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Guias e Dicas
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Fund da psi, Notas de estudo de Psicopedagogia

PÓS GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 02/10/2012

waldirene-amorim-12
waldirene-amorim-12 🇧🇷

4.3

(30)

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Baixe Fund da psi e outras Notas de estudo em PDF para Psicopedagogia, somente na Docsity! O termo psicopedagogia apresenta-se, hoje, com uma característica especial. Quanto mais tentamos elucidá-lo, menos claro ele nos parece. Essa dificuldade é uma das razões e finalidade do presente ensaio, isto é, procuro deixar claro que a ambigüidade reside tanto na palavra quanto na coisa que ela reporta. À primeira vista, o termo sugere tratar-se de uma aplicação da psicologia à pedagogia, porém tal definição não reflete o significado que esse termo assume em razão do seu nasci- mento. Como diz Lino de Macedo (1992), “o termo já foi inventado e assinala de forma simples e direta uma das mais profundas e importantes razões da produção de um conhecimento científico: o de ser meio, o de ser instrumento, para um outro, tanto em uma perspectiva teórica ou aplicada”. Neste sentido, enquanto produção de conhecimento científico, a psicopedagogia, que nasceu da necessidade de uma melhor compreensão do processo de aprendizagem, não se basta como aplicação da psicologia à pedagogia. Macedo (1992, p. VII) lembra-nos, ainda, que no Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa o termo psicopedagogia é definido como “aplicação da psicologia experimental à pedagogia”. Os diversos autores que tratam da Psicopedagogia enfatizam o seu caráter interdisciplinar.1 Reconhecer tal caráter significa admitir a sua especificidade en- quanto área de estudos, uma vez que, buscando conhecimentos em outros campos, cria o seu próprio objeto, condição essencial da interdisciplinaridade. Ao admitir essa interseção, não nos resta outra alternativa senão abandonarmos a idéia de tratar a psicopedagogia apenas como aplicação da psicologia à pedagogia, pois, ainda que se tratasse de recorrer apenas a estas duas disciplinas (o que não creio) na solução da problemática que lhe deu origem – os problemas de aprendizagem –, não seria como mera aplicação de uma à outra, mas sim como constituição de uma nova área que, recorrendo aos conhecimentos dessas duas, pensa o seu objeto de estudo a partir de um corpo teórico próprio, ou melhor, que busca se formar. Penso que a psicopedagogia, como área de aplicação, antecede o status de área de estudos, a qual tem procurado sistematizar um corpo teórico próprio, defi- FUNDAMENTOS DA PSICOPEDAGOGIA 1 A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0019 20 Nadia A. Bossa nir o seu objeto de estudo, delimitar o seu campo de atuação; para isso, recorre à psicologia, psicanálise, lingüística, fonoaudiologia, medicina e pedagogia. Pode- mos citar alguns profissionais brasileiros que objetivam dar a sua contribuição na formação desse corpo teórico, começando por tentar definir a psicopedagogia. Para Maria M. Neves (1992, p. 10): falar sobre psicopedagogia é, necessariamente, falar sobre a articulação entre educa- ção e psicologia, articulação essa que desafia estudiosos e práticos dessas duas áreas. Embora quase sempre presente no relato de inúmeros trabalhos científicos que tratam principalmente dos problemas ligados à aprendizagem, o termo psicopedagogia não consegue adquirir clareza na sua dimensão conceitual. Segundo essa autora, a psicopedagogia inicialmente foi utilizada como adjetivo, indicando uma forma de atuação que apontava a inevitável interseção dos campos do conhecimento da psicologia e da pedagogia. Diz Neves (1992, p. 10): dentro dessa conotação adjetiva da psicopedagogia, alguns autores, principalmente pertencentes ao campo pedagógico, no final da década de 1970 e início da década de 1980 no Brasil, chamaram de atitude psicopedagógica o que em verdade era um psicologismo radical. Por isso, tratavam de denunciar a formação dos professores por eles cognominada de psicopedagógica. Posteriormente, ainda segundo a professora Neves, a psicopedagogia assu- miu uma conotação substantiva, o que, por um lado, correspondeu a uma aplica- ção conceitual e, por outro, causou um lamentável estado de confusão, devido a utilização de toda uma polissemia aplicada a um só termo. Concordo com Neves quando se refere à questão conceitual mencionando a confusão que se apresenta e creio que essa ambigüidade ou dubiedade se estende também à pratica. Para Sonia Moojen Kiguel (1991, p. 22), que também tem contribuído nesse processo de construção do saber psicopedagógico, historicamente a psicopedagogia surgiu na fronteira entre a pedagogia e a psicologia, a partir das necessidades de atendimento de crianças com “distúrbios de aprendizagem”, consideradas inaptas dentro do sistema educacional convencional (...) no momento atual, à luz de pesquisas psicopedagógicas que vêm se desenvolvendo, inclusive no nosso meio, e de contribuições da área da psicologia, sociologia, antropologia, lingüística, epistemologia, o campo da psicopedagogia passa por uma reformulação. De uma pers- pectiva puramente clínica e individual busca-se uma compreensão mais integradora do fenômeno da aprendizagem e uma atuação de natureza mais preventiva. A afirmação de que a psicopedagogia, historicamente, surgiu na fronteira entre a psicologia e a pedagogia merece maior atenção. Kiguel aventa outra possibilida- de quanto ao surgimento da psicopedagogia ao mencionar as tentativas de expli- cação para o fracasso escolar por outras vias que não a pedagógica e a psicológi- ca. Afirma que “os fatores etiológicos utilizados para explicar índices alarmantes A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0020 A psicopedagogia no Brasil 23 Dos profissionais brasileiros supracitados, pudemos verificar que o tema da aprendizagem ocupa-os e preocupa-os, sendo os problemas desse processo (de apren- dizagem) a causa e a razão da psicopedagogia. Este é também o pensamento dos argentinos (os quais, conforme veremos no Capítulo 2, nos inspiraram). Podemos observar esse pensamento traduzido nas palavras de profissionais argentinos que atuam na área e que estão envolvidos no trabalho teórico. Para eles, “a aprendiza- gem com seus problemas” constitui-se no pilar-base da psicopedagogia. Vejamos. Alicia Fernández (1990a, p. 11), ao citar Sara Paín, coloca: ela considera o sintoma histérico a plataforma de lançamento para que Freud pudesse formular a teoria e a técnica da psicanálise, dando conta dos fenômenos inconscien- tes, o problema da aprendizagem é nossa plataforma de lançamento para construir uma teoria psicopedagógica . Ao se referir à psicopedagogia, Fernández (1984a, p. 102) sublinha: Mas ainda não podemos construir uma teoria acerca de nossa prática específica, na pato- logia da aprendizagem. Recorremos à teoria da inteligência de Piaget, que nos aporta um modelo da inteligência, mas não uma teoria sobre as fraturas no aprender, acerca do sujei- to que não aprende. Recorremos também à psicanálise, que nos permite, entre tantas ou- tras coisas, realizar uma leitura do inconsciente e nos possibilita um marco psicopatológico a que remetemos para compreender a estrutura de personalidade de nossos pacientes. Mas carecemos de uma psicopatologia acerca da aprendizagem. Estamos tentando construir nossa própria teoria, nosso específico enquadramento, os rasgos diferenciadores de nossa técnica e nosso lugar como especialistas em problemas de aprendizagem. Segundo Jorge Visca (1987), a psicopedagogia, que inicialmente foi uma ação subsidiária da medicina e da psicologia, perfilou-se como um conhecimento inde- pendente e complementar, possuidora de um objeto de estudo – o processo de aprendizagem – e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios. Para Marina Müller, ao refletir-se sobre o objeto de estudo específico da psico- pedagogia, deve-se tomar em conta o lugar em que se situa este campo de atividade. Müller (1984, p. 7 e 8) diz que é função da psicologia pensar como se incrementam os conhecimentos, ou entram em contradição e são substituí- dos; que leis regem estes processos; que influências afetivas e representações incons- cientes os acompanham; que dificuldades interferem ou impedem; de que maneira é possível favorecer as aprendizagens ou tratar suas alterações. É função da pedagogia pensar: O que é educar, o que é ensinar e aprender; como se desenvolvem estas atividades; como incidem subjetivamente os sistemas e métodos educativos; quais as problemáticas estruturais que intervêm no surgimento de transtornos da aprendizagem e no fracasso escolar; que propostas de mudança surgem. “O sujeito que aprende” – diz Marina Müller – “é motivo de perguntas para os psicopedagogos, e destinatário de sua atividade profissional”. A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0023 24 Nadia A. Bossa A psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, que adveio de uma de- manda – o problema de aprendizagem, colocado em um território pouco explorado, situado além dos limites da psicologia e da própria pedagogia – e evoluiu devido a existência de recursos, ainda que embrionários, para atender a essa demanda, consti- tuindo-se, assim, em uma prática. Como se preocupa com o problema de aprendiza- gem, deve ocupar-se inicialmente do processo de aprendizagem. Portanto, vemos que a psicopedagogia estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como essa aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada por vários fato- res, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las.2 Esse objeto de estudo, que é um sujeito a ser estudado por outro sujei- to, adquire características específicas a depender do trabalho clínico ou preventivo: w O trabalho clínico se dá na relação entre um sujeito com sua história pessoal e sua modalidade de aprendizagem, buscando compreender a mensagem de outro sujeito, implícita no não-aprender. Nesse processo, onde investi- gador e objeto-sujeito de estudo interagem constantemente, a própria alte- ração torna-se alvo de estudo da psicopedagogia. Isso significa que, nesta modalidade de trabalho, deve o profissional comprender o que o sujeito aprende, como aprende e por que, além de perceber a dimensão da relação entre psicopedagogo e sujeito de forma a favorecer a aprendizagem. w No trabalho preventivo,3 a instituição, enquanto espaço físico e psíquico da aprendizagem, é objeto de estudo da psicopedagogia, uma vez que são avaliados os processos didático-metodológicos e a dinâmica institucional que interferem no processo de aprendizagem. A definição do objeto de estudo da psicopedagogia passou por fases distintas, assim como os demais aspectos dessa área de estudo. Em diferentes momentos históricos, que repercutem nas produções científicas, esse objeto foi entendido de várias formas. Houve tempo em que o trabalho psicopedagógico priorizava a ree- ducação, o processo de aprendizagem era avaliado em função de seus déficits, e o trabalho procurava vencer tais defasagens. O objeto de estudo era o sujeito que não podia aprender, concebendo-se a “não-aprendizagem” pelo enfoque que sa- lientava a falta. Esse enfoque buscava estabelecer as semelhanças entre grandes grupos de sujeitos, as regularidades, o esperado para determinada idade, visando reduzir as diferenças e acentuar a uniformidade. Posteriormente, a psicopedagogia adotou a noção de “não-aprendizagem” de outra maneira: o não-aprender é tido como carregado de significados, e não se opõe ao aprender. Essa fase da psicopedagogia é fundamentada, em especial, na psicaná- lise e na psicologia genética. Essa nova concepção leva em conta a singularidade do indivíduo ou grupo, buscando o sentido particular de suas características e suas alterações, segundo as circunstâncias da sua própria história e do seu mundo sociocul- tural. O processo evolutivo pelo qual essa nova área de estudo procurou estruturar- A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0024 A psicopedagogia no Brasil 25 se entende que o objeto de estudo é sempre o sujeito “aprendendo”, como se refere Alicia Fernández (1991). Essa concepção de sujeito variou, porém, conforme disse- mos anteriormente, em função da visão de homem adotada em cada momento histó- rico e da sua correspondente concepção de aprendizagem. Atualmente, a psicopedagogia trabalha com uma concepção de aprendiza- gem segundo a qual participa desse processo um equipamento biológico com dis- posições afetivas e intelectuais que interferem na forma de relação do sujeito com o meio, sendo que essas disposições influenciam e são influenciadas pelas condi- ções socioculturais do sujeito e do seu meio. Conforme vimos, o trabalho psicopedagógico pode ser preventivo e clínico. Entretanto, ele é também teórico na medida da necessidade de se refletir sobre a práxis. Assim sendo, vale repensar um pouco a prática, antes de abordar o teórico. No trabalho preventivo, podemos falar em diferentes níveis de prevenção. No primeiro nível, o psicopedagogo atua nos processos educativos com o objetivo de diminuir a “freqüência dos problemas de aprendizagem”. Seu trabalho incide nas questões didático-metodológicas, bem como na formação e orientação de profes- sores, além de fazer aconselhamento aos pais. No segundo nível, o objetivo é dimi- nuir e tratar dos problemas de aprendizagem já instalados. Para tanto, cria-se um plano diagnóstico da realidade institucional, e elaboram-se planos de intervenção baseados nesse diagnóstico, a partir do qual se procura avaliar os currículos com os professores, para que não se repitam tais transtornos. No terceiro nível, o objetivo é eliminar os transtornos já instalados, em um procedimento clínico com todas as suas implicações. O caráter preventivo permanece aí, uma vez que, ao eliminarmos um transtorno, estamos prevenindo o aparecimento de outros. Como exemplo dos níveis de trabalho preventivo, podemos nos valer de uma situação específica: a alfabetização. Ao se deparar com novas teorias acerca da alfabetização, o psicopedagogo, juntamente com outros profissionais da escola, trata de elaborar métodos de ensino compatíveis com as novas concepções acerca desse processo. Nesse momento, que corresponderia ao primeiro nível preventi- vo, ele trabalha com os professores, auxiliando-os a incorporar os novos conheci- mentos e os procedimentos metodológicos deles decorrentes. Utilizando ainda a alfabetização, digamos que, em um determinado grupo, classe ou instituição, apareçam transtornos na aprendizagem do processo de leitura e escri- ta. Cabe então ao psicopedagogo, no segundo nível preventivo, realizar um diagnós- tico do grupo e intervir nos procedimentos didático-metodológicos em vigor. Esse profissional tem, agora, não só o objetivo de detectar as causas dos transtornos, como também de encontrar os meios para que os mesmos sejam eliminados. Já o terceiro nível se dá no momento em que problemas específicos de leitura e escrita já estejam instalados em um aluno ou grupo de alunos. Deve o psicopedagogo, neste caso, atuar diretamente junto a estes, a fim de tratar esses transtornos e evitar outros. No exercício clínico, o psicopedagogo deve reconhecer a sua própria subjetivi- dade na relação, pois trata-se de um sujeito que estuda outros sujeitos. Essa inter- A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0025 28 Nadia A. Bossa Os autores brasileiros Neves, Kiguel, Scoz, Golbert, Rubinstein, Weiss, Barone e outros, assim como os argentinos Fernández, Paín, Visca, Müller, são unânimes quanto à necessidade de conhecimentos de diversas áreas que, articulados, devem fundamentar a constituição de uma teoria psicopedagógica. Diz Fernández (1985, p. 12): “A epistemologia genética e a psicanálise são necessárias para a teoria psicopedagógica, mas não se confundem com ela, cujo fim é dar conta da articulação inteligência- desejo”. Jorge Visca (1987, p. 7) considera que a psicopedagogia foi se perfilando como um conhecimento independente e complementar, por assimilação recíproca das contribuições das escolas psicanalítica, piagetiana e da psicologia social de Enrique Pichon-Rivière. Desta forma, entende esse autor ser possível compreender a participação dos aspectos afetivos, cognoscitivos e do meio que confluem no aprender do ser humano. Para Sara Paín (1986, p. 5), vale relembrar, os que se defrontam com os problemas de aprendizagem devem fundamentar a sua prática na articulação da Psicanálise, da teoria piagetiana e do materialismo histórico. Por sua vez, Marina Müller (1986) aponta como suportes teóricos na psicopedagogia clínica – campo do qual essa argentina se ocupa – a psicanálise e a psicologia genética, bem como a psicologia social e a linguística. Os profissionais brasileiros também crêem nessa articulação como fundamento para a teoria e a prática psicopedagógicas, conforme veremos a seguir. Sonia Moojen Kiguel (em Scoz et al., 1990, p. 25), fonoaudióloga e psicope- dagoga, ao fazer considerações sobre a abordagem psicopedagógica, afirma: A psicopedagogia terapêutica é um campo de conhecimento relativamente novo que surgiu na fronteira entre a pedagogia e a psicologia. Encontra-se ainda em fase de organização de um corpo teórico específico, visando a integração das ciências peda- gógica, psicológica, fonoaudiológica, neuropsicológica e psicolinguística, para uma compreensão mais integradora do fenômeno da aprendizagem humana. Vemos nas palavras de Barone (1991, p. 113) um pensamento convergente para esse sentido: A prática psicopedagógica vem colocando questões ainda pouco discutidas, de mane- jo difícil e geradoras de conflito. Isto porque seu “paciente”, o sujeito com dificulda- de de aprendizagem, apresenta, quase sempre, um quadro de comprometimentos que extrapola o campo de ação específico de diferentes profissionais, envolvendo dificul- dades cognitivas, instrumentais e afetivas. Vimos que, devido à complexidade do seu objeto de estudo, são importantes à psicopedagogia conhecimentos específicos de diversas outras teorias, as quais incidem sobre os seus objetos de estudos, por exemplo: w a psicanálise encarrega-se do mundo inconsciente, das representações pro- fundas, operantes por meio da dinâmica psíquica que se expressa por sinto- mas e símbolos, permitindo-nos levar em conta a face desejante do homem; A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0028 A psicopedagogia no Brasil 29 w a psicologia social encarrega-se da constituição dos sujeitos, que responde às relações familiares, grupais e institucionais, em condições socioculturais e econômicas específicas e que contextuam toda aprendizagem; w a epistemologia e a psicologia genética encarregam-se de analisar e des- crever o processo construtivo do conhecimento pelo sujeito em interação com os outros e com os objetos; w a lingüística traz a compreensão da linguagem como um dos meios que caracterizam o tipicamente humano e cultural: a língua enquanto código disponível a todos os membros de uma sociedade, e a fala como fenômeno subjetivo, evolutivo e historiado de acesso à estrutura simbólica; w a pedagogia contribui com as diversas abordagens do processo ensino-apren- dizagem, analisando-o do ponto de vista de quem ensina; w os fundamentos na neuropsicologia possibilitam a compreensão dos meca- nismos cerebrais que subjazem ao aprimoramento das atividades mentais, indicando-nos a que correspondem, do ponto de vista orgânico, todas as evoluções ocorridas no plano psíquico. Ora, nenhuma dessas áreas surgiu especificamente para responder à proble- mática da aprendizagem humana. Elas, no entanto, nos fornecem meios para re- fletir cientificamente e operar no campo psicopedagógico, o nosso campo. Vejamos um exemplo: uma criança nos é encaminhada por não aprender a ler e a escrever – situação, por sinal, bastante comum no dia-a-dia, seja no consultório, seja na instituição escolar. Recorremos, então, a um corpo teórico para que alguns elementos nos ajudem a iluminar o epicentro do problema. Começamos por analisar algumas questões que surgem no nosso trabalho de auxiliar esse sujeito a restabele- cer o seu processo de aprendizagem ou, por outra, a entrar no curso da aprendiza- gem. Pois bem, será que a metodologia utilizada no processo de alfabetização é adequada? Essa questão envolve aspectos do processo ensino-aprendizagem que devem ser vistos à luz de teorias pedagógicas. Além disso, a construção desse novo objeto de conhecimento – o processo de leitura-escrita – implica processos cognitivos que podem ser compreendidos por meio da psicologia genética, por exemplo. Ou será que o processo se acha inviabilizado na relação professor-aluno? Estaria o alu- no estabelecendo uma relação transferencial com o professor, a qual não lhe permite o aprender, ou vice-versa? Ou, ainda, o acesso à leitura-escrita poderia se tornar algo persecutório por estar relacionado com o crescimento? Essa análise, enfim, conforme vimos sublinhando, envolve o respaldo de outras disciplinas, seja no caso uma cultura psicanalítica que permita identificar mecanismos psíquicos, de repre- sentação, que atuam no sentido da não-aprendizagem para esse sujeito. Podemos, por outro lado, estar diante de um caso em que o sujeito tenha sofrido uma anóxia de parto que lhe ocasionou uma lesão cerebral, atingindo a área cortical da linguagem. Como nos assegurarmos dessas informações, que, uma vez confirmadas, dão um direcionamento muito diferenciado das situações anterio- A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0029 30 Nadia A. Bossa res? Evidencia-se, neste caso, que alguns princípios da neurologia são de funda- mental importância ao profissional da psicopedagogia, desde o encaminhamento a outros profissionais até a definição da forma de tratamento. Podemos ainda nos deparar com uma ocorrência em que a dificuldade advenha de diferenças culturais e de linguagem. A estranheza dos significantes do profes- sor para o aluno, e vice-versa, gera problemas na própria comunicação, compro- metendo deste modo a leitura e a escrita, já que essas se configuram em um ato de comunicação. A lingüística, nesta situação exemplar, pode oferecer um aparato conceitual que venha a operar no sentido de explicitar ao psicopedagogo a causa da problemática e, quem sabe, permitir-lhe uma eficiente intervenção. De sua parte, a psicologia social ilumina a natureza do grupo a que pertence o sujeito da aprendizagem e as interferências socioculturais desse grupo nesse sujeito. Enfim, esse e os demais exemplos aqui apresentados atestam situações em que, requerendo elementos conceituais de outros corpos teóricos, a psicopedagogia pen- sa o seu objeto de estudo, exemplos em que se registra essa cooperação, esse operar com outros sobre um problema, uma anomalia. Os profissionais da psicopedagogia, como quaisquer outros profissionais, sus- tentam a sua prática em pressupostos teóricos muitas vezes distintos, conforme já referido antes. Isso implica diversificados enquadres, conseqüências da identifi- cação do profissional com determinada corrente teórica. O psicopedagogo pode, por exemplo, dentro das teorias da personalidade, escolher a psicanálise com o objetivo de comprender o sentido inconsciente das dificuldades de aprendizagem. Tal escolha estaria alicerçada na condição pessoal de psicopedagogo, a qual é oriunda da sua experiência de análise e das condições da sua formação. Essa opção implica determinado procedimento prático, no qual o trabalho psicopedagógico consistiria em propor à criança a realização de determinadas tare- fas e acompanhá-la na sua execução. O foco de atenção do psicopedagogo, porém, é a reação da criança diante da tarefa, considerando resistências, bloqueios, lapsos, hesitações, repetições, sentimentos e angústias frente a certas situações. Além de outros procedimentos, o psicopedagogo faz as intervenções, que visam permitir à criança entrar em contato com o sentido inconsciente das suas dificuldades. Menos como uma digressão do que como um breve lembrete, poderíamos subli- nhar que Freud já previu a possibilidade de se recorrer à psicanálise na compreensão dos diversos sintomas (remetamo-nos ao uso psicanalítico do termo sintoma). O pro- blema de aprendizagem enquanto sintoma pode ser comparado, na sua dinâmica, com o sintoma conversivo. Frente a enfermidades que apareciam no corpo e que não podiam ser explicadas pela medicina, Freud chega à noção de inconsciente e entende que o que ocorria era uma conversão simbólica do inconsciente para o corpo. A partir daí começa a pensar nas formações do inconsciente, entre elas o sintoma. Segundo o criador da psicanálise, o inconsciente não se manifesta de forma direta, nem se pode circunscrevê-lo ou delimitá-lo, mas aparece através das fraturas: o chiste, o lapso, o ato falho, o sonho e o sintoma. “O futuro provavelmente atribuirá muito maior impor- A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0030 A psicopedagogia no Brasil 33 Ao delimitar o campo de atuação do trabalho psicopedagógico, deve-se, no entanto, diferenciar essas modalidades de atuação, especificando as suas tarefas. Dessa forma, o trabalho psicopedagógico na área preventiva é de orientação no processo ensino-aprendizagem, visando favorecer a apropriação do conhecimen- to pelo ser humano, ao longo da sua evolução. Esse trabalho pode se dar na forma individual ou na grupal, na área da saúde mental e da educação. Na sua função preventiva, cabe ao psicopedagogo: w detectar possíveis perturbações no processo de aprendizagem; w participar da dinâmica das relações da comunidade educativa, a fim de favorecer processos de integração e troca; w promover orientações metodológicas de acordo com as características dos indivíduos e grupos; w realizar processos de orientação educacional, vocacional e ocupacional, tanto na forma individual quanto em grupo. O trabalho psicopedagógico pode, certamente, ter um caráter assistencial. Isso acontece quando, por exemplo, o psicopedagogo participa de equipes responsá- veis pela elaboração, direção e evolução de planos, programas e projetos no setor de educação e saúde, integrando diferentes campos de conhecimento. A psicope- dagogia ocupa-se, assim, de todo o contexto da aprendizagem, seja na área clíni- ca, preventiva, assistencial, envolvendo elaboração teórica no sentido de relacio- nar os fatores envolvidos nesse ponto de convergência em que opera. A elaboração teórica visa criar um corpo teórico da psicopedagogia, com processos de investigação e diagnóstico que lhe sejam específicos, por meio de estudos das questões educacionais e da saúde no que concerne ao processo de aprendizagem. Implica, desta maneira, uma reflexão constante sobre a pertinência da aplicação das diversas teorias ao campo da psicopedagogia, por meio de avalia- ção da prática resultante desses pressupostos. Esse trabalho consiste em uma lei- tura e releitura do processo de aprendizagem e do processo da não-aprendizagem, bem como da aplicabilidade e dos conceitos teóricos, resultando em novos con- tornos e significados, proporcionando práticas mais consistentes. Já na área da saúde, o trabalho é feito em consultórios privados e/ou em instituições de saúde (como hospitais), no sentido de reconhecer e atender às alte- rações da aprendizagem sistemática e/ou assistemática, de natureza patológica. Existe também uma proposta de atuação nas empresas, onde o objetivo seria favo- recer a aprendizagem do sujeito para uma nova função, auxiliando-o para um desenvolvimento mais efetivo de suas atividades. Historicamente, a psicopedagogia nasceu para atender a patologia da apren- dizagem, mas ela se tem voltado cada vez mais para uma ação preventiva, acredi- tando que muitas dificuldades de aprendizagem se devem à inadequada pedago- gia institucional e familiar. A proposta da psicopedagogia, em uma ação preventi- A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0033 34 Nadia A. Bossa va, é adotar uma postura crítica frente ao fracasso escolar, em uma concepção mais totalizante, visando propor novas alternativas de ação voltadas para a melhoria da prática pedagógica nas escolas. Segundo Lino de Macedo (1990), o psicopedagogo, no Brasil, ocupa-se das seguintes atividades: 1. Orientação de estudos – Consiste em organizar a vida escolar da criança quando esta não sabe fazê-lo espontaneamente. Procura-se promover o melhor uso do tempo, a elaboração de uma agenda e tudo aquilo que é necessário ao “como estudar” (como ler um texto, como escrever, como estudar para a prova, etc.). 2. Apropriação dos conteúdos escolares – O psicopedagogo visa propiciar o domínio de disciplinas escolares em que a criança não vem tendo um bom aproveitamento. Ele se diferencia do professor particular, pois o conteúdo escolar é usado apenas como uma estratégia para ajudar e for- necer ao aluno o domínio de si próprio e as condições necessárias ao desenvolvimento cognitivo. 3. Desenvolvimento do raciocínio – Trabalho feito com os processos de pensamento necessários ao ato de aprender. Os jogos são muito utilizados, pois são férteis no sentido de criarem um contexto de observação e diá- logo sobre processos de pensar e de construir o conhecimento. Este pro- cedimento pode promover um desenvolvimento cognitivo maior do que aquele que as escolas costumam alcançar. 4. Atendimento de crianças – A psicopedagogia se presta a atender deficien- tes mentais, autistas ou crianças com comprometimentos orgânicos mais graves, podendo até substituir o trabalho da escola. Para Lino de Macedo, estas quatro atividades não são excludentes entre si nem em relação a outras. O atendimento psicopedagógico poderá, em determinados ca- sos, recorrer a propostas corporais, artísticas, etc. De qualquer forma, está sempre relacionado com o trabalho escolar, ainda que com ele não esteja diretamente comprometido. Para Janine Mery (1985), o psicopedagogo é um professor de tipo particular7 que realiza a sua tarefa de pedagogo sem perder de vista os propósitos terapêuticos da sua ação. Qualquer que tenha sido a sua formação (psicólogo, pedagogo, fonoaudiólogo, professor), ele assumirá sempre a dupla polaridade do seu papel, o que determinará o modo de ser perante a criança e seus familiares, bem como diante da equipe a que pertence. O trabalho do psicopedagogo, de acordo com Mery, possui as seguintes especificidades: w o “transtorno de aprendizagem” é encarado como manifestação de uma perturbação que envolve a totalidade da personalidade; A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0034 A psicopedagogia no Brasil 35 w o desenvolvimento infantil é considerado a partir de uma perspectiva dinâ- mica, e é dentro dessa evolução dinâmica que o sintoma “transtorno de aprendizagem” é estudado. Assim, se for oferecida uma forma de relação melhor e diferente à criança, ela deverá retomar a sua evolução normal; w a neutralidade do papel de psicopedagogo é negada, e este conhece a im- portância da relação transferencial entre o profissional e o sujeito da apren- dizagem; w objetivo do psicopedagogo é levar o sujeito a reintegrar-se à vida escolar normal, respeitando as suas possibilidades e interesses. O psicopedagogo, ainda segundo Janine Mery (1985), respeita a escola tal como é, apesar de suas imperfeições, porque é através da escola que o aluno se situará em relação aos seus semelhantes, optará por uma profissão, participará da construção coletiva da sociedade à qual pertence. Isso não impedirá que o psicopedagogo cola- bore para a melhoria das condições de trabalho numa determinada escola ou na con- quista de seus objetivos. Em seu trabalho, ele deverá fazer com que a criança enfrente a escola de hoje, e não a de amanhã. Esse enfrentamento, no entanto, não significaria impor à criança normas arbitrárias ou sufocar-lhe a individualidade. Busca-se sempre desenvolver e expandir a personalidade do indivíduo, favorecendo as suas iniciativas pessoais, suscitando os seus interesses, respeitando os seus gostos, propondo e não impondo atividades, procurando sugerir pelo menos duas vias para a escolha do rumo a ser tomado, permitindo a opção. Assim, tanto no seu exercício na área educativa como na da saúde, pode-se considerar que o psicopedagogo tem uma atitude clínica frente ao seu objeto de estudo. Isso não implica que o lugar de trabalho seja a clínica, mas se refere às atitudes do profissional ao longo da sua atuação. A seguir, procuramos mostrar como a prática e a teoria psicopedagógicas vêm ocorrendo – dentro desse território epistemologicamente problemático, visto ser a psicopedagogia uma espécie de saber híbrido, se assim podemos dizer, en- quanto derivado de outras vertentes ou afluentes, a psicologia e a pedagogia – nas experiências específicas e inter-relacionadas do Brasil e da Argentina. Apesar dessa hibridez, notaremos que se trata de um saber já algo configurado em certa autono- mia, certa autenticidade: faz-se sua identidade enquanto uma jovem episteme. NOTAS 1. Barthes (1988, p. 99), em O rumor da língua, apresenta uma definição que merece ser citada, pois traduz perfeitamente o significado da psicopedagogia: O interdisciplinar, de que tanto se fala, não está em confrontar disciplinas já constituídas das quais, na realidade, nenhuma consente em abandonar-se. Para se fazer interdisciplinaridade, não basta tomar um “assunto” (um tema) e con- vocar em torno duas ou três ciências. A interdisciplinaridade consiste em criar um objeto novo que não pertença a ninguém. A Psicopedagogia no Brasil.p65 10/5/2007, 20:0035
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