Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

SOCIOLOGIA Itamar Faria FACOMP-rev, Notas de estudo de Publicidade e Propaganda

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 12/03/2012

adriellen-silva-4
adriellen-silva-4 🇧🇷

5

(1)

1 documento

1 / 261

Documentos relacionados


Pré-visualização parcial do texto

Baixe SOCIOLOGIA Itamar Faria FACOMP-rev e outras Notas de estudo em PDF para Publicidade e Propaganda, somente na Docsity! SOCIOLOGIA FACOMP Sociologia / vários autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006. – 266 p. ISBN: 85-85380-41-1 Instituições sociais. 6. Cultura. 7. Trabalho. 8. Ideologia. 9. Movimentos sociais. I. Folhas. CDU 316+373.5 1. Sociologia. 2. Ensino Geral. 3. Ensino de sociologia. 4. Teorias sociológicas. 5. II. Material de apoio pedagógico. III. Material de apoio teórico. I Ensino Médio Apresentação Conteúdo Estruturante: O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Apresentação ............................................................................10 Introdução .................................................................................12 1 – O surgimento da Sociologia ...........................................................17 2 – As teorias sociológicas na compreensão do presente .........................31 3 – A produção sociológica brasileira ...................................................49 Conteúdo Estruturante: O Processo de Socialização e as Instituições Sociais Introdução .................................................................................62 4 – A Instituição Escolar ....................................................................67 5 – A Instituição Religiosa ..................................................................83 6 – A Instituição Familiar .....................................................................99 Sumário Sociologia Conteúdo Estruturante: Cultura e Indústria Cultural Introdução ...............................................................................118 7 – Diversidade Cultural Brasileira ......................................................123 8 – Cultura: criação ou apropriação? ..................................................143 Conteúdo Estruturante: Trabalho, Produção e Classes Sociais Introdução ...............................................................................158 9 – O processo de trabalho e a desigualdade social ..............................161 10 – Globalização .............................................................................171 Conteúdo Estruturante: Poder, Política e Ideologia Introdução ...............................................................................188 11 – Ideologia .................................................................................191 12 – Formação do Estado Moderno .....................................................207 Conteúdo Estruturante: Direito, Cidadania e Movimentos Sociais Introdução ...............................................................................216 13 – Movimentos Sociais ..................................................................221 14 – Movimentos Agrários no Brasil ............................................. 235 15 – Movimento Estudantil ...................................................251 10 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Apresentação Compreender as características das sociedades capitalistas tem sido a preocupação da Sociologia desde o início da sua consolidação co- mo ciência da sociedade no final do século XIX. Nesse período, o ca- pitalismo se configurava como uma nova forma de organização da so- ciedade caracterizada por novas relações de trabalho. Essas mudanças levaram os pensadores da sociedade da época a indagações e à elabo- ração de teorias explicativas dessa dinâmica social, sob diferentes olha- res e posicionamentos políticos. Desde então, essa tem sido a principal preocupação dessa ciência, qual seja, entender, explicar e questionar os mecanismos de produção, organização, domínio, controle e poder, institucionalizados ou não, que resultam em relações sociais de maior ou menor exploração ou igualdade. A sociedade globalizada assumiu tamanha complexidade e mostra- se por meios de tão diversas faces que tornou-se impossível à ciência sociológica, ou mesmo à qualquer outra ciência, responder ou expli- car a toda problemática social que se apresenta hoje, sem correr o ris- co de cair em simplificações banais. É preciso termos humildade para perceber que a amplitude das trans- formações sociais, políticas, culturais, econômicas e ecológicas que a so- ciedade e o planeta estão vivendo, não nos permite explicações estreitas ou sectárias, com pretensões de apropriar-se da verdade. Por outro lado, pensamos que a complexidade e a amplitude que caracterizam as sociedades contemporâneas, também não devem nos intimidar ou amedrontar, mas sim, nos desafiar para o estudo, para a pesquisa e para uma melhor compreensão e atuação política no mun- do em que vivemos. z A p r e s e n t a ç ã o 13 Sociologia — Por que os negros são a maioria pobre do país? — Por que o homem moderno cada vez mais se faz prisioneiro do trabalho? — Apesar de tanta riqueza produzida pelo trabalho no sistema ca- pitalista, por que se tem, em boa parte dos países, a maioria dos traba- lhadores em situação de pobreza? Ora. Talvez você consiga dar boas respostas às perguntas acima, apontando, inclusive, as origens dos problemas questionados, o que seria muito desafiador e necessário. Mas, talvez outros, não tendo ar- gumentos para dar boas respostas, diriam: “Bom, eu acho que...”. Mas sabe... com certeza você já ouviu a frase: “Quem acha, pode não saber muita coisa”, não é mesmo? Pois bem. O que estamos propondo aqui é que todos podemos ir além do que já sabemos, ou “achamos” saber, sobre nossa sociedade. E o papel da Sociologia como disciplina é justamente nos ajudar nesse sentido: a percebermos, por exemplo, que fatos considerados naturais na sociedade, como a miséria de muitos, o enriquecimento de poucos, os crimes, os suicídios, enfim, a dinâmica e a organização so- cial podem não ser tão naturais assim, como o Sol que a cada manhã “nasce” naturalmente. Os questionamentos apresentados acima, dentre outros, poderão ser melhor esclarecidos pelas teorias, ou seja, “lentes” teóricas socioló- gicas que nos ajudarão a ver nossa sociedade de maneira muito mais crítica e com base científica. S O C I O L O G I A Introdução 14 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Portanto, neste trabalho composto de três “Folhas”, queremos fo- car dois aspectos fundamentais da Sociologia. O primeiro deles, seria uma espécie de apresentação, isto é, mostrar como é que essa ciência foi sendo constituída e se estabelecendo como tal. Sobre este primeiro aspecto, construímos um “Folhas” que nos mostra- rá os acontecimentos, as transformações sociais e científicas que ocorriam no mundo quando a Sociologia começou a ser constituída como uma ci- ência, uma disciplina, um saber, uma forma de pensar o mundo. Para isso, recorreremos à História com a finalidade de descobrir- mos, além do contexto do surgimento da Sociologia, quem foram os precursores desta disciplina, como o filósofo Augusto Comte e o soció- logo Émile Durkheim, pensadores que empenharam-se em transformar a Sociologia em um saber científico. O segundo aspecto que trabalharemos aqui, representado nos “Fo- lhas” Dois e Três, focaliza algumas teorias da Sociologia que deram um “outro olhar” sobre o mundo, trazendo a compreensão de que a socie- dade é construída e acionada a partir das motivações e intenções dos homens, desmitificando a “naturalidade” de muitos fatos. No “Folhas” Dois, dos clássicos da Sociologia trabalharemos as teo- rias do francês Émile Durkheim, que apresenta uma visão funcionalista da sociedade: para este autor, por exemplo, um suicídio, aparentemen- te uma “loucura” individual, pode estar relacionado com a sociedade e a “partes dela que não estejam funcionando”. Max Weber será outro autor que veremos na continuidade deste mesmo “Folhas”. Este pensador empenhou-se em compreender a so- ciedade (por isso que a sua teoria é chamada de Sociologia Compreen- siva) a partir das pessoas que nela vivem, num enfoque micro social. Pelo conceito dos tipos ideais de ação que ele propõe, ao compreen- dermos as ações dos indivíduos, compreenderemos o macro social, enfim, a sociedade. I n t r o d u ç ã o 15 Sociologia Ainda neste “Folhas” Dois trabalharemos com as teorias do alemão Karl Marx, que apresenta duras críticas à sociedade capitalista, na qual vivemos. Este autor representa a perspectiva crítica da Sociologia e nos ajudará a olharmos as relações de trabalho de maneira a entender os seus bastidores, isto é, o que motiva o mundo do capital e do lucro, leitura obrigatória para quem deseja compreender o “porquê” do en- riquecimento de alguns, a miséria de outros e a existência da explora- ção no mundo do trabalho. Finalmente, no “Folhas” Três, nos preocuparemos em trabalhar as teorias sociológicas desenvolvidas no Brasil, para entendermos um pouco mais das bases da sociedade em que vivemos. Começaremos por Euclides da Cunha, um dos autores que iniciaram o pensamen- to sociológico no Brasil, passaremos por Gilberto Freyre e Caio Pra- do Júnior, autores que se propuseram a entender a “formação” do po- vo brasileiro, bem como a discutir quais seriam as causas dos supostos “atrasos” da nossa nação. Na seqüência, trabalharemos com o sociólo- go Florestan Fernandes que procurou entender, dentre outros fatos, as dificuldades do povo negro no Brasil, ou seja, os acontecimentos que transformaram esse grupo na maioria menos privilegiada e pobre da nação brasileira. Todos os autores que procuramos trabalhar nestes “Folhas” foram selecionados por atenderem à interpretação dos recortes (assuntos) que elegemos para serem analisados e compreendidos. São autores que acreditamos serem essenciais para começarmos nossa reflexão so- bre as sociedades de forma mais crítica e participativa. Existem, porém, muitos outros autores que poderiam ser trazidos para a discussão dos temas propostos aqui. Todavia, não sendo possí- vel trabalhar todos, apenas os que mencionamos e suas valiosas inter- pretações serão trazidos para o nosso aprendizado e reflexão. Uma boa leitura e conhecimento para você! Introdução S O C I O L O G I A 18 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Leitor: – Um outro...? O livro: – Você mesmo é um, caro leitor! Leitor: – Mas, eu?! Como? O livro: – Simples! Seu privilégio está no fato do que você vai adquirir agora: conhecimento! Você poderá avançar no entendimento de como funciona a sociedade em que você vive, conhecer como trabalham os demais privilegiados (a elite social) e aumentar sua autonomia de reflexão e de ação diante dos fatos que lhe cercam. Sigamos adiante? Mas o que é essa AUTONOMIA de que estamos falando? Vamos lá! Vamos descobrir! Você vai entender o que estamos dizen- do, passo a passo. Essa autonomia é quanto à sua maneira de pensar e de agir frente a diversas situações. Muitas pessoas não sabem (e não se preocupam em saber) como e por que determinadas coisas mexem com suas vidas. Vamos pensar num exemplo bem simples para você entender: vo- cê já viu uma TV que não “pega” direito? O que pode ser feito para se resolver o problema do sinal? Colocar palha-de-aço na antena resolveria? Essa atitude, de pôr a palha-de-aço na antena, falando de tempos passados, era algo muito mais comum do que hoje com as antenas pa- rabólicas e TVs a cabo, o que não significa que ninguém mais o faça. Mas a palha-de-aço pode até resolver o problema, consideravel- mente. Outras vezes, porém, ela não será suficiente para acabar com o defeito. Dependendo do sinal que a TV esteja recebendo. O que seria a palha-de-aço? Palha-de-aço = uma espécie de Senso Comum. No caso da TV, um técnico resolveria melhor o problema do sinal porque ele tem um conhecimento mais apurado daquilo que opera o funcionamento da televisão. Provavelmente ele iria dar uma boa gar- galhada ao ver a palha-de-aço na antena, pois ele sabe que aquilo po- de se apenas um “remendo no rasgo”, ainda que em alguns casos re- solva, entende? Resumindo: Então, o que seria um Senso Comum? Poderíamos dizer que é uma resposta ou solução simples para o cotidiano, geralmente pouco elaborada e sem um conhecimento mais profundo. 19O surgimento da Sociologia Sociologia O teólogo brasileiro e Doutor em Filosofia, Rubem Alves, em seu li- vro Filosofia da Ciência, considera o senso comum como sendo aqui- lo que não é ciência. De outra maneira, seria dizer que a palha-de-aço na antena da TV não é algo científico, mas sim um “eu acho que fun- ciona” para o dia-a-dia das pessoas. Mas existe uma lógica em pôr a palha-de-aço na antena. As pesso- as só não sabem qual é. E é por esse motivo, também, que Rubem Al- ves diz que a ciência, na verdade, é um refinamento, ou melhoramen- to, do senso comum. O senso comum e a ciência nos dão respostas, ou inventam solu- ções práticas para nossos problemas. A diferença é que a ciência é um conhecimento mais elaborado. “Eu acho que...” Fique sabendo! Muitas vezes quando alguém co- meçar uma resposta com as palavras “eu acho que...”, tal resposta pode não chegar no centro real do proble- ma a ser entendido ou resolvido. O que não significa, porém, que ela de- va ser rejeitada. Ela só precisa ser re- finada. Por exemplo, se alguém nos per- guntasse o motivo que leva a econo- mia de um país oscilar, nós podería- mos dar uma resposta certeira, com demonstrações, inclusive, mas tam- bém poderíamos dizer apenas: “eu acho que...”. A exemplo da economia, existem muitas outras coisas que acontecem na sociedade e que nos atingem direta- mente. E para todas essas coisas seria muito bom que tivéssemos curiosida- de para saber se aquilo que é mostra- do é realmente como é, entende? E a Sociologia? Como vai aparecer nessa conversa? Para muitas pessoas, passar por debaixo de uma escada traz azar. Crenças como essa, também podem ser um exemplo de senso comum. < Fo to : J oã o Ur ba n < 20 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Contribuindo para que possamos entender um pouco mais o lugar onde vivemos! Veja, como já falamos, o senso comum não deve ser rejeitado. O que estamos propondo é que você pode ir além desse conheci- mento comum, neste caso, sobre a sociedade. Uma outra coisa que deve ser desmitificada é o termo cientista. Confirmamos o pensamento de Rubem Alves quando diz que um cien- tista não é uma pessoa que pensa melhor do que os outros. Rubem Al- ves nos fala que a tarefa de refletir e de entender os porquês das coisas cabe a todos nós, e que a idéia de que não precisamos pensar, porque existem pessoas “melhores” para isto, é furada. Avançar um pouco mais em relação a um conhecimento elaborado e investigativo vai lhe trazer um entendimento mais claro sobre como funciona a sociedade, dentre outras coisas. Além do fato de que você terá maior autonomia para CONCOR- DAR OU DISCORDAR POR SI PRÓPRIO sobre as questões que você vive na sociedade. Essa é a independência que queremos que você tenha: A DE RE- FLEXÃO. E para começarmos a pensar: “ELITE SOCIAL” Você já ouviu falar na existência dela na Sociedade? Pesquise e veja o que você consegue sobre esse termo (em livros, revistas, pessoas que você conhece, etc.). Traga os seus registros para a clas- se. Vamos iniciar uma discussão a partir do que sabemos, hoje, sobre a chamada elite. Por que ela é considerada elite e como surgiu? ATIVIDADE 23O surgimento da Sociologia Sociologia Já na Idade Média... Séculos mais tarde, no período chamado de Idade Média (que vai do século V ao XV, mas exatamente entre os anos 476 a 1453), houve, segundo os renascentistas (que vamos conhecer mais à frente), um período de “trevas” quanto à maneira de ver o mundo. Segundo eles, havia um prevalecer da fé, onde os campos mí- tico e religioso, tendiam a oferecer as explicações mais viáveis pa- ra os fatos do mundo. Na Europa Medieval, esse predomínio reli- gioso foi da Igreja Católica Tal predomínio da fé, de certo modo, e segundo os humanistas renascentistas, asfixiava as tentativas de explicações mais especulati- vas e racionais (científicas) sobre a sociedade. Não cumprir uma regra ou lei estabelecida pela sociedade, poderia ser entendido como um pecado, tamanha era a mistura entre a vida cotidiana e a esfera sobre- natural. É claro que se olharmos a Idade Média somente pela ótica dos renas- centistas ela pode ficar com uma “cara meio tenebrosa”. Na verdade, ela também foi um período muito rico para a história da humanidade, impor- tante, inclusive, para a formação da nossa casa, o mundo ocidental. Vale a pena conhecermos um pouco mais sobre essa história. E, na continuidade da história... Tudo caminhava para o uso da razão O predomínio, na organização das relações sociais, dos princípios religiosos durou até pelos menos o século XV. Mas já no século XIV começava a acontecer uma renovação cultural. Era o início do período conhecido por Renascimento. Os renascentistas, com base naquilo que os gregos começaram, isto é, a questionar o mundo de maneira reflexiva (como já contamos ante- riormente), rejeitavam tudo aquilo que seria parte da cultura medie- val, presa aos moldes da igreja, no caso, a Católica. O renascimento espalhou-se por muitas partes da Europa e in- fluenciava a arte, a ciência, a literatura e a filosofia, defendendo, sempre, o espírito crítico. Nesse tempo, começaram a aparecer homens que, de forma mais realista, começavam a investigar a sociedade. A exemplo disso te- mos Nicolau Maquiavel (1469-1527) que, em sua obra intitulada de O Príncipe, faz uma espécie de manual de guerra para Lorenzo de Mé- dici. Ali comenta como o governante pode manipular os meios para a finalidade de conquistar e manter o poder em suas mãos. Obras como estas davam um novo olhar para sociedade, olhar pelo qual, através da razão os homens poderiam domi- nar a sociedade, longe das influências divinas. http://www.epdlp.com/ fotos/rodin2.jpg < 24 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Era a doutrina do antropocentrismo ganhando força. O homem passava a ser visto como o centro de tudo, inclusive do poder de in- ventar e transformar o mundo pelas suas ações. Além de Maquiavel, outros autores renascentistas, como Francis Ba- con (1561-1626), filósofo e criador do método científico conhecido por experimental, ajudavam a dar impulso aos tempos de domínio da ci- ência que se iniciavam. Não perdendo de vista... Estamos contando tudo isso para que você perceba que nem sem- pre as pessoas puderam contar com a ciência para entender o mundo, sobretudo o social, que é o queremos compreender. Dessa maneira, muitas pessoas no passado, ficaram ‘presas’ princi- palmente, àquelas explicações a respeito da realidade que eram base- adas na tradição, em mitos antigos ou em explicações religiosas. O Iluminismo Já no século XVIII, houve um momento na Europa, chamado de Iluminismo, que começou na Inglaterra e na França, mas que poste- riormente espalhou-se por todo o continente em que a idéia de valori- zar a ciência e a racionalidade no entendimento da vida social tornou- se ainda mais forte. Uma característica das idéias do Iluminismo era o combate ao Es- tado absoluto, ou absolutismo, que começou a surgir na Europa ainda no final da Idade Média, no século XV, em que o rei concentrava to- do o poder em suas mãos e governava sendo considerado um repre- sentante divino na terra, uma voz de Deus, a qual até a igreja, não ra- ramente, se sujeitava. Com a ciência ganhando força, era, digamos, inviável o fato de vol- tar a pensar a vida e a organização social por vias que não levassem em conta as considerações da ciência em debate com as de fundo re- ligioso. Como por exemplo, imaginar os governantes como sendo re- presentantes sobrenaturais. Nesse período, a continuada consolidação da reflexão sistemática sobre a sociedade foi ajudada por autores como Voltaire (1694-1778), filósofo que defendia a razão e combatia o fanatismo religioso; Jean- Jacques Rousseau (1712-1778), que estudou sobre as causas das desi- gualdades sociais e defendia a democracia; Montesquieu (1689-1755), que criticava o absolutismo, e defendia a criação de poderes separa- dos (legislativo, judiciários e executivo), os quais dariam maior equi- líbrio ao Estado, uma vez que não haveria centralidade de poder na mão do governante. z Nicolau Maquiavel (1469-1527) ht tp :// re na sc im en to .c lio .p ro .b r/ Fi gu ra s/ m aq ui av el .J PG < 25O surgimento da Sociologia Sociologia Portanto, com a contribuição Iluminista... A partir das teorias sobre a sociedade que no período Iluminista surgiram, é que começa a ser impulsionada, ou preparada, a idéia da existência de uma ciência que pudesse ajudar a interpretar os movi- mentos da própria sociedade. Consolidação do Capitalismo e a Revolução Industrial! Estamos mudando de assunto? Mudando em parte, porém não estamos deixando de falar do surgi- mento da Sociologia. Há outros elementos que a motivaram surgir. As transformações na sociedade européia não estavam ocorrendo so- mente no campo das idéias, como era o caso da consolidação da ciência como ferramenta de interpretação do mundo, que vimos até aqui. Há também a consolidação do sistema capitalista, culminando com a Revolução Industrial, que ocorreu em meados do século XVIII, na Ingla- terra, gerando grandes alterações no estilo de vida das pessoas, sobretu- do nas das que viviam no campo ou do artesanato. Estes temas desper- tavam o interesse de críticos da época. Dessa maneira, quando a Sociologia iniciou os seus trabalhos, ela o fez com base em pensadores que viram os problemas sociais ocasiona- dos a partir da crise gerada pelos fatos acima mencionados. Acompanhe: Recorrendo à História para entendermos... Podemos dizer que o início do sistema capitalista se deu na chama- da Baixa Idade Média, entre os séculos IX e XV, na Europa Ocidental. A partir do século XI, com as “cruzadas” realizadas pela Igreja Cató- lica, para conquistar Jerusalém que estava dominada pelos muçulma- nos, um canal de circulação de riquezas na Europa foi aberto. O contato cultural e o comércio do ocidente com o oriente europeu foram retomados via Mar Mediterrâneo. Com a movimentação de pes- soas e riquezas houve, na Europa Ocidental, o surgimento de núcleos urbanos, conhecidos por burgos. Destes, ressurgiram as cidades, pois existiam poucas naquele tempo. As chamadas corporações de ofício, que eram uma espécie de as- sociação que organizava as atividades artesanais para ter acordo en- tre os preços de venda e qualidade do produto, por exemplo, come- çaram a aparecer a fim de regular o trabalho dos artesões que vinham para as cidades exercer sua profissão. Aqui vemos que a idéia do lu- cro se fortalecia. z Sistema capitalista: A propriedade privada é sua característica mais for- te. O capitalista é aquele que a possui, isto é, a empresa ou os meios de produção. Os empregados são aque- les que vendem sua força de trabalho para o capitalis- ta. E o lucro, além da recupe- ração do capital investido na fabricação dos bens a serem vendidos, é a meta deste sis- tema. Distinção de classes: embora não a única, a pro- priedade ou não dos meios de produção é a primeira e mais importante condição que separa os indivíduos em diferentes classes sociais. 28 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Burguesia: As pessoas que moravam nos núcleos urbanos (bur- gos), eram identificadas co- mo sendo os burgueses. Mas com o passar dos tempos, essa denominação ficou ape- nas para os que haviam enri- quecido com o comércio, so- bretudo os comerciantes e banqueiros. Novas e grandes invenções estavam sendo realizadas no campo tecnológico, como as próprias máquinas a vapor das indústrias. O co- mércio mundial estava aumentando cada vez mais. O mundo estava “encolhendo”, em termos de fronteiras comerciais e ficando “europei- zado”. E em meio a isto, duas classes distintas emergiam: a composta pe- los empresários e banqueiros, chamada de classe burguesa, e a classe assalariada, ou proletária. A classe burguesa é aquela que ao longo do tempo veio acumu- lando capital com o comércio e reteve os meios de produção em suas mãos, isto é, as ferramentas, os equipamentos fabris, o espaço da fá- brica, etc., bem como o poder político. Já a classe proletária, sem ca- pital e expropriada dos meios de produção por meio de sua expulsão dos feudos e das terras comuns, tornava-se fornecedora de mão-de- obra aos donos das fábricas. Agora perceba comigo: O quadro social na Europa Ocidental do período passava, então, por transformações profundas, provocadas pela consolidação do siste- ma capitalista, pela valorização da ciência contrapondo as explicações míticas a respeito do mundo, pela abertura de mercados mundiais e pelos conflitos derivados das condições de vida miseráveis dos ope- rários, confrontadas com o enriquecimento da classe burguesa. É em meio a todas essas mudanças que a Sociologia começa a ser pensada como sendo uma ciência para dar respostas mais elaboradas sobre os novos problemas sociais. A Sociologia e suas teorias, as quais vamos ver a seguir, se consti- tuem ferramentas de reflexão sobre a sociedade industrial e científica que surgia. Vamos ver como elas refletem para entendermos os proble- mas sociais e ajudar a encontrar soluções para os mesmos. Com base no que vimos até aqui, associe... Que relação há entre o sistema capitalista, a existência de uma elite na sociedade e o processo de alienação? Retomando os problemas que você levantou para a atividade da página 20, relacione-os com o es- tilo de vida imposto pelo sistema capitalista. ATIVIDADE 29O surgimento da Sociologia Sociologia Referências: ALVES, R. Filosofia da ciência. São Paulo: Ars Poética, 1996. AZEVED , F. Princípios de Sociologia: pequena introdução ao estudo da so- ciologia geral. 11ª ed. – São Paulo: Duas Cidades, 1973. CASTRO, A. M. DIAS, Edmundo Fernandes. Contexto histórico do apareci- mento da sociologia. In.: Introdução ao pensamento sociológico. São Pau- lo: Centauro, 2001. CHAUI, M. S. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 1980. MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 1990. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. MARX, K; ENGELS, F. O manifesto do partido comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. z 33As teorias sociológicas na compreensão do presente Sociologia Você já reparou no lema da nossa bandeira? Tem alguma relação com o pensamento de Comte? O Brasil pode ser visto como uma socie- dade que orienta-se pelo cumprimento da “Ordem e Progresso” inscritos na nossa bandeira? ATIVIDADE Um pouco de História do Brasil: A Bandeira Nacional. Símbolo nacional idealizado por Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Le- mos, baseada na antiga bandeira do Brasil Império. Ela tremulou pela pri- meira vez no dia 19 de novembro de 1889, na cidade do Rio de Janeiro. Este dia ficou marcado como sendo o da sua adoção oficial. E hoje vemos em nossos calendários que em todo 19 de novembro é comemorado o dia da bandeira. Bordada em pano de algodão suas estrelas foram projetadas por um astrônomo. A inscrição ao centro substituiu o símbolo da “coroa” e foi um resumo feito por Miguel Lemos, um de seus idealizadores, com base em princípios positivistas de ordem e progresso. Acervo Icone Audiovisual< Continuando o trabalho iniciado por Comte, o de fazer da Sociolo- gia uma ciência, numa visão positiva, surge nessa história o sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917). Dar à Sociologia uma reputação científica foi o seu principal trabalho. É a partir desse pensador que a Sociologia ganha um formato mais “técnico”, sabendo o que e como ela iria buscar na sociedade. Com mé- todos próprios, a Sociologia deixou de ser apenas uma idéia e ganhou “status” de ciência. Durkheim presenciou algumas das mais importantes criações da sociedade moderna, como a invenção da eletricidade, do cinema, dos carros de passeio, entre outros. No seu tempo, havia um certo otimis- mo causado por essas invenções, mas Durkheim também percebia en- traves nessa sociedade moderna: eram os problemas de ordem social. E uma das primeiras coisas que ele fez foi propor regras de obser- vação e de procedimentos de investigação que fizessem com que a So- ciologia fosse capaz de estudar os acontecimentos sociais de manei- ra semelhante ao que faz a Biologia quando olha para uma célula, por exemplo. Émile Durkheim 34 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Falando em Biologia nota-se que o seu objeto de estudo é a vida em toda a sua diversidade de manifestações. As pesquisas dos fenôme- nos da natureza feitas pela Biologia são resultantes de várias observa- ções e experimentações, manipuláveis ou não. Já para a Sociologia, manipular os acontecimentos sociais, ou repe- ti-los, é muito difícil. Por exemplo, como poderíamos reproduzir uma festa ou um movimento de greve “em laboratório” e sempre de igual modo? Seria impossível. Os fatos sociais – objetos nas mãos Mas Durkheim acreditava que os acontecimentos sociais – como os crimes, os suícidios, a família, a escola, as leis – poderiam ser obser- vados como coisas (objetos), pois assim, seria mais fácil de estudá-los. Então o que ele fez ? Propôs algumas das regras que identificam que tipo de fenômeno poderia ser estudado pela Sociologia. A esses fenô- menos que poderiam ser estudados por uma ciência da sociedade ele denominou de fatos sociais. E as características dos fatos sociais são: Coletivo ou geral – significa que o fenômeno é comum a todos os membros de um grupo; Exterior ao indivíduo – ele acontece independente da vontade indi- vidual; Coercitivo – os indivíduos são “obrigados” a seguir o comportamen- to estabelecido pelo grupo. z = = = Para entender melhor, veja o exemplo de um fato social: o casamento As pessoas pensam, em um dia, se casar. Salvo algumas exceções, pois não pensamos todos da mesma forma, certo? Mas se fizermos uma pesquisa, veremos que a grande maioria das pesso- as deseja se unir a alguém. Fo to : I co ne A ud io vis ua l. < 35As teorias sociológicas na compreensão do presente Sociologia Então podemos dizer que o casamento é um fato coletivo ou geral, pois existe pela vontade da maioria de um grupo ou de uma sociedade. Mas ainda que alguém não queira se casar, a grande maio- ria das pessoas vai continuar querendo, não é mesmo? Isso significa que o fato social “casamento” é exte- rior ao indivíduo. O que quer dizer que ele se constitui não como resultado das intenções particulares dos indi- víduos, mas como resposta às necessidades ou influên- cias do grupo, da comunidade ou da sociedade. Outra coisa. Não é verdade que os mais velhos ficam nos “incen- tivando” a casar? “Não vá ficar pra titia, heim!”, “Onde já se viu! Todo mundo, um dia, tem que se casar!”. Com certeza você já ouviu alguém dizendo isso. Pois é. Esses dizeres nos levam a crer que o casamento também é coercitivo, pois nos vemos “obrigados” a fazer as mesmas coisas que fazem os demais membros do grupo ou da sociedade a que perten- cemos. Todo fato que reuna essas três características (generalização, exte- rioridade e coerção) é denominado social, segundo Durkheim, e pode ser estudado pela Sociologia. Quanto ao casamento, poderíamos es- tudar e descobrir, por exemplo, quais fatores influem na decisão das pessoas em se casarem e se divorciarem para depois se casarem no- vamente. Perceba, então: Não apenas com o casamento... Essas regras são da mesma maneira aplicadas ao trabalho, à escola, à moda, aos costumes do nosso povo, à língua, etc. O que é fato social? Faça o exercício de localizar os fatos sociais a partir das características que Durkheim percebeu ne- les. Recorte de jornais e revistas e traga para que a turma discuta se os fatos que você encontrou são sociais e podem ser estudados pela Sociologia. ATIVIDADE Veja que interessante... Para Durkheim, a sociedade só pode ser entendida pela própria so- ciedade. As ações das pessoas não acontecem por acaso. A sociedade- as influencia. Você concorda com isso? Veja o exemplo na página se- guinte e tire suas conclusões. 38 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas E o mundo moderno para Durkheim? A humanidade, para esse autor, está em constante evolução, o que seria caracterizado pelo aumento dos papéis sociais ou funções. Por exemplo, para Durkheim, existem sociedades que organizam-se sob a forma de um tipo de solidariedade denominada mecânica e outras so- ciedades organizam-se sob a forma de solidariedade orgânica. As sociedades organizadas sob a forma de solidariedade mecânica seriam aquelas nas quais existiriam poucos papéis sociais. Segundo Durkheim, nessas sociedades, os membros viveriam de maneira seme- lhante e, geralmente, ligados por crenças e sentimentos comuns, o que ele chama de consciência coletiva. Neste tipo de sociedade existiria pou- co espaço para individualidades, pois qualquer tentativa de atitude “in- dividualista” seria percebida e corrigida pelos demais membros. A organização de algumas aldeias indígenas poderiam servir de exemplo de como se dá a solidariedade mecânica: grupos de pesso- as vivendo e trabalhando semelhantemente, ligados por suas crenças e valores. Nesses grupos, se alguém começasse a agir por conta própria, seria fácil perceber quem estaria “tumultuando” o modo de vida local. Outro exemplo que pode caracterizar a solidariedade mecânica são os mutirões para colheita em regiões agrárias ou para reconstruir casas devastadas por vendavais e, ainda, são exemplos também as campa- nhas para coletar alimentos. Diferentemente das sociedades organizadas em solidariedade me- cânica, nas sociedades de solidariedade orgânica – típicas do mundo moderno - existem muitos papéis sociais. Pense na quantidade de tare- fas que pode haver nas áreas urbanas, nas cidades: são muitas as fun- ções e atividades. Durkheim acreditava que mesmo com uma grande divisão e variedade de atividades, todas elas deveriam cooperar entre si. Por isso, deu o nome de orgânica (como se fosse um organismo). Mas, nessas sociedades, diante da existência de inúmeros papéis sociais, diminui o grau de controle da sociedade sobre cada pessoa. A individualidade, sob menor controle, passa a ser uma porta para que a pessoa pretenda aumentar, ainda mais, o seu raio de ação ou de posi- ções dentro da sociedade. Uma das maiores expressões da anomia no mundo moderno, se- gundo Durkheim, seria esta: o egoísmo das pessoas. E a causa desta atitude seria a fragilidade das normas e controles sobre a individuali- dade, normas e controles que nas sociedades de solidariedade mecâ- nica funcionam com maior eficácia Qual seria, então, a solução para o mundo moderno, segundo Durkheim? 39As teorias sociológicas na compreensão do presente Sociologia Já que ele compara a sociedade com um corpo, deve haver algo ne- la que não está cumprindo sua função e gerando a patologia (a ano- mia, a doença). O corpo precisa de diagnóstico e remédio. Segundo ele, a Sociologia teria esse papel, ou seja, o de encontrar as “partes” da sociedade que estão produzindo fatos sociais patológicos e apontar para a solução do problema. Durkheim chegou a fazer, para as escolas francesas, propostas de valores tais como ‘o respeito da razão, da ci- ência, das idéias e sentimentos em que se baseia a moral democrática’, visando contribuir à restauração da ordem social naquela sociedade. Uma outra maneira de ver a sociedade... O pensamento do sociólogo que estudare- mos a seguir vai em direção diferente ao que vimos até agora. Max Weber (1864-1920), ao contrário de Durkheim e Comte, acreditou na possibilidade da interpretação da sociedade partindo não dos fatos sociais já consolidados e suas características externas (leis, instituições, normas, regras, etc). Propôs começar pelo indi- víduo que nela vive, ou melhor, pela verificação das “intenções”, “motivações”, “valores” e “expectativas” que orientam as ações do indivíduo na sociedade. Sua proposta é a de que os indi- víduos podem conviver, relacionar-se e até mesmo constituir juntos al- gumas instituições (como a família, a igreja, a justiça), exatamente por- que quando agem eles o fazem partilhando, comungando uma pauta bem parecida de valores, motivações e expectativas quanto aos objeti- vos e resultados de suas ações. E mais, seriam as ações recíprocas (re- petidas e “combinadas”) dos indivíduos que permitiriam a constituição daquelas formas duráveis (Estado, Igreja, casamento, etc.) de organi- zação social. Weber desenvolve a teoria da Sociologia Compreensiva, ou seja, uma teoria que vai entender a sociedade a partir da compreensão dos ‘motivos’ visados subjetivamente pelas ações dos indivíduos. Uma crítica de Weber aos positivistas, entre os quais se encontrariam Comte e Durkheim, deve-se ao fato de que eles pretendiam fazer da Sociologia uma ciência positiva, isto é , baseada nos mesmos métodos de investigação das ciências naturais. Segundo Weber, as ciências natu- rais (biologia, física, por exemplo) conseguiriam explicar aquilo que es- tudam ( a natureza) em termos de descobrir e revelar relações causais diretas e exclusivas, que permitiriam a formulação de leis de funciona- mento de seus eventos, como as leis químicas e físicas que explicam o z Max Weber 40 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas fenômeno da chuva. Mas a ciência social não poderia fazer exatamente o mesmo. Segundo Weber, não haveria como garantir que uma ação ou fenômeno social ocorrerá sempre de determinada forma, como respos- ta direta a esta ou aquela causa exclusiva. No caso das Ciências Huma- nas, isso ocorre porque o ser humano possui “subjetividade”, que apa- rece na sua ação na forma de valores, motivações, intenções, interesses e expectativas. Embora esses elementos que compõem a subjetividade humana se- jam produtos culturais, quer dizer, produtos comuns acolhidos e assu- midos coletivamente pelos membros da sociedade, ou do grupo, ainda assim se vê que os indivíduos vivenciam esses valores, motivações e ex- pectativas de modos particulares. Às vezes com aceitação e reprodução dos valores e normas propostas pela cultura comum do grupo; outras vezes, com questionamentos e reelaboração dessas indicações e até re- jeição das mesmas. Decorre dessa característica (de certa autonomia, criatividade e in- ventividade do ser humano diante das obrigações e constrangimentos da sociedade) a dificuldade de se definir leis de funcionamento da ação social que sejam definitivas e precisas. Por isso, o que a Sociologia poderia fazer, seria desenvolver procedi- mentos de investigação que permitissem verificar que conjunto de “mo- tivações”, valores e expectativas compartilhadas, estaria orientando a ação dos indivíduos envolvidos no fenômeno que se quer compreender, como uma eleição, por exemplo. Seria possível sim, prever, com algum acerto, como as pessoas votarão numa eleição, pesquisando sua “sub- jetividade”, ou seja, levantando qual é, naquela ocasião dada, o conjun- to de valores, motivações, intenções e expectativas compartilhadas pelo grupo de eleitores em foco, e que servirão para orientar sua escolha elei- toral. Esses pressupostos estão por detrás das conhecidadas “pesquisas de intenção de voto”, bastante freqüentes em vésperas de eleições. Vamos tentar ver isso na prática... Segundo Weber, as pessoas podem atuar, em geral, mesclando qua- tro tipos básicos de ação social. São eles: A ação racional com relação a fins: age para obter um fim objetivo previamente definido. E para tanto, seleciona e faz uso dos meios necessários e mais adequados do ponto de vista da avaliação. O que se destaca, aqui, é o esforço em adequar, racionalmente, os fins e os meios de atingir o objetivo. Na ação de um político, por exem- plo, podemos ver um foco: o de obter o cargo com o poder que de- seja a fim de...Bom. Aí depende do político. Agora, “dando um tempo” nas teorias, veja o que Weber pensa so- bre a política: ele nos fala no livro Ciência e Política – Duas vocações = 43As teorias sociológicas na compreensão do presente Sociologia Para relembrar... O Calvinismo tem sua ori- gem nas idéias protestan- tes pregadas por João Cal- vino (1509-1564) que, a exemplo de Martinho Lu- tero (1483-1546), funda- dor da Igreja Luterana, rom- peu com os ensinamentos da Igreja Católica. Na inten- sa busca do conhecimento bíblico, os calvinistas torna- ram-se altamente moralis- tas (puritanos) e muito disci- plinados. Também criam que os homens eram predestina- dos à salvação. Para lembrar... Budismo: Sidarta Gautama – o Buda – (563a.C-486a. C) foi o fundador do Budis- mo, uma religião e filoso- fia que surgiu na Índia e que tem como moral a preserva- ção da vida e a moderação, além de praticar o ensino de boas ações, purificação e trei- no da mente (meditação). Os budistas não crêem que há um Deus criador de todas as coisas. Para lembrar... Confucionismo: Filosofia cria- da pelo pensador chinês Kung-Fu-Tzu – o Confúcio – (551a.C – 479a.C). Tal filo- sofia tem quatro pilares: a re- ligião, a política, a pedagogia e a moral. Buda Foto: Icone Audiovisual.< Na crença dos calvinistas, os homens já nasceriam predestinados à sal- vação ou ao inferno, embora não pudessem saber, exatamente, seu desti- no particular. Assim sendo, e para fugir da acusação de pecadores e des- merecedores do melhor destino, dedicavam-se a glorificar Deus por meio do trabalho e da busca do sucesso na profissão. Com o passar dos tempos, essa idéia de que a predestinação e o sucesso profissional seriam indícios de salvação da alma foi perdendo força. Mas o interessante é que a ética estimuladora do trabalho disci- plinado e da busca do sucesso nos negócios ganhou certa autonomia e continuou a existir independente da motivação religiosa. Para Weber, ser capitalista é sinônimo de ser disciplinado no que se faz. Seria da grande dedicação ao trabalho que resultaria o sucesso e o enriquecimento. Herança da ética protestante, válida também pa- ra os trabalhadores. Mas por que os católicos e as outras religiões orientais não tiveram parte nesta construção capitalista analisada por Weber? Porque a ética católica privilegiava o discurso da pobreza, repro- vando a pura busca do lucro e da usura e não viam o sucesso no traba- lho como indícios de salvação e nem como forma de glorificar a Deus, como faziam os calvinistas. Assim sendo, sem motivos divinos para de- dicarem-se tanto ao trabalho, não fizeram parte da lista weberiana dos primeiros capitalistas. Quanto às religiões do mundo oriental, a explicação seria de que essas tinham uma imagem de Deus como sendo parte do mundo se- cular, ao contrário da ética protestante ocidental que o concebia como estando fora do mundo e puro. Assim sendo, os orientais valorizavam o mundo, pois Deus estaria nele. O Budismo e o Confucionismo são exemplos do que falamos. E daí a idéia e a prática de não se viver apenas para o tra- balho, mas sim de poder aproveitar tudo o que se ganha pelo trabalho com as coisas desta vida, entende? Em relação ao mundo moderno (científi- co), Weber demonstrava um certo pessimis- mo e não encontrava saída para os proble- mas culturais que nele surgiam, assim como para a “prisão” na qual o homem se encon- trava por causa do sistema capitalista. Antes da sociedade moderna, a religião era o que motivava a vida das pessoas e dava sentido para suas ações, inclusive ao trabalho. Mas com o pensamento científico tomando espaço como referencial de mun- do, certos apegos culturais – crenças, for- mas de agir – vindos da religiosidade fo- 44 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Contrapondo... No que difere o raciocínio de Weber em relação ao de Durkheim sobre a maneira de ver a socieda- de? Justifique. Como Durkheim e Weber nos auxiliam a compreender o sistema capitalista e o mundo moderno? ATIVIDADE Seguindo para mais um clássico da Sociologia: A crítica da sociedade capitalista. Vamos falar agora de quem também viu a consolidação da socieda- de capitalista e fez uma forte crítica a ela. O alemão, filósofo e econo- mista Karl Marx (1818–1883), foi um dos responsáveis, se não o maior deles, em promover uma discussão crítica da sociedade capitalista que se consolidava, bem como da origem dos problemas sociais que este tipo de organização social originou. E veja, também, que interessante. Para ele “a história de todas as so- ciedades tem sido a história da luta de classes”. Mas como assim, lutas de classe? Quais são elas? Nas sociedades de tipo capitalista a forma principal de conflito ocorre entre suas duas classes sociais fundamentais: a burguesia ver- sus o proletariado. Você se lembra que comentamos no primeiro “Folhas” como foi que surgiu a chamada burguesia e por que ela ficou conhecida assim ? Pois bem, segundo Marx, a burguesia foi tendo acesso, a partir da ati- vidade comercial à posse dos meios de produção, enriqueceu e tam- bém passou a fazer parte daqueles que controlavam o aparelho estatal, o que acabou, por fim funcionando, principalmente como uma espécie z Karl Marx ram confrontados. O problema que Weber via era que a ciência não poderia ocupar por completo o lugar que a religião tinha ao dar sen- tido ao mundo. Se, em contextos históricos anteriores, o trabalho poderia ser mo- tivado pela religião, como foi explicado anteriormente, e agora não é mais, devido à racionalização do mundo, por que, então, o homem se prende tanto ao trabalho? Porque o sistema capitalista – da produção industrial em série e da exploração da mão-de-obra – deixou o homem ocidental sem uma “válvula de escape”. Preso, agora ele vive do e para o trabalho. 45As teorias sociológicas na compreensão do presente Sociologia de “escritório burguês”. Com esse acesso ao poder do aparelho estatal, a burguesia foi capaz de usar sua influência sobre ele para ir criando leis que protegessem a propriedade privada (particular), condição in- dispensável para sua sobrevivência, além de usar o Estado para facili- tar a difusão de sua ideologia de classe, isto é, os seus valores de in- terpretação do mundo. Enquanto isso, a classe assalariada (os proletários), sem os meios de produção e em desvantagem na capacidade de influência política na sociedade, transforma-se em parte fundamental no enriquecimen- to da burguesia, pois oferecia mão-de-obra para as fábricas, (as novas unidades de produção do mundo moderno). Marx se empenhava em produzir escritos que ajudassem a classe proletária a organizar-se e assim sair de sua condição de alienação. Alienado, segundo Marx, seria o homem que não tem controle so- bre o seu próprio trabalho, em termos de tempo e em termos daquilo que é produzido, coisa que o capitalismo faz em larga escala, pois o tempo do trabalhador e o produto (a mercadoria) pertencem à burgue- sia, bem como a maior parte da riqueza gerada por meio do trabalho. Falando em lucro... O objetivo do sistema capitalista, como modo de produção, é justa- mente a ampliação e a acumulação de riquezas nas mãos dos proprie- tários dos meios de produção. Mas de onde sai essa riqueza? Marx di- ria que é do trabalho do trabalhador. Ideologia: Segundo Marx e Engels, o termo se encaixa na tra- dução de “falsa consciên- cia”, ou seja, um conjunto de idéias falsas que justifi- cavam o domínio burguês e camuflava a existência da dominação desta clas- se sobre a classe trabalha- dora. Fo to : J oã o Ur ba n < 3 A PRODUÇÃO SOCIOLÓGICA BRASILEIRA — E o Brasil? — O Brasil? Como assim? O que tem ele? — Mas é isto mesmo o que queremos saber... — O que tem o Brasil? fato é que até aqui vimos apenas teorias sociológicas “importadas”. Mas será que tais teorias, de pensadores que não viveram a realidade deste que é gigante pela própria natureza, belo, forte, um impávido colosso, e que tem um futuro que espelha sua enorme grandeza, podem dar contar de explicar o que acontece por aqui? Everaldo Lorensetti< O que há de VERDE e AMARELO na SOCIOLOGIA? 50 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Bom, antes de estudarmos a produção sociológica brasileira, gosta- ria de mencionar, bem rapidamente, uma idéia que pode nos ajudar a pensar sobre um aspecto muito importante: a escolha das teorias para refletirmos sobre a sociedade. Vamos imaginar que durante a leitura destes textos você se identifi- cou muito com os elementos que Karl Marx nos fornece para interpre- tação da sociedade, isto é, pela lógica econômica e material. Mas veja. Será que a teoria marxista, apenas, seria suficiente para entender todas as questões sociais, como por exemplo, o movimento feminista, a união de casais homossexuais, os suicídios dos homens- bomba, as religiões, etc.? Bem, o que estamos querendo transmitir com essa reflexão é que, o ideal, é não termos posturas doutrinárias quanto à teoria que mais gostamos, como se fosse uma espécie de “verdade absoluta”, não acei- tando, portanto, a contribuição que outras teorias podem nos dar para o trabalho de reflexão sobre a sociedade. Portanto, o que devemos fazer é exercitar uma “conversa” com as mesmas para, então, elegermos a teoria que seja mais adequada à situ- ação que queremos entender. Ok? E falando em teorias... A Sociologia no Brasil... Podemos dizer que a Sociologia brasileira começa a “engatinhar” a partir da década de 1930, vindo a se fortalecer nas décadas seguintes. Apesar de alguns autores da sociologia dizerem que não há uma data correta que marca o seu começo em solo brasileiro, essa época parece ser a mais adequada para se falar em início dos estudos socio- lógicos no Brasil. Quando dizemos “data mais adequada”, é porque as produções li- terárias que surgem a partir dessa década (1930) começam a demons- trar um interesse na compreensão da sociedade brasileira quanto à sua formação e estrutura. Mas note não estamos afirmando que antes da data acima ninguém havia se proposto a entender nossa sociedade. Antes da década de 1930 muitos ensaios sociológicos sobre o Brasil foram elaborados por historiadores, políticos, economistas, etc. No entanto, na maioria des- tes trabalhos, os autores apresentavam a tendência de escrever sobre raça, civilização e cultura, mas não tentavam explicar a formação e a estrutura da sociedade brasileira. A partir de 1930, surge no Brasil um período no qual a reflexão sobre a realidade social ganha um caráter mais investigativo e explicativo. z 53A produção sociológica brasileira Sociologia A fase “B” da implantação da Sociologia no Brasil: Numa segunda fase de geração de autores, a preocupação em se fa- zer pesquisas de campo, que é uma característica das pesquisas socio- lógicas, começa a ser levada em conta. Existem vários autores desta geração que poderíamos referenciar, como Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando de Azevedo, Nelson Wernek Sodré, Raymundo Faoro, etc. No entanto, vamos nos fixar em dois deles, os quais podem ser vistos como clássicos do pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior. Gilberto Freyre foi o autor de Casa Grande & Senzala (1933), livro no qual demonstrou as características da colonização portuguesa, a for- mação da sociedade agrária, o uso do trabalho escravo e, ainda, como a mistura das raças ajudou a compor a sociedade brasileira. Freyre foi um sociólogo que nasceu em Pernambuco no ano de 1900 e, no desenvolver de sua profissão, criou várias cátedras de So- ciologia, como na Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935. Freyre faleceu em 1987. Quando escreveu Casa Grande & Senzala tinha 33 anos e, anti-racis- ta que era, inaugurou uma teoria que combatia a visão elitista existen- te na época, importada da Europa, a qual privilegiava a cor branca. Segundo tal visão racista, a mistura de raças seria a causa de uma for- mação “defeituosa” da sociedade brasileira, e um atraso para o desen- volvimento da nação. Freyre propõe um caminho inverso. Em Casa Grande & Senzala ele começa justamente valorizando as características do negro, do índio e do mestiço acrescentando, ainda, a idéia de que a mistura dessas raças seria a “força”, o ponto positivo, da nossa cultura. Este autor forneceu, para o seu tempo, uma nova maneira de ver a constituição da nacionalidade brasileira, isto é, o Brasil feito por uma harmoniosa união entre o branco (de origem européia), o negro (de origem africana), o índio (de origem americana) e o mestiço, ressaltan- do que essa “mistura” contribuiu, em termos de ricos valores, para a formação da nossa cultura. Veja alguns trechos de sua obra a este respeito: “Um traço importante de infiltração de cultura negra na economia e na vi- da doméstica do brasileiro resta-nos acentuar: a culinária” (FREYRE, 2002) “Foi ainda o negro quem animou a vida doméstica do brasileiro de sua maior alegria.”(FREYRE, 2002) “Nos engenhos, tanto nas plantações como dentro de casa, nos tan- ques de bater roupa... carregando sacos de açúcar... os negros trabalha- vam sempre cantando.” (FREYRE, 2002). 54 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas No entanto, vale ressaltar aqui que Gilberto Freyre tinha um “olhar” aristocrático e conservador sobre a sociedade brasileira, pois além de justificar as elites no governo, sua descrição do tempo da escravidão em Casa Grande & Senzala adquire uma conotação harmoniosa, ele não via conflitos nessa estrutura. Mas se para Gilberto Freyre era um erro pensar que a mistura das raças seria um atraso para o Brasil, há um outro autor que se propôs a verificar qual seria e onde estaria a origem do atraso da nação brasileira. Estamos falando de Caio Prado Júnior. Este autor vai nos fornecer uma visão muito mais crítica sobre a formação da nossa sociedade. Ve- ja por quê. Enquanto Gilberto Freyre fazia uma análise conservadora da for- mação da sociedade brasileira, Caio Prado recorria à visão marxista, is- to é, partindo do ponto de vista material e econômico para o entendi- mento da nossa formação. Caio Prado Júnior nasceu em 1907 e faleceu em 1990. Formou-se em direito e, de forma auto-didata, leu e tomou para si os ideais de Marx, o que o fez uma pessoa comprometida com o Socialismo. Caio Prado também era uma espécie de “contra-mão” do Partido Comunista Brasileiro no seu tempo, pois um dos militantes daquele partido, Octávio Brandão (1896-1980), havia escrito um livro na déca- da de 1920, chamado Agrarismo e Industrialismo no qual apresentava a tese de que o atraso do Brasil, em termos econômicos, estava no fa- to dele ter tido um passado feudal. E esta tese continuou a ser defen- dida pelo PCB com o historiador Nelson Wernek Sodré (1911-1999), que interpretava o escravismo, no Brasil Colonial, como uma característi- ca do feudalismo. É por essa razão que Caio Prado era contrário ao Partido Comunis- ta, pois a idéia de que no passado o Brasil havia sido feudal era “im- portada” do marxismo oficial, da Europa, e que na sua opinião, não funcionava aqui. E, para Caio Prado, a prova disso estaria no fato de que no sistema feudal o servo não era considerado uma mercadoria, coisa que ocorria aqui com os escravos, o que denota uma caracte- rística do sistema capitalista (e não feudal) no que tange à análise da mão-de-obra. No seu livro Formação do Brasil Contemporâneo, publicado em 1942, Caio Prado apresenta a tese de que a origem do atraso da nação brasi- leira estaria vinculada ao tipo de colonização a que o Brasil foi subme- tido por Portugal, isto é, uma colonização periférica e exploratória. Traduzindo para melhor compreendermos... Caio Prado explica que Portugal teve grande contribuição no “nosso atraso” como nação, pois o centro do capitalismo, na época do “descobrimento” do Brasil, Nelson Wernek Sodré 55A produção sociológica brasileira Sociologia estava na Europa, o que fazia com que as riquezas daqui fossem leva- das para lá. Este tipo de organização econômica foi denominado de primária e exportadora, pois os produtos extraídos das monoculturas brasileiras, nos latifúndios, eram exportados para os países que esta- vam em processo de industrialização. Segundo Caio Prado, a América era vista pelos europeus como sendo “...um território primitivo habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis que se tinham em vista, a ocupação não se podia fazer como nas simples feitorias comerciais, com um reduzido pessoal incumbido apenas do negó- cio, sua administração e defesa armada; era preciso ampliar estas bases, criar um povoamento capaz de abastecer e manter as feitorias que se fun- dassem e organizar a produção dos gêneros que interessassem ao seu co- mércio. A idéia de povoar surge daí, e só daí”. (PRADO JÚNIOR, 1942: 24). As teses desse autor rompem com as análises dos autores que an- tes dele apresentaram um pensamento conservador restrito, isto é, de reprodução daquilo que estava posto na sociedade brasileira e, conse- qüentemente, sem a intenção de apresentar propostas para sua trans- formação. Assim sendo, segundo a visão de Caio Prado, Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, pode ser considerado “conservador”. Veja por- que: a) seus escritos nos levam a pensar que a miscigenação acontecia sempre de maneira harmoniosa. Mas e a relação entre os senhores brancos e suas escravas negras, por exemplo? Se verificarmos rela- tos da história veremos que as negras eram forçadas a terem rela- ções sexuais com eles, o que é bem diferente de harmonia. b) sobre os problemas sociais da época, Freyre não apresenta nenhu- ma proposta para a solução dos mesmos, ou para a transformação da sociedade. Para Caio Prado Júnior, os pontos “a” e “b” mencionados acima de- monstram a postura conservadora de Gilberto Freyre, pois transparece um certo conformismo com a situação em que se apresentava a socie- dade. Conformismo que pressupõe continuidade, sem transformação. Segundo Caio Prado Júnior podemos dizer que a colonização portuguesa contribuiu para o nosso subdesenvolvimento, certo? Pesquise a história de alguns outros países que também foram “coloniza- dos”. Procure analisar a forma dessas “colonizações”. Em seguida, verifique se é verdadeira a tese de que exploração ocasiona necessariamente subdesenvolvimento. PESQUISA 58 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas Hum... Iguais condições? Será? Imagine só... De um dia para outro todos os negros, os que antes foram de maneira desumana tratados como “coisas” e úteis apenas pa- ra o trabalho, tornaram-se livres para atuarem nas empresas e comér- cio da época, se é que assim podemos chamar os empreendimentos daquele tempo, isto é, em 1888. Os negros tentaram, mas “...viram-se repudiados, na medida em que pretenderam assumir os papéis de homem livre com demasiada latitude de ingenuidade, num ambiente em que tais pretensões chocavam-se com generalizada falta de tolerância, de simpatia militante e de solidariedade.” (FERNANDES, 1978: 30-31). Afinal, quem é que daria emprego a um homem que “até ontem à tarde” era não mais que um pertence de alguém, isto é, um utensílio de um senhor? E se você fosse um patrão na época da Abolição, daria trabalho a tal pessoa em sua loja? Hoje, no Brasil, ainda podemos encontrar muitos problemas quan- to à aceitação da diversidade cultural, apesar dos muitos movimentos que combatem a desigualdade racial e social nas mais diversas áreas da sociedade. Esses problemas são, na verdade, heranças de um pas- sado, que fora muito pior. Vamos “voltar” no tempo e tentar imaginar a cena de um negro, re- cém-liberto, pedindo emprego. Talvez o diálogo fosse esse: 59A produção sociológica brasileira Sociologia Ora veja, ainda que o discurso das elites privilegiasse a liberdade dos negros, eles não tinham condições de igualdade na concorrência com os brancos, “como não se manifestou nenhuma impulsão coletiva que induzisse os brancos a discernir a necessidade, a legitimidade e a urgência de repara- ções sociais para proteger o negro (como pessoa e como grupo) nessa fa- se de transição, viver na cidade pressupunha, para ele, condenar-se a uma existência ambígüa e marginal.” (FERNANDES, 1978: 20). Segundo Florestan, para os negros e os mulatos apenas duas por- tas se abriam, pois... “vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletariza- ção, restava-lhes aceitar a incorporação gradual à escória do operariado ur- bano em crescimento ou abater-se penosamente, procurando no ócio dis- simulado, na vagabundagem sistemática ou na criminalidade fortuita meios para salvar as aparências e a dignidade de “homem livre. (FERNANDES, 1978:20). Portanto, pela interpretação de Florestan, a inexistência de um pla- no de incorporação do negro, elaborado pela sociedade que o liber- tou, com estratégias de aceitação social dos mesmos, foi fator impor- tante que contribuiu para sua marginalidade social. Olhando para o resultado. Primeiro faça uma pesquisa em órgãos como o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – e verifique qual é a situação do negro em termos econômicos e educacionais em relação ao branco. Após a coleta dos dados, “trabalhe” com seus colegas os resultados, relacionando-os com as teo- rias de Florestan Fernandes sobre os negros. PESQUISA Sugestão de filmes: “Guerra de Canudos”, 1997, BRASIL, Direção: Sérgio Rezende “Olga”, 2004, BRASIL, Direção: Jayme Monjardim z = = 60 O Surgimento da Sociologia e Teorias Sociológicas REFERÊNCIAS: CUNHA, E. Os sertões – Campanha de Canudos. 29ª ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979. FERNANDES, F. Fundamentos da explicação sociológica – 3ª ed. Rio de Ja- neiro: LTC, 1978. ____________________. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978. FREYRE, G. Casa grande e senzala. 46ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. GOMES, C. A educação em perspectiva sociológica. São Paulo: EPU, 1985. IANNI, O. Sociologia da Sociologia – o pensamento sociológico brasileiro. 3ª ed., São Paulo: Ática, 1989. PRADO JÚNIOR, C. Formação do Brasil contemporâneo. 23ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2000. MOREIRA, M. A vida dos grandes brasileiros – Cândido Portinari. Cajamar: Três, 2001. VIANNA, M. A. G. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo: Com- panhia das Letras, 1992. z ANOTAÇÕES 63 Sociologia do e como se configuram hoje, conhecer as diversas possibilidades de leitura oferecidas pela Sociologia, e, principalmente, nos enxergarmos como parte integrante dessas instituições. Não como uma peça num ta- buleiro de um jogo, mas como sujeitos atuantes e com capacidade de mudar as regras do jogo quando considerarmos necessário. Nossa intenção ao propor este tema de estudo vai muito além da simples informação de conteúdos da Sociologia, avalizados pelos gran- des nomes dessa ciência. Pretendemos que você, com auxílio dos ins- trumentais teóricos da Sociologia, possa compreender a dinâmica da sociedade contemporânea, aprenda a questionar as “verdades” que lhe são colocadas, e possa inserir-se de forma crítica e criativa nas diver- sas instituições sociais que compõem o sistema social. Vamos pontuar alguns aspectos destas três instituições: família, es- cola e religião. Nascemos todos em algum lugar da sociedade: num bairro de pe- riferia, num edifício no centro da cidade, numa favela, num condomí- nio fechado, e pertencemos quase sempre a algum tipo de família. É dentro da família que aprendemos os primeiros valores do grupo e da sociedade a que pertencemos. Os pais (ou aqueles que cumprem es- te papel), criam e provêm os filhos de condições para a subsistência e esperam desses respeito e obediência. A sociedade espera que os pais trabalhem e tenham uma vida honesta, às mães cabe o amor incondi- cional, capaz de fazê-las abrir mão da própria vida para ver a felicida- de de seus filhos. Isso pode parecer um pouco exagerado, mas, às ve- zes, a caricatura de uma situação nos permite enxergá-la melhor. Bem, crescemos ouvindo que a família é um lugar “sagrado”, que devemos respeitar nossos pais, que tanto sacrifícios fizeram por nós. Crescemos ouvindo que é o bem mais importante de um homem, e quando finalmente crescemos, “desejamos” formar outra família, por- que é isto que esperam de nós. Mas se não agirmos dessa forma espe- Introdução 64 Ensino Médio O Processo de Socialização e as Instituições Sociais rada, se não nos transformarmos no pai trabalhador, na “mãe santa”, no filho respeitoso? Se escolhermos outro caminho e outros valores? Aí sofreremos o que a Sociologia chama de coerção social – significa que seremos coagidos e pressionados pelo grupo familiar e pelas pessoas próximas desse, a retomar os valores preestabelecidos. É o grupo familiar que também vai nos indicar os caminhos escola- res e profissionais. Para algumas famílias, percorrer toda a carreira es- colar sem interrupção é algo indiscutível, e desviar-se deste caminho previsto pode ser traumático. Novamente não escolhemos, mas as es- colhas já estão feitas. Quase sempre fazemos o que é esperado. Passemos agora para a escola. Essa instituição ensina-nos novos pa- drões de comportamento, ou reforça aqueles que já trazemos de nos- sa classe social e tenta nos fazer acreditar que somos todos iguais, por- que podemos nos sentar igualmente nas carteiras escolares. Mas tão logo os alunos percebem que para haver igualdade é necessário mais do que um lugar na escola, começam as reações contrárias à ordem. São as chamadas questões disciplinares. A escola valoriza a ordem, a disciplina, o bom rendimento. Os ado- lescentes vêem neste momento de suas vidas a oportunidade de rebe- lar-se contra os padrões de comportamento estabelecidos, de agredir tudo que representa autoridade, de desprezar o que não atende a seus interesses imediatos... Há uma outra instituição social com a qual você provavelmente também convive. Caso tenha sido batizado ou iniciado em alguma re- ligião em sua infância, e tenha crescido seguindo os ensinamentos de sua igreja, você desenvolveu o que se chama de pensamento sagrado. I n t r o d u ç ã o 65 Sociologia Você explica fenômenos da vida e da morte de acordo com os precei- tos de sua fé. Você conhece os rituais de sua igreja e respeita, ou ao menos sabe o significado das principais datas religiosas. Se, em algum momento de sua vida, você resolver se desligar de sua religião, esteja certo de que sofrerá forte pressão de seu grupo religioso, o qual mui- to o indagará a respeito de sua decisão, e mais do que isso, fará tudo para demovê-lo de sua decisão. Com esses exemplos é possível perceber o quanto as instituições direcionam nossas ações, às vezes de forma tão sutil que não percebe- mos que as situações vivenciadas cotidianamente são em sua maioria reproduções de antigas instituições sociais. Também será possível que um dia você chegue à conclusão de que uma ou todas as instituições não são assim tão importantes para a sua vida. Você verá sobre isto nos Folhas a seguir, que em diversos mo- mentos da história, alguns grupos sociais e alguns indivíduos negaram a necessidade da autoridade, fosse esta política, familiar, religiosa, edu- cacional ou qualquer outra. Acreditavam na capacidade de auto-gover- no do ser humano, na liberdade e na autonomia de pensamento. Aliás, hoje é possível encontrar em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, pessoas que vivem em comunidades alternativas, que negam os valores do pensamento dominante, e constróem suas próprias regras, com base na visão que têm da sociedade e do planeta. Mas para chegar até isso, e quem sabe superar este modelo de so- ciedade e de instituições sociais a que estamos sujeitos hoje, é preci- so muito estudo e a construção de projetos coletivos. E é isto que es- tamos lhe propondo nestes textos que se seguem. Introdução 68 Ensino Médio O Processo de Socialização e as Instituições Sociais livros, roupas, transportes, etc. Em nosso país, são poucas as famílias que conseguem arcar com os estudos de seus filhos. Segundo dados do censo escolar, realizado pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), em 2004, ingres- saram no Ensino Fundamental 26.614.310 alunos, enquanto no Ensino Médio ingressaram apenas 9.169.357 alunos. A notícia apresentada no início do texto pode parecer absurda, mas Ivan Illich< ht tp :// ww w. alt ra of fic in a. it/ iva ni llic h/ Pr im a. ht m < já houve um cientista da educação que propôs uma “sociedade sem escolas”. Seu nome era Ivan Illich. Illich (1926-2002) era russo, e afir- mava que “(...) a obrigatoriedade da educação escolar é uma invenção relativamente nova, e não há porque aceitá-la como se fosse algo ine- vitável” (GIDDENS, 2005:413). Lembre-se, no entanto, que a inexistência de escolas não sig- nifica a inexistência de educação. Esta última existe em todas as sociedades humanas e são muitos os meios disponíveis para o seu acesso. Estudaremos sobre isto mais à frente. Retornando a Illich, suas idéias nos sugerem a pensar sobre a origem das escolas. A partir de quando, e por que, esta instituição passou a fazer parte do cotidiano de algumas sociedades? A escola, tal como conhecemos hoje, intitulada pelos histo- riadores da educação como Escola Moderna, começou a se con- figurar em fins do século XVI e ao longo do século XVII. Antes disso, nas sociedades antigas e medievais, já havia a preocu- pação com a educação de seus jovens, os quais estudavam ou indivi- dualmente, sob a orientação de um mestre, ou em pequenos grupos, independentes de idade ou seriação. Adultos e crianças freqüenta- vam a mesma classe durante o tempo que desejassem ou precisassem, e isso não era considerado um problema. As teorias da psicologia da aprendizagem, que estabelecem etapas para o desenvolvimento huma- no, virão muitos anos depois. Mas a escola moderna organiza-se inicialmente com características que já conhecemos bem: a preocupação em separar os alunos em classes seriadas, de acor- do com a faixa etária; = Estudar exige esforço e também custa caro! São cadernos, 69 Sociologia A Instituição Escolar a divisão sistemática dos programas de acordo com cada série; os níveis de estudos passam a ter um encadeamento: a escola ele- mentar (ler, escrever e contar), com a escola média ou profissional e os estudos superiores; o tempo para o estudo e para o cumprimento dos programas pa- ra uma determinada série também passam a ser preestabelecidos. Não será mais o ritmo de aprendizado do aluno que dirá de quan- to tempo ele necessita para aprender, mas sim o ritmo imposto pe- la instituição. Outros elementos muito comuns em nossa prática escolar também passaram a ser utilizados, como o registro das aulas, o controle de fre- qüência (chamada), a elaboração de textos simplificados para cada disciplina (livros didáticos). Junto com isso teremos maior rigor disci- plinar, com a criação de normas e regimentos de conduta. Enfim, são práticas que têm a função de organizar, disciplinar e controlar, e que ho- je nos parecem naturais e quase imutáveis. = = = Mas atenção! Um dos principais objetivos do estudo da Sociologia é auxi- liá-lo a “desnaturalizar” os fatos sociais, a desconstruir alguns conceitos que, de tão repetidos que foram, parecem ser os únicos verdadeiros. Desnaturalizar a instituição escolar significa saber que ela foi pensada e construída por pessoas como professores, religiosos ou governantes que tinham interesses e necessidades próprias daquele momento his- tórico. E que, antes desse modelo escolar, existiram outras formas cria- das pelas sociedades para transmitirem às suas crianças e jovens os saberes necessários para a vida social. Portanto, cabe a nós e às próxi- mas gerações também pensarmos e construirmos escolas que estejam mais próximas de nossas necessidades e nossos sonhos! Quais fatores contribuíram para o aparecimento e desenvolvimento das escolas? Foram muitos os fatores. No momento, vamos comentar sobre o con- texto histórico que favoreceu o nascimento desta instituição. As revoluções burguesas, principalmente a inglesa (séc.XVIl) e a francesa (séc. XVIIl), vão encerrar definitivamente o feudalismo e inau- gurar um novo modo de produção – o capitalismo. A burguesia, clas- se social em ascensão, irá conceber uma nova doutrina social ou uma nova ideologia para o capitalismo que se denominará liberalismo. Os Fo to : J oã o Ur ba n < 70 Ensino Médio O Processo de Socialização e as Instituições Sociais princípios do liberalismo são: o individualismo, a propriedade, a li- berdade, a igualdade e a democracia. Explicando os princípios: A doutrina do individualismo coloca no esforço individual toda a responsabilidade para que as pessoas atinjam o suces- so ou o progresso, desconsiderando as condições econômicas e sociais nas quais estejam vivendo. Para o liberalismo, os indiví- duos serão tão mais livres quanto menor for a ação do Estado, ou seja, o Estado não deve interferir e despender recursos para serviços públicos. Quanto ao princípio da propriedade, significa que todos têm di- reito à propriedade desde que se esforcem e trabalhem para isso. A igualdade, como é tratada no liberalismo, não se refere à igualdade social, mas sim à igualdade perante a lei. Já devem ter ouvido a frase: “Todos são iguais perante a lei”. Pois é, mas em relação às desigualdades sociais, a conversa é outra. Os li- berais consideram natural que existam pobres e ricos, uma vez que nem todas as pessoas são talentosas ou esforçadas da mes- ma forma. A democracia, defendida pelos liberais, resume-se à democracia re- presentativa, isto é, o direito de todos escolherem seus representan- tes políticos. No entanto, democracia é mais do que isto, é o direito de usufruirmos igualmente os bens produzidos em nossa sociedade. Outro importante movimento que se desenvolve à partir do sécu- lo XVII, foi a chamada “revolução científica”. A filosofia, e as ciências físicas, químicas e matemáticas sofrem um grande desenvolvimento e há uma supervalorização do pensamento racional e científico. O filóso- fo e matemático René Descartes (França,1596 – 1650) é considerado o fundador desta doutrina. Observe que não fica difícil estabelecer relações entre a doutrina li- beral, o pensamento racionalista e o surgimento da escola moderna, tal como essa foi descrita anteriormente. Descartes (1596-1650) Agora pensando bem, será que é possível identificar alguns dos princípios do liberalismo e do pen- samento racionalista na organização e na prática da escola contemporânea? Reflita sobre o seu dia-a- dia escolar e produza um pequeno texto sobre o assunto. ATIVIDADE Vocês viram até aqui uma breve história da instituição escolar, orga- nizada de forma mais ou menos semelhante em grande parte das so- ciedades. Mas... E as sociedades sem escolas? 73 Sociologia A Instituição Escolar Fo to : J oã o Ur ba n < Provavelmente você já percebeu que a escola não é o lugar que mais agrada aos jovens de sua idade. Freqüentar a casa dos amigos, andar pelas ruas, ir às baladas, trabalhar ou ficar à toa parecem coisas bem mais agradáveis e interessantes. Por que isto ocorre? Ora, adqui- rir novos conhecimentos, vivenciar experiências que nos auxiliem na compreensão de nosso mundo e nos façam sentir integrantes na cons- trução da cultura das sociedades, são atitudes que fazem parte da na- tureza humana. Sem a curiosidade, a vontade de aprender e de buscar formas diferentes para realizar suas tarefas cotidianas, certamente não teríamos saído da idade da pedra, não teríamos desenvolvido a tecno- logia, as ciências, as artes, enfim, em todas as áreas, o ser humano não cessa a busca por novas alternativas que visem a melhora da qualida- de de vida. Você poderá dizer que isso ocorre por interesses de merca- do. Certo. No entanto, isso não quer dizer que não seja necessário es- tudo, pesquisa, persistência, disciplina... Para nos auxiliar na reflexão a respeito da função disciplinado- ra da escola, podemos recorrer às idéias de um filósofo francês – Mi- chel Foucault (1926-1984). Este pensador realizou estudos compara- tivos entre algumas instituições como prisões, conventos, quartéis e escolas, buscando desvelar suas semelhanças no que se refere aos as- pectos de organização e controle. Para Foucault, mais importante do que um poder centralizador e visível, são os “pequenos” poderes que abarcam todo o espaço social, e dos quais não conseguimos escapar, porque estão dispersos. É o espaço físico, o mobiliário, as regras, os olhares vigilantes, as ameaças e as punições agindo sempre no senti- do de controlar nossos corpos e nossas consciências, de nos fazermos “úteis”, “dóceis”, treinados para a obediência. 74 Ensino Médio O Processo de Socialização e as Instituições Sociais Mas o que isto tem a ver com a escola? A escola é criada (como já vimos anteriormente), num contexto de grande valorização da ciência, e de preocupação com a formação de um “novo homem”, adequado às novas regras e aos novos princípios. Sua função disciplinadora, normatizadora, desde o início é muito clara, quase inerente. Mas seu papel de levar às novas gerações os conheci- mentos necessários para a vida social também jamais foi negado. Ain- da hoje se perguntarmos a uma criança, por que ela vai à escola, a res- posta será: “Para aprender...” Mas aprender o quê? E para quê? Aprender para nos tornarmos “civilizados”? Aprender para nos tornarmos obedientes e conformados? Aprender para acreditarmos e aceitarmos que escola não é para mim, mas sim para os “outros”? Aprender que aprender é repetir o livro e as palavras do professor? Aprender que estudar é difícil e cansativo? Desde o seu início a instituição escolar tornou-se objeto de estu- do privilegiado de filósofos, sociólogos, psicólogos e pedagogos. Mais recentemente, outros profissionais como médicos, arquitetos, historia- dores, entre outros, também têm dedicado suas pesquisas à escola e à educação. Você, como aluno, não tem idéia da polêmica que cerca a ins- tituição e a educação escolar. Este lugar, aparentemente tão banal, tem sido alvo de debates acirrados e os resultados apresentados em muitos livros, revistas e discutidos em congressos pelo mundo inteiro. Para que você compreenda melhor isto que estamos falando, va- mos apresentar algumas teorias explicativas sobre a organização e o funcionamento escolar desenvolvidos por sociólogos que se dedica- vam a este tema: Teorias crítico-reprodutivistas: estas teorias partem do princípio de que a escola é uma instituição que, por meio de suas práticas, co- nhecimentos e valores veiculados, têm contribuído para a reprodução das desigualdades da sociedade de classe em que vivemos. Os sociólogos franceses, Pierre Bourdieu (1930-2002) e Jean-Clau- de Passeron (1930- ), são representantes desta teoria, e acompanhar seus pensamentos pode ajudar-nos a compreendê-la. No interior de uma sociedade de classes existem diferenças culturais. As elites pos- suem um determinado patrimônio cultural constituído de normas de falar, de vestir-se, de valores, etc. Já as classes trabalhadoras (ou domi- nadas, como são identificadas pelos autores) possuem outras caracte- rísticas culturais, diferentes, não inferiores, pois têm lhes permitido sua manutenção enquanto classe. A escola, por sua vez, ignora estas di- ferenças sócio-culturais, selecionando e privilegiando em sua teoria e prática as manifestações e os valores culturais das classes dominantes. Com essa atitude, ela favorece aquelas crianças e jovens que já domi- 75 Sociologia A Instituição Escolar nam este aparato cultural. Para estes, a escola é realmente uma conti- nuidade da família e do “mundo” do qual provêm. A escola somente reforça e valoriza conhecimentos que estes já trazem de casa. Já para os jovens filhos das classes trabalhadoras, a escola represen- ta uma ruptura. Seus valores e saberes são desprezados, ignorados, e ela necessita quase que reiniciar sua inserção cultural, ou seja, apren- der novos padrões ou modelos de cultura. Dentro dessa lógica, é evi- dente que para os estudantes filhos das classes dominantes alcançar o sucesso escolar torna-se bem mais fácil do que para aquelas que têm que “desaprender” uma cultura para aprender um novo jeito de pen- sar, falar, movimentar-se, enfim, enxergar o mundo, inserir-se neste e ainda ser bem-sucedido. Bourdieu chama isso de “violência simbóli- ca”, ou seja, o desprezo e a inferiorização da expressão cultural de um grupo por outro mais poderoso econômica ou politicamente, faz com que esse perca sua identidade e suas referências, tornando-se fraco, in- seguro e mais sujeito à dominação. Perceberam que estes autores fazem uma crítica ao sistema escolar? Afirmam que a escola está organizada para servir apenas a alguns gru- pos da sociedade, aqueles que já trazem de casa uma bagagem cultu- ral semelhante a da escola. Essa é uma forma de olhar a escola! Agora vejamos outra: Teoria funcionalista – Émile Durkheim (1858–1917) é um dos re- presentantes do pensamento conservador. Sua teoria faz a defesa da ordem social dominante, do chamado “status quo”. Não menciona a necessidade de mudanças, reformas ou muito menos revoluções. Seguindo a linha de pensamento de Durkheim, a escola, assim como as demais instituições sociais, têm a função de imprimir sobre as novas gerações valores morais e disciplinares que vi- sam à perpetuação da sociedade tal como ela está organizada quanto à ordem e no respeito aos poderes dominantes. Durkheim trata a sociedade como se essa fosse uma entida- de externa aos indivíduos, acima dos conflitos sociais, das lutas por interesses diversos. A sociedade é assim entendida como um corpo harmônico, com valores e à qual só nos resta a adaptação. Pois bem! Para Durkheim a escola não é alvo de críticas, pois fun- ciona adequadamente à sociedade na qual está inserida. Para ele, to- dos os indivíduos e instituições têm uma função a cumprir, que uma vez, bem desempenhada contribuirá para o progresso e à harmonia social. Os conflitos sociais não resultam das desigualdades provindas da sociedade de classes, mas são espécies de “doenças”, e como tais devem ser “tratadas”. Esta é uma outra forma de olhar para a sociedade e para a escola! Émile Durkheim (1858–1917)< ht tp :// ww w. so c. cm u. ac .th /~ ch aiw at /m f_ ho m e. ht m l < 78 Ensino Médio O Processo de Socialização e as Instituições Sociais As escolas são ambientes tensos e permeados de conflitos, o que não deve ser considerado um problema, uma vez que sua população é absolutamente heterogênea: possui origens sociais distintas, assim como diferentes idades, bagagens culturais, visões e projetos de vida. No entanto, algo aproxima essa população: todos procuram essa ins- tituição com um interesse semelhante, qual seja, o de lá sair “melho- res” do que quando entraram. Em melhores condições de enfrentar a vida, com mais conhecimentos e preparo para prosseguir os estudos ou buscar uma profissão. Algumas vezes esses objetivos são atingi- dos, outras não. Para conseguirmos fazer com que nossos objetivos, buscados nesta instituição escolar, coincidam com sua prática, é ne- cessário o esforço e o trabalho conjunto de todos aqueles que a cons- tituem, no sentido da construção de uma escola democrática, partici- pativa e que integre-se às nossas vidas. Para construirmos esta escola podemos buscar inspiração nas idéias de grandes educadores que dedicaram suas vidas ao estudo e à experimentação de formas de educação que tornam as pessoas mais livres, responsáveis, criativas e com autonomia de pensamento. Estes educadores são chamados pela pedagogia de “educadores pro- gressistas”, o que significa que suas propostas educacionais apontam no sentido de uma ruptura com os valores criados e reforçados pela sociedade capitalista (submissão, competição, individualismo), e no estímulo e reforço de valores que podem contribuir para fazermos nossa vida uma experiência diária de solidariedade e, talvez, coleti- vamente, podermos projetarmos uma nova ordem social. Estes valo- res são a cooperação, a criatividade, a tolerância, o respeito ao ou- tro e ao planeta. Conhecido no mundo todo, Paulo Freire (1921–1997) represen- tante da filosofia da libertação, é considerado um dos mais importantes educadores da atualidade. Suas obras e experiências se espalharam pelo mundo principalmente porque após o golpe militar de 1964, que instaurou a ditadura brasileira, Freire foi exilado do Brasil, viven- do e trabalhando primeiramente no Chile, e depois em vários lugares como Genebra, na Suíça, países africanos, como Cabo Verde, Ango- la, São Tomé e Príncipe, e Nicarágua, na América Central. Por onde passou, Paulo Freire deixou sua marca de educador comprometido com as classes oprimidas. Quando retornou ao Brasil, após a ditadu- ra, retomou suas atividades na universidade, assumiu cargos políticos e continuou a escrever para aqueles que sonham e acreditam que a educação e o mundo podem ser para todos e não só para alguns. Paulo Freire (1921–1997)< ht tp :// ww w. pa ul of re ire .o rg < 79 Sociologia A Instituição Escolar Educação, para Paulo Freire, antes de mais nada, tem a ver com conscientização. Vamos entender o que ele quer dizer com isso. Partindo do princí- pio de que vivemos numa sociedade dividida em classes, temos alguns grupos que estão na situação de domínio, de poder, e outros (a gran- de maioria), que vivem à mercê das ordens e decisões tomadas pelos primeiros, numa situação de opressão. Ser oprimido significa não so- mente estar subjugado economicamente, mas principalmente não ser respeitado em suas manifestações culturais (valores, linguagem, religião, etc), não ter voz na sociedade (suas insatisfações e suas propostas não são ouvidas), e não considerar-se sujeito de sua história. A condição de oprimido é muito complexa porque esse, muitas vezes, não se perce- be como tal, ou pior, se percebe e considera como “natural” o fato de existirem os que mandam e os que são mandados (visão fatalista), tam- bém muitas vezes considera-se mesmo inferior e “merecedor” do lugar que ocupa na sociedade. A educação conscientizadora, proposta por Paulo Freire, tem a tare- fa de ao mesmo tempo conscientizar criticamente o educando de sua po- sição social e mobilizá-lo internamente para a luta pela transformação da sociedade. Portanto, a educação assim entendida, reveste-se de um cará- ter essencialmente político. Ou seja, além do estudo, do conhecimento, da aquisição de habilidades, a escola tem papel fundamental na constru- ção de sujeitos autônomos, críticos, em condições para lutar pela supera- ção das desigualdade e pela transformação da sociedade. Este é o sentido da Pedagogia da Libertação – contribuir para a cria- ção de homens e mulheres “livres” – abertos para a vida, para o novo, para um fazer e refazer permanente na busca do mundo que fará a to- dos mais felizes, e não somente alguns. Algumas pessoas criticam Paulo Freire, acusando-o de utópico ou sonhador. A elas, ele mesmo responde: “(...) Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperan- ça, sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que via- bilizem a sua concretização. O meu discurso em favor do sonho, da utopia, da liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora (FREI- RE, 2001: 86). 80 Ensino Médio O Processo de Socialização e as Instituições Sociais Referências: ARANHA, M. L.A História da educação. São Paulo: Moderna,1996. BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. São Paulo: Francisco Alves, 1975. BRANDÃO,C.R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1982. CAMBI, F. História da educação. São Paulo: Editora UNESP,1999. CÂNDIDO, A. A estrutura da escola. In: PEREIRA, L.; FORACHI, M. (org.) Educação e sociedade: leituras de sociologia da educação. São Paulo: Ed. Nacional,1976. CHARLOT, B. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para educação hoje. Porto Alegre: Artmed, 2005. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. DURKHEIM. E. Educação e sociologia. 6ª ed. Trad. Lourenço Filho. São Pau- lo: Melhoramentos, 1965. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – Publicado no “Diário Ofi- cial” da União, de 16 de julho de 1990. z Realizar um ensaio fotográfico sobre a sua escola. Fotografar aspectos da arquitetura, a forma de uti- lização das paredes (imagens e símbolos), o mobiliário, as pessoas – alunos, professores, funcionários, visitantes. Procure perceber como estes se sentem e como se relacionam entre si e com o espaço es- colar. Você vai descobrir coisas que nunca havia visto. A câmera fotográfica nos possibilita um olhar de redescoberta do que imaginávamos conhecido! Proponha uma exposição das fotografias na escola, acompanhadas de pequenos textos sobre as impressões que as imagens causaram a vocês. Ler e debater em sala a obra sugerida: “A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir”, de Rubem Alves, que relata uma bela experiência educativa, que já existe há vinte e cinco anos em Portugal, e que nos comprova a possibilidade de uma escola que ensina na prática, o verdadeiro sentido da palavra cidadania. Os filmes abaixo também podem auxiliá-lo a repensar a educação que você “recebe”, e a escola que você conhece: “Sarafina” – o som da liberdade (1993, África do sul, direção: Darrel James) “Nenhum a menos” (1999, China, direção: Zhang Yimou) “De volta para casa” (1989, E.U.A, direção:Zhang Yimou) “A corrente do bem” ( 2000, E.U.A, direção Mimi Leder) “Sociedade dos poetas mortos” (1989, E.U.A, direção: Peter Weir) “Professor profissão perigo” (1996, França, Gérard Lauzier) PESQUISA 5 A INSTITUIÇÃO RELIGIOSA Marilda Iwaya< magine se algo semelhante ocorresse ho- je, ou se nos fosse dado o poder de saber o dia de nossa morte? Como agiríamos? O que pensaríamos? Para muitos, a consciên- cia de nossa finitude, a certeza de que somos mortais, levaria a repensar nossos valores, nossos atos cotidianos, nossas preocupações, as quais, numa situação como a colocada acima, ganhariam outra dimensão. Os versos citados acima pertencem à mú- sica “E o mundo não se acabou” do composi- tor Assis Valente (1908-1958), e foram inspira- dos numa notícia divulgada nas rádios do país no ano de 1938. Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar... (Assis Valente) 84 Ensino Médio O Processo de Socialização e as Instituições Sociais A notícia era uma brincadeira (é claro), mas o fato provocou a pre- ocupação e agitação da população do país que teve as mais variadas reações, desde gastar todo o dinheiro, até praticar atos considerados insanos... “Beijei na boca de quem não devia Dancei um samba em traje de maiô” (Assis Valente) Talvez nem seja necessário pensar no fim do mundo, ou na própria morte, mas o simples fato de ficar “frente a frente” com a perda de al- guém muito querido, comover-se com as catástrofes que levam à mor- te de milhões de pessoas ou com o drama cotidiano dos doentes e fa- mintos que passam a vida somente em busca de alimento, e morrem ignorando totalmente as possibilidades que a vida pode nos oferecer, sejam situações que certamente levam muitos de nós a pensar sobre o sentido da vida, sobre as razões de nossa existência, sobre os motivos que fazem cada um de nós termos vidas tão diferentes. Estas são questões que incomodam a humanidade desde os mais remotos tempos, muito antes dos filósofos gregos colocarem as clás- sicas questões: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Pa- ra que viemos? A busca dessas respostas motivou-nos a desenvolver o que pode- mos chamar de pensamento sagrado, ou seja, nossa imaginação e in- teligência, movidas pela curiosidade, levou-nos a criar histórias que nos explicam e aquietam nossas angústias sobre os mistérios acerca da criação de todo o universo, e sobre o destino que nos espera. É cla- ro que a ciência também se encarregou de buscar estas respostas, mas trataremos disto mais a frente. Segundo Marilena Chauí, filósofa brasileira, o “sagrado opera o en- cantamento do mundo” (Chauí,1998: 297), ou seja, essa forma de pen- samento nos remete a um mundo povoado de seres sobrenaturais com poderes ilimitados que nos observam, nos recompensam, nos casti- gam, nos auxiliam, etc. Em todas as culturas conhecidas, vamos encon- trar sinais do sagrado. Não importa se são seres naturais dotados de poderes sobrenaturais – a água, o fogo, o vento, se animais – o cordei- ro, a vaca, a serpente, se seres com forma humana – santos, heróis, ou seres imaginários – anjos, demônios. Em outros casos não há deuses, mas práticas, regras ou rituais com dimensões sagradas. Exemplifican- do: para alguns povos indígenas o Sol e a Lua são considerados sagra- dos, para os hindus, a vaca é um animal digno de idolatria, os judeus não cultuam deuses, mas têm seus dogmas, assim como os budistas, que transformam todo o universo em entidade sagrada. Juntamente com o desenvolvimento do pensamento sagrado, são criados os “locais sagrados”, templos, igrejas, sinagogas, terreiros, mes- 85 Sociologia A Instituição Religiosa quitas, os céus, que são os lugares estabelecidos para as celebrações, as homenagens, os sacrifícios, enfim são os lugares em que as pesso- as se reúnem ou aos quais se dirigem mentalmente, para reafirmarem suas crenças, celebrarem seus rituais. Observe que para algumas religi- ões, em alguns momentos históricos, esses locais tornam-se verdadei- ros símbolos de poder, como as catedrais medievais. Ritual de benção de alimentos< Fo to : J oã o Ur ba n < O que são os rituais? Os rituais são atos repetitivos, que rememoram o acontecimento inicial da história sagrada de determinada cultura. É fundamental na celebração do ritual que as palavras e os gestos sejam sempre os mes- mos, pois trata-se de uma reafirmação dos laços entre os humanos e os deuses. Quem já presenciou uma cerimônia de casamento da Igre- ja Católica conhece de antemão as palavras e os gestos que serão ditos e praticados pelo padre e pelos noivos. Trata-se de um ritual de pas- sagem, da vida de solteiro para a vida de casado. Os rituais são reali- zados para agradecermos graças recebidas, para pedirmos ajuda, para desculpar-nos por atos considerados incorretos, assim como para ser- mos aceitos numa religião, ou nos despedirmos da vida. Outra importante característica das religiões são os dogmas – ver- dades irrefutáveis que são mantidas pela fé. Um dogma jamais pode ser questionado, ou colocado em dúvida. Por exemplo: a transforma- ção do vinho e do pão em sangue e corpo de Cristo. Este conjunto de símbolos sagrados, que inclui o pensamento reli- gioso, somado aos locais e rituais sagrados formará um sistema religio- so, ou uma religião. z 88 O Processo de Socialização e as Instituições Sociais Mas por que a Igreja Católica possui tanto poder? A origem deste poderio da Igreja Católica pode ser encontrado no fim do Império Romano do Ocidente, com a legalização do cristianis- mo no ano 313. A partir daí, o progresso do cristianismo se acelerou, Cracóvia< Fo to : J oã o Ur ba n < da correspondiam à cultura daqueles povos. A visão eurocêntrica fazia-os crer que os indígenas, apesar de esta- rem situados numa escala inferior de humanidade, se comparados aos europeus, ainda assim poderiam ser cristianizados e salvos com inter- venção de um religioso que lhes encaminhasse para a fé. Logo em seguida, com o processo de colonização, povos africanos foram trazidos como escravos e consigo carregam também seus cul- tos, suas crenças, seus rituais, enfim sistemas religiosos estruturados há muito tempo. No Brasil, essas pessoas foram tratadas como merca- dorias, como coisas, e portanto, suas crenças também foram despre- zadas, ou pior, proibidas. Mais tarde houve a vinda de outros povos europeus e asiáticos que imigraram em busca de terras e trabalho. Jun- to com seus sonhos, trazem também suas religiões, as quais buscaram preservar, como forma de manterem-se unidos e mais fortes numa ter- ra tão estranha a seus hábitos culturais. No entanto, mesmo com todas essa variedade religiosa, as leis bra- sileiras declaravam o catolicismo como a religião oficial do país. Aliás, a Igreja Católica, no Brasil sempre teve um poder muito grande, não somente em seu âmbito, mas também nas questões políticas nacionais e regionais. Até o advento da República, Estado e Igreja legislavam em conjunto, decidindo os rumos da nação. Ainda no período Vargas (1930 – 1945), vamos encontrar fortes influências dos chamados seto- res católicos na política nacional. 89 Sociologia A Instituição Religiosa A Inquisição era um verda- deiro tribunal que julgava e condenava as pessoas que considerava hereges. Qual- quer um que questionasse as idéias e as práticas da Igreja poderia ser levado aos tribu- nais do Santo Ofício. chegando ao seu auge na Idade Média européia. Nesse período da his- tória, a Igreja Católica reinou absoluta, decidindo os destinos dos rei- nos e dos indivíduos. Todos eram obrigados a professar a mesma re- ligião, e aqueles que não obedecessem seriam duramente castigados. Foi um tempo de muito terror e mentiras. Qualquer ato ou sinal que contrariasse os rígidos preceitos da Igreja eram considerados heresia ou feitiçaria, motivos para perseguições e castigos. Fo to : N eg o M ira nd a < México< Muitos séculos se passaram, e somente no século XVI, veremos o poder da Igreja Católica ser abalado, com o Movimento da Reforma Religiosa. A Reforma constituiu-se num rompimento da Igreja Católi- ca e teve como conseqüência religiosa o surgimento de novas igrejas – conhecidas como protestantes (luteranismo, calvinismo). O conflito tem início quando Martinho Lutero (1484–1546), monge alemão rom- pe com o Papa porque discordava de algumas práticas da Igreja, como a venda de indulgências, de relíquias e cargos. A partir do Iluminismo, teremos o acirramento do conflito entre ci- ência e religião. Galileu Galilei (1564–1642) foi obrigado pela Igreja a negar sua teoria (heliocentrismo), caso não desejasse sofrer as penas da Inquisição. O Iluminismo introduziu formas inéditas de ver o mun- do, que até então era percebido somente em termos religiosos, e esta nova visão estava associada a uma nova classe social que se insurgia contra o poder aristocrático. Neste período (séc.XVIII), a religião está associada ao poder aristocrático. Portanto, é fácil perceber que a luta contra o pensamento religioso transformou-se numa luta política, con- tra os representantes deste pensamento conservador. É neste contexto histórico (séc.XIX), que alguns teóricos da Socio- logia iniciam seus estudos sobre a religião. Karl Marx (1818 -1883), 90 O Processo de Socialização e as Instituições Sociais Escolha um ritual religioso que você conhece, descreva-o e aponte os elementos de coesão, soli- dariedade social e reafirmação de valores do grupo religioso a que este pertence. ATIVIDADE Marx muitas vezes foi citado como um crítico mordaz da religião, devido principalmente à sua famosa frase: “a religião é o ópio do po- vo” (MARX, 1991: 106). Mas veremos que isto não é bem assim. Marx foi um grande pensador e crítico do sistema capitalista. Suas análises e críti- cas estão focadas no lucro, na mais-valia, na divisão da sociedade en- tre burguesia e proletariado, na luta de classes. Portanto, suas princi- pais preocupações estavam focadas nas condições materiais das vidas das pessoas, na concretude do sistema. Para ele, a forma como a socie- dade se organiza para produzir os seus bens materiais, ou seja, a forma Émile Durkheim (1858 -1917) e Max Weber(1864 -1920) mais uma vez nos auxiliam nesta tarefa da Sociologia de analisar contextualmente e desnaturalizar as relações sociais. Chegam a conclusões distintas em suas análises e reflexões sobre as funções da religião nas sociedades. No entanto, num aspecto é possível observar a convergência entre os três pensadores: são unânimes em anunciar o previsível fim da reli- gião. Afirmam que com o desenvolvimento das sociedades industriais, a religião tenderia a perder espaço para outras atividades sociais. Ou seja, a modernização e a industrialização levaria ao que a Sociologia denomina de processo de secularização. É!! Parece que se equivocaram! Caso contrário não estaríamos neste mo- mento gastando nossas horas com esse estudo. Para Durkheim, a religião teria a função de fortalecer os laços de coesão social, e contribuir para a solidariedade dos membros do gru- po. Por isso, as cerimônias e os rituais ganham uma grande importân- cia, uma vez que são estes momentos que possibilitam o encontro dos fiéis e a reafirmação de suas crenças. Durkheim iniciou e baseou suas análises em uma pesquisa realizada com os povos aborígenes austra- lianos, na qual abordava a prática do totemismo. Um totem é um obje- to sagrado, um símbolo do grupo, venerado nas cerimônias ritualísticas. Po- de ser uma planta, um animal, ou objeto, que por possuir, em sua origem, um significado especial para o grupo, adquire o caráter de sagrado. A utiliza- ção do termo Totem está restrito às religiões chamadas “elementares” ou simples. Reafirmando, podemos concluir que para Durkheim, a re- ligião possui unicamente a função de conservar e fortalecer a ordem estabelecida. De forma alguma pode ser associada a questões de po- der político ou ideológico. “A secularização representa o processo por meio do qual a religião perde sua influên- cia sobre as diversas esfe- ras da vida social”. (GIDDENS, 2005, p. 437) 93 Sociologia A Instituição Religiosa Xintoísmo Trata-se da antiga religião oficial do Japão. Originariamente não possuía um fundador, doutrinas nem dogmas. Estrutura-se por inter- médio de um conjunto de mitos e ritos que estabelecem o contato com o divino e explicam a origem do mundo, do Japão e da família impe- rial japonesa. O universo xintoísta é povoado por milhares de deuses, denominados kamis – que se manifestam na forma de rios, montanhas, flores, seres humanos, animais, etc. Kami também pode ser traduzido por espírito, sendo o culto aos ancestrais uma das práticas mais impor- tantes do xintoísmo. Hinduísmo São surpreendentes a permanência no tempo e a complexidade desta religião, que perdura há aproximadamente 6 mil anos, e com- põe-se de tão grande variedade de cultos e práticas religiosas, que pode ser considerada como um grande conjunto formado por várias pequenas religiões. Mas algumas características unem todos os hindu- ístas, quais sejam: o sistema de castas, a adoração às vacas e a crença no carma. A organização da sociedade em castas parte do princípio de que os indivíduos vêm ao mundo já ocupando um lugar na hierarquia social, como resultado de suas encarnações nas vidas passadas. Por- tanto, este deve cumprir com resignação a função que lhe coube, por- que um viver com pureza pode resultar como “prêmio”, uma vida fu- tura numa casta superior. As quatro castas do hinduísmo são: 1º. – os sacerdotes (brâmanes), 2º. – guerreiros, 3º. – agricultores, comerciantes e artesãos e 4º. – os servos. Um quinto grupo que não é considerado casta são os párias. Cada casta tem suas próprias regras de condutas e suas próprias regras religiosas. A vaca é considerado um animal sagrado, um símbolo da vida, por- que ela supre tudo que é necessário à sobrevivência humana, portan- to, não é permitido matá-la. Budismo – criado na Índia, pelo príncipe Sidarta Gautama O Buda (o iluminado), por volta do séc. VI a.C.. Este é tratado pelos adeptos do budis- mo como um guia espiritual, e não um deus. Importa ressaltar que Buda era absolutamente contra o sistema de castas existente na Índia. Segundo o budismo, o ser humano es- tá condenado à reencarnação após cada mor- te, e a enfrentar novamente os sofrimentos do mundo (lei do carma). Para encerrar este cons- tante ciclo, deve-se buscar o estado da perfeita iluminação, ou nirvana. Este estado é alcança- do por intermédio da meditação e da contem- Foto: IconeAudiovisual< 94 O Processo de Socialização e as Instituições Sociais plação, que corresponde à negação dos desejos – fonte de todos os sofrimentos. Confucionismo Foi a doutrina oficial da China durante quase dois mil anos (do séc.II ao início do séc. XX). Criada pelo filósofo Confúcio (Kung Fu Tzu), seus ensinamentos apontam no sentido da busca do caminho do Tao – que se- ria o equilíbrio e a harmonia entre o universo, a natureza e o indivíduo. Para alcançar este caminho é necessário o conhecimento e a compreen- são, os quais são obtidos por meio do estudo do passado, da tradição. A respeito da vida após a morte, Confúcio não ousava comentar, uma vez que ainda não havíamos compreendido o que é a vida na Terra. Religiões de origem africana Citaremos aqui somente as principais religiões afro-brasileiras presen- tes hoje no Brasil, não esquecendo de que, na África, encontraremos uma grande variedade de religiões – as religiões tradicionais ou tribais. Candomblé Originário da África, o candomblé chegou ao Brasil junto com os primeiros escravos africanos, entre os séc. XVI e XVII. Seus deuses são chamados de Orixás e representam as principais nações africanas de língua iorubá. Suas cerimônias são realizadas em língua africana, acompanhadas de cantos e sons de atabaques. Como esta forma de re- ligião era proibida no Brasil, seus adeptos associaram seus deuses a santos católicos, criando o que se conhece como sincretismo religioso. Os deuses do candomblé dão proteção às pessoas, mas não determi- nam como essas devem agir, e não castigam caso essas cometam algo considerado incorreto para a sociedade. Umbanda É uma religião brasileira, resultado da fusão de duas religiões africanas: a ca- bula e o candomblé, e de crenças euro- péias. O universo para os umbandistas é habitado por entidades espirituais – os guias, que entram em comunicação com as pessoas por intermédio dos iniciados, ou médiuns. Os guias assumem formas como o caboclo, a pomba-gira, o preto velho e outros. A umbanda se propagou por todas as regiões do Brasil, e é fre- qüentada por pessoas de todas as classes sociais e todas as origens étnicas. z Fo to : J oã o Ur ba n < Ritual de Umbanda< 95 Sociologia A Instituição Religiosa Religiões originárias do Oriente-Médio As religiões comentadas abaixo adotam a prática do monoteísmo, ou seja, o culto a um único Deus. Judaísmo É a mais antiga da três grandes religiões monoteístas, sendo suas origens encontradas há aproximadamente 1.OOO anos a.C. A palavra judeu deriva de Judéia, parte de uma região do antigo reino de Israel. Os judeus crêem num único Deus, onipotente, o qual estabeleceu com eles um pacto, uma aliança. Por isso, consideram-se “o povo escolhido por Deus”. O livro sagrado dos judeus é a Bíblia judaica, ou Torá, que corresponde ao Antigo Testamento dos cristãos, porém organizada de uma forma um pouco diferente. A vida dos judeus é regida por normas rígidas estabelecidas por Deus. O não-cumprimento dos deveres com Deus e com seus seme- lhantes implicará em castigos divinos. Cristianismo Tem origem no séc.I, na região ocupada hoje pelos atuais Estados de Israel e territórios palestinos. Seus primeiros adeptos são os se- guidores de Jesus Cristo e de seus apóstolos. A doutrina cristã nos ensina que Deus envia à Terra, seu filho Cristo – o salvador, o qual foi morto a favor dos homens que estavam dis- tanciado-se de Deus. Na sua ressurreição Jesus oferece às pessoas a possibilidade de salvação eterna após a morte, caso essas aceitem seguir seus preceitos de amor a Deus e aos seus se- melhantes. O cristianismo segue a Bíblia, que se divide em Antigo e Novo Testamento. Algu- mas vertentes do cristianismo são apresenta- dos a seguir: Igreja Católica Romana Igreja Ortodoxa Igreja Anglicana Igreja Luterana Igreja Presbiteriana Igreja Metodista Igreja Batista z Aparecida - SP< Fo to : J oã o Ur ba n < 6 A INSTITUIÇÃO FAMILIAR Marilda Iwaya< “Que seja eterno enquan- to dure, posto que é chama”. (Vinicius de Moraes). “Qualquer maneira de amor vale a pena”. (C. Velozo). “Desde que João se foi em busca de trabalho... Maria cria sozinha seus filhos...” “A família era muito mais um núcleo econômico... os laços afetivos não importa- vam”. Fotos: João Urban< 100 O Processo de Socialização e as Instituições Sociais Algumas das imagens apresentadas anteriormente têm a ver com sua idéia de família? Ou melhor, com a idéia que você construiu a res- peito de família? Sim? Não? Talvez? Será que há algo em comum entre as imagens? É! Pensar sobre família não é algo fácil! Pois são muitas as referências que temos sobre essa instituição. A primeira idéia provavelmente está ligada à nossa própria família – aquela na qual nascemos ou na qual fomos criados. Mas à medida que crescemos e vamos saindo do nosso “mundinho”, começamos a ob- servar que as pessoas vivem em grupos familiares diferentes do nosso. Vemos a família dos vizinhos, dos amigos da rua, dos colegas da esco- la, das novelas da TV, dos comerciais de margarina... Isto sem mencio- nar outros lugares, distantes ou não muito do nosso, e outros tempos históricos, nos quais as famílias eram e são ainda muito mais diferen- tes que as nossas conhecidas. Frente a isso somos levados a pensar: que instituição tão estranha é essa! Ao mesmo tempo que parecem tão semelhantes, são, por sua vez, tão di- ferentes! Veja por exemplo as imagens da primeira página. O que há de se- melhante entre a imagem 4 (família patriarcal) e a imagem 2 ( mãe com seus filhos)? Será que o sentimento que une o casal 1 é o mesmo que une as pessoas da imagem 4? Aliás, que sentimentos unem os mem- bros de uma família? Amor, afeto, respeito, cumplicidade? Muitas ve- zes sim. Mas certamente não foi e não é sempre assim. Algumas vezes as pessoas se unem para formar uma família por questões econômicas, outras vezes, por tradição, ou para obedecer regras impostas pela so- Fo to : J oã o Ur ba n < Família Bojan<
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved