entre os po- vos. A formação de homens harmoniosamente desenvolvidos, que sejam de seu país e de seu tempo, capazes e empreendedores, aptos a servir no campo que escolherem, das atividades humanas, será, num vasto plano de educação democrática, o cuidado co- mum, metódico e pertinaz, da família, da escola e da sociedade, todo o conjunto de suas instituições. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2190 91 Educação para o trabalho e o desenvolvimento econômico Não ignoramos que a nação é uma “realidade moral”; mas, se a educação não pode, por isso mesmo, desconhecer nenhum dos as- pectos morais, espirituais e religiosos dessa realidade, rica de tradi- ções e lembranças históricas, ela deve igualmente fazer apelo a todas as forças criadoras para pô-las a serviço dos interesses coletivos do povo e da cultura nacional. A educação pública tem de ser, pois, reestruturada para contribuir também, como lhe compete, para o progresso científico e técnico, para o trabalho produtivo e o desen- volvimento econômico. A reivindicação universal da melhoria das condições de vida, com todas as suas implicações econômicas, soci- ais e políticas, não pode permanecer insensível ou mais ou menos indiferentes a educação de todos os graus. Se nesse ou naquele setor, como o ensino de grau médio e, especialmente, o técnico, a precária situação em que ainda se encontra a educação, está ligada ao estágio de desenvolvimento econômico e industrial, ou, por outras pala- vras, se deste dependem os seus progressos, é legítimo indagar em que sentido e medida a educação, em geral, e em particular, a prepa- ração científica e técnica pode ou deve concorrer para a emancipa- ção econômica do país. Os povos vêm demonstrando que “o seu poder e sua riqueza dependem cada vez mais de sua preparação para alcançá-los “. Não há um que desconheça e não proclame a importância e a eficácia do papel da educação, restaurada em bases novas, na revisão de valores e de mentalidade, na criação de novos estilos de vida, como na participação do próprio progresso materi- al. Se insistimos neste ponto e lhe damos maior ênfase, não é so- mente pelas conclusões a que nos leva a análise da civilização atual e de suas condições especiais, como também por ser esse, exatamen- te, em nosso sistema de ensino, um dos aspectos mais descurados. A educação de todos os níveis deve, pois, como já se indicou em congressos internacionais, “tornar a mocidade consciente de que o trabalho é a fonte de todas as conquistas materiais e culturais de toda MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2191 92 a sociedade humana; incutir-lhe o respeito e a estima para com o trabalho e o trabalhador e ensiná-la a utilizar de maneira ativa, para o bem estar do povo, as realizações da ciência e da técnica”, que, entre nós, começaram apenas a ser socialmente consideradas como de importância capital. A revolução industrial, de base científica e tecnológica que se expande por toda a parte, em graus variáveis de intensidade; as reivindicações econômicas ou a ascensão progressiva das massas e a luta para melhorar suas condições de vida (pois a riqueza está evidentemente mal distribuída e, como tantas vezes já se lembrou, “não devemos pensar que podemos impunemente continuar a enriquecer enquanto o resto da população empobrece”); e, final- mente, a expansão do nacionalismo pelo mundo inteiro, são fatos sumamente importantes a que não nos arriscamos a fechar os olhos, e cujas repercussões, no plano educacional, se vão tornando cada vez mais largas e profundas. O nosso aparelhamento educacional terá também de submeter-se a essas influências para ajustar-se às novas condições, e só o Estado, pela amplitude de, seus recursos e pela largueza de seu âmbito de ação, poderá fazer frente a tais problemas e dar-lhe soluções adequadas, instituindo, mantendo e ampliando cada vez mais o sistema de ensino público e estimulan- do, por todos os meios, as iniciativas de entidades e particulares. A inteligência racional e o espírito e métodos científicos, que não obtiveram os seus primeiros e grandes triunfos senão no século XIX, denunciam a sua difusão, por igual, nas sociedades capitalis- tas e socialistas, pela aplicação crescente das novas técnicas em to- dos os domínios, pelas crises e rupturas de organização econômi- ca e social que provocaram, modificando profundamente os mo- dos de vida e os estilos de pensamento. Além de intelectuais e estudiosos, cada vez mais competentes espíritos criadores, nos domínios da filosofia, das ciências, das letras e das artes, “temos que preparar (observou com razão um de nós) a grande massa de MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2192 95 vê, mais uma vez, que essa participação, com a amplitude que deve ter, para colher toda a população em idade escolar, não pode ser senão obra do Estado, pela escola universal, obrigatória e gratuita, e uma sucessão de esforços ininterruptos, através de longos anos, inspirados por uma firme política nacional de educação. Ela signi- ficará, na justa observação de Reissig, “a maior revolução educaci- onal de todos os tempos, porque será a primeira expressão popu- lar da capacidade da maioria para administrar, organizar e gover- nar, como só até agora tem podido fazê-lo as elites”. A tudo isso, como a qualquer plano de organização, em bases mais sólidas e democráticas, da educação nacional, opõem-se abertamente as forças reacionárias, e nós sabemos muito bem onde elas se encon- tram e quais são os seus maiores redutos de resistência. Na luta que agora se desfechou e para a qual interesses de vária ordem, ideoló- gicos e econômicos, empurraram os grupos empenhados em sustentá-la, o que disputam afinal, em nome e sob a capa de liber- dade, é a reconquista da direção ideológica da sociedade, – uma espécie de retorno à Idade Média, e os recursos do erário público para manterem instituições privadas, que, no entanto, custeadas, na hipótese, pelo Estado, mas não fiscalizadas, ainda se reservariam o direito de cobrar o ensino, até a mais desenvolta mercantilização das escolas. Serão desvios e acidentes no processo histórico de desenvolvimento da educação no país: a história, porém, não avança por ordem ou dentro de um raciocínio lógico, e o problema é antes saber através de qual das desordens, criadoras ou arruinadoras, procuraremos, chegado o momento, encaminhar a nossa ordem, que é a que a Constituição Federal estabeleceu e consulta os supremos interesses da nação. Em todo o caso, espe- ramos reconheçam o nosso desprendimento, desinteresse pessoal, devoção constante ao bem público e à causa do ensino. “Todos os violentos, escreveu Rui, fizeram sempre, a seu favor, o monopólio do patriotismo. Todos eles têm o privilégio tradicional de patriotas MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2195 96 por decreto próprio e patriotas com exclusão dos que com eles não militam. Não queremos crer que o nosso ilustre impugnador esteja neste número. Mas, a não ser nas mãos do fabricante, muito receio temos de que essa máquina de filtrar se converta em máqui- na de oprimir”. (6) E nós, patriotas também, – mas não exclusiva- mente, – e educadores que nos prezamos de ser, temos não só o direito mas o dever de lutar por uma política que possa acudir “à sede incoercível de educação nas massas populares”, a que já se referia Clemente Mariani, e de opor-nos a todas as medidas radi- cais que, sob as aparências enganadoras de liberdade, tendem for- çosamente a conduzir-nos ao caminho perigoso da anarquia senão das pressões ideológicas, abertas ou dissimuladas. (6) Rui Barbosa, Pelo exército e contra o militarismo, in Obras Completas, VII. Campa- nhas Jornalísticas, República (1893-1899), 2º vol. Casa de Rui Barbosa. Ministério de Educação, Rio de Janeiro, 1956. MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2196 97 1) Fernando de Azevedo 2) Julio de Mesquita Filho 3) Antônio Ferreira de Almeida Júnior 4) Anísio Spínola Teixeira 5) A. Carneiro Leão 6) José Augusto B. de Medeiros 7) Abgar Renault 8) Raul Bittencourt 9) Carlos Delgado de Carvalho 10) Joaquim de Faria Góes Filho 11) Arthur Moses 12) Hermes Lima 13) Armanda Álvaro Alberto 14) Paulo Duarte 15) Mário de Brito 16) Sérgio Buarque de Holanda 17) Nelson Werneck Sodré 18) Milton da Silva Rodrigues 19) Nóbrega da Cunha 20) Florestan Fernandes 21) Pedro Gouvêa Filho 22) A. Menezes de Oliveira 23) João Cruz Costa 24) Afrânio Coutinho 25) Paschoal Lemme 26) José de Faria Góes Sobrinho 27) Haiti Moussatché 28) J. Leite Lopes 29) Gabriel Fialho 30) Jacques Danon 31) Maria Laura Monsinho 32) Maria Yedda Linhares 33) Anne Danon 34) Roberto Cardoso Oliveira 35) Oracy Nogueira 36) Luis de Castro Faria 37) Amilcar Viana Martins 38) Branca Fialho 39) Euryalo Cannabrava 40) Thales Mello de Carvalho 41) Ophelia Boisson 42) Francisco Montojos 43) Joaquim Ribeiro Darci Ribeiro 44) Egon Schaden 45) Jaiyme Abreu 46) Juracy Silveira 47) Lídio Teixeira 48) Eurípedes Simões de Paula 49) Carlos Correia Mascaro 50) Renato Jardim Moreira Os signatários do Manifesto: MANIFESTOS_finais.pmd 21/10/2010, 08:2197
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