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Materiais de Engenharia, Notas de estudo de Engenharia de Produção

MATERIAIS DE ENGENHARIA

Tipologia: Notas de estudo

2012
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Baixe Materiais de Engenharia e outras Notas de estudo em PDF para Engenharia de Produção, somente na Docsity! MATERIAIS DE ENGENHARIA Microestrutura e Propriedades Angelo Fernando Padilha O presente texto tem caráter introdutório. Embora um autor não possa e nem deva determinar ou escolher seus leitores, ele foi escrito visando interessados que estão se iniciando no estudo da Ciência dos Materiais. Eles tanto podem ser estudantes de graduação dos três primeiros anos de Engenharia Metalúrgica ou de Engenharia de Materiais, como graduados em outras áreas, tais como Física, Química, Engenharia Mecânica, Engenharia Química e Odontologia, que estejam se iniciando na área de materiais. A matéria é desenvolvida em 20 capítulos concisos. Nos capítulos iniciais é discutida a organização dos átomos na matéria (ligações químicas, sólidos cristalinos, sólidos amorfos e sólidos parcialmente cristalinos). Nos capítulos inter- mediários são abordados (com considerável detalhe) os defeitos cristalinos. Na parte final são discutidas as principais propriedades dos materiais. No decorrer de todo o texto procura-se relacionar a composição e a estrutura dos materiais com suas propriedades e usos. A abordagem apresenta algumas ênfases. Por exemplo, os materiais cristalinos são tratados em maior detalhe que os amorfos e parcial- mente cristalinos. Os materiais metálicos ocupam maior espaço que os cerâmicos, polimíricos e compó- sitos. As propriedades mecânicas são discutidas em maior detalhe que todas as outras. Estas ênfases foram ditadas pela im-portância econômica e pelas aplicações. Todos os capítulos apresentam lista de exercicios propostos e biblio- grafia. Editoração Eletrônica: MCT Produções Gráficas Capa: Sérgio Ng Supervisão: Maxim Behar © Copyright by Angelo Fernando Padilha © Copyright 2000 by Hemus SA Mediante contrato firmado com o Autor Todos os direitos adquiridos e reservada a propriedade literária desta publicação pela HEMUS LIVRARIA, DISTRIBUIDORA E EDITORA S.A. Visite nosso site: www.hemus.com.br Pedidos e Correspondência: Caixa Postal 073 - CEP 80011-970 - Curitiba - PR Impresso no Brasil / Printed in Brazil Sumário Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1. Os Materiais de Engenharia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2. O Átomo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 3. As Ligações Atômicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4. Estrutura Cristalina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 5. Direções e Planos Cristalográficos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 6. Determinação da Estrutura Cristalina . . . . . . . . . . . . . . . . 89 7. Defeitos Puntiformes e Soluções Sólidas . . . . . . . . . . . . . . 103 8. Difusão no Estado Sólido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 9. Defeitos de Linha (Discordâncias) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 10. Defeitos Bidimensionais ou Planares . . . . . . . . . . . . . . . . 181 11. Sólidos Amorfos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201 12. Sólidos Parcialmente Cristalinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213 13. Classificação e Quantificação das Microestruturas . . . . . . . . 223 14. Principais Ensaios Mecânicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 15. Propriedades Mecânicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 16. Propriedades Elétricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271 17. Propriedades Térmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289 18. Propriedades Óticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303 19. Propriedades Magnéticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317 20. Algumas outras Propriedades Importantes . . . . . . . . . . . . 331 Índice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 Apresentação O presente texto tem caráter introdutório. Embora um autor não possa e nem deva determinar ou escolher seus leitores, ele foi escrito visando interes- sados que estão se iniciando no estudo da Ciência dos Materiais. Eles tanto podem ser estudantes de graduação dos três primeiros anos de Engenharia Metalúrgica ou de Engenharia de Materiais, como graduados em outras áreas, tais como Física, Química, Engenharia Mecânica, Engenharia Química e Odontologia, que estejam se iniciando na área de materiais. A matéria é desenvolvida em 20 capítulos concisos. Nos capítulos inici- ais é discutida a organização dos átomos na matéria (ligações químicas, sólidos cristalinos, sólidos amorfos e sólidos parcialmente cristalinos). Nos capítulos intermediários são abordados (com considerável detalhe) os defei- tos cristalinos. Na parte final são discutidas as principais propriedades dos materiais. No decorrer de todo o texto procura-se relacionar a composição e a estrutura dos materiais com suas propriedades e usos. A abordagem apresenta algumas ênfases. Por exemplo, os materiais cristalinos são tratados em maior detalhe que os amorfos e parcialmente cristalinos. Os materiais metálicos ocupam maior espaço que os cerâmicos, poliméricos e compósitos. As propriedades mecânicas são discutidas em mai- or detalhe que todas as outras. Estas ênfases foram ditadas pela importância econômica e pelas aplicações. O leitor também poderá notar algumas lacunas e ausências. Não apre- senta um tratamento termodinâmico dos fenômenos abordados, nem sequer os diagramas de fases dos materiais discutidos são apresentados. Também não é dada maior atenção para as transformações que ocorrem durante o processamento dos materiais. Estas ausências foram intencionais e são justi- ficadas pela abordagem e pelo caráter introdutório do texto. Isto não signifi- ca, porém, que os tópicos não tratados sejam de menor importância. O autor planeja inclusive tratá-los em um outro volume, denominado Processamento 11 e Transformações dos Materiais. As técnicas de análise microestrutural, im- portantíssimas em Ciência dos Materiais, também não foram tratadas com maior detalhe, pois são o tema central de outro volume de nossa co-autoria. Não foi incluída nenhuma micrografia real no presente volume. Todas as microestruturas apresentadas são esquemáticas e simples. Acredito que os três volumes, o presente texto, o livro de técnicas de análise microestrutural, cuja segunda edição revista e ampliada está em pre- paração e o volume sobre processamento e transformações dos materiais (ainda em fase de concepção), deverão oferecer em conjunto uma visão razo- ável da Ciência dos Materiais. O Autor São Paulo, janeiro de 1997 12 Os Materiais de Engenharia Segundo Morris Cohen, conceituado cientista de materiais do não me- nos conceituado Massachusetts Institute of Technology (MIT), materiais são substâncias com propriedades que as tornam úteis na construção de máqui- nas, estruturas, dispositivos e produtos. Em outras palavras, os materiais do universo que o homem utiliza para “fazer coisas”. Os materiais sólidos são freqüentemente classificados em três grupos principais: materiais metálicos, materiais cerâmicos e materiais poliméricos ou plásticos. Esta classificação é baseada na estrutura atômica e nas ligações químicas predominantes em cada grupo. Um quarto grupo, que foi incorpora- do nesta classificação nas últimas décadas, é o grupo dos materiais compósi- tos. Em seguida, descreveremos brevemente os quatro grupos acima mencio- nados. Materiais metálicos Os materiais metálicos são normalmente combinações de elementos metálicos. Eles apresentam um grande número de elétrons livres, isto é, elétrons que não estão presos a um único átomo. Muitas das propriedades dos metais são atribuídas a estes elétrons. Por exemplo, os metais são excelentes condutores de eletricidade e calor e não são transparentes à luz. A superfície dos metais, quando polida, reflete eficientemente a luz. Eles são resistentes mas deformáveis. Por isto são muito utilizados em aplicações estruturais. Entre os quatros grupos de materiais mencionados anteriormente, os materiais metálicos, e em particular os aços, ocupam um lugar de destaque devido à sua extensiva utilização. Cerca de 70 dos 92 elementos da tabela periódica encontrados na natureza têm caráter metálico preponderante. Os 1 13 Materiais cerâmicos Os materiais cerâmicos são normalmente combinações de metais com elementos não metálicos. Os principais tipos são: óxidos, nitretos e carbone- tos. A esse grupo de materiais também pertencem os argilo-minerais, o ci- mento e os vidros. Do ponto de vista de ligações químicas, eles podem ser desde predominantemente iônicos até predominantemente covalentes. Eles são tipicamente isolantes térmicos e elétricos. São também mais resistentes à altas temperaturas e a ambientes corrosivos que os metais e polímeros. Eles são muito duros, porém frágeis. A argila foi o primeiro material estrutural inorgânico a adquirir proprie- dades completamente novas como resultado de uma operação intencional realizada por seres humanos. Esta operação foi a “queima” (sinterização) que tornou possível a obtenção de potes, panelas e outros utensílios cerâmicos, Ano (D.C.) N úm er o de el em en to s de sc ob er to s Figura 1.1 — Evolução do número cumulativo de elementos químicos descobertos nos últimos dois milênios. 16 CAPÍTULO 1 com enorme impacto na vida e nos hábitos do homem. Segundo Kranzberg e Smith, este foi talvez o começo da engenharia de materiais. Estima-se que isto tenha ocorrido no oitavo milênio a.C. A cerâmica vermelha (telhas, tijolos e manilhas) e a cerâmica branca (azulejos, sanitários e porcelanas) são constituídas principalmente de silica- tos hidratados de alumínio, tais como caulinita, haloisita, pirofilita e montmorilonita. O óxido de ferro é que confere a cor avermelhada de muitos produtos cerâmicos. A argila é usualmente plástica após ser suficientemente pulverizada e umedecida e é nesta condição conformada. Após a secagem, ela se torna rígida e adquire alta dureza após a queima em temperaturas elevadas. As cerâmicas tradicionais à base de sílica, alumina ou magnésia são também muito utilizadas como refratários em fornos e dispositivos utilizados na fusão e tratamentos térmicos dos metais e ligas. Enquanto as cerâmicas tradicionais são obtidas a partir de matérias primas naturais tais como argilo-minerais e areia; as cerâmicas avançadas são feitas a partir de óxidos, nitretos, carbonetos e boretos de alta pureza, têm composição definida e o tamanho, a forma e a distribuição das partículas são controlados. Por outro lado, o mercado mundial de cerâmicas tradicionais é pelo menos uma ordem de grandeza maior que o de cerâmicas avançadas. Os vidros tradicionais são misturas de óxidos e devem ser classificados como materiais cerâmicos. Eles também são materiais bastante antigos. Por volta do ano 4000 antes de Cristo já existiam vidros decorativos no Egito. Em 1500 a.C., a produção de vidros já estava relativamente estabelecida. Em 1200 d.C., Veneza era a “capital do vidro”. Para proteger sua tecno- logia contra ingleses e franceses, os venezianos transferiram em 1292 a pro- dução de Veneza para a ilha de Murano.Os vidros desta época eram basica- mente misturas de sílica, cal e soda. Pequenas adições de íons de cobalto, cromo, cobre, manganês e ferro causam grandes mudanças de cor. Por exem- plo, a adição de apenas 0,15% de CoO confere ao vidro de carbonato de sódio a cor azul escura. O próximo grande desenvolvimento ocorreu com os chamados vidros ópticos. Em 1846, o mecânico Carl Zeiss e o professor de física Ernst Abbe montaram uma oficina de óptica em Jena, na Alemanha. Os estudos de Abbe mostraram que havia uma limitação básica para a resolução em um sistema óptico, relacionada ao diâmetro da lente e ao comprimento de onda da luz. Em 1882, o químico recém-doutorado Friedrich Otto Schott juntou-se a eles. Schott havia concluído seu trabalho de doutorado com vidros de alta pureza e procurava para eles uma aplicação. Vidros de melhor qualidade e a MATERIAIS DE ENGENHARIA 17 assessoria de um especialista em materiais era exatamente o que estava fal- tando aos produtos da oficina de Zeiss e Abbe. Os três dominaram o desen- volvimento das lentes modernas e dos instrumentos óticos. Nas últimas décadas do atual século ocorreram dois outros desenvolvi- mentos importantes na indústria do vidro, relacionados com a utilização de materiais reforçados com fibras de vidro e com as fibras ópticas usadas na transmissão de informações. A grande maioria (99%) da produção atual, em peso, de vidros pertence aos três tipos: SiO2(sílica) - Na2O(soda) - CaO(cal); PbO - SiO2 e B2O3 - SiO2 - Na2O - CaO. Dentre os tipos mencionados acima, o único desenvolvido no século XX foi o vidro à base de boro. Os vidros inorgânicos apresentam ausência de ordem de longo alcance (são amorfos), têm propriedades isotrópicas, são transparentes à luz visível, podem ser formulados para absorver ou transmitir determinados comprimen- tos de onda, são isolantes térmicos e elétricos e amolecem antes de fundir, permitindo a conformação por sopro de formas intrincadas. Em 1960, foram produzidos pela primeira vez por Pol Duwez ligas metálicas amorfas; os chamados vidros metálicos. Estes materiais são estru- turalmente similares aos vidros inorgânicos, mas apresentam as propriedades impostas pela ligação metálica. Materiais poliméricos Os polímeros são constituídos de macromoléculas orgânicas, sintéticas ou naturais. Os plásticos e borrachas são exemplos de polímeros sintéticos, enquanto o couro, a seda, o chifre, o algodão, a lã, a madeira e a borracha natural são constituídos de macromoléculas orgânicas naturais. Os polímeros são baseados nos átomos de carbono, hidrogênio, nitrogê- nio, oxigênio, flúor e em outros elementos não metálicos. A ligação química entre átomos da cadeia é covalente, enquanto a ligação intercadeias é fraca, secundária, geralmente dipolar. Os materiais poliméricos são geralmente leves, isolantes elétricos e térmicos, flexíveis e apresentam boa resistência à corrosão e baixa resistência ao calor. Os polímeros naturais foram usados por milênios. Materiais naturais de origem animal ou vegetal, como madeira, fibras têxteis, crinas e ossos, são 18 CAPÍTULO 1 Tabela 1.1 — Consumo de plásticos em diversos países e regiões. Região Total (milhões de toneladas) Por habitante (kg) Europa Ocidental 22 63 Estados Unidos 21 89 Canadá 2 80 Japão 7 58 Índia 1 1,3 América do Sul 3 7,5 África 1 2 África do Sul 0,7 21 Ex-URSS 7 17,5 Materiais compósitos Os materiais compósitos são materiais projetados de modo a conjugar características desejáveis de dois ou mais materiais. Um exemplo típico é o compósito de fibra de vidro em matriz poliméri- ca. A fibra de vidro confere resistência mecânica, enquanto a matriz polimé- rica, na maioria dos casos constituída de resina epoxídica, é responsável pela flexibilidade do compósito. A matriz pode ser polimérica, metálica ou cerâmica. O mesmo vale para o reforço, que pode estar na forma de dispersão de partículas, fibras, bastone- tes, lâminas ou plaquetas. Os materiais compósitos são também conhecidos como materiais con- jugados ou materiais compostos. A madeira é um material compósito natural, em que a matriz e o reforço são poliméricos. O concreto é outro compósito comum. Neste caso, tanto a matriz como o reforço são materiais cerâmicos. No concreto, a matriz é cimento Portland e o reforço é constituído de 60 a 80% em volume de um agregado fino (areia) e de um agregado grosso (pedregulho). O concreto pode ainda ser reforçado com barras de aço. A grande expansão no desenvolvimento e no uso dos materiais compó- sitos iniciou-se na década de 1970, conforme mostra a figura 1.2. MATERIAIS DE ENGENHARIA 21 Outros grupos ou tipos de materiais Além dos quatros grupos principais mencionados anteriormente, exis- tem alguns grupos emergentes de materiais, tais como: materiais semicondu- tores, materiais supercondutores, polímeros condutores e silicones. Os materiais semicondutores têm propriedades elétricas intermediárias entre condutores e isolantes. Além disto, as características elétricas destes materiais são extremamente sensíveis à presença de pequenas concentrações de impurezas. Os semicondutores tornaram possível o advento dos circuitos integrados, que revolucionaram as indústrias eletrônica e de computadores nas últimas duas décadas. Os semicondutores podem ser elementos semi-me- tálicos puros como o silício e o germânio ou compostos como GaP, GaAs e InSb. Os materiais supercondutores apresentam resistência elétrica desprezí- vel abaixo de uma certa temperatura, denominada temperatura crítica. Eles podem ser tanto materiais metálicos como materiais cerâmicos. Os melhores supercondutores metálicos são geralmente compostos intermetálicos, tais como Nb3Sn e Nb3Ge ou soluções sólidas tais como Nb-Ti e Nb-Zr. Mesmo os melhores supercondutores metálicos têm temperatura crítica muito baixa, menor que 23 K. Os condutores cerâmicos, descobertos recentemente, são óxidos mistos e apresentam temperatura crítica por volta de 100 K, mas a quantidade de corrente conduzida (corrente crítica) é muito baixa. Enquanto os polímeros condutores encontram-se em fase de desenvolvi- mento, os silicones já são amplamente utilizados na forma de óleos, borra- chas e resinas. Produção Ano Figura 1.2 — Evolução da produção de alguns materiais nos EUA. 22 CAPÍTULO 1 Materiais tradicionais e materiais avançados As transições da pedra para o bronze, e do bronze para o ferro foram revolucionárias pelo seu impacto, mas foram relativamente lentas em termos de escala de tempo. As mudanças na inovação e na aplicação dos materiais ocorridas no último meio século, entretanto, ocorreram em intervalos de tempo que foram revolucionárias ao invés de evolucionárias. A despeito disto, os materiais podem ser classificados em quatro níveis, conforme o grau de conhecimento científico utilizado no seu desenvolvimen- to. Esta classificação é apresentada abaixo: I. Materiais naturais. Exemplos: madeira, couro, diamante, cobre, ligas fer- rosas provenientes de meteoritos e borracha. II. Materiais desenvolvidos empiricamente. Exemplos: bronze, aço comum, ferro fundido, cerâmicas sílico-aluminosas, vidro, cimento e concreto. III. Materiais desenvolvidos com auxílio qualitativo de conhecimentos cientí- ficos, isto é, as considerações científicas orientaram seus descobrimentos e a interpretação qualitativa de suas propriedades. Exemplos: ligas mais antigas de alumínio, de titânio e de magnésio, metal duro, aços inoxidáveis, aços microligados, termoplásticos, termorígidos, elastômeros e ferritas. IV. Materiais projetados (novos ou aperfeiçoados) quase que exclusivamente a partir de conhecimentos científicos e cujas propriedades podem ser quanti- tativamente previstas. Exemplos: semicondutores, materiais para reatores nu- cleares, aços de ultra-alta resistência mecânica, materiais compósitos reforça- dos com fibras, ligas com memória de forma e vidros metálicos. Neste ponto deve-se destacar que velho ou novo nem sempre tem rela- ção direta com tradicional ou avançado. Por exemplo, um aço maraging, contendo um total de cerca de 30% em vários elementos de liga e que após sofisticados tratamentos termomecânicos, apresenta um limite de escoamento acima de 3 GPa, é um material muito avançado, embora as ligas de ferro tenham mais de 5 milênios de história. Por outro lado, a simples combinação de dois ou três compostos exóticos raramente leva a um material avançado. Finalmente, é importante destacar que o grau de conhecimento científi- co empregado no desenvolvimento de um material tem efeito determinante no seu preço e a capacidade de produzi-los é uma medida do grau de desen- volvimento tecnológico (e independência) de uma nação. MATERIAIS DE ENGENHARIA 23 A tabela 1.4 compara importantes materiais de construção em termos do custo relativo de cada unidade de resistência mecânica (N/mm2). Tabela 1.4 — Preço relativo da unidade de resistência mecânica (resistência à tração) de vários materiais de construção. Material Resistência (N/mm2) Densidade (g/cm3) Custo relativo Aço de construção (chapas) 370 7,8 1 Ferro fundido cinzento 120* 7,3 3 Liga de alumínio 200 2,7 3,5 PVC 40 1,4 4 Fibra de vidro em matriz polimérica 500 1,9 10 Polietileno 10 0,9 12 Concreto 40* — 0,2 * Resistência à compressão Energia e materiais A demanda, a produção e o preço dos materiais estão estreitamente relacionados com o consumo de energia. O consumo de energia na produção de materiais é da ordem de 15 a 25% de toda a energia primária utilizada nas economias industrializadas. Quase todos os metais ocorrem na natureza com- binados com outros elementos químicos, isto é, na forma termodinamicamen- te mais estável. A sua extração e purificação (refino), assim como todo o seu processamento, exigem grandes quantidades de energia. A produção de me- tais consome aproximadamente 10% da produção total de energia. Apenas 5 metais (ferro, alumínio, cobre, titânio e zinco) consomem na sua produção mais de 80% desta energia. Os custos de energia representam uma parcela considerável do custo total de produção dos metais primários. Por exemplo, os custos de energia variam de 15% para o chumbo e atingem 45% para o níquel. Os materiais poliméricos sintéticos também exigem grandes quantida- des de energia na sua produção. A tabela 1.5 apresenta valores de energia necessária para a produção de vários materiais. A reciclagem é um parâmetro muito importante na indústria dos materi- ais, tanto do ponto de vista energético como do ambiental. O ganho energéti- 26 CAPÍTULO 1 co obtido com a reciclagem de alguns metais, como é o caso do alumínio e do cobre, ultrapassa 85%. Em outras palavras, a energia requerida para pro- cessar uma certa quantidade destes metais a partir de material reciclado representa 15% da energia necessária para obter a mesma quantidade de metal a partir de fontes primárias. A economia de energia ou ganho energéti- co é significativa para numerosos materiais: alumínio (92%), cobre (85%), borracha (71%), ferro e aço (65%), chumbo (65%), papel (64%) e zinco (60%). Além do aspecto energético, a reciclagem permite a economia de maté- rias primas e possibilita a diminuição de rejeitos utilizados na lavra e no processamento de minerais. Por exemplo, cada tonelada de alumínio recicla- do possibilita a preservação de 4 toneladas de bauxita que seriam necessárias para a obtenção de alumínio primário metálico. Tabela 1.5 — Energia necessária para a produção de alguns materiais (segundo R.C. de Cerqueira Leite e colaboradores). Material Energia necessária (GJ/tonelada) Aço bruto 9,8-47 Ferro fundido 58-360 Alumínio 83-330 Bronze 97 Cobre 72-118 Chumbo 28-54 Cimento 4,5-8,1 Concreto reforçado 8,3-14,4 Cerâmica tradicional (tijolos) 3,4-6,0 Vidro plano 14-20 Fibra de vidro 43-64 Polipropileno 108-113 Poliestireno 96-140 Polietileno 80-120 PVC 67-92 Papel 59 MATERIAIS DE ENGENHARIA 27 Finalmente, é importante mencionar que o dispêndio global de energia, com relação aos materiais, não depende apenas da sua produção mas também está relacionado com a sua aplicação. Por exemplo, a substituição do aço por plásticos e alumínio nos automóveis diminui o consumo de combustível, compensando a utilização de materiais que requerem maior energia na sua produção. Conceituação de ciência e engenharia de materiais Pode-se afirmar que a divisão dos materiais em diversos grupos e sub- grupos tem origem industrial e que esta abordagem dos materiais em tipos estanques foi então absorvida pelas universidades. Boa parte dos cursos de engenharia metalúrgica, assim como das organizações e publicações técnicas e científicas ainda classificam os materiais metálicos em aços, ferros fundi- dos e metais não ferrosos. Os materiais cerâmicos, por sua vez, eram e ainda são freqüentemente subdivididos em cerâmica vermelha, cerâmica branca, vidros e cerâmicas especiais. A abordagem dos materiais por grupos e subgrupos tem naturalmente vantagens e desvantagens. A principal vantagem é o estudo dos problemas e características específicos de cada material e a principal desvantagem é que esta abordagem confere uma visão isolada de cada grupo. Do ponto de vista científico, esta visão isolada “se esquece” de que as características e os fenômenos fundamentais, tais como termodinâmica, cris- talografia, defeitos cristalinos e difusão, têm muito de comum em pratica- mente todos os grupos de materiais. Do ponto de vista de aplicações, ela não fornece a necessária visão geral em termos de seleção de materiais. Em termos de ensino, as disciplinas têm caráter mais descritivo e infor- mativo. Esta abordagem será denominada enciclopédica neste texto. Por volta de 1950, começou a se firmar uma conceituação mais fenome- nológica da metalurgia, começando pelos princípios básicos e indo até aos processos de fabricação e aplicações. 28 CAPÍTULO 1 objetivas dos materiais. No currículo dos cursos de engenharia de materiais, o estudo da ciência dos materiais ocupa um lugar de destaque. Deve-se a Morris Cohen, conceituado cientista de materiais do MIT, a seguinte definição: Ciência e Engenharia de Materiais (CEM) é a área da atividade humana associada com a geração e com a aplicação de conhecimentos que relacionem composição, estrutura e processamento às suas propriedades e usos. Um modelo conveniente para representar a CEM é apresentado na figu- ra 1.3. Ele utiliza um tetraedro, no qual os quatro vértices representam: síntese e processamento, estrutura e composição, propriedades e desempe- nho. Exercícios 1 Compare os três grupos (tipos) de materiais (metálicos, cerâmicos e poli- méricos) quanto às seguintes propriedades: ponto de fusão, dureza, maleabili- dade, densidade e resistividade elétrica. 2. Por que o desenvolvimento dos plásticos modernos ocorreu tardiamente em comparação com os materiais cerâmicos e metálicos ? 3. O que é microestrutura de um material ? 4. O que são materiais avançados ? Figura 1.3 — Representação da CEM com auxílio de um tetraedro. MATERIAIS DE ENGENHARIA 31 5. Faça uma lista dos principais fatores que influenciam o preço de um material. Ordene a sua lista de fatores em ordem decrescente de importância. 6. Compare o preço das cerâmicas tradicionais com o preço das cerâmicas avançadas. Justifique a diferença. 7. Descreva com suas palavras e em não mais que 20 linhas a sua conceitua- ção de ciência dos materiais. 8. O termo novos materiais é muito utilizado na imprensa, em artigos de divulgação científica e até em programas de governo. Você acha este termo adequado ? Justifique. 9. Qual a importância da reciclagem dos materiais ? Discuta pelo menos três aspectos. 10. Discuta a importância da disponibilidade do chumbo e do ferro para a construção das prensas de Gutenberg. Bibliografia consultada CYRIL STANLEY SMITH; A metalurgia como uma experiência humana, Tradução de José Roberto Gonçalves da Silva, UFSCar, São Carlos, 1988. MORRIS COHEN (Editor) e JOSÉ ROBERTO GONÇALVES DA SILVA (Tradu- tor); Ciência e engenharia de materiais: sua evolução, prática e perspectivas. Parte II: A ciência e engenharia de materiais como uma multidisciplina, Segun- da edição, UFSCar, São Carlos, 1987. MELVIN KRANZBERG e CYRIL STANLEY SMITH; Materiais na história e na sociedade. Em: Ciência e engenharia de materiais: sua evolução, prática e perspectivas. Morris Cohen ( Editor), J. R. Gonçalves da Silva ( Tradutor ), UFSCar, São Carlos, 1988. WILLIAM D. CALLISTER JR.; Materials science and engineering, Third Edition, John Wiley & Sons, New York, 1994. ERHARD HORNBOGEN; Werkstoffe, fünfte Auflage, Springer-Verlag, Berlin, 1991. Y. FARGE; Materiais do futuro: Uma evolução progressiva, Metalurgia & Materiais ABM, vol. 47, p. 322-330, 1991. ROGÉRIO C. DE CERQUEIRA LEITE e colaboradores; Nióbio uma conquista nacional, Livraria Duas Cidades Ltda, São Paulo, 1988. WILSON TRIGUEIRO DE SOUSA; “Substituição do aço por polímeros e compósi- tos na indústria automobilística do Brasil: determinantes e conseqüências para o mercado de minério de ferro”, Tese de doutoramento, EPUSP, São Paulo, 1995. 32 CAPÍTULO 1 O Átomo Introdução histórica A constituição da matéria desperta a curiosidade do homem há milhares de anos. As primeiras reflexões sistemáticas que se tem notícia sobre esse tema remontam à época dos antigos filósofos gregos. Alguns destes filósofos defendiam a idéia de que a matéria não é contí- nua, isto é, ela é constituída de pequenas partes denominadas átomos. O primeiro defensor da teoria atômica foi o filósofo grego Demócrito (520-440 a.C.), natural de Abdera, na Trácia e discípulo de Leucipo. Segundo ele, as grandes massas são compostas de corpúsculos indivisíveis, ingênitos e eternos. Demócrito também aparece na história do pensamento como o pri- meiro representante formal do materialismo e do ateísmo. Na verdade, o nome átomo foi introduzido por Epicuro (341-270 a.C.), natural de Samos, que adotou o materialismo atomista da escola de Abdera, ligeiramente modificado em um ponto. Os átomos, cujo movimento era, se- gundo Demócrito, fatal e necessário, têm, segundo Epicuro, a faculdade de se desviarem espontaneamente da linha reta. Os filósofos romanos não acrescentaram nada de novo às idéias de Demócrito, embora Tito Lucrécio Caro, por volta de 80 a.C., tenha dado no seu poema De rerum natura, forma rítmica às doutrinas de Epicuro. Lucrécio Caro era no entanto muito melhor poeta do que filósofo. Por incrível que possa parecer, nos 17 séculos subsequentes, à exceção de uma ou outra citação isolada, nenhuma contribuição significativa à teoria atomística da matéria foi feita. Por volta de 1805, o cientista inglês John Dalton (1766-1844) formulou as leis das proporções definidas e das proporções múltiplas. A lei das propor- ções constantes é também conhecida como Lei de Proust em homenagem ao 2 33 O modelo de átomo de Bohr O jovem físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962) tra- balhava em 1913 sob orientação de Rutherford em Cambridge. Ele tentava interpretar os espectros de absorção da luz observados experimentalmente. A mecânica clássica não conseguia explicar a ocorrência dos referidos espectros. Para explicar os resultados obtidos, ele estabeleceu postulados que mais tarde seriam obtidos a partir da mecânica quântica. As bases da mecâni- ca quântica tinham sido propostas pelo físico alemão Max Planck (1858- 1947) em 1900 e somente em 1926 esta teoria estaria praticamente completa. O primeiro postulado de Bohr afirma que os elétrons de um átomo somente podem mover-se em determinadas órbitas circulares ao redor do núcleo sem absorverem nem emitirem energia (vide figura 2.3). Átomos grandes apresentam até 7 destas órbitas, que receberam o nome de níveis eletrônicos. A partir do núcleo tem-se os seguintes níveis ou camadas com os respectivos números máximos de elétrons apresentados entre parêntesis: K(2), L(8), M(18), N(32), O(50), P(72) e Q(98). O segundo postulado de Bohr afirma que, em circunstâncias apropria- das, o elétron pode passar de um nível para outro. Por exemplo, fornecendo- se energia (calor, eletricidade, etc.) a um átomo, um ou mais elétrons podem absorver esta energia passando para estados energéticos mais elevados. Se o átomo adquire energia suficiente, o elétron pode separar-se do átomo, ficando Figura 2.2 — O elétron precipitando-se sobre o núcleo do átomo. 36 CAPÍTULO 2 este ionizado. Em caso contrário, se o elétron passa de uma órbita de maior energia para uma órbita de menor energia, como conseqüência desta transi- ção ele emitirá radiação. A energia radiante, emitida ou absorvida aparecerá como um fóton de freqüência ν, segundo a equação: Ei − Er = hν onde Ei = energia inicial; Ef = energia final; h = constante de Planck (6,6262 10-34 Js) ν = freqüência da radiação. Se Ef > Ei , o átomo absorverá um fóton. Se, ao contrário, Ei > Ef emitirá um fóton. Nos dois casos, o fóton terá freqüência proporcional à diferença de energia. A teoria de Bohr foi mais tarde generalizada e modificada com base na mecânica quântica. Apesar da sua grande importância, a teoria de Bohr não foi capaz de explicar alguns problemas relevantes como por exemplo, a não ocorrência de transições entre determinados estados estacionários. Hoje se sabe que a mecânica clássica, usada por Bohr, jamais poderia explicar satisfatoriamente as propriedades dos elétrons nos átomos. Figura 2.3 — Representação do átomo de alumínio segundo o modelo de Bohr. O ÁTOMO 37 O modelo de átomo de Sommerfeld O físico alemão Arnold Sommerfeld (1868-1953) propôs, em 1916, que os elétrons de um mesmo nível não estão igualmente distanciados do núcleo porque as trajetórias, além de circulares, como propunha Bohr, tam- bém podem ser elípticas. Sommerfeld, manteve invariável a primeira órbita circular de Bohr, mas adicionou uma órbita elíptica à segunda órbita circular e duas órbitas elípti- cas à terceira. Nas trajetórias elípticas, o núcleo do átomo se localiza num dos focos da elipse. Esses subgrupos de elétrons receberam o nome de subníveis e podem ser de até 4 tipos: s, p, d e f. Esta designação deriva do inglês: s (“sharp”); p (“principal”); d (“diffuse”); f (“fine”). O número máximo de elétrons em cada subnível é 2, 6, 10 e 14, respectivamente. A representação mais utilizada é s2, p6, d10 e f14. O diagrama de Pauling A distribuição eletrônica em níveis e subníveis é facilitada pelo uso do diagrama de Linus Carl Pauling (1901-1992), o qual é particularmente útil para átomos grandes. K 1s L 2s 2p M 3s 3p 3d N 4s 4p 4d 4f O 5s 5p 5d 5f P 6s 6p 6d Q 7s Por exemplo, os 11 elétrons do sódio (Na) devem ser distribuídos da seguinte maneira: 11Na: 1s2 2s2 2p6 3s1 38 CAPÍTULO 2 A figura 2.5 apresenta os dois modelos. Do lado esquerdo (a) é apresen- tado o modelo clássico de átomo de Bohr e do lado direito (b) é apresentado o modelo quântico. No modelo quântico, o elétron pode ser visualizado como uma espécie de “névoa de eletricidade” ao invés de uma simples partícula. Alguns números importantes Todos os átomos, com exceção do átomo de hidrogênio, possuem uma massa maior do que a que teriam, se fosse levado em conta apenas o número de prótons de seus núcleos. Em 1932, James Chadwick descobriu outra partí- cula denominada nêutron. Cada átomo consiste de um núcleo muito pequeno, composto de pró- tons e nêutrons (núcleons). Este núcleo é envolvido pelos elétrons. Os elé- Figura 2.5 — Comparação entre o modelo clássico de Bohr (a) e o modelo quântico (b) em termos de probabilidade. O ÁTOMO 41 trons e os prótons tem carga idêntica (1,6022 10-19 C), mas de sinais opostos. Os nêutrons são considerados eletricamente neutros. Os prótons e os nêutrons têm aproximadamente a mesma massa (1,6725 10-27 Kg), a qual é cerca de 1836 vezes maior que a massa do elétron (9,1095 10-31 Kg). Por definição, o número atômico (Z) de um elemento químico é o número de prótons que existe no seu núcleo Também por definição, o número de massa (A) de um átomo é a soma de seus prótons e nêutrons. O número A não é conceitualmente a massa de um átomo, mas é uma indicação bastante aproximada dela. A massa atômica ou peso atômico é o peso médio dos átomos neutros de um elemento. Na maioria dos casos, ela resulta de vários isótopos ( átomos com mesmo núme- ro de prótons e diferente número de nêutrons). Outro número muito importante é o número de Avogadro (6,0220 1023), que representa o número de átomos que há em um átomo-grama de um elemento. Também representa o número de moléculas que há em uma molé- cula-grama. O núcleo do átomo O núcleo do átomo é uma parte muito pequena (da ordem de 10-13 cm), extraordinariamente densa e carregada positivamente. Conforme menciona- mos acima, o núcleo é constituído de prótons e nêutrons, denominados coleti- vamente como núcleons. Em um átomo eletricamente neutro, o número de elétrons é igual ao número de prótons. O número de prótons de um átomo identifica o elemento. Os isótopos de um elemento têm as mesmas proprieda- des químicas mas têm massas diferentes. A massa do núcleo dos átomos é um pouco menor que a soma das massas dos prótons e nêutrons que os constitui. Esta diferença de massa (m) é liberada na forma de energia (E), de acordo com a equação da equivalência entre massa e energia de Albert Einstein ( 1879-1955) : E = m c2 onde: E é a energia liberada; m é a variação de massa; c é a velocidade da luz (2,9979⋅108 m/s). 42 CAPÍTULO 2 A partir da diferença de massa mencionada acima, pode-se calcular a energia de ligação por núcleon. Existem vários modelos propostos para explicar a estabilidade do nú- cleo e a natureza das forças nucleares. Um destes modelos foi proposto por Bohr em 1936 e estabelece a analogia entre o núcleo dos átomos e uma gota de líquido (modelo da “gota líquida”). Segundo este modelo, os núcleons seriam mantidos unidos por uma espécie de tensão superficial. Atualmente, são conhecidas mais de 200 partículas elementares. Uma delas, os píons, foi descoberta pelo físico brasileiro Cesar Lattes. A tabela periódica Dimitri Ivanovich Mendeleyev (1834-1907) criou a tabela periódica dos elementos em 1 de março de 1869, aliás, em São Petersburgo (Leningrado), que utilizava o calendário Juliano, já era 17 de fevereiro de 1869. Naquela época, eram conhecidos apenas 63 elementos. Hoje são conhe- cidos 107 elementos, sendo 92 naturais. Ele preparou 63 cartões, um para cada elemento, nos quais ele colocou as propriedades físicas e químicas que ele julgou mais importantes. Depois de muito experimentar, ele conseguiu ordenar os cartões de acordo com as massas atômicas dos elementos e no arranjo obtido os elementos das colunas e linhas apresentavam suas proprie- dades ordenadas de maneira lógica. Hoje se sabe que as propriedades dos elementos são funções periódicas de seus números atômicos. A grande contribuição da tabela periódica de Mendeleyev para a quími- ca foi a sua habilidade em prever a posição de elementos desconhecidos, para os quais ele deixou posições vagas na sua tabela. Em 1864, John Newlands também já tinha mostrado a periodicidade dos elementos, mas seu artigo foi recusado pela “London Chemical Society”. Um dos membros dessa sociedade científica chegou afirmar que a ordem alfabética era mais lógica que a tabela proposta por Newlands. Para convencer o mundo científico do valor da sua tabela, Mendeleyev previu teoricamente as propriedades de elementos desconhecidos, interpolan- do os valores das propriedades dos 4 vizinhos da lacuna. As suas previsões foram sendo confirmadas e a tabela adquiriu rapidamente grande respeitabili- dade. Com o auxílio da tabela periódica, o estudo da química torna-se muito mais sistemático. A organização da tabela periódica está relacionada com a O ÁTOMO 43 As Ligações Atômicas Introdução histórica Os átomos raramente podem ser encontrados isoladamente. As ligações químicas unem os átomos, porém nem todos os átomos conseguem formar ligações. Dois átomos de um gás nobre (grupo O ou 18 ou ainda 8A da tabela periódica) exercem entre si uma atração mútua tão fraca que não conseguem formar uma molécula. Por outro lado, a maioria dos átomos forma ligações fortes com átomos da própria espécie e com outros tipos de átomos. Historicamente, a propriedade dos átomos de formar ligações foi des- crita como sendo a sua valência. Este conceito é pouco utilizado atualmente. Hoje ele é mais utilizado como adjetivo, por exemplo, elétron de valência ou camada de valência. Quando o conceito de valência foi introduzido não se tinha o conhecimen- to de elétrons, prótons e nêutrons. O descobrimento do elétron em 1897, possibi- litou o desenvolvimento das teorias de valência e das ligações químicas. No início deste século, embora a química estivesse relativamente bem desenvolvida e várias dezenas de elementos químicos fossem conhecidos, os livros de química não tratavam das ligações químicas, ou seja, elas não tinham sido ainda propostas, embora o conceito de valência tivesse sido introduzido em 1857 pelo químico alemão Friedrich August Kekulé von Stra- donitz (1829-1896). Em 1901-1902, o químico norte-americano Gilbert Newton Lewis (1875-1946) tentou explicar a tabela periódica em termos de distribuição eletrônica. O primeiro artigo que Lewis escreveu, onde representou os elé- trons por pontos, formando diagramas estruturais, foi publicado em 1916. O conhecimento mais detalhado da distribuição dos elétrons nos átomos só estaria disponível dez anos mais tarde, com o desenvolvimento da mecânica quântica. 3 47 Os tipos de ligações As ligações interatômicas podem ser classificadas quanto à suas intensi- dades em ligações primárias ou fortes e ligações secundárias ou fracas. As ligações primárias são cerca de dez vezes mais fortes que as ligações secundárias. As suas energias de ligação são da ordem de 100 kcal/mol (lembre-se que 1 cal = 4,184 J). As ligações primárias podem ser de três tipos: iônica, covalente e metálica. As ligações secundárias envolvem energias de ligação da ordem de apenas 10 kcal/mol. Embora existam alguns tipos de ligações fracas, elas são geralmente englobadas dentro da designação de ligações de van der Waals. A figura 3.1 apresenta a variação de energia com a distância para uma molécula diatômica. Quando os dois átomos estão muito distantes entre si, a interação inexiste, de modo que pode-se atribuir o valor zero para a energia de interação entre eles. À medida que R diminui, a estabilidade aumenta, principalmente, em virtude da atração entre o núcleo e os elétrons. Para distâncias menores que a de equilíbrio (Re), a forte repulsão entre os núcleos faz com que a curva suba rapidamente. Figura 3.1 — Diagrama de energia potencial para uma molécula diatômica. 48 CAPÍTULO 3 Ligação iônica Na ligação iônica um ou mais elétrons são transferidos de um átomo eletropositivo para outro mais eletronegativo. A ligação pode ser entendida como resultado da atração entre os íons negativo (ânion) e positivo (cátion). Em uma ligação iônica ideal ocorre uma transferência completa de carga eletrônica de um átomo para outro. Na figura 3.2 é apresentada uma tabela periódica contendo a eletronega- tividade dos elementos, conforme Linus Pauling. Quanto maior for a diferença de eletronegatividade entre dois elemen- tos, maior será o caráter iônico da ligação entre eles, conforme ilustra a figura 3.3. Os metais situados no lado esquerdo da tabela periódica tendem a perder seus elétrons de valência para os elementos não metálicos do lado direito da tabela. A figura 3.4 apresenta a formação do NaCl por meio de ligação iônica. A ligação iônica é encontrada na maioria dos sais e nos óxidos e sulfe- tos metálicos mais comuns. A simetria esférica dos orbitais do tipo s auxilia no caráter não direcional desta ligação. Figura 3.2 — A eletronegatividade dos elementos segundo Linus Pauling. AS LIGAÇÕES ATÔMICAS 49 Alguns compostos cerâmicos, tais como SiC e BN, têm caráter covalen- te predominante. Outro material que tem ligação covalente predominante é o diamante (carbono). Ligação metálica Os metais têm um, dois ou no máximo três elétrons de valência. Estes elétrons não estão ligados a um único átomo, mas estão mais ou menos livres para se movimentar por todo o metal. A figura 3.6 ilustra a ligação metálica entre átomos de sódio. Figura 3.5 — Formação da molécula de água por meio de ligação covalente. 52 CAPÍTULO 3 Os elétrons que não são de valência e o núcleo formam um “caroço” eletricamente positivo que é envolvido por uma “nuvem”, “mar” ou ainda “gás” de elétrons. Os elétrons da nuvem atuam como uma “cola” mantendo os caroços positivos unidos. A ligação metálica apresenta uma ampla faixa de energias de ligação que vão desde o mercúrio, com 68 kJ/mol e ponto de fusão –39°C, até o tungstênio, com 850 kJ/mol e ponto de fusão 3410°C. Figura 3.6 — Ligação metálica entre dois átomos de sódio. AS LIGAÇÕES ATÔMICAS 53 Ligações secundárias A denominação de ligação de van der Waals é utilizada como designa- ção geral para todos os tipos de ligações secundárias (fracas). Esta denomina- ção é uma homenagem ao físico holandês Johannes Diderik van der Waals (1837-1923), que em 1873 estudou a interação entre moléculas de gás e sua relação com a não validade da lei dos gases ideais (P ⋅ V = n ⋅ R ⋅ T ). A principal causa para a ocorrência de uma ligação de van der Waals é a polarização da molécula, existindo pelo menos quatro modalidades deste tipo de ligação: • atração entre dipolos permanentes;. • atração entre dipolos permanentes e dipolos induzidos; • forças de dispersão; • ligação ou “ponte” de hidrogênio. A atração entre dipolos permanentes é o que acontece no caso do HCl, que já foi mencionado no item referente à ligações covalentes. As forças de dispersão é que mantém unidos átomos de gases nobres. A natureza desses dipolos depende da posição dos elétrons em cada instante. O deslocamento de cargas elétricas necessário para produzir o dipolo é tempo- rário e aleatório. A figura 3.7 ilustra a ligação dipolar para o caso do gelo (água). Quando um ou mais átomos de hidrogênio estão ligados de forma cova- lente a átomos grandes, tais como oxigênio, nitrogênio ou flúor, estabelece-se um dipolo permanente de magnitude elevada. A coesão existente entre muitas cadeias poliméricas é fornecida por “pontes” de hidrogênio associadas à hidroxila (OH-) e outros radicais ou grupos. A figura 3.8 ilustra a ligação entre duas cadeias de PVC. Os materiais e os tipos de ligação Inicialmente é importante destacar que, geralmente, mais de um tipo de ligação atua em um material. Apesar disto, tentar-se-á estabelecer neste item relações entre os grupos de materiais (cerâmicos, poliméricos e metálicos) e os tipos de ligação. Os materiais cerâmicos, tais como óxido de alumínio, óxido de magné- sio e óxido de zircônio, apresentam caráter iônico predominante. Contudo, 54 CAPÍTULO 3 ligação metálica. Por exemplo, o sódio, o potássio, o cobre, a prata e o ouro têm caráter metálico muito forte. Eles apresentam condutividades elétrica e térmica muito altas. Já os metais de transição, que apresentam elevado núme- ro de elétrons de valência nos seus átomos, tais como níquel, ferro, tungstê- nio e vanádio, apresentam uma parcela apreciável de ligações covalentes. Isto explica as suas piores condutividades térmica e elétrica, assim como suas maiores resistências mecânicas e mais altos pontos de fusão, pois nesses casos a ligação metálica é reforçada pela ligação covalente. Os materiais semicondutores, tais como germânio, silício e selênio apresentam caráter covalente predominante com relação ao metálico. A figura 3.9 apresenta esquematicamente os tipos de ligação estudados neste capítulo. Exercícios 1. Quais os tipos de ligações químicas existentes nos materiais metálicos, cerâmicos e poliméricos? 2. Relacione o ponto de fusão de um material com a sua energia de ligação. 3. Por que o diamante tem alto ponto de fusão enquanto o ponto de fusão do polietileno é muito mais baixo? (Os dois materiais apresentam ligações cova- lentes fortes!). 4. Por que o diamante é duro e o polietileno é mole? 5. Por que o diamante é frágil e o polietileno é maleável? 6. Por que os sólidos iônicos são freqüentemente frágeis enquanto os metais são maleáveis? 7. Relacione o módulo de elasticidade de um material com a sua energia de ligação. 8. Por que a luz não atravessa uma chapa fina de metal? 9. Consulte seus livros de química e procure esclarecer a seguinte afirmação encontrada no livro de Mahan & Myers: os compostos de gases nobres for- mados pelo xenônio em combinação com flúor e oxigênio ilustram a recente conclusão de que os gases nobres, anteriormente considerados inertes, po- dem formar ligações químicas razoavelmente fortes. AS LIGAÇÕES ATÔMICAS 57 Bibliografia consultada MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO; A estrutura dos materiais. Editora da UNICAMP, Campinas, 1987. BRUCE M. MAHAN e ROLLIE J. MYERS; Química: Um curso universitário, 4a edição, Editora Edgard Blücher Ltda, São Paulo, 1993. RAYMOND A. HIGGINS; Propriedades e estruturas dos materiais em engenharia, Editora DIFEL, São Paulo, 1982. ERHARD HORNBOGEN; Werkstoffe, fünfte Auflage, Springer-Verlag, Berlin, 1991. GERHARD ONDRACEK; Werkstoffkunde, VDE-Verlag, Berlin, 1979. AUDREY L. COMPANION; Ligação química, Editora Edgard Blücher Ltda, São Paulo, 1970. 58 CAPÍTULO 3 Estrutura Cristalina A palavra estrutura vem do latim structura, derivada do verbo struere, construir. No sentido mais geral, ela significa organização das partes ou dos elementos que formam um todo. A suspeita de que as formas externas de um cristal poderiam estar relacionadas com sua ordem interna é relativamente antiga. Robert Hooke (1635-1703), no seu livro Micrographia publicado em 1665, foi um dos primeiros a estabelecer relações entre a forma externa de um cristal e sua estrutura interna. Em 1784, o francês René Just Haüy (1743-1822) deu um passo além e propôs, no seu livro Essai d’une théorie sur la structure des cristaux, que os cristais poderiam ser entendidos como um empacotamento de unidades rom- boédricas que ele denominou “molécules intégrantes”. A evidência experimental inequívoca da existência de estrutura cristali- na nos cristais só aconteceu em 1912 com a difração de raios x, conforme será discutido em capítulo posterior. Um cristal é geralmente definido como um sólido com seus átomos arranjados em um reticulado periódico tridimensional. Idealmente, o arranjo mais estável dos átomos em um cristal será aquele que minimiza a energia livre por unidade de volume ou, em outras palavras, aquele que: • preserva a neutralidade elétrica; • satisfaz o caráter direcional das ligações covalentes; • minimiza as repulsões íon-íon e, além disto, • agrupa os átomos o mais compactamente possível. A grande maioria dos sólidos é cristalina. Os cristais encontrados na natureza tiveram um crescimento muito lento ao longo dos processos geoló- gicos e são geralmente muito maiores que os produzidos sinteticamente. 4 59 Cúbico de Corpo Centrado (I) Cúbico de Faces Centradas (F) Monoclínico Simples (P) Tetragonal de Corpo Centrado (I) Ortorrômbico Simples (P) Ortorrômbico de Corpo Centrado (I) Cúbico Simples (P) Ortorrômbico de Faces Centradas (F) Romboédrico (R) Hexagonal (P) Tetragonal Simples (P) Monoclínico de Base Centrada (C) Triclínico (P) Ortorrômbico de Base Centrada (C) Figura 4.2 — Os 14 reticulados de Bravais. 62 CAPÍTULO 4 Os reticulados da figura 4.2 podem ser classificados em 5 tipos: primiti- vos (P), de corpo centrado (I), de faces centradas (F), de bases centradas (C) e o romboédrico (R). Os reticulados primitivos apresentam pontos reticulares apenas nos vértices da célula. Os reticulados de corpo centrado apresentam pontos reticulares no interior da célula. A designação I, neste caso, tem origem na língua alemã (“innenzentrierte”). Os reticulados do tipo F apresen- tam pontos reticulares no centro das suas faces. A designação C para os reticulados de base centrada se deve ao fato de que eles apresentam pontos reticulares nas faces perpendiculares ao eixo c. Os diferentes tamanhos e formas dos reticulados da figura 4.2 podem ser descritos em termos de até 3 parâmetros de reticulado ou de rede (a, b, c) e de até 3 ângulos (α, β, γ). A tabela 4.1 apresenta os parâmetros de rede e os ângulos característicos para cada um do 7 sistemas de Bravais. Tabela 4.1 — Parâmetros de rede e ângulos dos 7 sistemas de Bravais Sistema Parâmetros de rede Ângulos cúbico a = b = c α = β = γ = 90° tetragonal a = b ≠ c α = β = γ = 90° ortorrômbico a ≠ b ≠ c α = β = γ = 90° romboédrico a = b = c α ≠ β ≠ γ ≠ 90° hexagonal a = b ≠ c α = β = 90°; γ = 120° monoclínico a ≠ b ≠ c α = γ = 90°; β > 90° triclínico a ≠ b ≠ c α ≠ β ≠ γ ≠ 90° Os cristais metálicos Os átomos metálicos podem ser considerados esferas rígidas e disto decorre a grande propensão que eles têm à cristalização. A sua grande maio- ria se cristaliza com estruturas cristalinas muito simples, conforme ilustra a tabela 4.2. Existem também vários casos de metais com estruturas mais com- plexas. Um exemplo é o urânio , que apresenta estrutura ortorrômbica. Um outro extremo é o caso do polônio α, que se cristaliza com estrutura cúbica simples. ESTRUTURA CRISTALINA 63 Tabela 4.2 — Estrutura cristalina dos principais metais puros. Estrutura Metal CFC Ag, Al, Au, Ca, Co-β, Cu, Fe-γ, Ni, Pb, Pd, Pt, Rh, Sr HC Be, Cd, Co-α, Hf-α, Mg, Os, Re, Ru, Ti-α, Y, Zn, Zr-α CCC Ba, Cr, Cs, Fe-α, Fe-δ, Hf-β, K, Li, Mo, Na, Nb, Rb, Ta, Ti-β, V, W, Zr-β Vários elementos apresentam no estado sólido diferentes estruturas cristalinas. A denominação para isto é alotropia. Quando o sólido é uma substância composta, a denominação habitualmente usada é polimorfismo. Estas mudanças de estruturas geralmente ocorrem em função de variações de temperatura e pressão. Elas causam variações de volume de alguns porcentos, isto é, muito altas para serem acomodadas elasticamente em um sólido crista- lino. Em outras palavras, estas transformações acarretam deformação plástica (permanente). A figura 4.3 apresenta as células unitárias cúbica de faces centradas (a) e cúbica de corpo centrado (b), supondo-se serem os átomos esferas rígidas. Se os parâmetros de rede (a) das duas estruturas da figura 4.3 forem conhecidos, isto é, determinados experimentalmente (vide Capítulo VI), pode-se definir e determinar o raio dos átomos (r) ou raio atômico. Figura 4.3 — Células unitárias, supondo-se serem os átomos esferas rígi- das: a) cúbica de faces centradas e b) cúbica de corpo centrado. 64 CAPÍTULO 4 Os cristais iônicos A ligação predominante na maioria dos materiais cerâmicos é a iônica. Suas estruturas cristalinas são compostas de íons ao invés de átomos eletrica- mente neutros, como no caso dos metais. Portanto, nos materiais cerâmicos iônicos, além do tamanho relativo dos cátions e ânions, deve-se ter neutrali- dade elétrica. Figura 4.5 — Cristal com estrutura CFC: a) arranjo dos átomos no reticulado; b) e c) seqüência de empilhamento dos planos de máxima densidade atômica. ESTRUTURA CRISTALINA 67 Os cátions, geralmente metais que cedem elétrons, são habitualmente menores que os ânions. A tabela 4.3 apresenta uma coletânea de raios iôni- cos. Os cristais iônicos são geralmente mais complexos que os cristais metá- licos. Os materiais cerâmicos iônicos são compostos por elementos metálicos e não metálicos, havendo freqüentemente vários átomos (íons) presentes. Estruturas cerâmicas estáveis são formadas quando os ânions que envol- vem os cátions estão em contato entre si. O número de coordenação, que neste caso é o número de ânions envolvendo um cátion, depende da relação entre o raio iônico do cátion (rc) e o raio iônico do ânion (ra); rc/ra. A tabela 4.3 relaciona o número de coordenação com a relação entre os raios dos cátions e dos ânions. Tabela 4.3 — Raio iônico de alguns cátions e ânions, (segundo W.D.Callister, Jr.). Cátion Raio iônico (nm) Ânion Raio iônico (nm) Al3+ 0,053 Br- 0,196 Ba2+ 0,136 Cl- 0,181 Ca2+ 0,100 F- 0,133 Cs+ 0,170 I- 0,220 Fe2+ 0,077 O2- 0,140 Fe3+ 0,069 S2- 0,184 K+ 0,138 N3- 0,171 Mg2+ 0,072 P3- 0,212 Mn2+ 0,067 Na+ 0,102 Ni2+ 0,069 Si4+ 0,040 Ti4+ 0,061 68 CAPÍTULO 4 Tabela 4.4 — Dependência do número de coordenação com a relação rc/ra. Número de coordenação rc/ra 2 < 0,155 3 0,155-0,225 4 0,255-0,414 8 0,732-1,0 12 > 1 Em seguida, serão apresentados alguns exemplos de cristais iônicos. O primeiro exemplo que será apresentado (vide figura 4.6) e discutido é o do cloreto de césio (CsCl). Tomando-se os valores dos raios iônicos do Cs+ (0,170 nm) e do Cl- (0,181 nm) da tabela 4.3 obtém-se para a relação rc/ra o valor 0,94. De acordo com a tabela 4.4, o número de coordenação esperado é 8. Deve-se acentuar que a estrutura mostrada na figura 4.6 é cúbica sim- ples e não cúbica de corpo centrado, pois a estrutura é neste caso definida pelos ânions. Algumas fases intermetálicas, tais como NiAl e latão β (Cu-Zn) também se cristalizam com esta estrutura. Neste caso ela é considerada CCC. Figura 4.6 — Célula unitária cúbica simples do cloreto de césio (CsCl). ESTRUTURA CRISTALINA 69 Figura 4.9 — Estrutura cúbica do diamante. Figura 4.10 — Célula unitária cúbica de faces centradas do β - SiC. 72 CAPÍTULO 4 As regiões cristalinas dos termoplásticos também são constituídas de cristais covalentes. A figura 4.11 apresenta a estrutura ortorrômbica do polie- tileno. Note que cada posição do reticulado é ocupada por vários átomos. Os quase-cristais Em meados da década de 1980, alguns pesquisadores observaram figu- ras de difração de elétrons com simetria icosagonal, ao analisar no microscó- pio eletrônico de transmissão, ligas alumínio-manganês resfriadas ultra-rapi- damente a partir do estado líquido. Estas figuras de difração causaram grande sensação no meio científico, pois este tipo de simetria não pode ser justificado com nenhum dos 14 reticu- lados de Bravais. Estudos mais detalhados mostraram que na verdade a figura de difração obtida pode ser explicada supondo-se que os átomos estão deslo- cados, com relação a uma estrutura cristalina “perfeita”, em uma condição de organização no espaço, intermediária entre um cristal e um sólido amorfo. Materiais nesta condição são atualmente denominados quase-cristais (vide figura 4.12). Figura 4.11 — Estrutura ortorrômbica do polietileno. ESTRUTURA CRISTALINA 73 Exercícios 1. Justifique as seguintes afirmações: a) os metais têm pequena propensão para formarem sólidos amorfos ao se solidificarem; b) os metais apresentam diminuição de volume (contração) ao se solidifica- rem; c) alguns semi-metais apresentam aumento de volume ao se solidificarem. 2. Qual o número de coordenação para metais com as estruturas CCC, CFC e HC? 3. Determine o fator de empacotamento para metais com as estruturas CS, CCC, CFC e HC. 4. Compare e justifique os valores do número de coordenação e do fator de empacotamento obtidos para as estruturas CFC e HC dos exercícios acima. 5. A estrutura CFC de um metal apresenta interstícios octaédricos e interstí- cios tetraédricos: a) localize-os na célula unitária; b) se os átomos metálicos têm raio atômico R, calcule o raio r dos vazios tetraédricos em função de R; c) faça o mesmo para os vazios octaédricos. Figura 4.12 — Arranjo dos átomos em um quase-cristal (esquemático). 74 CAPÍTULO 4 Direções e Planos Cristalográficos No capítulo anterior foram apresentados diversos tipos de materiais cristalinos. Ao estudá-los é freqüentemente necessário especificar determina- das direções e determinados planos cristalinos. Para esta finalidade é utiliza- do um sistema proposto por William Hallowes Miller (1801-1880). Em 1839, Miller publicou o seu livro A Treatise on Crystallography, no qual ele propu- nha um novo sistema de indexação de direções e planos. O sistema proposto apresentava algumas vantagens algébricas, que foram reconhecidas pelos seus contemporâneos. Só mais tarde, depois da interpretação da difração de raios x pelos Bragg e outros, é que toda a potencialidade do sistema de índices proposto por Miller tornou-se evidente. É interessante mencionar que os índices de Miller foram propostos antes dos sistemas de Bravais. Índices de Miller: direções cristalográficas Uma direção cristalográfica é definida como sendo uma linha entre dois pontos, ou um vetor. As seguintes etapas devem ser seguidas para se determi- nar os índices de Miller referentes à uma direção cristalográfica: • O vetor deve passar pela origem do sistema (um vetor pode sofrer translação e manter-se inalterado desde que o paralelismo seja observa- do); • Determina-se a projeção do vetor em cada um dos três eixos. Elas são medidas em termos dos parâmetros a, b e c da célula unitária; • Estes números são multiplicados e divididos por fatores comuns e redu- zidos a mínimos inteiros; • Os três índices (números inteiros) são apresentados dentro de colchetes e não são separados por vírgulas, por exemplo [u v w]. 5 77 x y z Projeção a/2 b 0c Projeção em termos de a, b, c 1/2 1 0 Redução a mínimos inteiros 1 2 0 Notação [120] Na figura 5.1 é apresentado um exemplo de indexação de uma direção cristalográfica. Em seguida serão feitas algumas observações relevantes referentes aos índices de Miller para direções cristalográficas. Os índices negativos são representados por uma barra superior: [110]. A troca de sinal de todos os índices inverte o sentido do vetor. Para algumas estruturas, várias direções não paralelas e com índices diferentes apresentam arranjos atômicos idênticos. Estas direções são deno- minadas equivalentes. Por exemplo, no sistema cúbico, as direções [100], [100], [010], [010], [001] e [001] são equivalentes. Já no sistema tetragonal as direções [100] e [010] são equivalentes mas as direções [100] e [001] não são equivalentes. Uma família de direções é representada por <100>. Figura 5.1 — Exemplo de indexação de uma direção cristalográfica no sistema proposto por Miller. 78 CAPÍTULO 5 Índices de Miller: planos cristalográficos As seguintes etapas devem ser seguidas para se determinar os índices de Miller referentes a um plano cristalográfico: • Determina-se os interceptos dos planos com os eixos em termos dos parâmetros a, b e c da célula unitária. Caso o plano passe pela origem, é necessária uma translação ou a fixação de uma nova origem. • Tomam-se os recíprocos dos interceptos. Caso o plano seja paralelo ao eixo (ou aos eixos), considera-se o intercepto infinito. Neste caso, o recíproco é zero. x y z Interceptos a b/2 c Interceptos em termos de a, b, c 1 1/2 1 Recíprocos 1 2 1 Recíprocos reduzidos 1 2 1 Notação (121) Figura 5.2 — Exemplo de indexação de um plano cristalográfico no sistema proposto por Miller. DIREÇÕES E PLANOS CRISTALOGRÁFICOS 79 Distâncias e ângulos entre planos A tabela 5.1 apresenta as relações entre o espaçamento interplanar (d), os parâmetros de reticulado (a, b, c), os ângulos entre planos (α, β, γ) e os planos (h k l). Tabela 5.1 — Relações entre o espaçamento interplanar (d ), os parâmetros de reticulado (a, b,c), os ângulos entre planos (α, β, γ) e os planos (h k l ). Cúbico: 1 d2 = h2 + k2 + l2 a2 Tetragonal: 1 d2 = h2 + k2 a2 + l 2 c2 Hexagonal: 1 d2 = 4 3    h2 + hk + k2 a2    + l 2 c2 Romboédrico: 1 d2 = (h2 + k2 + l2)sen2α + 2(hk + kl + hl)(cos2α − cos2α) a2(1 − 3cos2α + 2cos3α) Ortorrômbico: 1 d2 = h 2 a2 + k 2 b2 + l 2 c2 Monoclínico: 1 d2 = 1 sen2β    h2 a2 + k2sen2β b2 + l 2 c2 − 2hlcosβ ac    Triclínico: 1 d2 = 1 V2 (S11h2 + S22k2 + S33l2 + 2S12hk + 2S23kl + 2S13hl) Na equação para cristais triclínicos: S11 = b2c2 sen2α, S22 = a2c2 sen2β, S33 = a2b2 sen2γ, S12 = abc2 (cosα cosβ − cosγ), 82 CAPÍTULO 5 S23 = a2bc (cosβ cosγ − cosα), S13 = ab2c (cosγ cosα − cosβ). O ângulo φ entre dois planos cristalinos pode ser determinado com auxílio das equações da tabela 5.2. Tabela 5.2 — Ângulo φ entre planos cristalinos nos diversos sistemas. Cúbico: cosφ = h1h2 + k1k2 + l1l2 √(h12 + k12 + l12)(h22 + k22 + l22) Tetragonal: cosφ = h1h2 + k1k2 a2 + l1l2 c2 √  h1 2 + k12 a2 + l1 2 c2       h2 2 + k22 a2 + l2 2 c2    Hexagonal: cosφ = h1h2 + k1k2 + 1⁄2(h1k2 + h2k1) + 3a 2⁄4c2 l1l2 √h1 2 + k12 + h1k1 + 3a2 4c2 l1 2  h2 2 + k22 + h2k2 + 3a2 4c2 l2 2 Romboédrico: cosφ = a4d1d2 V2 [sen2α(h1h2 + k1k2 + l1l2) + (cos2α − cosα)(k1l2 + k2l1 + l1h2 + l2h1 + h1k2 + h2k1)] Ortorrômbico: cosφ = h1h2 a2 + k1k2 b2 + l1l2 c2 √  h1 2 a2 + k1 2 b2 + l1 2 c2       h2 2 a2 + k2 2 b2 + l2 2 c2    Monoclínico: cosφ = d1d2 sen2β    h1h2 a2 + k1k2sen 2β b2 + l1l2 c2 − (l1h2 + l2h1)cosβ ac    DIREÇÕES E PLANOS CRISTALOGRÁFICOS 83 Triclínico: cosφ = d1d2 V2 [S11h1h2 + S22k1k2 + S33l1l2 + S239k1l2 + k2l1) + S13(l1h2 + l2h1) + S12(h1k2 + h2k1)] Índices de Miller-Bravais: direções cristalográficas No sistema hexagonal, algumas direções cristalográficas equivalentes não têm os mesmos índices de Miller. Este problema é contornado utilizan- do-se um sistema de quatro eixos, denominado sistema de Miller-Bravais. Neste sistema, três eixos (a1, a2 e a3) estão contidos no plano basal e fazem ângulos de 120° entre si. O quarto eixo (z ou c) é perpendicular ao plano basal (vide figura 5.5). Uma determinada direção cristalográfica representada pelos índices de Miller [u′ v′ w′] pode ser convertida para o sistema de Miller-Bravais com índices [u v t w] com auxílio das seguintes equações: u = 1⁄3 (2u′ − v′) ⋅ n v = 1⁄3 (2v′ − u′) ⋅ n t = −(u + v) Figura 5.5 — Sistema de coordenadas para cristais hexagonais, segundo Miller-Bravais. 84 CAPÍTULO 5 3. Em um cristal tetragonal encontre direções equivalentes para: a) [001] b) [110] 4. Desenhe em uma célula cúbica as seguintes direções: [100]; [001]; [110]; [111]; [110] e [210]. 5. Desenhe em uma célula cúbica os seguintes planos cristalográficos: (100); (001); (110); (111); (110) e (210). 6 O chamado tetraedro de Thompson é formado por quatro planos {111} da estrutura CFC. Identifique em uma célula cúbica cada um destes planos pelos seus índices de Miller. Identifique também as seis arestas do tetraedro por meio de índices de Miller. 7. Calcule a fração de área ocupada por átomos (denominada densidade planar por alguns autores) para os planos {100}, {110} e {111} da estrutura CFC. 8. Calcule a densidade planar para os planos {100}, {110} e {111} da estru- tura CCC. 9. Mostre que os planos (110), (121) e (312) pertencem à zona de eixo [111]. 10. Represente em células unitárias hexagonais as seguintes direções cristalo- gráficas: [0001]; [1100]; [1120]; [1012]; [1011] e [1121]. 11. Represente em células unitárias hexagonais os seguintes planos cristalo- gráficos: (0001); (1011); (1010); (1121); (1122); (1120); (1012) e (1011). 12. A direção [1120] é normal ao plano (1120). Entretanto, a direção [1012] não é perpendicular ao plano (1012). Mostre isto geometricamente em uma célula hexagonal. 13. Calcule o espaçamento entre os planos (111) do níquel. O níquel tem estrutura CFC e seu parâmetro de rede é 3,5239 Å. 14. Na temperatura ambiente, o urânio tem estrutura ortorrômbica com parâ- metros de rede a = 2,8538 Å, b = 5,8697 e c = 4,9550. Calcule o espaçamen- to entre os planos (111) do urânio. 15. Na temperatura ambiente, o titânio tem estrutura HC com parâmetros de rede a = 2,9512 Å e c = 4,6845 Å. Calcule o ângulo entre o plano basal e o plano piramidal (1011). 16. Na tabela de ângulos entre planos do sistema cúbico seguinte existe um erro. Descubra-o. DIREÇÕES E PLANOS CRISTALOGRÁFICOS 87 (h1k1l1) (h2k2l2) φ (100) (111) 54,74 (110) (111) 35,26 (111) (111) 70,53 (110) (100) 60,0 (310) (131) 90,0 Bibliografia consultada WILLIAM D. CALLISTER, Jr.; Materials science and engineering, Third edition, John Wiley, New York, 1994. B.D. CULLITY; Elements of x-ray diffraction, 2nd edition, Addison-Wesley, Rea- ding,Mass., 1978. CHRISTOPHER HAMMOND; Introduction to crystallography, Revised edition, Oxford University Press, Oxford, 1992. 88 CAPÍTULO 5 Determinação da Estrutura Cristalina A estrutura cristalina dos materiais pode ser determinada por métodos de difração. Os principais métodos são: difração de raios x, difração de elétrons e difração de nêutrons. Estes métodos fornecem informações sobre a natureza e os parâmetros do reticulado, assim como detalhes a respeito do tamanho, da perfeição e da orientação dos cristais. Dentre os métodos acima mencionados, o mais utilizado é a difração de raios x. A difração de elétrons é hoje em dia realizada quase que exclusivamente em conjunção com a microscopia eletrônica de transmissão. A difração de nêutrons exige uma fonte de nêutrons de alta intensidade, que é fornecida quase que exclusiva- mente por um reator nuclear de pesquisas, sendo que sua disponibilidade é relativamente restrita. Por exemplo, o único difratômetro de nêutrons do Brasil funciona no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), no campus da USP, desde 1970. Os difratômetros de raios x e as câmaras de Debye-Scherrer são equipamentos muito comuns nos laboratórios de ciência dos materiais. O descobrimento dos raios x Os raios x foram descobertos pelo físico Wilhelm Conrad Röntgen (1845-1923) na Universidade de Würzburg. A data provável do descobrimen- to é 8 de novembro de 1895. Röntgen foi laureado em 1901 com o primeiro prêmio Nobel de física. Ele trabalhava em 1895 com tubos de raios catódicos evacuados de Hittorf-Crookes (vide figura 6.1) e observou um novo tipo de radiação, que ele denominou raios x. Os raios recém descobertos tinham propriedades muito parecidas com as da luz: • propagavam-se em linhas retas; 6 89 Figura 6.3 — Espectros de raios x do molibdênio (alvo) para várias diferenças de potencial aplicadas (segundo B.D. Cullity). Figura 6.4 — Interação de elétrons com um átomo, ilustrando o aparecimento de raios x característicos deste átomo. 92 CAPÍTULO 6 Tabela 6.1 — Comprimentos de onda das radiações mais utilizadas em difração de raios x (em Å ). Elemento Kα* Kα2 (forte) Kα1 (muito forte) Kβ1 (fraca) Cr 2,29100 2,293606 2,28970 2,08487 Fe 1,937355 1,939980 1,936042 1,75661 Co 1,790260 1,792850 1,788965 1,62075 Cu 1,541838 1,544390 1,540562 1,392218 Mo 0,710730 0,713590 0,709300 0,632288 * Média ponderada entre Kα1 (peso 2) e Kα2 (peso 1). Breve histórico da difração de raios x Em 1900, Röntgen se transferiu para o Instituto de Física Experimental da Universidade de Munique, ocupando uma cátedra especialmente criada para ele. Em 1909, começa a trabalhar, como assistente não remunerado de Sommerfeld (Diretor do Instituto), o jovem recém doutorado Max von Laue (1879-1960). Ele tinha concluído sua tese de doutorado na Universidade de Berlim sob a orientação de Max Planck. Além de Röntgen, Sommerfeld e von Laue, trabalhavam no instituto vários pesquisadores interessados em cristais, difração e raios x. Dentre eles destacavam-se: Paul von Groth (1843- 1927), talvez o mais conceituado cristalógrafo da época; Peter Paul Ewald (1888-1985), que estava trabalhando na sua tese de doutorado sobre difração de ondas elétromagnéticas sob orientação de Sommerfeld; Walther Friedrich (1883-1971), assistente de Sommerfeld e Paul Knipping (1883-1935), que havia concluído recentemente sua tese de doutorado sob orientação de Röntgen. No final de janeiro de 1912, Ewald procurou von Laue para discutir sua tese de doutorado sobre aspectos teóricos da difração de radiação eletromag- nética por ressonadores arranjados tridimensionalmente de uma maneira pe- riódica. Esta conversa despertou em Max von Laue a seguinte idéia: se mui- tos sólidos são um arranjo periódico de átomos (cristais) e se os raios x são ondas eletromagnéticas com comprimento de onda comparável ao espaça- mento interatômico, quando um feixe de raios x incidir sobre um cristal deve, para determinadas condições, ocorrer interferência construtiva (difração). DETERMINAÇÃO DA ESTRUTURA CRISTALINA 93 Sommerfeld e Röntgen expressaram algumas dúvidas e pouco entusias- mo pela experiência proposta pelo jovem pesquisador. Max von Laue insistiu na sua realização e no dia 21 de abril de 1912, ajudado por Friedrich e Knipping, incidiu um feixe de raios x em um cristal de sulfato de cobre e registrou a figura de difração em uma chapa fotográfica. O artigo científico descrevendo a experiência foi publicado em junho de 1912. Por este trabalho, Max von Laue foi laureado com o prêmio Nobel de física em 1914. Max von Laue enviou uma cópia de seu artigo para William Henry Bragg (1862-1942) que trabalhava com raios x na Universidade de Leeds, na Inglaterra. Seu filho, William Lawrence Bragg (1890-1971) concluiu o curso de matemática na Universidade de Adelaide e depois cursou física na Univer- sidade de Cambridge, no mesmo laboratório dirigido por J. J. Thomson. Ele ficou excepcionalmente motivado pelo artigo de von Laue e começou a racio- cinar como se os raios x pudessem ser refletidos por planos de átomos. Com a colaboração de seu pai e utilizando um espectrômetro, ele determinou durante o verão de 1913 a estrutura de vários compostos tais como NaCl, KCl, CaF2, NaNO3 e CaCO3. Até então, as estruturas cristalinas de metais, já extensivamente utilizados, como o ferro e o cobre, eram desconhecidas. Os Bragg faziam parte de um grupo de pesquisadores de extraordinário talento, similar ao que pertencia Max von Laue, e que muito contribuiu na discussão dos seus resultados. Dentre os pesquisadores deste grupo destaca- vam-se: J. J. Thomson (1856-1940), C. T. R. Wilson (1869-1959), Ernest Rutherford (1871-1937, prêmio Nobel de física de 1908), Niels Bohr (1885- 1962, prêmio Nobel de física de 1922) e Charles G. Darwin (1887-1962), neto do autor da Origem das Espécies. A difração de raios x possibilitou o estudo de detalhes do reticulado cristalino, podendo medir variações de milésimos de Ângstroms e colocando à disposição de pesquisadores e engenheiros uma técnica poderosíssima. Os Braggs (pai e filho) foram laureados com o prêmio Nobel de física de 1915. A difração de raios x possibilitou a determinação de distâncias interatô- micas, ângulos de ligação e vários outros aspectos estruturais que tiveram importantes conseqüências no entendimento das ligações químicas. Este fato foi explicitamente reconhecido por Linus Pauling (1901-1992), que ganhou o prêmio Nobel de química em 1954 por suas pesquisas sobre ligações químicas: I consider my entry into the field of x-ray crystallography, nine years after it had been developed, to be just about the most fortunate accident that I have experienced in my life. Pauling também foi laureado com o prêmio Nobel da paz em 1962. 94 CAPÍTULO 6 ângulos com velocidade constante ou ser posicionado manualmente em uma posição desejada. A intensidade do feixe difratado é medida pelo detector, o qual pode ser um contador proporcional, um Geiger, um detector do tipo cintilação ou ainda um detector de estado sólido (semicondutor). A amostra deve ter uma superfície plana. No caso de pós, deve-se utilizar um aglome- rante amorfo. A área da amostra iluminada pelo feixe tem em geral um diâmetro médio de aproximadamente 8 mm. A espessura da amostra, deter- minada pela penetração do feixe difratado, é muito pequena. Por exemplo, se examinarmos em um difratômetro, uma amostra de aço com radiação Cu Kα, 95% da intensidade do pico mais intenso da ferrita, provém dos primeiros 2 µm de profundidade. Este exemplo evidência que a superfície da amostra deve, tanto quanto possível, estar livre de tensões. A figura 6.7 apresenta difratogramas típicos de um material policristali- no, de um líquido ou sólido amorfo e de um gás. A câmara de Debye-Scherrer é uma das técnicas de difração de raios x mais empregada na análise de policristais. A amostra é utilizada normalmente na forma de pó. Neste caso, cerca de poucos miligramas de um pó fino já são Figura 6.6 — Difratômetro (goniômetro) esquemático de raios x (segundo B.D. Cullity). DETERMINAÇÃO DA ESTRUTURA CRISTALINA 97 suficientes para a preparação de uma amostra. Arames muito finos, com tamanho de grão pequeno, também podem ser utilizados. No caso da câmara de Debye-Scherrer, um feixe de radiação monocro- mática incide na amostra, a qual contém numerosos cristais (grãos) orienta- dos ao acaso. A amostra na forma de pó é confinada dentro de um pequeno tubo de vidro com paredes muito finas e sofrem movimento de rotação acio- nada por um motor. Cada conjunto de planos cristalinos dá origem a um cone Figura 6.7 — Difratogramas típicos e esquemático de alguns materiais (segundo B.D. Cullity). 98 CAPÍTULO 6 de difração. Estes cones interceptam e impressionam um filme, colocado ao redor da superfície interna da câmara, que tem um formato que lembra o de uma lata de goiabada. A figura 6.8 mostra o esquema de uma câmara de Debye-Scherrer. A medição do filme é feita em um negatoscópio contendo cursores e escalas de medição. A utilização de padrões internos, misturados com a amostra, possibilita a correção de erros devidos à dilatação do filme durante o processamento do mesmo. As intensidades dos máximos de difração podem ser determinadas utilizando-se um microdensitômetro. Figura 6.8 — Esquema de uma câmara de Debye-Scherrer (segundo B.D. Cullity). DETERMINAÇÃO DA ESTRUTURA CRISTALINA 99
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