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Guias e Dicas
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Amor restaurado, Notas de estudo de Antropologia

Homossexualidade e Restauração à luz do Cristianismo

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 30/09/2011

cleber-tourinho-7
cleber-tourinho-7 🇧🇷

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Baixe Amor restaurado e outras Notas de estudo em PDF para Antropologia, somente na Docsity! Mário Bergner AMOR RESTAURADO Esperança e cura ao homossexual Dedicatória Para Annlyse DeBellis e Leanne Payne, duas mulheres cujo amor por Jesus e por mim converteram-me em um homem melhor. Publicado em inglês com o título Setting Love in Order. 1ª impressão, dezembro 2000 (Brasil) 1 Esse Livro foi digitalizado com permissão da Editora Palavra, que contém os direitos autorais da obra. Apoiamos e incentivamos sua reprodução, utilização e distribuição. Nossa intenção em lançar o material em arquivo “pdf” é alcançar o maior número de pessoas GRATUITAMENTE. É PROIBIDO COMERCIALIZAR OU ALTERAR ESSE ARQUIVO. Maiores informações: closetbook@hotmail.com Visite a Editora Palavra e conheça materiais que edificam todas as áreas da sua vida: http://www.editorapalavra.com.br/site/ http://closetfullbr.blogspot.com 2 Agradecimentos À equipe Pastoral Care Ministries, minha família em Cristo – Leanne Payne, rev. William Beasley e rev. Anne Beasley, Ariane de Chambrier, rev. Conlee e Signa Bodishbaugh, rev. Bob e Connie Boerner, Patsy Casey, Denis Ducatel, John Fawcett, Jean Holt, Jonathan Limpert, Val McIntyre, dr. Jeffrey Satinover, Ted e Lucy Smith. Juntos, temos percorrido o mundo glorificando a Deus, maravilhando-nos com Seu poder de cura e acumulando lembranças felizes para o céu. Aos amigos e colaboradores do ministério de redenção sexual – Exodus International em San Rafael, Califórnia; rev. Andy Comiskey e equipe da Desert Streams, Los Angeles; rev. Michael Lumberger e equipe Dunamis Ministries, Pittsburgh r Katheribe Allen e equipe Sought Out Ministries, Virginia Beach – por uma unidade em Cristo que proclama que Jesus perdoa e cura do homossexualismo. À faculdade, aos alunos e à equipe da Escola Episcopal Trinitariana para o Ministério de Ambridge, Pensilvânia, por suas orações, incentivos, apoio e flexibilidade em relação a minha agenda de viagens. Ao dr. Stephen M. Smith, conselheiro durante meus anos de seminário, pelo incentivo e a Patrícia Miller por graciosamente me instruir na redação e revisão deste livro. A Hal B. Schell, rev.David Brown e a meu antigo grupo de bairro em Milwaukee, por me amarem e encorajarem desde o início do meu processo de cura. A amigos especiais ao redor do mundo: rev. Jim e Donna Adkins, rev. Norman e Jackie Arnold, rev. David e Jô Blackledge, Ron e Lin Button, dr. Stuart e Marilyn Checkley, Cliff e Lyn Davis, Kathleen Demien, rev. Larry e Claudia Evans, Jenny Flanagan, rev. Joseph Garlington, John r Susan LeCornu, Artemis Limpert, Christiane Mack, rev. Clay e Mary McLean, Mary Pomrening, rev. Gerry Soviar, dr. Daniel Trobisch e dr. Roland e Elke Werner – por enriquecerem minha vida com suas orações, amor e amizade. Àqueles do ramo editorial que sempre acreditaram neste livro: Lila Bishop, minha editora, pela amizade e tempo, Steve Griffith, nosso agente, pela marca Hamewith da Baker Books e a Jan Denis por me incentivar a publicar este livro. A todos que citei, “O Senhor te abençoe e te guarde; O Senhor faça resplandecer o Seu rosto sobre ti E tenha misericórdia de ti; O Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz.” Números 6:24-26 5 “Escolha” 1 “O Senhor o sustentará no leito da enfermidade e o restaurará da sua cama de doença. Eu disse: senhor, tem compaixão de mim, sara a minha alma, pois pequei contra ti.” (Salmo 41. 3,4) Na sala de radiologia do hospital, preparando-me para um raio X do peito, a enfermeira me pediu: - Por favor, tire a correntinha e a medalha que o senhor está usando no pescoço. Tratava-se, na verdade, de uma bela cruz com o rosto de Jesus gravado por cima. A enfermeira deve ter notado a apreensão nos meus olhos, enquanto eu carinhosamente esfregava o precioso presente que recebera de meus pais, anos antes. - Se a envolvermos com fita, o senhor poderá mantê-la durante o raio X – disse ela. - Obrigado. Aquele símbolo de Jesus pendendo do meu pescoço era o último vestígio da fé cristã que, um dia, eu enxergara como uma fonte de esperança. Mais tarde, já no hospital, deitado na cama, senti-me vazio e com medo enquanto relembrava os acontecimentos dos anos mais recentes. Minha saúde, nos últimos treze meses, se debilitara drasticamente. Da primeira doença venérea, em janeiro de 1982, até minha presente internação (fevereiro de 1983) no Hospital Municipal de Boston, por causa de herpes, meu corpo apresentara doze sintomas assustadores. Na minha cabeça, o fato de tudo isso estar acontecendo dois anos depois de me tornar sexualmente ativo na cidade de Nova Iorque, apontava para uma direção – AIDS. Cinco dias de exames de sangue, todos negativos, deixaram-me uma só opção: biópsia da medula óssea. Era o único exame que faltava para descobrir por que a contagem de minhas células T apresentava resultados tão baixos. Meu médico dera essa sugestão anteriormente, porém eu recusara, sabendo que seria o teste final pra o diagnóstico da AIDS. Temia também a dor a que teria de me submeter. Ainda assim, sem outra alternativa a minha frente e no mais completo desespero, concordei em fazê-lo no dia seguinte. Aquela noite, deitado na cama, mais uma vez acariciei a cruz que pendia do meu peito. Seu nome formou-se em meus lábios: - Jesus..., Ó, Jesus – orei - , o que foi que eu fiz? Eu te busquei aos quatorze anos e de novo aos dezoito, mas em nenhuma daquelas ocasiões recebi a cura de que precisava para ser liberto do homossexualismo. Por quê, Senhor? Por que algumas pessoas conseguem ir até o Senhor e participarem da 6 vida da igreja, enquanto outras, como eu, apesar de minha evidente necessidade, não encontram qualquer auxílio? Não ouvi resposta alguma. Mas tive uma visão. Surpreso com a cena que se desenrolava a minha frente, sentei-me na cama. A princípio, pensei, “Você está delirando, Mário. Feche os olhos que passa!” Porém, mesmo com os olhos fechados, a imagem continuava ali. Abri de novo os olhos e limitei-me a assistir, como a um filme que estivesse sendo projetado aos pés da cama. Cenas distintas eram exibidas simultaneamente em duas telas suspensas em pleno ar. A tela à esquerda me mostrava na condição homossexual, recebendo tratamento para a AIDS, em um quarto de hospital. A tela à direita apresentava o contorno da cabeça e ombros de Jesus, enquanto uma luz muito forte brilhava às Suas costas. Então o Espírito do Senhor disse: Quero curá-lo por inteiro, não apenas o seu corpo. Escolha. Como minha única preocupação no momento era ser curado fisicamente, não compreendi muito bem o que significava me “curar por inteiro”. Ainda assim, sabia que algo extraordinariamente real estava acontecendo, de forma que escolhi a tela que mostrava o Senhor. No mesmo instante, a outra tela foi perdendo nitidez até desaparecer por completo. Em seguida, tive a impressão de que todo o quarto era sugado para dentro da tela que restara. Até que me encontrei na presença de Deus. E sem palavras. Esperei em silêncio a Sua frente. No início, imaginei que me encontrasse diante de um anjo. A luz que brilhava por detrás era tão clara que me impedia de fitar-lhe o rosto. Mas hoje estou convencido de que aquela presença no meu quarto era, na verdade, de Jesus. Depois do que me pareceu um longo tempo, o Espírito do Senhor levou-me a orar por mim mesmo. Levantou-me os braços e conduziu-me em oração, impondo minhas próprias mãos sobre meu corpo. Adormeci com as mãos sobrepostas, pousadas sobre a clavícula esquerda. Uma vez adormecido, sonhei com uma colega dos tempos de faculdade, em Milwaukee (naquela época, eu sempre pensava que, se fosse heterossexual, ela seria o tipo de garota com quem me casaria). No sonho, nos casávamos de fato. Meses mais tarde, quando Jesus começou a me curar da neurose homossexual, o sonho voltou a minha mente diversas vezes. Interpretei-o como uma promessa de Deus, de que um dia eu desejaria uma mulher e com ela me casaria. Na manhã seguinte, bem cedo, uma enfermeira entrou no quarto e colheu material para um último exame de sangue antes a biópsia da medula óssea, já agendada. Passaram-se algumas horas. Afinal meu médico, um jovem residente, veio me ver. Perplexo, disse que o exame de sangue daquela manhã revelara um surpreendente aumento dos glóbulos brancos, Por esse motivo, adiaria a biópsia até poder fazer nova contagem das células T, dentro de poucos dias. Eu soube então que recebera uma cura de Jesus! Depois de mais cinco dias em observação no Hospital Municipal de Boston, recebi alta. Meu médico estava aturdido. Lembro-me de seu ar pasmado, a testa cheia de rugas, balançando a cabeça e atribuindo minha miraculosa recuperação ao tipo de vírus, com certeza ainda não diagnosticado, que me atacara. Ordenou-me que voltasse para uma avaliação mais completa uma semana mais tarde. Dessa vez fez-se acompanhar de seu supervisor. Revisaram juntos meus registros e a alarmante deterioração do meu sistema imunológico, que me levara à hospitalização. Perplexo, o jovem residente contou a seu colega, mais velho e experiente, que eu voltara a trabalhar e estava fazendo ginástica na academia, de novo. Quando escolhi a vida durante aquela visão no hospital, Deus curou-me da enfermidade física. No entanto, eu ainda ignorava que enveredara por uma estrada que acabaria por me conduzir à renúncia também do homossexualismo. Não dispunha de 7 politicamente atuante comunidade feminina da vizinha Cambridge. Uma delas, líder da bancada gay em Massachusetts, de brincadeira, declarou feriado estadual no dia do meu aniversário. Certa noite de outono, depois de jantar em Harvard Square, Shauna e eu saímos para uma caminhada pelas alamedas de Cambridge. À distância, via-se o campanário de uma igreja, com seus tijolos vermelhos. À medida que nos aproximávamos, ouvimos um coral cantando a plenos pulmões, no melhor estilo gospel negro, uma música sobre o sangue de Jesus. Hipnotizados, paramos na frente da igreja e ficamos escutando. O cântico que entoavam era como uma brisa suave que com todo cuidado nos colhesse do chão feito folhas caídas e nos depositasse sobre os últimos bancos da igreja. Terminada a música, um jovem pregador negro iniciou o sermão sobre o poder de Deus. Enquanto falava, passeava todo empertigado pelo corredor central, indo e voltando. Chegou a subir em alguns bancos. Receei que estivesse fazendo tudo aquilo por nossa causa. Éramos os únicos brancos na igreja inteira. Imaginei-nos duas desagradáveis manchas desbotadas sobre um belo e elegante vestido de veludo negro. Para meu alívio, ele não se aproximou de nós. Durante todo o sermão, as pessoas gritavam “amém” e “isso mesmo!” Quando o pregador concluiu a mensagem, a congregação irrompeu em uma série de poderosas canções de louvor. A presença de Jesus encheu a pequena igreja. Shauna e eu ficamos sem fala. Sentia-me à beira das lágrimas. Muitos anos tinham se passado desde a última vez que experimentara a presença de Deus. Ainda fugindo do Senhor, a voz embargada pela emoção, sussurrei para Shauna: - Vamos embora daqui antes que acabe o culto. De novo na rua, tomamos o rumo para voltar a Harvard Square, calados, enquanto o som dos cânticos vindo da igreja enfraquecia pouco a pouco. Quando não conseguíamos mais ouvi-lo, Shauna quebrou o silêncio: - Mário, você está diante de uma judia lésbica que acaba de sentir a presença de Jesus naquela igrejinha. - Havia lágrimas em seus olhos. Com a voz trémula, repliquei: - Eu senti a mesma coisa. Chegando a Harvard Square, nos separamos. Tomei o trem para voltar para casa e Shauna foi embora a pé. Nunca mais mencionamos esse episódio, um ao outro. Por volta de outubro de 1982, a dura realidade da vida gay, aos poucos se tornava patente para mim. A sensação inicial de alívio, por assumir minha condição e o fascínio por aquele estilo de vida haviam se desgastado. Começava a enxergar algumas das facetas obscuras daquela vida: a eterna preocupação com a juventude, tão presente na comunidade gay, as doenças sexualmente transmissíveis e contra as quais estava sempre me tratando, os rompimentos devastadores com os namorados e o começo da crise da AIDS. Como nuvens negras, a realidade pairava sobre as falsas promessas de felicidade e liberdade feitas aos jovens instigados a abraçar o homossexualismo. Nesse período, lembranças do meu passado cristão enchiam-me de dor. Eu parecia um rio pelo qual fluíssem duas correntes opostas - uma que eu permitia ao mundo conhecer, minha identidade homossexual e a outra, muito bem escondida dentro de mim, a cristã. À medida que aumentava essa dor, sentia-me cada vez mais desesperado e deprimido. No entanto, exteriormente, continuava me conformando à imagem politicamente correta do homossexual "experiente". A ideia de que era falsa a esperança um dia experimentada, de que tudo não passara de sensações tribais baratas, crescia dentro de mim. Um único fator impedia que a corrente cristã deixasse de fluir em meu interior: continuava acreditando que Jesus Cristo era Deus. Por esse motivo, ainda me incomodava o sentimento de culpa, já que não vivia de acordo com os 10 padrões cristãos. Além do mais, falava periodicamente com Jesus, embora não me desse ao trabalho de esperar para ouvir o que Ele tinha a dizer. Uma noite, voltando de um bar gay para casa, subi as escadas do prédio conversando em voz alta com Ele. Perturbava-me um pouco continuar sentindo que Deus me guardava, mesmo depois que eu escolhera um estilo de vida obviamente contrário a Sua vontade. Bêbado, gritei com Ele: - Eu me sentiria muito melhor se o Senhor me deixasse em paz, para que pudesse seguir minha vida sem o peso dessa culpa que me acompanha desde a adolescência. De repente um versículo da Bíblia saltou dentro da minha mente: "De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei" (Hebreus 13.5). Chegando ao terceiro pavimento do prédio, decidi que, embora Deus não me deixasse em paz, ainda assim eu tentaria abandoná-Lo de uma vez por todas. Até então, essa ideia jamais me passara pela cabeça. Diante das portas que se abriam para o corredor do andar onde morava, falei para Jesus: Pronto, está decidido. Vou Te deixar aqui na escada e quando passar por estas portas, quero ficar livre de Ti e dos sentimentos de culpa para sempre. No momento em que passei pelas portas e me pus a caminhar rumo a meu apartamento, meus olhos se abriram de forma a permitir que eu visse literalmente as centenas de demónios que se lançavam contra mim. Nunca vira nada parecido, mas sabia do que se tratava. Aterrorizado, voltei correndo para a escada, fechei as portas atrás de mim e disse: - Eu não estava falando sério, Senhor. Não quero deixá-Lo; sofrer contigo é melhor do que sofrer sem Ti. Hesitante, abri as portas de novo e dei uma rápida espiada no corredor. Vazio. Atravessei o corredor com toda cautela. Uma vez dentro do apartamento, tranquei a porta, enfiei-me na cama e procurei tirar da minha cabeça o que acabara de acontecer. A partir daquele incidente, aprendi que Deus não se impõe a nós, nem nos mantém reféns de Sua vontade. Ele segura cada crente na palma da mão com firmeza e, embora nunca nos solte, temos o livre arbítrio de pular. Mais ainda, Jesus ensina, nas Escrituras, que tanto Ele quanto o Pai conservam os crentes na fé e que nenhuma força exterior, não importa com que intensidade, pode nos arrancar de Sua mão. "Eu lhes dou a vida eterna, jamais perecerão, eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar"(João 10.28, 29). Deus em um bar gay Além de lecionar meio período, eu também trabalhava como garçom no restaurante de um hotel da rede Marriott. Uma noite, terminado meu turno, peguei o metrô até a praça Copley. Detive-me um instante em frente à Igreja Trinitariana, no meio da praça - um prédio enorme, glorioso. Olhando para o céu estrelado, perguntei- me: "Onde está Deus?" Deixando a igreja para trás, atravessei a praça, passei por trás do prédio John Hancock Towere segui pela ruazinha mal iluminada que conduzia ao bar gay de que era cliente assíduo. Lá chegando, aproximei-me do balcão principal e pedi um martini de vodca com gelo. Bebericando meu drinque, passei o olhar pelo público presente. Uma centena de corpos masculinos pulsava na pista de dança, ao som de uma música de Michael Jackson. Dispersavam pelo ar o cheio acre do suor que exalavam. Um rapaz latino, baixo e corpulento, segurando um grande leque, apresentava um número de dança que presumi ser típico da América do Sul. 11 A pista era ladeada por compridas arquibancadas. Em cada uma de suas extremidades, alto-falantes enormes, do tamanho de geladeiras, irradiavam música a todo volume. Um segundo balcão de bar ocupava um espaço menor, mais isolado. Mesinhas rodeadas de cadeiras espalhavam-se a sua frente e quem que não gostava de dançar conversava aos gritos por causa da música muito alta. Mais afastadas ficavam as mesas de bilhar, onde rapazes negros e latinos, recém-saídos da adolescência, se reuniam. Uma área com identidade própria, tanto que um amigo lhe deu um apelido carregado de conotação racista. Sustentavam o bar, pilares ilusórios da fumaça dos cigarros, que lâmpadas poderosas fixas no teto aprisionavam em sólidos focos de luz. Nos cantos escuros, homens de mais idade se escondiam. Tinham os olhos vidrados e de um vazio profundo. Fitavam os rapazes no balcão, sem alimentar qualquer esperança. Homossexuais mais jovens, entre os quais me incluía, chamavam-nos de "zumbis". Eram criaturas sub-humanas que nunca viam a luz do sol. Viviam na noite, alimentadas pela lembrança da juventude há muito perdida. Exis- tiam bares especiais para eles, conhecidos como "salão da ruga". Muito de vez em quando, meu amigo Bob e eu íamos a um desses bares divertir os zumbis, cantando velhas canções de musicais da Broadway, em torno do piano. Aquela noite, a desesperança cristalizada nos olhos embaciados dos zumbis me angustiou. Ainda bebendo meu martini, pensei: "Deus ama esses homens, é claro. Com certeza tem planos para suas vidas muito melhores do que isso". Então, olhando para meu reflexo em um espelho próximo, questionei: "Será que um dia também meus olhos ficarão embaciados e sem vida como os deles?" As seguintes palavras das Escrituras vieram-me à mente: "São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há, sejam trevas, que grandes trevas serão!" (Mateus 6.22,23). A sensação de quem sucumbe aos poucos apoderou-se de minhas entranhas e comecei a me desesperar. Até que ouvi uma voz dizer:-Você vai Me ajudar a libertar essas pessoas. Pensando que fosse meu amigo Bob, sempre tão cínico, virei-me esperando encontrá-lo a meu lado, com um sorriso radiante de menino travesso, de orelha a orelha. Mas não o vi. "Essa não," pensei, "estou ouvindo coisas!" Mais que depressa, pedi outro martini. Com o segundo drinque na mão, afastei-me do bar principal e atravessei a pista de dança lotada. Tentando abafar aquela voz indesejada, sentei-me bem junto a um enorme auto-falante. Com os tímpanos latejando por causa da música, mais uma vez ouvi a mesma voz, porém agora com maior clareza que antes: - Você vai me ajudar a libertar essas pessoas! Sabia que era a voz de Deus. O medo se apossou do meu coração. Deixando intacto meu martini em cima do banco, levantei-me com a intenção de ir embora. Nesse instante, a música parou. Quando dei o primeiro passo para atravessar novamente a pista de dança e sair, aqueles homens todos que a abarrotavam, se afastaram, como as águas do Mar Vermelho. Na rua, um táxi esperava. Segurando a porta aberta do lado do passageiro, o motorista perguntou-me: - Precisa de um táxi, amigo? - Sim. De volta a meu apartamento, tratei de bloquear qualquer pensamento a respeito daquela noite e fui dormir. Na manhã seguinte, porém, tomando café, as palavras que ouvira no bar não saíam da minha cabeça. Refletindo no que acontecera, concluí que a combinação entre cansaço e vodca me pregara uma peça. 12 Ó, Jesus, me ajude - orei. Para minha surpresa, surgiu em minha mente a imagem de uma enorme lata de lixo descoberta, cheia de matéria em decomposição. Orando sem parar, vi a tampa da lata se mover e cobrir aquela massa escura. Uma pequena fresta, no entanto, permaneceu aberta. Deus me assegurava que só traria àquele curso questões com as quais eu conseguiria lidar. Se todos os meus problemas fossem expostos de uma vez, eu temia "entrar em parafuso Olhando para trás, hoje percebo que minhas defesas contra a ideia de aceitar a homossexualidade como uma neurose, começavam a ceder. Sentimentos e uma profunda depressão, reprimidos durante anos, aos poucos subiam à superfície. Estava à beira de um colapso nervoso. Quando entrei, Leanne já dera início ao curso. Annelyse guardara um lugar para mim em uma das últimas fileiras e acenou para que me juntasse a ela. Sentei-me e olhei a minha volta, pelo velho ginásio de esportes em que nos encontrávamos. Leanne ministrava debaixo de uma cesta de basquetebol, suspensa mais para perto do teto. Usava uma blusa branca com uma saia preta lisa. De seus ombros pendia um bonito xale de lã que parecia feito à mão. Concentrei meus ouvidos em suas palavras quando ela leu, com grande alegria, o Salmo 139, fazendo questão de enfatizar os versículos 13-16: "Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda ". Terminada essa leitura e após uma breve pausa, ela disse algo cujo sentido é o seguinte: Queridos, Deus, o Pai, os conhece antes que vocês nascessem. Ele se delicia em estar com Seu povo. Ele se deliciou quando Se fez presente em suas vidas, Deus encarnado por meio de Seu Filho, Jesus. Deus está presente em cada lembrança dolorosa que molda vocês. Ele está presente para curar cada ferida de suas vidas. Eu sabia que ouvia verdades, com a mesma certeza que tinha no primário, quando aprendi que um mais um é igual a dois. Meus olhos se encheram de lágrimas e a impressão de que um enorme bocado de dor, que estava prestes a escapar de minhas entranhas, me fez engolir. Daquele momento em diante, a dor dentro de mim adquiriu proporções tão exageradas que pouca coisa consegui escutar. Leanne seguia falando, mas só ocasionalmente eu captava uma ou outra palavra, que calava fundo em meu coração. De tudo que foi dito, só o que chegou aos meus ouvidos foi "blá, blá, blá, blá, PAI. Blá, blá, blá, PERDÃO. Blá, blá, blá, A CRUZ DE JESUS." "Será que essa mulher não está falando coisa com coisa ou o problema sou eu?", cheguei a pensar. Hoje entendo que o mecanismo de sobrevivência que nos faz negar as coisas permitiu-me ouvir apenas aquilo que minha alma seria capaz de assimilar. Leanne encorajou-nos todos a iniciar um diário de oração, o que eu fiz. Instruiu-nos também a anotarmos todos os pensamentos e apresentá-los diante de Deus, a dialogarmos com Ele, e então, aguardarmos a palavra de cura que Ele daria. Inaugurando meu diário, escrevi: 15 7 de dezembro 1983 Fico um pouco apreensivo quando penso em mudar algo que se desenvolveu com tanta naturalidade, acompanhando meu crescimento até a idade madura. Sei que parece retórica defensiva de ativista gay, mas o sentimento é real dentro de mim. Além e acima de tudo, porém, minha fé em Deus, em Jesus e no Espírito será minha preocupação prioritária. Repito: "Não tenho fé na premissa de que Deus vai me modificar; mas graças a minha fé, posso considerar a possibilidade de que Ele o fará." Ainda não estava convencido de que a cura da homossexualidade era possível, mas chegara a um ponto no relacionamento com Deus que não podia mais negá-Lo. Nunca mais viveria sem Ele. Se Deus quisesse transformar meu homossexualismo, dispunha-me a permiti-lo. Com esse obje-tivo, concordei em fazer tudo que Ele pedisse. E fui sincero para com Deus. Uma grande porção de mim gostava de ser gay. Agradavam-me as amizades proporcionadas por aquele estilo de vida e a satisfação dos desejos sexuais em encontros amorosos. O homossexualismo não me enojava; pelo contrário, me dava muito prazer na maioria das vezes, coisa que também anotei no diário de oração. O período em Milwaukee fez incidir muita luz sobre os cantos obscuros do meu passado - lugares em que se escondiam diversas recordações dolorosas, as quais, outrora me esforçara demais para negar. Então começaram os questionamentos: se essas lembranças tinham influenciado de alguma maneira a formação da minha sexualidade, até que ponto se podia dizer que a homossexualidade é natural? Naquele mês de dezembro, avancei alguns passos em direção à cura que Deus tentava derramar em meu interior. Parei inclusive com as fantasias sexuais, restringindo, consequentemente, a masturbação, embora essa decisão tenha exigido de mim um esforço enorme e muita oração. De volta a Ohio para o primeiro semestre escolar, fiquei deprimido. Enfrentava não só uma solidão horrível, como também toda a dor interior recém- emersa e que permanecia sem solução. Lembrando vagamente do nome de uma igreja que um de meus alunos, o único cristão da classe, frequentava, resolvi ir ao culto de domingo. Ouvindo a mensagem simples do evangelho, os motivos para o desenvolvimento de minha homossexualidade assumiram contornos muito precisos em minha mente. O livro The Broken Image, alguns conselhos de Dave Browns, pastor da igreja de Annelyse, o curso de Leanne e agora, aquele pastor a minha frente, tão simples, tudo apontava para uma única direção - a cruz de Jesus. Tornara-se evidente para mim que a homossexualidade não passava de uma reação pecaminosa minha aos pecados cometidos contra mim, bem como às feridas que esses pecados provocaram em minha alma. O homossexualismo, portanto, era uma defesa erigida por minha alma para lidar com a dor. Pela primeira vez entendi que minha homossexualidade consistia também em um pecado e que necessitava de arrependimento. Como o filho pródigo caiu em si no meio dos porcos (Lucas 15.17), eu também "caí em mim", quando confrontado com os pecados do passado, meus e também de outros, que haviam me moldado. Quando o pregador fez o apelo para que fossem à frente aqueles que precisavam se reconciliar com Deus, atendi-o, segurando as lágrimas. Um segundo pastor aproximou-se e sussurrou: - Sabe que seu nome foi escrito no Livro da Vida do Cordeiro? Minha garganta estava apertada pela dor do meu pecado. Meu corpo tremia ante a presença de Deus naquele lugar. Com a voz entrecortada, respondi: 16 - Não, eu cometi pecados demais. - Isso não importa; basta que se arrependa desses pecados. Ao dizer isso, ele estava ministrando a graça verdadeira sobre mim. Enquanto lágrimas de arrependimento escorriam pelo meu rosto, arrependi-me de todos os meus pecados, incluindo o do homossexualismo. Em seguida, o mesmo pastor orientou-me: - Agora, peça a Jesus que lhe mostre o Livro da Vida do Cordeiro e você verá seu nome escrito com o sangue que Ele derramou. E foi o que aconteceu! A imagem do meu nome, Mário Bergner, escrito em vermelho no Livro da Vida, penetrou fundo na minha alma, tanto que lágrimas de alegria verteram do mais íntimo do meu ser. O que aconteceu a seguir só pode ser considerado um milagre. Aquele pastor perguntou: - Você deseja ser cheio do Espírito Santo? - Claro - respondi, embora nem soubesse que se podia pedir tal coisa. Ele então convocou os presbíteros da igreja. Enquanto alguns impunham as mãos sobre mim, outros ergueram-me os braços e o pastor orou: Senhor Jesus, venha encher este homem com Teu Santo Espírito. Como uma grande rajada de vento do Céu, o Espírito Santo desceu às profundezas do meu ser. Todo medo e relutância alojados em minhas entranhas foram embora e mais lágrimas de alegria fluíram dos meus olhos. Instantes depois, uma linguagem celestial e estranha brotou de dentro de mim. Proferi palavras de puro louvor e adoração a Deus. Voltando para casa após o culto, notei que a ansiedade corrosiva, o medo brutal e todo o conjunto de pensamentos desordenados que assolaram minha mente durante anos, haviam desaparecido. Sentia-me em paz com Deus. A serenidade inundara-me a alma. Eu não só recebera o perdão dos meus pecados e um poderoso batismo no Espírito Santo, como também fora liberto de uma infestação de demónios que fixara residência em meu corpo por causa do pecado. Aquela noite, pela primeira vez em dez anos, dormi sem interrupções até o dia seguinte. Quando acordei, levantei-me sem pressa da cama, fui até a cozinha, preparei o café, saí de casa, olhei fixo para o céu azul da manhã e, ainda cheio de profunda paz, perguntei a Deus: - Foi tudo um sonho? O que me aconteceu naqueles onze meses, da hospitalização em Boston ao arrependimento na pequena igreja de Ohio, foi o remate final da conversão que começara ainda na adolescência. Durante esse período, as circunstâncias pecaminosas de minha vida levaram-me ao fim absoluto de mim mesmo. Paradoxalmente, Jesus me atraía, com toda graça, a entrar no Reino de Deus. Foram os onze meses mais dolorosos da minha vida, já que, nesse intervalo, Deus criou em mim "um coração quebrantado e contrito "(Salmo 51.17, Versão Revisada), até que finalmente eu me sacrificasse por Ele, através do arrependimento. Na época de Jesus, um popular preceito rabínico dizia: Grande é o arrependimento, pois traz cura ao mundo."1 Sou grato a Deus porque, por onze meses, Ele me protegeu das doutrinas tolas que "psicologam" todo sofrimento interior, em vez de dar-lhes o nome correto de pecado. "Porque virá em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo deouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres, segundo os seus próprios desejos" (2Timóteo 4.3, Versão Revisada). Parte desse sofrimento interior é a busca da alma pela libertação do pecado. Infelizmente, muitos jamais conhecem os benefícios da transformação de vida resultante do profundo arrependimento do pecado e de se receber o perdão de Deus. 17 confusa e destruidora, levava todos que penetravam em seu mundo pessoal a acabar se sentindo aviltados por tantas manobras. Por fim, concluí que não havia como agradá-lo, como convencê-lo de que o amávamos de verdade. Com o intuito de libertar-me de seu controle opressivo, saí de casa aos vinte anos, furioso e amargurado, para nunca mais voltar. Apesar de tudo, meu pai sabe o que significa ser réu e carrasco ao mesmo tempo. Era e continua sendo um homem humilhado, carente do amor redentor de Cristo. Depois de tê-lo perdoado, lutei muitos anos, tentando achar sentido em suas atitudes maldosas e pecaminosas contra mim, minhas irmãs e mãe. O que me confundia ainda eram as raras ocasiões em que se mostrava terno e gentil. Também era incomum encontrar nos pais de meus amigos de infância tanto amor pela natureza, por jardinagem e pelos animais. Minha mãe cresceu na região dos vinhos, no Sul da França. Segunda filha de um total de seis, fora criada por uma mãe fria e distante, enquanto o pai, embora afetuoso, sofria de alcoolismo. Das seis irmãs, cinco se casaram com alcoólicos. Mamãe era a única exceção; contudo, os problemas do meu pai podiam ser facilmente comparados aos de um alcoólico. Ele tinha o hábito de empregar observações sarcásticas e degradantes para mantê-la submissa. Depois da guerra, os franceses rotularam minha mãe de colaboracionista por dar à luz uma criança meio francesa, meio alemã: Maryse, minha irmã mais velha. Foram cruéis e desumanos com ela e minha irmã. Sem dúvida alguma, mamãe nos amava, porém, às vezes se deixava influenciar pela maldade de meu pai. Nessas ocasiões, errava por não proteger os filhos, nem exercer seus direitos de ser humano. Perdoava sempre o comportamento do marido, lembrando-nos da "vida dura que ele teve", ou da brutalidade com que fora tratado quando prisioneiro de guerra. Duas verdades que, no entanto, não bastavam para desculpar atitudes indesculpáveis. Mamãe não sabia manter um limite pessoal adequado entre ela e os outros. Costumava confiar a mim coisas que uma mãe não deve compartilhar com seu filho. Formou-se uma ligação doentia entre nós, contribuindo para que eu desenvolvesse a neurose homossexual. Nossa ligação, que alguns psicólogos chamam de "incesto emocional", consiste na troca de papéis entre um dos pais e seu filho ou filha. No meu caso, tornei-me um marido substituto para minha mãe. De acordo com Hemfelt, Minirth e Meier: "É aqui que o relacionamento de amor entre pai e filho, de alguma maneira, tem sido virado de cabeça para baixo. Na mente do pai (e raras vezes ele tem consciência disso) está o pensamento: 'Não me importo muito com meu cônjuge, mas tenho este filho, a quem amo mais do que a própria vida'." Com o passar do tempo, senti a necessidade de orar pedindo um divórcio emocional de minha mãe, a fim de me tornar uma pessoa sadia. Até chegar ao ponto de estabelecer os devidos limites emocionais entre nós, a fim de conservar-me saudável. As Privações no Lar Tanto minha mãe, quanto meu pai, experimentaram perdas profundas antes de se casarem. Mamãe viu o negócio do seu pai ser bombardeado e destruído duas vezes, durante a Segunda Guerra Mundial. Meu pai, certa vez contou que, na manhã em que o levaram, contra a vontade, para as forças armadas alemãs, sentiu como se o arrancassem prematuramente do ventre da mãe. Morreram-lhe sete irmãos e irmãs na 20 guerra. Meus pais eram adolescentes quando a guerra começou. Perderam a infância, membros da família, os países que identificavam como pátria, os lares e até o primogénito. Resumindo, foram complemente privados daquilo que conheciam por vida. Os danos causados à personalidade por perdas assim profundas fogem à capacidade de descrição. Quando pessoas que sofreram tais privações se casam, tentam recuperar o que perderam começando tudo outra vez. A nova família torna-se o meio para curar a dor do passado. Fazem sacrifícios incríveis por essa família. Meu pai trabalhou em dois, três empregos ao mesmo tempo para nos tirar da pobreza. Por pura força de vontade, fundou um negócio bem-sucedido, obteve bons lucros, construiu uma casa grande no subúrbio e mandou os filhos para a faculdade. Estava determinado a nos dar o que lhe fora negado. Tanto ele, quanto minha mãe, deram o máximo de si para propiciar-nos a melhor vida possível. Eu os amo e respeito por isso. Em cada um deles, porém, as privações do passado provocaram um grande vazio que os impediu de assistir os filhos quando mais precisavam. Meus pais não tinham como dar o que lhes faltava. Assim, também nós conhecemos uma profunda privação. Além disso, encaramos a maldade e a rejeição abertamente, no lar onde nos criamos e a falta de coisas simples, necessárias para o desenvolvimento saudável de uma criança. Nossos pais nunca leram livros de histórias para nós. Não nos tratavam com dignidade e respeito, como pessoas pequenas cujo crescimento as transformaria em indivíduos. Quando nos machucávamos, era raro corrermos para mamãe ou papai em busca de consolo. Às vezes, embora crianças, corríamos um para o outro. Em geral, fechávamo-nos dentro de nós mesmos. Nossa família era composta de sete pessoas. Podíamos estar todos em casa ao mesmo tempo, e no entanto, cada qual absolutamente isolado. Jamais criamos os laços familiares devidos, essenciais para o desenvolvimento emocional sadio. Não nos relacionávamos uns com os outros. Só em momentos de crise extrema nos uníamos como família. Para as lutas corriqueiras, do dia-a-dia, não nos ajudávamos mutuamente. Dick Keyes, no excelente livro Beyond Identity (Além da Identidade escreve: "Crescemos como indivíduos e encontramos nossa identidade, não por conta própria, mas no contexto de muitos e diferentes relacionamentos - com os pais, irmãos e irmãs, com parentes mais velhos, cônjuges, filhos, sócios e amigos. O senso de ego se desenvolve em relacionamentos elementares, como é o caso do familiar. A criança desprovida dessa relação indispensável, pode nunca encontrar um senso sólido de que ocupa o centro da própria personalidade. Olha para as outras pessoas esperando que lhe digam quem ela é. Meus pais tentaram conseguir esse senso de ego a partir dos filhos. O homossexual, inseguro quanto à identidade do género a que pertence, procura estabelecer vínculos com alguém do seu mesmo sexo, na tentativa de obter uma identidade. Deixar de corresponder às necessidades emocionais da criança produz uma espécie de "neurose da privação", um sofrimento interior violento, que a induz a tentar compensar tal deficiência. Essa criança jamais criou uma relação adequada com outras pessoas e, por conseguinte, não conhece a paz de deleitar-se no amor do outro. O resultado é uma sensação difusa de vazio interior. Preencher esse vazio pode tornar-se a força motriz de sua vida. Ele ou ela podem estabelecer vínculos com pessoas, objetos ou substâncias em que não existem fronteiras bem definidas. Esse vazio também pode gerar profundos sentimentos de ansiedade. Nesse caso, o alívio da ansiedade se transforma em algo de extrema importância na vida da pessoa que sofre privação. 21 A marca registrada da neurose da privação, ou carência, são emoções negativas poderosas, capazes de se sobrepor ao bom senso. Inveja, ódio, raiva e rejeição podem ser os únicos sentimentos experimentados pela pessoa. Ela tende a operar subjetivamente, a partir desses sentimentos. Ao contrário de quem consegue reprimir ou bloquear as emoções por meio de mecanismos de defesa intelectuais ou outros, a pessoa que sofre dessa neurose é incapaz de refrear seus sentimentos negativos. Para compensar, ela se vicia em coisas que lhe dão prazer - álcool, comida, cigarros ou sexo. Quando adultas, só conseguem sentir desejos sexuais. Logo, erotizam todos os relacionamentos. A pessoa carente costuma sentir-se incompetente intelectualmente. A atividade intelectual apropriada, como aquela que opera na capacidade de produção escolar, dificilmente se manifesta fora de uma base emocional segura. Quando o ambiente doméstico não gera essa segurança, a maior parte das crianças, por uma questão até de coerência, apresenta baixo rendimento escolar. Era o caso de nossa família. Nenhum de nós foi bom aluno até sairmos de casa e estabelecermos um sistema de suporte emocional, envolvendo cônjuges e amigos, que nos sustentassem enquanto dávamos continuidade a nossa educação. A seguinte citação de Healing the Unaffirmed (Curando os Inseguros), dos drs. Conrad Baars e Anna Terruwe, descreve muito bem minha luta para satisfazer necessidades intelectuais: "Certa moça, com sérios problemas de carência, sentia-se incapaz de fazer bem o que quer que fosse, apesar de dotada de talentos incomuns para atuar em quase todas as áreas. Dona de uma inteligência extraordinária, de uma grande percepção artística, era também habilidosa com as mãos. Entretanto, seu trabalho nunca chegava ao fim. Começava alguma coisa para desistir pouco depois, alegando que 'não seria mesmo capaz de concluí-la!' Após um ano de tratamento, porém, ela venceu seus temores e conseguiu perseverar em seus esforços. Transformou-se em uma mulher bem-sucedida em tudo que se dispunha a fazer. Contou-nos então, que nunca quisera aprender nada por medo, caso se visse obrigada a tentar alguma coisa, de se revelar um fracasso." Só depois de começar a receber cura e apoio através da igreja de Leanne Payne e da equipe de Pastoral GareMinistries, ousei concluir o curso colegial. Leanne foi minha grande incentivadora nessa época. Com muito carinho, exortou-me a continuar os estudos, assegurando que, com a ajuda de Deus, eu tinha todas as condições para terminar os estudos iniciados tantos anos antes. A carência também pode se manifestar através daquilo que os drs. Itears e Terruwe chamam de "relação deliberada". Como faltam à pessoa emoções positivas profundas, normalmente adquiridas no contexto de um ambiente familiar de amor e segurança, ela é incapaz de estabelecer amizades fundamentadas em sentimentos positivos. Sendo assim, grande parte de seus relacionamentos são amizades deliberadas. A amizade pressupõe um mútuo intercâmbio de sentimentos, que cada qual recebe da melhor maneira possível. Mas é exatamente isso que falta ao neurótico da privação... Ele pode ser capaz de estabelecer contatos superficiais com meros conhecidos, bons conhecidos, até, mas que jamais atingirão a estatura de amizades emocionalmente satisfatórias. Portanto, não é de surpreender que todos os carentes se digam solitários.' Sem dúvida alguma, era assim que me sentia. Por dez anos, mudei de cidade em cidade. Era fácil ir embora de um lugar e chegar ao próximo, porque não tinha relacionamentos fortes, comprometidos, fora do círculo familiar e de amigos de infância. Boas habilidades sociais também permitiam-me iniciar e manter amizades superficiais com facilidade. Quando chegava a uma cidade, em pouco tempo, reunia ao 22 pecados relacionados à questão. À medida que a cura penetra em meu coração, sinto- me cada vez mais livre para amar meu pai com objetividade, sem esperar nada em troca. Quando acontece de seu "eu melhor" vir à tona, sou capaz de me alegrar e apoiá- lo por isso. Guardo como um tesouro em meu coração a lembrança de uma visita à casa de meus pais, quando o "eu melhor" de papai se revelou durante toda uma tarde. Depois do almoço no quintal, amante da natureza que é, ele sugeriu uma caminhada no parque ali perto. Mal partíramos, vi-o segurar a mão de minha mãe, com toda delicadeza, e seguir assim, balançando os braços. Demonstrações públicas de afeto entre ele dois sempre foram raras. Já no parque, ele nos informou que se seguíssemos pela trilha, encontraríamos uma pata com seis filhotes no riacho. De fato, logo nos deparamos com aquela alegre família de patos. Papai ordenou que fizéssemos silêncio, a menos que quiséssemos incomodá-los. Ao final da caminhada, subimos uma grande colina, da qual eu costumava descer de trenó, nos longos invernos do estado de Wïsconsin, onde a neve é sempre abundante. Próxima à colina , havia uma estrada de ferro. Ao longe, ouvimos o apito de um trem se aproximando. Vamos esperar ele passar - disse papai. Quando o trem chegou, meus pais se puseram a contar os vagões, em uníssono, mas cada qual em sua língua materna. Quando o último vagão passou, mamãe gritou o total em francês, no exato instante em que ele também o fazia, em alemão. Para deleite de ambos, rindo muito, perceberam que tinham chegado ao mesmo número. Infelizmente, o "eu pior", falso e arrogante, reina em meu pai a maior parte do tempo - o "eu" que tanto me machucou quando criança. Foi preciso estabelecer limites muito claros entre mim e essa porção do meu pai, de forma a impedir que mal dentro dele voltasse a me ferir. Assim agindo, honro a meu pai, já que não lhe dou chance de pecar contra mim. Tentativas Fracassadas de Compreender o Mal Até receber o dom da objetividade divina, oscilei entre dois extremos, tentando compreender o mal existente dentro de meu pai, nas circunstâncias da vida dele e de mamãe, e em nossa casa. Os dois extremos a que me refiro são a intelectualização e a superespiritualidade. Tratam-se de duas defesas que usei em conjunto com a negação, para controlar o sofrimento interior. Na época em que me agarrei à intelectualização, repetia vezes sem fim, mentalmente, os acontecimentos do passado, em especial aquelas lembranças terríveis de casa, que pareciam tão sem sentido e cruéis. Tentava entender que feridas psicológicas poderiam fazer com que alguém adotasse um comportamento tão monstruoso para com outro ser humano. Imaginando que uma melhor compreensão dos horrores da Segunda Guerra Mundial me forneceriam a resposta, estudei vários livros sobre o assunto. Pouco antes de voltar para Cristo, li o livro de Viktor Frankl, Man's Searcb for Meaning (O Homem e Sua Busca de Significado). Mostrou-me uma grande verdade: a esperança primordial de sobrevivência do homem está em seus relacionamentos. Muitos que deixaram com vida os campos de concentração da Alemanha nazista, sobreviveram porque aguardavam o dia em que se reuniriam a seus amados. Para outros, a simples imagem de um ente querido, preservada em seus corações, bastou para alimentar e fortalecer a vontade de resistir até o fim. Depois de retornar para Cristo, tentei interpretar o mal que via em meu pai, em mim mesmo e no mundo, sob uma perspectiva puramente espiritual. Considerava- me apto para explicar o comportamento maldoso de meu pai (e os do meu passado) 25 atribuindo-os exclusivamente a influências demoníacas. Houve um momento em que cheguei a pensar se Hitler não seria o diabo encarnado. Essa visão, porém, desculpava a maldade da raça humana transferindo-a para Satanás. Conquanto reconheçamos que Satanás introduziu o mal neste mundo, não podemos culpá-lo pela opção do homem de seguir o mal. Ao fazê-los, deixa-se de chamar o homem à responsabilidade e ao arrependimento perante Deus. Eu sabia que "para isso se manifestou o Filho de Deus, para destruirás obras do diabo"(I João 3:8b). Embora a Bíblia não explique como Deus pode ser bom e soberano diante da maldade do mundo, ela nos dá o remédio divino contra o mal. Mais ainda, ela apresenta quatro relatos desse maravilhoso remédio - os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Aos pés da cruz, em oração, percebi que Deus precisava Se tornar homem e morrer no madeiro para vencer o mal presente na humanidade e no mundo, carregando sobre Si todo pecado. Nessa busca infrutífera por compreender o rnal, às vezes tinha a sensação de que minha mente pairava entre a sanidade e a loucura. Em momentos assim, quando receava que a vida não passasse de uma piada de mau gosto, ou que minha cura jamais se completasse, a imagem de Cristo na cruz me reanimava e fortalecia. Então, só pedia que me fosse permitido ver Jesus pendurado no madeiro, morrendo para levar os pecados do mundo em Seu corpo. Às vezes, em oração, limitava-me a repetir seu nome sem parar, "Jesus, Jesus, Jesus...", até minha alma se sentir reconfortada. Há poder no nome do Senhor. Em outras ocasiões, entrava em uma igreja católica, sentava no último banco e voltava os olhos para o enorme crucifixo pendurado sobre o altar. Deixava que a imagem de Jesus na cruz ministrasse a mim Sua obra redentora. Exatamente como a imagem de um ente querido, sustentava os prisioneiros diante da maldade dos campos de concentração nazistas, assim, a imagem de Jesus me fortalecia e curava, enquanto meu corpo e alma estremeciam de dor por causa da maldade que dominara o lar em que nasci. Corrie e Betsie ten Boom, juntamente com o pai e com o irmão, participaram do movimento de resistência na Holanda. Escondiam judeus dos nazistas e ajudavam-nos a fugir para a liberdade. Em 1944, a família inteira foi presa e Corrie e Betsie, enviadas para o campo de concentração de Ravensbruck. Noventa e seis mil mulheres morreram ali dentro. Betsie ten Boom foi uma delas. Entretanto, até o dia de sua morte, Betsie conservou um ditado envolvendo Jesus que serviu de estímulo à fé de muitos e que ajudou a sustentá-los em meios aos horrores daquele lugar: "Não existe poço tão fundo que ganhe d'Ele em profundidade." Perante a cruz, eu dirigia a Deus todos os questionamentos que costumam fazer os que sofrem. "Por que me mostras a iniquidade, e me fazes ver a opressão?" (Habacuque 1.3). Um dia, enquanto orava, fui lembrado de que também Jesus fizera uma pergunta parecida a Deus: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?" (Marcos 15.34b). Foi então que percebi que o Pai não respondeu a pergunta de Jesus (nem a de Habacuque). Três dias mais tarde, porém, Deus respondeu ressuscitando-O dentre os mortos. Talvez não recebamos respostas para os nossos porquês, mas com certeza, receberemos conforto para nosso sofrimento, pelo poder de ressureição de Jesus, disponível para nós em oração. Por fim, aprendi a me concentrar no remédio e fazer perguntas mais importantes, iniciadas pela palavra "como". "Como, Senhor Jesus, posso aplicar o poder de cura da cruz a essa circunstância?" A resposta consistia em olhar para fora de mim mesmo e para cima, no meio de minha dor e sofrimento, para Cristo, aquele que foi levantado dentro os mortos, vitorioso sobre o pecado e o mal. 26 Não Temos Quartos Vagos A disseminação do conhecimento sobre a família desajustada tem conduzido muita gente a uma verdade libertadora. O lado negativo desse excesso de informação é que ele tende a banalizar o trauma de se crescer em um lar desajustado, ao construir um paradigma em que se enquadram tantas famílias. Corremos o risco de fechar os olhos para o fato de que cada família tem uma história própria e única, que jamais deveria ser vista como apenas mais uma dentre tantas. Só pela oração Deus revela o quanto cada núcleo familiar é realmente único. Não existem dois iguais. Nenhum sistema psicológico genérico seria aplicável ao sofrimento e privação singulares, circunscritos à história de minha família. Só a abrangência absoluta da aplicabilidade da cruz pode curá-la. Eu não entendia o papel que um profundo senso de rejeição, o qual remontava ao passado de meus pais em uma Europa assolada pela guerra, desempenhava no desajustamento de minha família. Tudo isso ficou muito claro para mim a partir de revelações que se sucediam, enquanto eu orava. Passei um fim de semana com vários amigos, assistindo a uma conferência sobre cura, na Igreja Presbiteriana College Hill, em Cincinnati, Ohio. Como preparação para aquele retiro, trabalhamos com uma apostila chamada Breaking Freefrom the Past (Libertando-se do Passado), escrita pelo dr. Gary R. Sweeten. Durante dois meses fizemos exercícios que incluíam o levantamento do histórico familiar de cada um. Assim, quando nos reunimos naquela semana, todos tínhamos uma ideia bastante boa sobre o assunto. O método do dr. Sweeten prescrevia a divisão da plateia em pequenos grupos, cujos participantes oravam uns pelos outros, pedindo a libertação das coisas destruidoras do passado. Cada pessoa demandava um período de oração de cerca de uma hora e meia. No final da noite de sábado, chegou minha vez. Desde o início dos trabalhos, sexta-feira à noite, Deus vinha me lembrando das muitas histórias dolorosas sobre as quais minha família sempre evitara falar. De repente, tive a impressão de que vinte e seis anos desse tipo de comportamento se resumiam a uma frase breve: "Não temos quartos vagos". O coordenador do meu grupo virou-se para mim e disse: - É a sua vez, Mário. Contendo as lágrimas, respondi: - Sim, eu sei. Só que não consigo falar. Um nó fechara-me a garganta de tal maneira que não conseguia fazer com que as palavras saíssem. Dolores, uma irmã da minha igreja, participante daquele mesmo grupo, incentivou-me com muito amor: - Consegue sim, Mário. Estamos aqui para ajudá-lo, e Jesus também. - Nào temos quartos vagos - foi tudo que consegui dizer afinal. E então, me pus a chorar amargamente. - O que você quer dizer com isso? - alguém perguntou. - É a história da minha família. Vivemos a procura de um local que possamos chamar de lar, porém nunca o encontramos. Quando eu tinha sete anos, ouvi minha irmã Maryse, em conversa com mamãe, citar muito por alto o nome de nosso falecido irmão, Karl. Até então, nunca ouvira seu nome em casa. Meu pai ficou furioso e gritou: "Os médicos franceses o mataram. Não tinham capacidade nem pra lhe dar o medicamento certo." 27 rejeição, alojados na história de minha família durante décadas, me oprimiam a alma como uma serpente que se enrola em sua presa e a mata devagar. No exato momento daquela oração, a luz do perdão que cura, o perdão de Jesus, entrou em meu coração. A serpente da rejeição afrouxou o abraço em torno de mim. O amor de Jesus veio, religou os fragmentos do meu coração e me-reviveu. A vontade de morrer desapareceu. "Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra, terã sido ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra, terá sido desligado no céu. Em verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer cousa que porventura pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos céus. Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles" (Mateus 18.18-20). Pelo fato de haver incorporado a rejeição existente no passado de minha família, habituara-me a esperar que as pessoas me rejeitassem. Essa expectativa transformou-se em uma profecia que se auto-cumpria, atraindo rejeição. De repente, pela primeira vez na vida, libertava-me do senso de rejeição que me moldara. Passei a ser capaz de receber o amor dos outros, tanto de homens quanto de mulheres. Mais ainda, essa cura me libertou para começar a amar as pessoas incondicionalmente, mesmo diante de uma rejeição verdadeira. Autocomiseração, Aflição e Inveja Se não recebermos o dom da objetividade divina, continuaremos a buscar em nossos pais o amor que deixaram de nos dar quando crianças. Não perceberemos que, provavelmente, eles hoje continuam tão desestruturados, talvez tão carentes também, quanto naquela época. Para piorar a situação, podemos deixar de assumir a responsabilidade, por meio de nossas reações infantis e pecaminosas, diante da carência presente em nossa família desajustada. Quando é este o caso, vemo-nos como meras vítimas impotentes. Em consequência, podemos nos enredar no modelo do "filho chorão, rabugento e autocomiserativo". Como escreve o psicólogo cristão Gerard van den Aardweg: "Pessoas com tendências à neurose de estar sempre reclamando mantêm uma atitude de censura por causa de tudo que os pais lhes impuseram. Deve-se notar que essa pode ser ainda uma outra forma de reclamação. Além do mais, a queixa constante dos pais - de quem a pessoa se considera vítima - quase sempre se baseia em uma visão irreal desses pais. A visão que o filho rabugento tem dos pais é, por definição, a visão de um filho, ou seja, determinada por sentimentos egocêntricos. Ela precisa ser corrigida, se a pessoa pretender amadurecer emocionalmente." Sempre que a voz do filho rabugento brotava dentro de mim, eu anotava todas as suas crenças negativas e autocomiserativas em meu diário de oração. Nesse processo, a verdadeira dor em que esse filho imaturo estava enraizado começou a se fazer manifesta. Tratava-se da dor por jamais ter tido uma infância. Ela se revelava por completo quando eu via pais saudáveis se relacionando com seus filhos, em um ambiente cristão. A princípio eu invejava os filhos, por terem aquilo que eu desejava de um modo tão desesperador. Mas, confessando meu pecado de inveja a Deus, parei de me revolver na compaixão que sentia pelo menininho machucado dentro de mim. Quando me permiti expor minhas feridas diante de Jesus, clamar por Ele, sofrer, então a cura se iniciou. Essa aflição durou vários meses. De novo, a imagem de Jesus morrendo na cruz para levar sobre Si todo o pecado e dor de um mundo caído, desajustado, era meu 30 único conforto. Eu tinha um lugar aonde ir com minha dor. Quase no término desse período, uma outra forma de aflição veio à tona - a dor pelo meu pecado. Por quatro dias afligi-me imensamente pelo fato de haver pecado contra meu próprio corpo e contra Deus, com minha antiga atividade homossexual. "Ali vos lembrareis dos vossos caminhos e de todos os vossos feitos com que vos contaminastes e tereis nojo de vós mesmos, por todas as vossas iniqüidades que tendes cometido. Sabereis que eu sou o Senhor, quando eu proceder para convosco por amor do meu nome, não segundo os vossos maus caminhos, nem segundo os vossos feitos corruptos, ó casa de Israel", diz o Senhor Deus” (Ezequiel 20.43,44). A linha divisória entre autocomiseração e aflição nem sempre é fácil de traçar. Entretanto, o rev. Clay McLean estabeleceu seis grandes diferenças entre elas: A autocomiseração faz parte do exercício da presença do "velho homem", o eu carnal, enquanto que a aflição é a capacidade de sentir dor, ao mesmo tempo em que busca a presença de Deus. Afligir-se com a própria dor é uma necessidade legítima da pessoa ferida e deve ser-lhe dada permissão e graça para fazê-lo. Como os salmistas ou Jó, todo cristão tem necessidade de depositar o sofrimento verdadeiramente redentor diante de Deus. Barreiras para a Cura Nos últimos dez anos, muito tem sido escrito acerca dos efeitos negativos de se crescer em um lar desajustado. Infelizmente, parte de toda essa informação recorreu a um amontoado de termos técnicos de psicologia, falhos em conduzir à cura, bem- sucedidos apenas no que diz respeito a criar ainda mais rótulos. Ensinando e ministrando a grupos grandes, encontramos duas reações comuns a esse tipo de informação, verdadeiras barreiras para a cura. Algumas pessoas, sob a direção de grupos de auto-ajuda, resvalaram para o modelo do filho interior irritadiço e autocomiserativo. Embora esses irmãos na fé possam ter adquirido grande conhecimento intelectual, vêem a cura sob um ponto de 31 vista subjetivo, centralizado no homem, e não objetivo, centralizado em Deus. Estão sempre cavando, procurando desenterrar aquela que será a próxima recordação da infância a fornecer outro motivo que lhes justifique a raiva. Uma vez questionados e reconhecida essa tendência, sentem-se gratos pela exortação. Trazendo consigo aquilo que de melhor receberam em tais grupos, superam a raiva e passam a ver a situação objetivamente, diante da presença restauradora de Deus. Por outro lado, é também comum encontrar irmãos que desprezam toda análise psicológica como sendo algo anticristão. Espiritualizam as feridas do passado e são rápidos em entregar para Deus problemas que Ele desejaria que eles resolvessem em Sua presença. Se alguém lhes pergunta em que tipo de lar passaram a infância, costumam responder: - Ó, um lar terrível, mas entreguei tudo ao Senhor. Todavia, suas vidas provam que permanecem sob os efeitos negativos de um tal ambiente. Sua confiança em Jesus é correta e boa, porém, não permitem que Ele Se faça presente em seus corações a ponto de revelar e curar suas feridas. A "fé" dessas pessoas passa a ser então mais uma defesa para que permaneçam em negação. Cristãos que desejam ser pessoas completas, isto é, maduras em Cristo, não podem se permitir ignorar as verdades reveladas pela noção relativamente nova de família desestruturada. Precisam desesperadamente atentar para o conselho de S. Agostinho: "Todo bom e verdadeiro cristão deveria compreender que, onde quer que encontre a verdade, ela pertence a seu Senhor." Aqueles que insistem em ignorar esses conceitos recém-descobertos são como o povo de Israel no tempo de Oséias, destruído "porque lhe falta o conhecimento" (Oséias 4. 6). No período em que Jesus me curava da homossexualidade, descobri que eu queria pertencer aos dois grupos. Conquanto ainda sob os efeitos do batismo no Espírito Santo, recebido na igrejinha de Ohio, eu já espiritualizava problemas dos quais Deus não tinha nenhuma intenção de me livrar, a menos que fosse pela redenção do sofrimento (a exposição de minha dor e aflição perante Ele). Estabelecido o contato com a dor, revelada pelo sólido ensinamento que recebi sobre família desestruturada, estava apto para revolver-me na raiva e autocomiseração, deixando de levantar os olhos e assim, desviá-los de mim mesmo para Jesus. Felizmente, rodeado de cristãos maduros, muito amorosos, recebi grande ajuda quando preso a um desses dois extremos: ou me revolvendo na raiva imatura, ou espiritualizando meus problemas. Suspeito que alguns leitores deste livro podem se encontrar prisioneiros dessa contradição. Posso sugerir-lhes veementemente que não permitam, nem à espiritualização, nem à autocomiseração, negar a Cristo o acesso à dor por cuja redenção Ele morreu. 32 "Deus é um Pai perfeito e anseia por dar boas dádivas a seus filhos." Lembro de ter lido essas duas palavras juntas - perfeito e pai - e dizer com meus botões: "Perfeito e pai combinam tão bem quanto peixe e bicicleta." Meu coração não alcançava tal ideia; era um pensamento absolutamente abstrato para mim. O contato da criança com formas desajustadas de amor masculino e feminino faz com que ela os registre como símbolos confusos, em sua identidade de gênero ainda em desenvolvimento, e também em sua compreensão do aspecto complementar dos gêneros. Quando o amor está em desordem, nossos relacionamentos também estão. Assim sendo, as imagens primordiais nos faltam, ou elas se encontram seriamente desordenadas (como na neurose homossexual). Esta é a tragédia dos lares desajustados, onde sofremos não só a perda dos pais ou de outros membros da família, como também daquilo que essas pessoas simbolizam. Sofremos a perda de imagens simbólicas de plenitude, embora elas continuem a nos alimentar. Uma História de Amor A masculinidade e a feminilidade nos são transmitidas quando crianças por aquelas pessoas em nossas vidas que simbolizam o significado de masculinidade e feminilidade para nós (inicialmente, pai e mãe). A fim de adquirirmos uma identidade pessoal saudável, precisamos estabelecer relacionamentos afetuosos e saudáveis com membros de ambos os sexos. Seria possível dizer que nossos primeiros contatos com entes queridos de ambos os sexos ficam registrados em nossos corações como uma história de amor, com ideias específicas acerca de masculinidade e do que significa ser homem; e de feminilidade e o que significa ser mulher. Dessa história de amor fazem parte enredos que moldam nosso senso de identidade. Os relacionamentos que mantemos com os personagens desses enredos afetam a direção pela qual envereda nossa sexualidade. Se durante todo o período de desenvolvimento, nossos relacionamentos com membros de ambos os sexos forem saudáveis, será escrita uma história de amor heterossexual sobre os nossos corações. Nossa sexualidade então, acompanha essa história de amor e vivemos enredos agradáveis de amor entre os sexos, conforme foi escrito em nossos corações. Para o desenvolvimento de uma identidade sexual saudável, a história de amor do coração deve conter dois enredos paralelos. Um deles consiste no relacionamento afetuoso com o genitor do mesmo sexo. Nele se encontram as lembranças boas de uma relação de cumplicidade até, de tão estreita, a ponto de fazer com que, em determinado momento, paremos e percebamos que "essa pessoa é como eu". O outro enredo trata do relacionamento afetuoso com o genitor do sexo oposto. Nele estão as lembranças boas de uma relação mais simples, em que logo se percebe que "essa pessoa é diferente de mim", que as diferenças entre "mim e essa pessoa são complementares e nos aproximam". Em teoria, mãe e pai nos servem de modelos dessa complementaridade dos sexos. Para que nos identifiquemos com o genitor do mesmo sexo e percebamos a diferença complementar do genitor do sexo oposto, nosso coração deve abrigar imagens positivas de ambos os sexos, em relação um com o outro. O fato de deixarmos de ter relacionamentos saudáveis com membros de ambos os sexos produzirá personagens negativos dentro do enredo, tanto da identificação, quanto da complementação, no contexto da história de amor do coração. Nossa sexualidade passará a seguir tais enredos e a consequência será alguma forma de ambivalência ou confusão de gênero e sexual. 35 Uso o termo "gênero" para me referir a qualidades masculinas ou qualidades femininas existentes em Deus e na humanidade. Como tal, essa palavra costuma ser empregada para explicar comportamentos aprendidos, caracteristicamente associados a masculinidade ou feminilidade biológicas. Pode também ser utilizado em alusão ao senso interno da pessoa de pertencer a seu sexo biológico. A "identidade de género interno" de alguém pode ser definida como uma "auto-imagem biológica resultante do crescimento da própria percepção do eu em relação ao outros." Gênero, as qualidades da masculinidade e da feminilidade, abrange os dois sexos, mas não se limita àquilo que tem um sexo. Como escreveu C.S. Lewis, "Gênero é uma realidade, e uma realidade mais fundamental que o sexo." Masculinidade e feminilidade são qualidades existentes na essência suprema de Deus. Originárias d'Ele, pode-se dizer que possuem dimensões transcendentais. Como escreve o dr. Donald Bloesch: "Conquanto o testemunho bíblico deixe claro que o Deus vivo transcende a sexualidade, que ele não é nem homem nem mulher, deixa igualmente claro que ele encerra masculinidade e feminilidade dentro de si. De fato, fomos criados a sua imagem, como homem e mulher (Génesis 1.27; S.1,2). Mais ainda, em Is the Bible Sexist? (É a Bíblia Sexista), o dr. Bloesch escreve: "(Deus) inclui masculinidade e feminilidade como movimentos em si mesmo, indicando iniciativa e poder por um lado (o masculino), e receptividade e obediência por amor do outro (o feminino)". O primeiro relacionamento de Deus para conosco é o de iniciador masculino (Ele ama primeiro; Ele dá início à redenção). Nosso primeiro relacionamento para com Deus é de receptividade feminina (recebendo Seu amor, recebendo a Cristo em nossos corações). Deus também age através da receptividade feminina para com os seres humanos quando somos nós que iniciamos o contato com Ele: "Chegai-vos a Deus e ele se chegará a vós outros" (Tiago 4.8). Porém, a nossa aproximação d'Ele nasce de Sua autorevelação a nós, como aquele que, antes de mais nada, aguarda que alguém estabeleça o contato. Além disso, as Escrituras usam o conjunto de imagens próprio do feminino para descrever o amor "maternal" de Deus para com a humanidade (Números 11.12 e Mateus 23.37). Todavia, a maior parte das Escrituras descreve Deus em termos masculinos. Ele se revela ao mundo como Pai, em vez de mãe, no céu. Como disse um teólogo: "O Deus do Antigo Testamento não apenas é chamado de 'Pai', como Se declara o Pai. Nosso Senhor afirmou: "A ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque só um é vosso Pai, aquele que está no céu"(Mateus 2.9). Porém, os seres humanos caídos têm uma imagem distorcida de quem Deus é, e do que representa ser feito a Sua imagem - homem e mulher (Génesis 1.26). Como criaturas caídas, Sua imagem em nós está ofuscada pelo pecado, portanto, vivemos confusos em relação ao significado do gênero e do sexo. Masculinidade e feminilidade são qualidades existentes em todo ser humano. Quando o dr. Bloesch escreve "No relacionamento com Deus e com Cristo, todo cristão é chamado a assumir um papel feminino", ou quando C.S. Lewis declara "Aquilo que está acima e além de todas as coisas é tão masculino que, em comparação, somos todos femininos", ambos querem dizer que a humanidade inteira, homens e mulheres, encontram-se na posição feminina de responder aos atos de iniciativa divina (ou seja, alianças, amor, redenção). Além disso, ao nos referirmos à Igreja no feminino (ou como a Noiva de Cristo), não estamos dizendo que seja composta só de mulheres. Nem quando nos reportamos a Deus como Ele (ou a Cristo como nosso Noivo), estamos dando a entender que seja masculino. 36 Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo plenamente Deus e plenamente homem, dá mostras da qualidade feminina da receptividade, uma vez que está sempre esperando e ouvindo a palavra que o Pai envia. Jesus exibe a qualidade masculina da iniciativa quando, em obediência ao Pai, entrega Sua vida na cruz de livre e espontânea vontade, propiciando redenção para a humanidade. Seria um erro, no entanto, limitar o masculino, dizendo que sua única característica é a iniciativa, e que o feminino tem por única característica a receptividade. Seria simplista demais e perderíamos todas as indescritíveis qualidades contidas na masculinidade e na feminilidade. Se definidos muito especificamente, masculinidade e feminilidade logo se degeneram nos papéis estereotipados em que, por engano, tentamos enquadrar homens e mulheres. A representação hollywoodiana do machão de bigode, ou da loira platinada e cabeça oca, são exemplos perfeitos dessas caricaturas. Nesse caso, perdemos de vista a verdade de que indivíduos do sexo masculino e feminino, desde quando foram feitos, possuem qualidades tanto masculinas, quanto femininas. Em teoria, deveria haver uma feliz coexistência entre masculinidade e feminilidade, na alma de todo ser humano. Entretanto, muitas pessoas acreditam enganosamente que só os homens possuem qualidades masculinas e que só as mulheres têm as femininas. Por conseguinte, as mulheres são consideradas basicamente intuitivas e os homens, racionais. Uma segunda concepção errada é aquela que afirma ser a biológica (sexo), a única diferença entre homens e mulheres, desconsiderando por completo as realidades relativas ao gênero. Aqueles que se atêm a essas duas concepções mal fundamentadas confundem gênero com sexo. Quando encontram a palavra masculino (gênero), entendem homem (sexo). Precisam ser lembradas que masculino e feminino reportam- se a qualidades relacionadas a gênero e que homem e mulher, a sexo biológico. Embora não se deva ir longe demais, a ponto de definir gênero e sexo separadamente um do outro, por medo que nunca mais sejam considerados como coisas inter-relacionadas, faz-se necessário ver as diferenças entre essas duas palavras. Como coloca Andy Comiskey, em seu livro Pursuing Sexual Wholeness (Buscando a Plenitude Sexual): "Masculino implica ser homem, em vez de mulher. É uma condição diretamente relacionada ao gênero biológico da pessoa. Masculinidade é uma qualidade, uma postura, um modo de abordar a vida, complementado pela feminilidade. Tanto homens, como mulheres podem expressar qualidades femininas e masculinas... Mas para que se possa considerá-los homens e mulheres plenos, essas qualidades devem encontrar harmonia e ritmo apropriados ao seu sexo biológico." Decididamente, é correto ao homem dizer que sua identidade tem o gênero masculino, e à mulher, que a sua tem o gênero feminino. Porém não só temos qualidades masculinas e femininas, como também, graças a nosso sexo, pertencemos a um gênero ou outro. Um senso seguro de pertencer ao próprio gênero é fundamental para que se tenha uma identidade pessoal saudável. A intensidade com que necessitamos de cura pode espelhar até que ponto estabelecemos contato com nossas qualidades masculinas e femininas. Se houver um desequilíbrio entre masculino e feminino, ou a completa alienação de um dos gêneros, alguma disfunção acabará por se manifestar em nossa identidade pessoal. Leanne Payne, escrevendo sobre o assunto, no tocante à necessidade de cura, diz o seguinte: "Para a mulher, a liberdade de tomar iniciativas — ou seja, de ouvir a palavra de Deus e fazer aquilo que O ouve dizer -significa, para ela, estabelecer contato com seu lado masculino. Ela não é pessoa de uma passividade doentia - o princípio masculino mantendo à distância o feminino. Sente-se livre para responder a Deus com todo o seu ser e, portanto, capaz de tomar a iniciativa quando a ocasião o exigir. No relacionamento perpendicular, em sentido vertical, com seu Deus, ela é uma pessoa 37 Quanto enxugava as mãos para ir à procura dos filhos, eis que Alexander entra aos tropeços na cozinha, calçando os chinelos do pai e com seus óculos pendurados no nariz, carregando também a Bíblia que ele usava para estudar. Karen mais que depressa, correu para o banheiro, imaginando que a filha estivesse participando do mesmo jogo. Semanas antes, Katie cobriria o rosto de maquiagem e, tesoura em punho, picotara boa parte do cabelo. Karen é cabeleireira. Dessa vez, porém, encontrou-a brincando feliz da vida, às voltas com seu mundo imaginário, o cabelo são e salvo e no devido lugar. Essas brincadeiras inocentes revelam uma saudável identificação de símbolos com o genitor do mesmo sexo. O resultado final de uma identificação de gênero saudável como essa é uma identidade de função do gênero igualmente saudável. Tal identificação com o próprio gênero serve de base para o estabelecimento de uma identidade interior de gênero sadia, ou seja, aquela segurança experimentada pelo menino no fundo do seu coração, de que ele não só é homem, como também masculino, ou pela menina, de que é tanto mulher, quanto feminina. À medida que essa identidade interior de gênero cresce, as crianças despertam para as diferenças entre si mesmas e o sexo oposto. Esse despertar, além de servir de apoio para a noção de que os gêneros se complementam, apoia também, de um modo muito mais profundo, a crescente identificação da criança com o próprio sexo. A imitação dos papéis desempenhados pelo gênero, mesmo de brincadeira, ajuda a criança a identificar-se, em segurança, com o gênero a que pertence. Na década de 20, Jean Piaget, psicólogo suíço, empreendeu amplos estudos sobre a importância das brincadeiras infantis. Piaget via a brincadeira com os símbolos como um aspecto muito importante da vida emocional da criança, bem como, de seu desenvolvimento cognitivo... A brincadeira serve a um grande número de propósitos. Quando se observam crianças brincando, aprende-se muito acerca daquilo que elas estão tentando compreender. O amor da mãe e do pai é a primeira influência sobre os enredos da identificação e da complementação de gênero, na história de amor dos nossos corações. O amor que a mãe dedica aos filhos é único e diferente do amor do pai. É importante levar em consideração essas diferenças para não dar maior valor a um, que a outro. As expressões de afeto que recebemos da mãe e do pai não são intercambiáveis, mas, igualmente importantes. A segurança no amor dos pais permite que uma saudável história de amor heterossexual se desenrole e que seja vivida mais tarde. Quando manifestações sadias do ágape masculino e feminino ficam impressas em nossos corações, temos liberdade para deixar que outras formas de amor sejam escritas em nossa história. Filéo Ao iniciarmos o contato com o mundo exterior à mãe, engatinhando na direção do pai, acabamos por descobrir o mundo dos amigos. Uma segunda palavra para amor é filéo, designando o amor da amizade. Designa o amor do homem pelos companheiros, da mulher pela amiga. Também ele nos aponta para algo de grande valor na vida. É possível viver sem amigos, mas seria uma existência pobre. Lewis salienta que, hoje em dia, parece que não fazemos mais tantas amizades como antigamente, época em que Aristóteles podia classificá-la como uma das virtudes e Cícero, escrever um livro a seu respeito. 40 A amizade também conta com expressões feminina e masculina. No início de seu desenvolvimento, as crianças parecem não notar se os amiguinhos são do sexo masculino ou feminino. À medida que o enredo da identificação de gênero com o mesmo sexo se desdobra, na história de amor do coração, passa a ser perfeitamente natural que um menino, tendo se descoberto um "homenzinho", queira brincar apenas com outros meninos. O mesmo vale para as meninas. Quando a criança se sente segura em sua identificação com o genitor do mesmo sexo, em casa, surge a necessidade de estabelecer relações com membros do mesmo sexo. Ou seja, ela precisa se "misturar ao bando", pois a participação em um grupo ajuda a aumentar sua identificação de género. A atitude de exclamar "meninas, argh!", no caso dos meninos, e "meninos, argh!", das meninas, é absolutamente normal nesse período. A rejeição infantil ao sexo oposto, por não pertencer a "nossa turma", faz parte da identificação sadia com o mesmo sexo. Deixa de ser sadio, contudo, permanecer sempre nesse estágio infantil. As brincadeiras com o sexo oposto exercem um papel crítico no desenvolvimento de um enredo saudável, relacionado ao caráter complementar do género, na história de amor do coração. Por toda a infância, e particularmente na puberdade, da amizade com o sexo oposto deveria ser encorajada pelos pais, professores e outras figuras detentoras de significativa autoridade. Do contrário, a capacidade da criança de se relacionar com o sexo oposto pode subdesenvolver-se, ser reprimida por completo, ou, já na vida adulta, ser tragicamente reduzida a uma expressão do eros carregada de sensualidade. Eros A puberdade revela o eros, geralmente imaturo a princípio, com frequência carregado de sensualidade e dotado de um dramático colorido romântico. Costuma surgir em nossos corações sob a forma de uma história de amor dramática. Se formos sadios na puberdade, o enredo do caráter complementar do gênero, na história de amor do coração, exigirá todas as atenções. O jovem apaixonado passa a se considerar o personagem principal da trama secundária do amor erótico. Os sentimentos que nutre para com o objeto de seu amor, o anseio de possuí-la, os pensamentos acerca da amada, tornam-I-os temas mais importantes dessa trama. Ao mesmo tempo, falta igual atenção aos sentimentos, necessidades e pensamentos da amada. A motivação do rapaz é tipicamente narcisista. "...eros é aquilo que a maioria das pessoas hoje em dia tem em mente quando pensa em amor. Basicamente, eros é o amor romântico, o amor sexual. É também o nome do deus grego que empunha o arco e as flechas. A palavra costuma ser empregada em referência a afeições outras que o amor romântico, porém é este seu significado natural, que o particulariza. Deveríamos notar, já de início, que eros é mais que experiência sexual. Pode-se fazer sexo sem amor... Porém o ato sexual consiste na expressão apropriada para o eros. Ele não é o eros em si mesmo, porque a afeição é um elemento básico nesse tipo de amor" (Itálicos meus). Eros é o amor entre os sexos em todas as suas diferentes expressões. Abrange a relação complementar entre homem e mulher, o gesto inocente de dar as mãos de adolescentes apaixonados, o prazer simples que tem o homem ao admirar uma mulher e o conhecer e ser conhecido íntimo, verdadeiro, do relacionamento conjugal. O eros saudável inclui sempre o respeito mútuo. Eros é ainda o termo mais apropriado, não só ao amor entre os sexos manifesto romanticamente, como também aos relacionamentos amorosos, sempre entre os sexos, no círculo familiar. É natural que o amor do filho pela mãe compreenda aspectos do eros, pelo simples fato de existir uma diferença de sexo entre eles. O mesmo se aplica, claro, ao amor da filha pelo pai. 41 O eros expresso no amor romântico necessita desesperadamente de definição, nos dias de hoje. Nossa sociedade, como um todo, parece um adolescente que não conseguiu sair da puberdade. O enredo do caráter complementar do gênero em nossos corações lembra mais uma história de amor trágica, ou um dramalhão. Damos a impressão de estarmos atados a uma visão narcisista do eros, altamente romantizada, ou então, ignoramos como nos relacionar com o ato sexual que abranja o amor. Como Romeus incompetentes em busca de nossas Julietas, precisamos demais das profundas revelações que C. S. Lewis faz em The Four Laves (Os Quatro Amores): "O Eros faz o homem querer de verdade, mas querer uma mulher em especial. De um modo misterioso, porém, absolutamente inquestionável, o amante deseja a Amada em si, não o prazer que ela lhe possa proporcionar." Essa descrição do amor, voltada para o outro, estabelece um contraste gritante com o desejo sensual narcisista, que só visa a gratificação própria e que hoje se faz passar por eros. Como homem, mantenho o devido contato com a diferença entre a afeição que sinto por um irmão e por uma irmã em Cristo. O amor irmão-para-irmão mais genuíno é o filéo, desde que capacitado pelo ágape (aqui no sentido do amor incondicional de Deus). Parte do amor que sinto por ele tem sua raiz no fato de sermos ambos do sexo masculino. Em francês, a palavra que significa conhecer devido a uma similaridade inata é connaitre. Naitre quer dizer nascimento e con, o mesmo. Este conhecimento induzido por uma relação de igualdade só tem lugar quando a história de identificação com o próprio sexo, presente no coração, é saudável. O amor mais autêntico que posso experimentar por uma irmã em Cristo é também o filéo revestido do ágape divino, porém nesse caso o eros participa, pois sou do sexo masculino e ela, do feminino. Considerando que não compartilhamos da mesma natureza (humana sim, mas não sexual), passo a conhecê-la à medida que convivo com ela, estendo-lhe a mão e a trago mais para perto de mim. Em francês, esse tipo de conhecimento é denominado savoir, de onde se originou a palavra inglesa savor (provar cheiro ou sabor, em português). Esse conhecer em razão de diferenças só acontece quando o coração dispõe de um saudável enredo do caráter complementar do gênero. Amor Confuso "Amamos de um modo confuso, nós, os caídos; a estrada da vida existe para estabelecer ordem no amor." Nossos primeiros encontros com as formas masculina e feminina desses três tipos de amor, incorporados a nossos relacionamentos mais significativos (mãe, pai e outros), moldam a maneira como vivenciaremos mais tarde, no decorrer da vida, o amor pelo mesmo sexo e pelo sexo oposto. Esses contatos afetam ainda o modo como vemos a nós mesmos, enquanto homens e mulheres. Os enredos de identificação de gênero e do caráter complementar do gênero não podem ser escritos no coração isoladamente um do outro. Só podemos conhecer de verdade um enredo, conhecendo o outro. Masculino e feminino se definem quando vivenciados em conjunto. Por conseguinte, se estamos confusos em relação a um deles, estaremos também em relação ao outro. Necessidades de afeto não satisfeitas na infância não desaparecem simplesmente porque crescemos. Costumam se manifestar disfarçadas de necessidade neurótica exigindo atenção. Se nos faltar um dos três diferentes tipos de amor, é provável que tentemos satisfazer essa exigência com o amor de um dos outros dois tipos. A necessidade de afeto não satisfeita, e que se transformou em neurótica, pode 42 Ninguém me vinha à mente. A vaga noção de que dispunha de como seria um homem assim era proveniente das histórias que minha mãe contava, a respeito de seu pai - segundo ela, meu avô fora sempre bondoso e gentil, transbordante de amor pelas seis filhas. No entanto, ele também fora um desajustado, vítima do alcoolismo. Na verdade, o pastor Brown era o primeiro homem pleno que demonstrava algum tipo de interesse por mim. Nesse momento, porém, já incomodado demais por acreditar que passara a vida inteira sem nunca conhecer um homem pleno, ainda por cima ouvi-o insistir: - Mas com certeza você conheceu pelo menos um homem pleno, em algum período de sua vida? Escute aqui, cara - retruquei, irritado -, provavelmente você foi criado em uma tranquila cidadezinha qualquer de Indiana e já participava de campeonatos de beisebol quando criança. Sou capaz de apostar que seu pai assistia a todos os jogos e o incentivava bastante. Pois bem, eu não fui criado desse jeito. Portanto, terá de acreditar em mim, quando digo que nunca, nos meus vinte e cinco anos em cima deste nosso planeta, jamais conheci um homem pleno. O pastor olhou-me nos olhos, com muito carinho, em vez de revidar à altura do meu sarcasmo. Pegou então sua Bíblia e abriu em Lucas, capítulo 7, no relato da fé do centurião. Explicou-me que aquele homem amava todo mundo que Deus colocava em seu caminho, desde um servo até os judeus de sua região. Escutando aquela linda história que me estava sendo contada com grande afeto e carinho, comecei a descobrir o que significava sentir-se amado por um homem pleno - o próprio pastor Brown. Para mim, ele era um exemplo vivo do bom e amoroso centurião da Bíblia. Toda vez que se voltava para ler mais um trecho de Lucas 7, eu dava uma olhadela furtiva em seu rosto, ou em suas mãos de gestos tão gentis, como quem examina uma criatura de outro planeta. Não tinha a menor ideia de como me relacionar com ele. Ao final de nosso primeiro encontro, ele segurou-me as mãos entre as suas para orarmos juntos. Era a primeira vez na minha vida que um homem pleno se dispunha a me ajudar. Quando o pastor Brown pegou minhas mãos, reagi ao contato de uma maneira erotizada, o que envergonhou-me demais para que pudesse lhe confessar meus sentimentos. Em meu ser não havia lugar para receber o amor füéo masculino, inspirado pelo ágape divino, que me oferecia o pastor. Ainda por cima, o eros havia sido inserido no enredo de identificação de gênero do meu coração. Eu só conhecia um modo de interpretar o toque carinhoso de outro homem - eroticamente. Enquanto ele orava, segurando gentilmente minhas mãos, abri os olhos e espiei seu rosto. A sinceridade que encontrei só fez aumentar a vergonha pela reação do meu corpo. Até que alguma coisa na oração do pastor Brown fez com que me sentisse inundado por uma onda do amor verdadeiro, que nada tem de erótico. Acho que foi por sua referência a mim como "meu irmão Mário", no final. Além de sentir o amor de Deus fluir para dentro de mim, através das mãos daquele homem bondoso, senti também o verdadeiro amor humano. O contato com suas mãos, de repente tornou-se mais poderoso que os sentimentos neuróticos emergindo a partir da confusão dos símbolos reinando dentro de mim. Imediatamente, começou a ser estabelecida a ordem no amor. As mãos do pastor Brown, embora ternas, pareciam mais firmes e reais quando comparadas às minhas, transformadas em massa de modelar. Pois, durante a oração, senti como se minhas mãos estivessem mesmo sendo moldadas. Aliás, meu ser inteiro estava sendo moldado, assumindo a forma do homem por cuja redenção Jesus morreu. Doía, mas eu estava me tornando real. 45 Desfazendo-se de Imagens Mentais Doentias Meu verdadeiro eu começou a vir à tona conforme aquilo que havia de real, de verdadeiro e de bom dentro do pastor Brown ia sendo transmitido a mim por intermédio de seu toque de amor. Pelo simples fato de ser um cristão fiel, ele converteu-se em um canal sacramental pelo qual a cura de Deus atingiu meu interior. O que o pastor Brown era, um homem pleno em Cristo, causou uma impressão muito mais profunda em mim do que o que ele dizia. A substituição dos símbolos existentes em meu coração começou aquele dia. Velhos símbolos distorcidos de uma masculinidade desordenada abandonaram o enredo de identificação de escrito no fundo do meu coração. Agora, novas imagens de uma masculinidade plena principiavam a tomar o lugar que lhes pertencia por direito. Depois de deixar o escritório do pastor Brown, senti, pela primeira vez, que a cura da homossexualidade era possível. Até aquele momento, não me permitira esperar de verdade pela cura completa, com medo do desapontamento. Só levara em consideração essa história de cura por sentir que Deus me conduzia nessa direção, não porque tivesse grande fé de que daria certo. Além disso, gostava do prazer que experimentava nos contatos homossexuais e não tinha certeza de estar pronto para abrir mão deles, definitivamente. Contudo, sabia que a cura, que agora achava viável, jamais se daria sem algum esforço da minha parte. Por esse motivo determinei-me, diante Deus, por não mais envolver-me com nenhuma atividade homossexual. Desde que lera o livro de Leanne Payne, The Broken Image, oito meses antes, recomeçara a orar. A motivação para a maior parte de minhas orações era o desejo de ser liberto de todos os sentimentos e lembranças negativas que abrigava no peito, relacionados a meu pai, não necessariamente de ser curado da homossexualidade. A cada manhã, em oração, pedia a Jesus que trouxesse do meu coração, à superfície, pelo menos uma lembrança, à qual pudesse aplicar Seu divino perdão para com meu mui necessitado e doente pai. Em seguida, pedia ao Senhor que me perdoasse por reagir aos pecados de meu pai contra mim, com mais pecados. Durante meses, diariamente, Deus me mostrou em oração, alguma recordação que precisava ser objeto de cura e perdão. Na época em que conheci o pastor Brown, a cruz de Jesus, com Sua poderosa capacidade de perdoar pecados meus e dos outros, já amolecera bastante meu coração de pedra, deixando-o pronto para a substituição dos símbolos. As antigas imagens distorcidas de homens e mulheres, bem como sentimentos e lembranças a elas associados, não se achavam mais alicerçadas pela amargura e falta de perdão. No entanto, para que símbolos confusos pudessem ser substituídos por verdadeiros, eu precisava enfrentar todas as emoções, atitudes e comportamentos que tinham produzido. Emaranhada a minha neurose, havia ainda uma vida de fantasias homossexuais, com frequência alimentada pela pornografia. Como observa Leanne Payne, esse tipo de vida fantasiosa, bem como as imagens expostas de uma psique ainda enferma, servem ao indivíduo como quadros simbólicos da confusão de gênero. Voltar as costas para essa vida de fantasias e para o uso de pornografia foi o primeiro passo para me desfazer do conjunto de imagens doentias de ambos os sexos, alojado em minha mente. Além disso, precisei me arrepender do pecado da luxúria subjacente a esses hábitos e receber cura da masturbação estimulada pela ansiedade. Porém, envolvera-me com tais práticas por quase dez anos. Não ia ser fácil. Depois de me arrepender da luxúria, joguei fora todo material pornográfico que possuía. Em seguida, precisei trabalhar as imagens doentias em minha mente. Primeiro, busquei o significado contido nas imagens das minhas fantasias 46 homossexuais. Para usar a terminologia de Leanne Payne, eu precisava aprender a ler minha "compulsão canibal". Em The Broken Image, ela conta a história de Matthew, um rapaz que, como eu, precisava se liberar da confusão dos símbolos em suas fantasias homossexuais. Quando entendidos corretamente, os símbolos passam a ser vistos como gritos confusos do coração que clama por uma identificação de gênero e uma integração pessoal com membros do mesmo sexo. Leanne inicia a conversa com Matthew perguntando-lhe: " - O que você faz, em suas fantasias? - Quero abraçá-lo, beijá-lo na boca. Quero estar junto dele. E, em sonhos, é isso que faço. Ouvindo isso, perguntei: - Você conhece alguma coisa, qualquer coisa, sobre os hábitos dos canibais? Sabe por que eles comem gente? - Não, não faço a menor ideia - ele respondeu, perplexo." Essas questões costumam ser fundamentais para trazer à tona, em mentes e corações como os de Matthew, o que realmente acontece nas compulsões homossexuais. Em seguida, contei-lhe o que um missionário certa vez me disse: - Os canibais só comem quem admiram, e o fazem para adquirir-lhes as características. Estava muito claro qual o problema com Matthew; ele olhava para o outro rapaz e se apaixonava por uma porção perdida de si mesmo, uma porção que ele não conseguia reconhecer nem aceitar (itálicos meus). Ruth Tiffany Barnhouse, no livro Homosexuality: a Symbolic Confusion, define a homossexualidade como a tentativa neurótica de obter identificação de gênero com o próprio sexo. Ela escreve: "... pode-se recorrer à adaptação homossexual como forma de se identificar com a força "masculina" do parceiro. Como bem colocou um paciente meu, "O problema não estava tanto no fato de eu querer amar Peter; eu queria ser o Peter" (itálicos meus). Uma revelação iluminou-me a mente como um raio e de pronto agarrei-me à verdade que continha: meu desejo homossexual não era um impulso biológico, mas sim a projeçâo de amor desordenado e da identificação de gênero incompleta sobre um membro do meu mesmo sexo, que simbolizava minha masculinidade. Foi assim que comecei a abandonar a mentira de que a homossexualidade é uma expressão legítima da sexualidade humana. Afim de me desfazer dos símbolos confusos da masculinidade presentes em meu interior, procurei responder a essas perguntas simples a respeito dos homens que habitavam minhas fantasias sexuais, ou por quem me sentia sexualmente atraído: O que ele tem que estou tentando tomar? Que porção da minha masculinidade ele simboliza e com a qual não estou estabelecendo contato? Com isso, ficou muito claro para mim que todos os homens do meu passado, pelos quais me "apaixonara", nada mais eram que receptáculos das minhas projeções. Só estivera tentando completar minha identificação de gênero através de uma união erotizada com eles. Na verdade, nunca os vira como as pessoas reais, de carne e ossos, que eram de fato. Antes, me relacionara com eles (ainda que inconscientemente) a partir da perspectiva de minha própria necessidade e confusão. 47 raiva, desejos intensos, tensão na genitália ou rejeição. A separação prolongada da mãe pode se manifestar fisicamente na criança sob forma de uma dolorosa tensão na genitália. Nessa situação, ela aperta a genitália para aliviar a dor, em uma atitude muito parecida à dos atletas que esfregam um músculo dolorido. O dr. David Benner acrescenta que, na longa separação da mãe, a criança costuma sentir vergonha, resultante da sensação de não ter valor nenhum. Parece-lhe que não é querida. Reações infantis como raiva, desejo intenso, tensão na genitália, rejeição e vergonha podem persistir por toda a infância, adolescência e vida adulta. Nesses casos, o comportamento da criança que esfrega a genitália para aliviar a dor da tensão às vezes é mal interpretado pelos pais como masturbação. Todavia, assim que a criança ingressa na adolescência, o ato de esfregar os órgãos genitais conduz naturalmente a uma estimulação sexual, sob forma de masturbação. Como disse Leanne Payne, porém, "em tais circunstâncias, segue-se uma masturbação dominada pelo pavor (em vez de algo meramente sensual)". A descoberta de que parte de minhas necessidades sexuais mais prementes tinha relação direta com a ansiedade, e não exclusivamente com o desejo homossexual, produziu uma enorme sensação de liberdade em mim. À medida que progredia na cura do meu homossexualismo, passei a lidar com a dor da ansiedade causada pela separação na infância. A oração com imposição de mãos desempenhou um importante papel nesse processo. Tais orações sempre continham um pedido a Deus para que eu recebesse um senso de bem-estar. Segue um exemplo desse tipo de oração: "Querido Pai celestial, confesso diante de Ti o pecado de um mundo caído, onde as pessoas nascem sem um senso de proximidade com a mãe, e sem um senso de paz em seu amor. Senhor, se meu relacionamento com minha mãe sofreu perturbações devido a algum pecado que ela cometeu, eu a perdoo agora. Se aconteceu por causa de outra circunstância qualquer desse mundo caído, eu perdoo essa circunstância pecaminosa. Por algum motivo que desconheço, Senhor, eu perdi, ou nunca cheguei a estabelecer, um vínculo seguro com minha mãe. Às vezes sinto como se não existisse, como se estivesse resvalando pelas frestas da vida, sem vínculo com ninguém, desesperadamente solitário. Venha sobre essa sensação de não existir, Senhor, trazendo o amor de que necessito afim de me relacionar com as pessoas. Senhor, não há paz dentro de mim - apenas uma ansiedade que me corrói e que parece piorar quando estou só. Atue sobre minha solidão, de modo que possa enfrentá-la na Tua presença. Encha meu vazio com Teu amor. Tome minha solidão e a transforme em um bonito jardim. Venha sobre minha ansiedade, Senhor. Deixe que Tua paz penetre minha pelve, onde essa ansiedade tem se nanifestado sob forma de tensão na genitália. Encha- me da Tua paz e, ao fazê-lo, cure a ansiedade que venho tentando aliviar por intermédio de um comportamento sexual neurótico. Oro em nome de Jesus. Amém". A Mulher de Nova Iorque No que diz respeito às mulheres com neurose de lesbianismo, o pavor de perderem o contato com a mãe costuma estar na raiz de seus problemas sexuais. O desapego das lésbicas a sua fonte de ser não só provoca intensa ansiedade, como também, a alienação de seus relacionamentos básicos e, portanto, dos meios para obter uma saudável identidade de gênero. Desde o princípio da infância, como resultado dessa ansiedade, pode acontecer de carregarem tensão nos órgãos genitais. A necessidade que sentem do amor ágape feminino pode estar tão confusa que todos os relacionamentos com mulheres acabam sendo erotizados. 50 Quando se submetem ao aconselhamento, essas mulheres em geral me dizem que a pele do braço chega a doer, tamanha a vontade que sentem de tocar e serem tocadas. É a consequência de uma privação tátil. Entretanto, qualquer contato vindo de uma mulher costuma ser recebido de maneira confusa, como algo erótico (do mesmo modo que eu reagi ao toque do pastor Brown). Por conseguinte, elas podem não deixar que ninguém se aproxime demais, com medo de erotizar até as mais simples expressões de afeto. Em uma grande conferência perto da cidade de Nova Iorque, da qual tomei parte como um dos palestrantes, ministrei, acompanhado de um colega, a uma lésbica que reconhecia ter tais necessidades. Quando começamos a orar por aquela mulher que tanto sofria com seus profundos conflitos emocionais, recebi do Senhor a visão de um vaso sanitário. Após contar à mulher o que estava vendo, perguntei-lhe: - Faz sentido para você? Muito envergonhada, ela se pôs a chorar e nos relatou uma terrível situação que vivera aos cinco anos de idade. Sua mãe a encontrara sentada no vaso sanitário, esfregando, ansiosamente a genitália. Com uma expressão de nojo no rosto, a mãe a acusara de estar se masturbando, impondo um pesado sentimento de vergonha e culpa a uma criança já bastante machucada. Imediatamente trabalhamos essa culpa e vergonha falsas, as quais ela vinha carregando havia mais de quarenta anos. Em seguida, a ungimos com água consagrada, transmitindo-lhe por meio desse símbolo a ideia de que Cristo a purificara de todos os pecados, ao mesmo tempo em que expulsávamos quaisquer espíritos opressores de vergonha e culpa. Não é comum uma menina de cinco anos se masturbar -assegurei-lhe então. - Mas pode acontecer que esfregue os órgãos genitais para aliviar a dolorida tensão concentrada naquela parte do seu corpo. Essa tensão pode ter sido provocada por um pavor terrível, ou pela ansiedade; tudo em função do fato de não ter conseguido estabelecer corretamente o vínculo com a mãe. Depois de invocar a presença de Jesus sobre aquela lembrança, aplicamos Seu perdão ao relacionamento mãe-filha desajustado. Em seguida foi preciso orar pela cura das feridas resultantes desse relacionamento. Eu a ungi com óleo e, enquanto pedia a Deus que estabelecesse naquela mulher um senso seguro de estar no amor materno, Willa, a colega que ministrava comigo, abraçou-a com força. Depois disso esperamos e observamos Deus fazer exatamente o que acabáramos de pedir. Orando para que Deus abençoasse o feminino naquela mulher, roguei ainda que ela fosse capaz de receber de maneira adequada o toque de amor contido no abraço de Willa. Ela, então, nos contou que alguma coisa dentro dela a impulsionava no sentido de erotizar aquele contato. Pedimos a Deus que interviese nesse impulso, que eliminasse de sua mente toda vergonha e culpa e que estabelecesse ordem em seu amor. Em seguida oramos para que Deus fizesse com que o Seu amor permeasse cada músculo do corpo dela, de modo a aliviar a tensão outrora concentrada na genitália. Não raro, mulheres que sofrem de uma grave ansiedade causada por separação também experimentam dores extremas e absurdas no período de menstruação. Isso porque a dor da ansiedade causada pela separação se combina com a dor existente no ciclo menstrual. Na manhã seguinte, ela ostentava um rosto radiante de paz e alegria. Sempre fora uma cristã fiel, e embora acabasse de passar por mais uma, dentre as várias curas que Deus operara em sua vida, talvez essa fosse a maior delas, excetuando-se a da conversão. Ainda teria de caminhar muito para ampliar a cura e, como já acontecera antes, seria tentada por Satanás a menosprezá-la, além de ouvir cristãos ignorantes 51 negá-la. Porém, não lhe faltava maturidade cristã para conservar os olhos voltados para cima e para fora de si mesma, em Jesus. É preferível que uma mulher abrace aquela que precisa desse tipo de oração, porque é a forma feminina do amor ágape que lhe falta. Contudo, se não houver uma mulher por perto, um homem capaz de compreender corretamente o contato terapêutico pode ser usado por Deus para orar por esse tipo de cura em favor de outros homens e também mulheres. Outro Comportamento Induzido pela Ansiedade Ultimamente, tenho conhecido pessoas que lutam com uma forma diferente de masturbação provocada pela ansiedade, a da estimulação anal, que pode envolver sentimentos sérios de vergonha e culpa. Mais uma vez, é preciso dissipar esses sentimentos com muita graça e amor, a fim de que se possa trabalhar o problema de maneira apropriada. Pessoas que sofrem desse tipo de problema quase sempre transferem grande tensão para os esfíncteres localizados no interior do reto. Aliás, carregam tensão em toda a parte inferior do corpo. Costumam surpreender-se quando descobrem que, para aliviar essa tensão muscular, basta que enviem uma mensagem àquela porção do corpo, ordenando-lhe que relaxe. Se houver um desejo sexual qualquer associado a esse comportamento, antes de mais nada, deve ser confessado e abandonado. Em quase todos os casos desse tipo, é necessário orar para que um senso de ser ou de bem-estar seja estabelecido. Excitação Sexual e Ansiedade Os psicólogos clínicos há muito compreenderam que situações que provocam a ansiedade em geral excitam sexualmente a pessoa. Determinado pesquisador menciona um rapaz que "revelou ter pequenas ereções, desde a adolescência, toda vez que se sentia ansioso". O remédio para a excitação sexual induzida pela ansiedade está em se aprender algumas habilidades práticas para lidar com essa ansiedade, e não se concentrar na masturbação ocasionalmente resultante. Reduzido o nível de ansiedade, a necessidade de se masturbar também diminuirá. No meu caso mesmo, depois de receber um senso seguro de bem-estar, bastava um pouco de ansiedade para querer me masturbar. Não permiti que um falso sentimento de culpa tomasse conta de mim nessa época. Isso só teria feito aumentar meu nível de ansiedade, o que, por sua vez, aumentaria também o desejo de me masturbar. No entanto, era uma tentação muito diferente daquelas que experimentava quando ainda homossexual, ou da necessidade sexual legítima de unir-me a uma mulher, como jovem solteiro e normal, ambas repletas de intenso desejo. Para o homem em transição da homo para a heterossexualidade, a vontade de se masturbar às vezes é consequência do emergir de sua heterossexualidade até então reprimida. Pode representar a tradução do despertar sexual (atrasado) para a existência da mulher, coisa que em geral ocorre na puberdade. Esse despertar não só precisa ser bem-recebido, como também transportado rapidamente para a maturidade. E o indivíduo precisa aprender que pelo simples fato de experimentar uma necessidade sexual legítima, nem por isso poderá satisfazê-la imediatamente. A tentação sexual relacionada à ansiedade ficou ainda mais evidente para mim após diversas visitas à casa de meus pais -ainda o mesmo lar desajustado e tenso da minha juventude. Durante e depois dessas visitas, eu sempre lutava contra a tentação de me masturbar. Aprender algumas habilidades práticas para lidar com o estresse 52 tornar uma só carne com aquela que deverá ser sua companheira, ou seja, uma mulher, não eu. Aceitando o conselho do meu amigo, comecei a declarar essa verdade a meu coração. Fazia questão de nele inserir a imagem de um homem e uma mulher juntos, toda vez que orava nesse sentido. Na prática, Deus estava mudando os símbolos ali existentes, ao remover antigas imagens distorcidas de homens com homens, compartilhando um engano e substituindo-as por imagens íntegras e verdadeiras de homens com mulheres relacionando-se corretamente, uns com os outros. Este processo avançou bastante quando me integrei ao corpo de Cristo e passei a ser testemunha de casamentos lindos e plenos, homens e mulheres juntos, macho e fêmea à imagem de Deus. Reações Pecaminosas à Solidão O dr. Frank Lake, no livro Clinical Theology (Teologia Clínica), escreve: "Os padrões de solidão do presente tendem sempre a invocar protótipos latentes nas raízes do ser. Operando dessa maneira, o passado enterrado transforma um momento presente assustador, mas tolerável, em um momento de insuportável ansiedade." Ele, então, continua dizendo que "a solidão do presente pode induzir à ansiedade neurótica", que, por sua vez, faz brotar em sua vítima sentimentos sexuais que conduzem à tentação. Algumas pessoas, muito embora tenham recebido um senso de ser ou de bem-estar através da oração, podem continuar a ter reações pecaminosas à solidão - uma solidão que, no passado, resultava em quedas sexuais de vez em quando, para aliviar a ansiedade neurótica. Algumas dessas reações pecaminosas à solidão são passividade (indolência), egoísmo e orgulho. Eu era culpado de todas as três. A reação passiva está diretamente relacionada à voz autocomiserativa da criança interior ainda não submetida ao processo de cura. Ela não tem imaginação e tampouco se dá ao trabalho de pensar em alternativas para esse estado de passividade. Na época em que estava preso a esse tipo de problema, muitas vezes deitado no sofá e olhando o espaço vazio, eu lamentava minha triste condição para com Deus, naquilo que eu pensava ser uma oração. (Na verdade, só estava me exercitando na presença do velho Mário.) Uma ocasião, ao deixar escapar um profundo suspiro no meio de uma dessas orações, o Senhor respondeu, trazendo Jó 38.2-3 ao meu coração. Imagine minha surpresa quando peguei a Bíblia e li: "Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem conhecimento? Cinge, pois, os teus lombos como homem, pois eu te perguntarei, e tu me farás saber." Continuei lendo os dois capítulos seguintes de Jó em voz alta, em pé diante de Deus, na minha sala de estar. As perguntas que o Senhor fizera a Jó me maravilharam tanto que não consegui lê-las sem erguer os olhos de vez em quando, deixando de concentrá-los em mim mesmo e descobrindo um novo ponto de vista para minha situação. Depois de me arrepender da passividade, terminei aquele período de oração sentindo-me um homem mais completo do que quando o iniciara. A reação egoísta à solidão em geral é consequência da atitude de proteger a própria privacidade, sem permitir que ninguém se intrometa. Pode estar relacionada ao fato de se passar muitos anos sozinho e resultar na renúncia à comunhão com outros cristãos. Certa manhã de domingo, pouco menos de um ano depois de abandonar a vida gay, o Senhor revelou-me que eu era culpado de egoísmo. Na hora do cafezinho, 55 depois do culto, uma das líderes da igreja convidou-me a participar de um lanche reforçado para os recém-convertidos, em sua casa. - Não, obrigado - respondi, muito gentil. - Já tenho compromisso para hoje. Meu "compromisso" consistia em passar a tarde na melhor delicatessen especializada em cozinha judaica da cidade, lendo tranquilamente meu New York Times enquanto saboreava um bagel com salmão e requeijão, acompanhado de café bem quentinho. Um ritual que eu cumpria havia cinco anos. Dirigindo o carro até a delicatessen, porém, o Senhor me convenceu de que eu falhara por não levar em consideração os sentimentos daquela irmã, nem o amor com que ela preparara a refeição. Quanto mais me aproximava do meu destino, pior ficava. O New York Times podia me esperar, ao passo que aquele lanche só aconteceria naquele dia. Por fim, fiz o retorno e fui para a casa daquela irmã, onde pude estreitar os laços de amizade com ela e conhecer muita gente. A reação orgulhosa pode se manifestar sob a forma de um padrão fantasioso na escolha dos amigos. Em lugar de acolhermos todo o povo de Deus que Ele mesmo aproxima de nós, visando nossa comunhão, muitas vezes temos uma fita métrica pela qual baseamos a decisão de quem é digno de receber parte do nosso precioso tempo. Também o fato de nos relacionarmos apenas com pessoas que julgamos melhores que nós pode ser uma forma de dar novo impulso a uma auto-estima baixa. De um lado, achamos que somos menores que os outros e desejamos que nos aceitem para que nos sintamos melhores com relação a nós mesmos. Por outro lado, consideramo-nos mais elevados que os outros e não queremos ser incomodados. Apesar de ser do meio-oeste e da poderosa ministração que recebera naquela igrejinha de Ohio, de vez em quando, me pegava torcendo o nariz, um nariz empinado e cosmopolita, adquirido com o passar dos anos, para aqueles "caipiras". Dayton, Ohio, insultava meu senso estético (adquirido) de intelectual de Boston. Sentia que lhes fizera um favor mudando-me para Cow-hio (trocadilho com o nome Ohio: cow, vaca, em inglês, e hio, onomatopéia do vaqueiro ao conduzir o rebanho) – como meus amigos de Boston chamavam Ohio. Todavia, experimentei uma grande vergonha (vergonha moral de verdade) tão logo reconheci minha arrogância. Afinal de contas, era igualmente difícil para aquelas pessoas ultrapassar as barreiras culturais entre nós. Ainda assim, conseguiam enxergar além das minhas atitudes, das minhas roupas, ao melhor estilo do East Village de Nova Iorque e me amar. É possível lidar com todas essas reações pecaminosas à solidão arrependendo-nos delas diante de Deus. Do contrário, a solidão só irá continuar, levando-nos à ansiedade que, por sua vez, pode nos expor a tentações desnecessárias. Enfrentando a Ansiedade Diante de Deus Tendo encontrado tanta ajuda no pastor Brown e nas aulas de Leanne, depois de me arrepender dos pecados e ser cheio do Espírito Santo, passei por uma experiência absolutamente incrível com Deus, certo final de semana. Era tarde de quinta-feira e as aulas do dia seguinte haviam sido suspensas. Três longas noites e dois dias vazios me esperavam, até que chegasse a manhã de domingo e a oportunidade de estar de novo em comunhão com outros cristãos. Sentado em meu pequeno, porém confortável apartamento, em Ohio, comecei a me apavorar ante a perspectiva de ficar só, por um período tão longo. A excitação sexual associada a minha ansiedade redundou em tentações homossexuais avassaladoras. Sabia muitíssimo bem que se saísse do apartamento, com certeza cairia por causa de sexo. 56 Decidido a ficar aquela noite em casa, assisti a um pouco de televisão e li outro tanto. Na sexta-feira, logo que acordei, outra vez uma profunda ansiedade e uma esmagadora tentação homossexual apoderaram-se de mim. Tais sentimentos pareciam ter piorado muito durante a noite. Aquela manhã, em comunhão com Deus, ouvi-O dizendo: "Eu te amo, Mário." Terminadas as minhas orações, uma profunda sensação de confiança encheu-me o ser: se aguentasse firme até a manhã do domingo, sem cair, então, nunca mais meu corpo seria consumido por uma tentação homossexual como aquela. Não sei o porquê, simplesmente tinha absoluta certeza disso. Tendo alinhado minha vontade à vontade de Deus e resolvido que cair por causa de sexo estava fora de cogitação, peguei um band-aid e coloquei-o unindo a porta do apartamento ao batente. Em seguida, prometi a Deus que não quebraria aquele lacre até o domingo, por mais ansioso ou sexualmente tentado que ficasse. À medida que a tarde e noite de sexta-feira foram passando, a tentação e a ansiedade pioraram - coisa que eu não achava possível. Limpei cada cantinho do apartamento, arrumei toda a papelada para a qual nem sequer olhava havia anos, escrevi cartas a velhos amigos, fiz telefonemas interurbanos e, acima de tudo, exercitei- me na presença de Jesus. Em vez de dormir, debati-me e revirei-me na cama naquele que pareceu ser a mais longa noite da minha vida. Porém, o band-aid continuou na minha porta. Chegou a manhã do sábado. Encontrou-me dentro de um apartamento impecável, com todos os documentos em perfeita ordem e uma pilha de cartas a despachar para pessoas com quem não me correspondia havia anos. Só me restava orar, ler e buscar a presença de Jesus. Em meu interior, a ansiedade e a tentação homossexual ainda dominavam. À tarde, completamente só na sala de estar, resolvi ler em voz alta e acabei encenando um monólogo, "A Paixão da Sra. Bright", de Joe Orton, um autor gay. A peça conta a história de um homossexual que envelheceu e não é mais jovem o bastante para atrair parceiros de cama. As paredes de sua casa são cobertas pelas assinaturas de todos que lhe fizeram companhia por uma noite, durante os últimos vinte anos. À medida que a trama se desenrola, ele tenta trazer à memória os rostos ligados às centenas de assinaturas que enfeitam-lhe paredes. De alguns se lembra com facilidade; de outros, não consegue. Uma história triste mas verdadeira, já que, no final, ele cai em si e reconhece ser um homossexual que envelheceu sem ter ninguém para amar. Na peça, sra. Bright é, na verdade, uma "bicha" velha e cansada, presa a seu monólogo, completamente só e sem qualquer esperança. Terminada minha encenação no meio da sala do apartamento, caí de joelhos, apavorado. - Querido Deus - implorei, em prantos - não permita que me transforme em mais uma senhora Bright. Nesse instante, veio-me à mente uma das mais terríveis lembranças dos tempos de vida gay. Era véspera de Natal, quatro anos antes. Vários amigos eu saíramos para tomar um drinque em nosso bar gay predileto. Neve fresca cobria a cidade e grandes flocos caíam silenciosos lentos do céu. Saltamos do carro e caminhávamos para o bar quando um sino repicou a meia-noite. - Ei, hoje é Natal - lembrou um de meus amigos. – Feliz Natal! No exato momento em que chegamos à porta do bar, ela abriu para dar passagem a um homossexual mais velho que nós e bêbado. Ele caiu na neve, soltou um palavrão, mal-e-mal conseguiu se levantar e então, cambaleante, passou por nós. O mesmo amigo que nos desejara feliz Natal, com uma careta de desdém, perguntou: - Como será a noite de Natal para uma bicha velha como essa? 57 - Mário, está conseguindo nos acompanhar? - Desculpe - respondi. A partir daquele momento, procurei fixar a atenção no que estava sendo dito e nem olhar para a janela. Pouco depois, no entanto, entediado outra vez, olhei para minhas mãos. Belisquei delicadamente a pele sobre um dos nós dos dedos da mão esquerda. Erguendo uma pequena porção de pele entre os dedos, pensei "Deus está me mostrando Sua beleza e realidade através da cena de primavera do outro lado da janela; mas como é muito mais belo e real o Espírito do Senhor que mora neste pedacinho de pele". De repente, o significado de Cristo estar em mim invadiu-me o ser como ondas de água viva. Naquele momento compreendi que se o Espírito de Deus habitava naquele pedacinho de pele, então, Sua presença também permeava cada célula e fibra do meu corpo, quer eu quisesse, quer não. As palavras de l Coríntios 6.19-20 entraram em minhas veias como sangue restaurador: "Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo." Ao mesmo tempo que essa verdade tomava conta da minha mente, olhei para meu dedo mindinho e concluí que se todo o Espírito de Deus habitando em mim fosse suficiente apenas para preencher a ponta daquele dedo, eu já teria poder divino suficiente para ser curado. Daquele momento em diante, a porção mais profunda do meu coração tomou consciência de que eu seria completamente curado da homossexualidade. E foi o que acabou acontecendo. A mais plena alegria emergiu de dentro de mim. Eu devia estar brilhando em maviosa reverência. Sem que me apercebesse, o diretor vinha observando-me furtivamente esse tempo todo. Eu ainda olhava maravilhado para meu mindinho, pensando na realidade do poder de Deus que em mim morava, quando ele perguntou, em um tom de voz muito peculiar: - Mário, quer fazer o favor de me dizer o que está acontecendo? Embaraçado por ter me distraído de novo, respondi: - Ó, o senhor não entenderia, se lhe dissesse. - Experimente - ele retrucou, sarcástico. Desconhecendo outras palavras para descrever a descoberta de uma verdade tão antiga, todo empolgado, compartilhei com ele e com o restante do corpo docente uma expressão que aprendera com Leanne Payne: - Acabo de me deparar com a Realidade da Encarnação! O rosto do diretor perdeu a expressão e ele ficou estático, só me olhando, por vários segundos. Afinal, piscou os olhos algumas vezes, desviou-os sem me dirigir palavra e prosseguiu a reunião. Daquele dia em diante, relacionei-me com meu corpo de um modo inteiramente diverso. Pois não se tratava de um mero corpo, mas sim do templo do Espírito Santo. Sempre que experimentava um desejo carnal pecaminoso, recusava-me a submeter meu corpo a tratamento tão indigno. Em vez disso, exercitava-me na presença do Espírito Santo habitando em mim e me concentrava em Jesus, até que a vontade de pecar e a tentação fossem embora. Não estou fazendo sensacionalismo de um assunto banal, nem fundando uma teologia esotérica. Mas apenas constatando uma realidade concreta, prática e usual, disponível para todo crente. 60 União com Cristo A primeira vez que me entreguei a Jesus, na adolescência, ninguém me ensinou sobre a união com Cristo através do Espírito Santo habitando no crente. Só dez anos depois, tendo frequentado a classe de educação cristã para adultos de Leanne Payne e, mais tarde ainda, recebido o poderoso enchimento do Espírito Santo na igrejinha de Ohio, deparei-me com a realidade de "um outro que vive em mim". Essa realidade representa uma verdade fundamental para a cura das pessoas. Em cada cristão existe um lugar interior saudável, onde ele mantém sua união com Cristo. A respeito daquele que O ama, Jesus disse: "E meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada" (João I4.23b). Nesse lugar interior, podemos ousar dar ouvidos ao nosso coração e a tudo que existe dentro dele. O cristão que, após a conversão, descobre que em seu coração só tem lixo (como era o meu caso), está pronto para estabelecer ordem em sua confusão interior, tão logo sinta-se seguro da existência desse lugar interior saudável, onde Jesus e o Pai vieram fazer morada. Das oitenta vezes que a palavra união aparece na versão em inglês do Novo Testamento na Linguagem de Hoje, setenta e nove se referem à união do crente com Cristo. Um meu professor do seminário lembra sempre os alunos: "O tema 'estar em Cristo' é de tal forma preponderante nos escritos de Paulo que pode ser encontrado praticamente em cada página de suas epístolas." Essa união mística entre o crente e Deus é a realidade que nos capacita a sermos transformados de dentro para fora. Não deve ser confundida com monismo, para o qual Deus está em todas as coisas, nem com conceitos da Nova Era (gnósticos) que afirmam que o homem é, ou se torna Deus. Como disse o teólogo ortodoxo Kallistos Ware: "Embora 'feito um' com o divino, o homem permanece homem; ele não é engolido ou aniquilado..." Essa união com Cristo traz poder também à vida de oração do crente. Como escreve o teólogo evangélico dr. Donald Bloesch: "Outra forma pela qual Cristo possibilita uma genuína vida de oração está no fato de Ele morar dentro dos corações dos crentes. Ele não só intercede por nós no céu, como também, por intermédio de Seu Espírito, faz morada nos mais profundos recessos do nosso ser. Portanto, podemos invocá-lo com certeza e confiadamente, pois Ele se encontra infinitamente perto. Paulo lembra a seus ouvintes: 'Não reconheceis que Jesus Cristo está em vós?' (2 Coríntios 13-5). Cheio de confiança, ele proclamava: 'Cristo em vós, a esperança da glória' (Colossenses 1.27). Dentro do ser de cada cristão existe uma luz interna, uma voz interior, que nos impele para a oração. E essa presença interior é um refúgio permanente em tempos de provas e tribulação." Foi a realidade de Cristo dentro do crente que capacitou os cristãos primitivos a sofrerem o martírio com tanta alegria. No ano 202 d.C., Septímio Severo, imperador romano, emitiu um decreto proibindo a propagação do cristianismo. Era dirigido particularmente aos novos convertidos e seus mestres. Uma nova convertida, Felicitas, estava grávida quando a prenderam. Encarcerada por vários meses, nesse período deu à luz uma menina. Ouvindo seus gemidos na hora do parto, suas carcereiras lhe perguntaram como faria para enfrentar as feras na arena. Ao que ela respondeu: "—Agora os sofrimentos são apenas meus. Mas quando estiver diante das feras, haverá um outro que viverá em mim e sofrerá por mim, já que me cabe sofrer por Ele" (itálicos meus). 61 Essa realidade de "um outro vivendo em mim" foi a chave para minha cura da homossexualidade, e é a chave para a cura de todas as pessoas. Pois não importava quão terrível fosse a lembrança que me viesse à mente, não importava quão vil fosse o pecado revelado de dentro do meu coração, não importava quão insignificantes ou ridículos fossem os pensamentos que me assaltassem, não importava a intensidade da dor que me abalava a alma, eu agora sabia que Jesus estava vivendo dentro de mim. Por haver "um outro vivendo em mim", eu tinha coragem para enfrentar as feras na arena do meu coração. O lugar saudável onde Jesus morava, dentro de mim, era meu verdadeiro centro. O Amadurecimento As Escrituras nos convidam a adotarmos o processo vitalício do amadurecimento em Cristo. Em Efésios 4.13, "até que cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo", a palavra grega traduzida como varonilidade, teleios, também pode se referir a alguém que "que atingiu completo desenvolvimento" ou "adulto". Não alcançamos a plena maturidade na conversão, nem o faremos enquanto estivermos deste lado do céu. Antes, em nossa jorrnada pela terra, continuaremos crescendo até atingirmos a plenitude de Cristo. Esse crescimento também poderia ser chamado de identificação com Cristo ou santificação. Santificação designa o processo de tornar-se santo com o objetivo máximo de ser como Jesus. Para o crente, toda transformação envolve uma encarnação - uma Vida vertida do alto sobre nós. Essa vida é Jesus. Por esse motivo todos os cristãos, e não apenas Paulo, pode proclamar com alegria: "Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim " (Gálatas 2.20a). O processo de identificação com Cristo permite ao crente descobrir sua verdadeira identidade. O produto final dessa identificação é uma identidade - aquilo que a Nova Bíblia Inglesa, no trecho de Mateus 16.24-25, quando Jesus diz "aquele que perder a sua vida por minha causa, achá-la-á", traduz "encontrará seu verdadeiro eu". Embora o cristão aparentemente se perca, a julgar pelos padrões do mundo, na realidade, ele encontra seu verdadeiro eu seguindo a Jesus, por paradoxal que possa parecer. O verdadeiro eu é o resultado de uma nova ordem criada, na qual os seres humanos se convertem em filhos de Deus à semelhança do Filho de Deus, "o primogênito entre muitos irmãos" (Romanos 8.29). A jornada da vida tem por objetivo a identificação com Cristo. Até que enfim, na glória, deveremos ser como Ele, livres do pecado e completamente puros. Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque havemos de vê-Lo como Ele é. E a si mesmo se purifica todo o que n'Ele tem esta esperança, assim como Ele (Jesus) é puro (1 João 3-2,3). Assim como o verdadeiro eu (ou a nova criação) é aquilo que está em união com Cristo, o falso eu (ou o velho homem) é aquilo que está em união com Adão. -Todavia, nossa união com Adão só é mencionada uma vez no Novo Testamento (l Coríntios 15.22). Esse o motivo porque o cristão dá ênfase à existência do verdadeiro eu em união com Cristo, enquanto morre todos os dias para o falso eu, em união com Adão. Nossa identidade essencial é a de santo, não de pecador. 62 obedecê-Lo, disponível para mim. Continuo me exercitando na presença de Deus, comigo e dentro de mim, até que a tentação vá embora. Agindo assim, aprendi que o tempo de duração das tentações é limitado. Quanto mais persevero em Sua presença, menos tempo elas perduram. Nunca neguei-lhes a presença em meu corpo. Apenas aprendi a reconhecer uma realidade superior: existe um Outro que vive dentro de mim e Ele me ajudará a atravessar os problemas. Todos nós precisamos exercer esforço moral a fim de obedecer a Deus. Contudo, nossos esforços humanos são ampliados grandemente pelo poder de Deus quando participamos de Sua natureza, tomamos nossa cruz e seguimos o Senhor todos os dias. Minha Vida de Oração No curso de educação cristã para adultos, Leanne Payne sugeriu a seus alunos que mantivessem um diário de "oração passiva". Seguindo seu conselho, eu anotava no meu diário que trecho das Escrituras lera pela manhã e copiava os versículos que falavam ao meu coração de modo mais particular. Costumava transformá-los em orações ao Senhor. Depois disso, ficava aguardando em Sua presença, propositadamente, pela palavra que Ele me devolvia. Enquanto esperava, geralmente criava uma imagem mental em que meu coração se inclinava para o coração de Cristo. Por mais de um mês O ouvi dizer a mesma coisa: - Eu te amo, Mário. E, durante todo aquele mês, registrei diária e fielmente essas quatro palavras que Deus me falava. Transcorrido esse período, porém, cansei-me de ouvir sempre a mesma coisa: "Eu te amo, Mário, eu te amo, Mário, eu te amo, Mário...". Perguntei então ao Senhor: - Tenho ouvido essas mesmas palavras há mais de um mês. O Senhor não poderia, por favor, mandar-me algo diferente? - Você não crê em Mim - foi a resposta que ouvi. Sendo assim, tomei aquelas quatro palavrinhas e as retive em meu coração, perante o Senhor, até que calassem fundo dentro de mim. Henri Nouwen escreve: "A oração acontece onde o coração fala ao coração; no local onde o coração de Deus se une ao coração de quem ora. Portanto, conhecer a Deus passa a ser amar a Deus, assim como ser conhecido de Deus é ser amado por Deus." Conhecendo a Deus e sendo conhecidos de Deus, encontramos nosso coração e somos libertos para aprofundar nossa identidade com Cristo, tendo em vista que o coração ainda enfermo pode ser nosso próprio e pior inimigo. Deus, pouco a pouco, nos vai revelando seu conteúdo, de tal forma que possamos continuar a amadurecermos n'Ele. "E nisto conheceremos que somos da verdade, bem como, perante ele, tranquilizaremos o nosso coração; pois, se o nosso coração nos acusar, certamente Deus é maior do que o nosso coração, e conhece todas as cousas" (l João 3-19,20 destaques meus). Pelo fato de Deus ter assegurado Seu amor por mim, logo no início da minha vida de oração, confiei n'Ele para mostrar tudo que meu coração continha realmente. Sentia-me seguro sendo conhecido de Deus porque tinha certeza do Seu amor. Isso me libertou para ser sincero, humilde e vulnerável, apesar do sofrimento, perante Ele. Se assumirmos uma posição vulnerável diante de Deus em oração, encontraremos toda a confusão e pecado que nos acompanhou até a vida cristã. Ali, na presença de Deus podemos sem medo algum permitir-Lhe ver aquelas coisas que, antes da conversão, não ousávamos trazer à luz. Depois de oferecer tais porções do nosso 65 velho eu para que Deus as examine, aguardamos em Sua presença enquanto Ele nos transforma, cura ou equipa para destruir os vestígios do velho eu carnal. Os psicólogos cognitivos são rápidos em salientar que padrões de pensamento baseados em erros ditam grande parte dos comportamentos e sentimentos que regulam nossas vidas. Eles sabem que a introdução de novos pensamentos positivos em uma mente abarrotada de atitudes doentias é a chave para a cura. A oração profética bíblica ou a oração passiva, que na verdade vai muito além do pensamento positivo, é a chave para a renovação da mente: "E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus" (Romanos 12.2). Aguardando diante de Deus em oração passiva, conscíentizamo-nos de todos os pensamentos irracionais, vulgares e pecaminosos que nos moldam negativamente. Podemos exteriorizar esses pensamentos negativos anotando-os no diário e então pedindo a Deus que os substitua com a palavra da verdade, positiva e poderosa para criar coisas novas, das Sagradas Escrituras, ou por uma palavra profética. Em oração enfrentei as atitudes negativas que tinha para com os outros, bem como, as críticas e os julgamentos que lhes devotava, ainda que não o soubessem. Tais pensamentos me impediam de estabelecer relacionamentos íntimos com aqueles contra quem era mais crítico - principalmente os irmãos na fé. Por fim, anotei o modo como julgava as pessoas em meu diário de oração e pedi perdão a Deus. Pedi ainda que Ele abrisse meus olhos para que eu enxergasse as qualidades daquelas pessoas. Com o auxílio de Deus, substituí meus antigos julgamentos por declarações positivas, condizentes com a realidade. Também as novas e fidedignas declarações foram anotadas em meu diário, junto às anteriores. Isso me libertou para amar as pessoas mais plenamente. A Responsabilidade e a Vontade Somos criaturas dialogais; amadurecemos à medida que nos dirigem a palavra e respondemos. Nós que queremos a cura devemos nos colocar todos os dias em posição responsiva, aguardando, cheios de expectativa, diante de Deus, por aquela palavra que haverá de nos curar. Quando a recebemos, por intermédio das Escrituras, ou de outro crente, da adoração, de um bom sermão, ou de uma palavra profética que ouvimos de Deus em oração, passamos a ter a responsabilidade de agirmos com base nessa palavra. A responsabilidade está no cerne do amadurecimento em Cristo Jesus. O cristão... sustenta que o homem encontra sua essência e liberdade na Palavra de criação e graça, proferida por Deus. Neste ato divino, inimaginável sem uma resposta do homem, isto é, um gesto de responsabilidade, o homem encontra o seu ser. Ele é homem, graças a sua relação com Deus. Fora disso, é uma caricatura de homem, como dizemos em alemão, um "não-homem." ...O homem é humano para e desde que viva no amor de Deus, portanto, no amor para com seu irmão. Antes da redenção, vivemos um monólogo. Alienados de Deus, nossa posição é a de quem caiu do esplendor divino e está aprisionado em uma espiral descendente, que nos leva a nos nos transformar em um "não-homem". No diálogo com nosso Criador, respondemos ao grandioso ato inicial de Deus, qual seja, a redenção através da cruz de Cristo. Quando fazemos escolhas, diariamente, perante o Senhor, colaboramos mais com nossa própria cura. Porém a resposta que damos à cruz também sela nosso destino - céu ou inferno. 66 Para que nossas escolhas diante de Deus sejam responsáveis, nossa vontade de escolher deve estar intacta. Exercer vontade, quando ela está ferida, é como tentar soltar os pés de dentro de um tonel de cimento. Empregamos toda força e energia na tentativa vã de nos libertarmos. Quando a vontade está ferida e a alma exausta de tanto lutar contra o cimento, a pessoa adota uma atitude passiva. Depois de um período bastante longo de passividade, clamei a Deus, perguntando por que o exercício da minha vontade exigia um esforço tão gigantesco. Até que me lembrei de algo que, como já mencionei anteriormente, um dos antigos empregados de meu pai dizia: - Mário, seu pai é o único homem que conheço capaz de castrar alguém só com o olhar. De fato, eu sempre enxergava ódio, zombaria e repugnância quando meu pai olhava para mim. Também me sentia castrado por seu jeito de olhar. Junto da masculinidade, minha vontade fora seriamente ferida por ele. Ao me aperceber disso, pedi oração a Ted e Lucy Smith, também eles membros da equipe de Pastoral Care Ministries. Ted pediu a Deus que curasse todas as áreas da minha masculinidade em que eu fora castrado por meu pai. Por sua vez, Lucy teve uma visão no Espírito da minha vontade. Eu a vejo como um fio muito ténue, prestes a se romper. Vamos pedir ao Senhor que cure sua vontade, Mário. - Enquanto orávamos, Lucy teve outra visão. - Agora Jesus a está envolvendo com a Sua vontade. E a vontade d'Ele tem o aspecto de uma corda grossa e dourada, dando voltas naquele fiozinho ténue. Poucas semanas depois, conheci um novo senso de responsabilidade pela minha cura, o qual mudou minha vida. Continuava necessitado de muito mais curas sobre as feridas passadas. Eu as tinha em quantidade suficiente para gemer e choramingar pelos próximos vinte anos. No entanto, uma nova dimensão de vida se abriu a minha frente - o futuro desvencilhado do passado. Agora eu olhava para diante, para uma vida normal, livre das referências diárias ao passado doloroso. Por esse motivo, decidi não mais mencionar esse passado a não ser no contexto da oração, de um ensinamento, ou ministrando para outras pessoas. Há quem diga que passei de vítima a sobrevivente. Mas até o termo sobrevivente adquirira uma conotação negativa para mim, visto que nasce de um acontecimento passado. Em vez disso, via a mim mesmo como a nova criatura em Cristo que as Escrituras dizem que sou (2 Coríntios 5.17). Queria trabalhar para o Reino de Deus, acima de tudo, livre do passado. Lucas 9-62 fazia sentido para mim pela primeira vez: "Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás, é apto para o reino de Deus." Depois que os Smith oraram comigo, a debilitante passividade desapareceu. Desde então, tenho feito muitas orações de "cura da vontade" por pessoas precisando se libertar da passividade, e também assumir responsabilidade pela própria vida diante de Deus. A oração que segue é um bom exemplo do que estou dizendo: "Vem, Espírito Santo. Senhor Jesus, capacita-me neste exato momento a segurar a mão que Tu me estendes. Ao erguer minhas mãos para o céu e desviar os olhos para fora de mim mesmo, clamo como S. Paulo: 'Quando sou fraco, então é que sou forte. 'Agora, Senhor, venha sobre minha vontade e lhe cure as feridas. Revela-me as pessoas do passado que fizeram com que se esgotasse minha força de vontade, que aferiram, ou até mesmo a desestruturaram. (Deixe o Espírito Santo falar ao seu coração o nome dessas pessoas.) Agora, Senhor, me dê a graça de optar por perdoá-las por terem pecado contra mim. (Cite o nome de cada pessoa) Eu te perdoo em nome de Jesus por teu pecado contra mim. Eu te perdoo por ferir-me em minha vontade. Nunca mais serei moldado por teu pecado contra mim. Agora me volto para Deus, a fim de 67 Amor pelo mesmo sexo 6 Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma. Despojou-se Jônatas da capa que vestia e deu a Davi, como também a armadura, inclusive a espada, o arco e o cinto. (1 Samuel 18.3 e 4) Amar Certo Versus Amar Errado Pouco depois de assumir minha condição de homossexual, mudei-me para a cidade de Nova Iorque para fazer um curso de teatro. Morava em um bairro chamado EastVillage. Pintadas em rosa choque, pichações nas calçadas advertiam: "Clones, Caiam Fora!" Passeando pela rua com um amigo gay, perguntei-lhe: - Quem são os clones? - São os gays do West Village. Aqueles que se vestem todos iguais, têm todos a mesma cara. De fato, eles eram muito parecidos entre si. Um Clone típico usava o cabelo muito curto, bigode e tinha um corpo "malhado". Estavam sempre de óculos de lentes espelhadas, camiseta branca simples ou regata, calças jeans Levis bem apertadas, de botão e sapatos estranhos, pesados. No inverno, a maioria vestia jaquetas de couro ao estilo dos aviadores da Segunda Guerra. A tendência era de que os clones só namorassem entre si. Certa vez uma amiga lésbica, bastante desbocada, passando pela praça Sheridan, West Village, virou- se para um clone que estava acompanhado do namorado e perguntou, sarcástica: - Como é fazer sexo com você mesmo? Essa pergunta permaneceu gravada em minha mente durante anos. O modo de vestir e o tipo físico dos clones eram símbolos exagerados do homem. A imagem hipermasculina que projetavam espelhava a visão idealizada e erotizada que tinham do próprio sexo. A imagem exterior de homem servia como defesa psicológica contra a deficiência interna de masculinidade. Em lugar do verdadeiro amor masculino, atingível somente por meios não eróticos, tentavam encontrar o masculino através de uma imagem exterior de masculinidade em si mesmos, bem como nos parceiros do mesmo sexo. O amor entre homossexuais contrasta totalmente com o amor entre homens heterossexuais saudáveis. Na Bíblia, Jônatas e Davi fornecem um exemplo da maior relevância dessa expressão de amor que caracteriza a relação saudável entre homens heterossexuais. O amor de Jônatas por Davi derivava do amor de Jônatas por si próprio. Esse auto-amor bíblico não deve ser confundido com o amor narcisista, centrado no próprio eu. Antes, o auto-amor bíblico seria equivalente à auto-aceitação. Por Jônatas se amar e aceitar corretamente, podia amar e aceitar corretamente o outro, como a si mesmo. 70 A doação caracterizava o amor entre Jônatas e Davi. Debaixo da liderança do Senhor, Jônatas abriu mão com liberalidade de seu direito de suceder ao pai como rei de Israel. Por amor, Jônatas doou seu direito ao trono a Davi. Estudiosos acreditam que ao entregar sua capa a Davi, ele reconheceu "que Davi devia assumir seu lugar como sucessor de Saul". O amor entre homossexuais costuma ser caracterizado pelo receber. O homossexual não ama alguém do próprio sexo para se doar. Pelo contrário, ele o ama com o intuito de tomar para si mesmo. Tampouco ama o parceiro do mesmo sexo como a si mesmo. Ama-o em vez de a si mesmo. Ambivalência do Mesmo Sexo A coexistência ambivalente do amor e do ódio é um elemento central da neurose homossexual. Em psicologia, a palavra ambivalência se refere à existência de atitudes ou emoções contraditórias, como amor e ódio, por exemplo, em um mesmo indivíduo. Ou às atitudes emocionais para com os outros que se alternam ou mudam rapidamente. Na homossexualidade, tanto homens quanto mulheres podem ser objetos da ambivalência amor-ódio. Durante o desenvolvimento infantil, enxergamos os sexos na medida em se relacionam um com o outro. Vivenciamos o caráter masculino e o feminino como dois lados de uma só moeda, ou seja, a humanidade. Portanto, se encontramos dificuldade em nos relacionarmos com pessoas do mesmo sexo, por causa de modelos inadequados, temos dificuldade também para nos relacionarmos com pessoas do sexo oposto. Nos próximos dois capítulos, trataremos da ambivalência do sexo oposto. A condição homossexual resulta em parte do fato de não recebermos o amor necessário do próprio gênero a que pertencemos, em geral, representado pelo genitor do nosso sexo. Para nos defendermos da perda desse amor, desligamo-nos daquele genitor de um modo doentio. Na mente da criança, esse desligamento pode tomar a forma de um voto: "Você não me ama; nem eu vou te amar." Os relacionamentos desajustados com o mesmo sexo imprimem imagens confusas desse sexo no fundo do coração. Além disso, as imagens existentes em nosso coração daquele que nos fere, ou rejeita, quando crianças, são ainda mais obscuras por nossas reações pecaminosas às ofensas que cometeu contra nós. Essas imagens contêm todos os sentimentos e atitudes negativos vinculados a nossos relacionamentos desajustados com o mesmo sexo. As imagens, em nossos corações, de pessoas importantes e do mesmo sexo ditam como nos relacionamos com esse nosso sexo. As atuais dificuldades que encontramos em tais relacionamentos costumam brotar de antigos relacionamentos desajustados com o mesmo sexo. O desligamento defensivo do genitor do mesmo sexo pode assumir aspectos de generalização, abrangendo tudo que aquele genitor simboliza para nós. Em nosso sofrimento, projetamos inconscientemente, sobre todos os membros do mesmo sexo, nossos sentimentos e atitudes enfermos. Embora o amor eroticamente impregnado possa fluir de nós, em direção a alguém do nosso próprio sexo, o mesmo vale para o ódio, a raiva e a rejeição. As projeções inconscientes da ambivalência do mesmo sexo são imprevisíveis. Para o homossexual (ou a lésbica), certas pessoas provocam maior ambivalência que outras, pelo simples fato de simbolizarem algum aspecto do sexo dele (ou dela) do qual ele (ou ela) está alienado, ou com relação ao qual se sente confuso. No fundo do coração do homossexual (ou da lésbica) pode haver duas imagens antagónicas do próprio sexo. Em um canto, reina a imagem romântica 71 idealizada - o modo de o coração simbolizar o amor neurótico que ele (ou ela) nutre pelo mesmo sexo. Essa imagem pode ser do genitor do mesmo sexo, tido aqui como perfeito, ou do (da) amante homossexual (ou lésbica), também perfeito (ou perfeita). No outro canto do mesmo coração reina a imagem desprezada, temida do mesmo sexo - o modo como o coração simboliza o ódio neurótico que ele (ou ela) nutre pelo mesmo sexo. No caso do homossexual, talvez seja a imagem de um pai autoritário e cruel, ou então passivo e ausente. No caso da lésbica, pode ser a imagem de uma mãe distante e nada carinhosa, ou passiva e que não fazia mais que sofrer abusos. Entre os dois extremos, da imagem idealizada e da imagem desprezada, pode haver toda uma variedade de imagens distorcidas do mesmo sexo. O Amante Perfeito A imagem idealizada e erotizada do mesmo sexo desempenha um amplo papel nos relacionamentos homossexuais. Apaixonado, o homossexual se enamora realmente da imagem idealizada do próprio sexo, existente em seu coração. Seu parceiro apenas combina com essa imagem, como exemplificado na história dos clones. A relação entre os dois baseia-se mais na projeção de uma imagem ilusória presente no coração, do que no amor verdadeiro por outra pessoa. Parte de minha cura da homossexualidade só aconteceu depois que renunciei à esperança idólatra de um dia encontrar o amante perfeito, que estivesse em harmonia com a imagem idealizada e erotizada do meu sexo, existente dentro do meu coração. Mesmo após receber uma profunda cura do Senhor, continuei abrigando essa esperança no coração. Sabia tratar-se de um pecado ultrajante, para o qual precisava morrer. Mas ainda queria manter um certo controle sobre a vida. Na minha cabeça, permanecia a ideia de que pudesse existir um homem neste mundo capaz de satisfazer minhas necessidades. A neurose homossexual não me influenciava tanto como antigamente, nessa época, nem falava mais tão alto dentro de mim. Transformara-se no sussurro contido de um neurótico. Porém, eu vivia a tentação satânica de aproveitar a cura que Jesus me dera e sair a procura do amante perfeito com quem passar tranquilamente o resto da vida. Essa esperança pecaminosa foi um dos maiores impedimentos para que eu recebesse mais cura da parte de Deus. Depois de me arrepender por tê-la acolhido, tive de enfrentar a realidade de que, ao dar as costas para o homossexualismo, abrira mão de algo em que encontrava enorme prazer. A Bíblia fala dos "prazeres do pecado" (Hebreus l l .25). Fracassamos ao tentarmos permanecer livres de certos pecados, em parte porque negamos que contêm um elemento de prazer. Nessa época, ao mesmo tempo que lutava por conservar-me distante da atividade homossexual, lembrava-me diariamente que oferecera ao Senhor algo de que gostava muito. Também pedia a Deus que substituísse meus ardentes desejos de prazeres carnais por um anseio sincero por prazeres saudáveis e bons. Durante um bom período, minha oração se resumia a "Abra meus olhos para ver as coisas boas e santas que colocaste neste mundo. Abra meu coração para que se maravilhe, alegre e apaixone diante dessas mesmas coisas". Outro fator dos relacionamentos homossexuais é a busca pela identidade de gênero por intermédio de um parceiro do mesmo sexo. Homens que deixaram de completar sua identificação de gênero na infância procuram estabelecê-la em um outro homem. O sentimento opressivo de se estar "apaixonado" por alguém do mesmo sexo é na verdade uma busca pela identificação de gênero que foi erotizada. Quando alguém que sofre de neurose homossexual quer se curar, quem se dispuser a ajudá-lo precisa descobrir se ele está envolvido em um relacionamento com pessoa do seu sexo. A separação do companheiro pode desenterrar a dor pela 72 dei vazão a uma reação paranóica. Lutei contra sua decisão de reestruturar o restaurante, chegando mesmo a procurar seu superior e brigar muito por causa disso. Assumindo a postura de advogado frente ao júri, acreditava ter um excelente caso nas mãos e considerava-me preparado para batalhar por meus direitos. Desconfiança e suspeita são dois dos principais elementos da paranóia homossexual. Anos depois que a atração declaradamente homossexual deixou de ser problema para mim, descobri que eu continuava a desconfiar dos homens. Essa desconfiança formava uma barreira enorme para estabelecimento de amizades saudáveis com pessoas do meu sexo. Quando conhecia homens com tendências a se imporem demais, costumava reagir com uma raiva que os machucava, em vez de lidar objetivamente com o comportamento dominador que manifestavam. A raiva representava um modo imaturo de firmar meus limites e ver-me livre do controle que tentavam exercer. Esse tipo de reação era uma transferência psicológica enraizada na esmagadora imposição de meu pai sobre mim. Por fim, a voz da "criança com pena de si mesma", ocupando o centro da neurose homossexual, tem caráter análogo à voz belicosa na paranóia homossexual. Essa voz luta e defende o direito de reclamar da criança interior. Nas palavras do dr. Gerard van den Aardweg: "É como se a 'criança interior' lutasse para defender sua condição trágica- importante e temesse a possibilidade de perder essa forma corruptora de amor próprio. Conseguimos entender o que Freud quis dizer ao discutir o fenômeno da resistência que observou no tratamento de vários neuróticos, e que lhe causaram 'a mais profunda de todas as impressões', transmitindo 'a sensação de que existe uma força atuando no sentido de se defender, por todos os expedientes possíveis, contra a cura e que se agarra obstinadamente à enfermidade e aos sofrimentos'." Encontrei a cura da paranóia homossexual quando, antes qualquer outra coisa, aprendi a provar todo pensamento negativo acerca do meu sexo. Em vez de aceitá-los, colocava-os diante de Deus, em meu coração. Anotava tudo que tinha contra os homens que conhecia no diário de oração. Pedia então a Deus que me mostrasse se aqueles pensamentos negativos eram verdadeiros ou falsos. Em segundo lugar, aprendi a não viver a partir do meu centro de pensamentos e sentimentos negativos. No início, isso significou aprender a viver no ponto de tensão entre dois centros opostos - o velho centro do eu neurótico, para o qual eu morria todos os dias, e o novo centro do verdadeiro eu redimido em Cristo, para o qual tornava-me mais vivo também a cada dia. Não permiti que a voz da criança interior, paranóica e plena de auto-piedade, me dominasse. Pelo contrário, submeti essa voz crítica, reclamona, à fome, exercitando-me na presença de Cristo. O Espírito Santo habitando em mim e a Palavra viva de Deus, as Escrituras, compunham meu verdadeiro centro. O dr. Lake, no livro Clinical Theology, conta como ajudava pacientes paranóicos a desenvolverem essa "dupla orientação". Ensinava-os a viverem no ponto de tensão entre dois centros opostos, mas deixando que o centro sadio e verdadeiro dominasse sobre o paranóico. Ele descobriu que isso era fundamental para a cura das pessoas. Em terceiro lugar, nas ocasiões em que um pensamento negativo a respeito de alguém do meu sexo se revelava correto, aprendi a não expressá-lo em palavras. Claro, falhei muitas vezes, mas depois de um certo tempo, obtive sucesso em manter as críticas para mim mesmo. Por fim, aprendi a entregar toda e qualquer crítica justificável ao Senhor, em oração. Não quer dizer que negasse a existência de falhas de caráter nos outros. Apenas resolvi não permitir que se transformassem na visão definitiva que tinha daquelas pessoas. 75 Em quarto lugar, e talvez seja esse o mais importante, procurava o lado bom de cada um, tecendo comentários verbais a esse respeito, sempre que possível. Em um mundo caído, é fácil ver o que há de errado com os outros, como nos revela de maneira magnífica a parábola bíblica do homem com uma trave no olho. Porém, virtuoso realmente é procurar o lado bom das pessoas e realçá-lo. Ambivalência e Raiva do Mesmo Sexo Quando vinte e cinco anos de raiva reprimida contra meu próprio sexo vieram à tona dentro de mim, foi assustador. Por vários meses, acessos de raiva de horas de duração me acometiam. Começaram depois que parei de negar que minha família era desajustada. Despertava no meio da noite e descobria que meus dentes batiam furiosamente, ao mesmo tempo que sentia raiva e ansiedade revolvendo-se em minhas entranhas. Sabendo que não devia negar essas emoções, permiti que fluíssem livremente. Tratava-se da raiva interiorizada no passado, em grande parte, raiz da minha terrível depressão, do desprezo por mim mesmo e de pensamentos suicidas. De modo geral, minha raiva se voltava contra um homem que também fazia o papel de receptáculo da minha ambivalência do mesmo sexo. Em determinados momentos, fúria e sexualidade se misturavam dentro de mim (lembre-se, ambivalência significa a presença de ambos, amor distorcido e ódio). Ainda que não tivesse o menor motivo para sentir raiva daquele homem, ela assumia proporções, sem dúvida alguma, absurdas para a situação. O dr. John Bancroft, em Human Sexuality and Its Problems (Sexualidade Humana e Seus Problemas), escreveu que "a raiva pode contribuir para a reação sexual". Ele relata dois estudos psicológicos demonstrando que "induzir à raiva leva a um conjunto de imagens sexuais". Assim como a raiva e o desejo sexual intenso estão relacionados, também a raiva está relacionada a esse tipo de desejo. Lidar com a raiva de uma maneira responsável significa encontrar alívio do desejo sexual intenso e do conjunto de imagens a ele associado (tais como uma vida de fantasias sexuais doentias). Arrancar do fundo do coração a raiz que existe por baixo da raiva contra o mesmo sexo ajuda a desatar o conjunto de imagens homo-eróticas e as reações homossexuais ali alojadas. Conquanto não negasse minha raiva, precisava lidar com ela. O primeiro princípio para superá-la consiste em parar de projetá-la sobre os outros. Eu tinha de assumir a posse de minha raiva. Por isso, orava. O melhor lugar para sentir raiva na presença de Deus. Com os braços levantados para Jesus, pude vê-Lo na cruz morrendo para levar meus pecados sobre Si. Minha raiva parecia uma nuvem densa e negra de fumaça que meu corpo exalava, escapando-me pelas mãos como se algo, exterior a mim, a atraísse e penetrasse nas chagas de Jesus. Outras atitudes também ajudaram. Saía em longos passeios de bicicleta em lugares ermos, gritando a plenos pulmões. Anotava no diário de oração todos os pensamentos negativos, mesquinhos, ridículos que tinha em relação aos objetos de minha raiva e ambivalência do mesmo sexo. Escrevi cartas que jamais intentei mandar a pessoa nenhuma. Ria de mim mesmo, principalmente quando a voz da criança interior, sempre com pena de si mesma e choramingando, vinha à tona junto com a raiva. Dramatizar sua triste condição ajudou a silenciá-la: - Ó, pobre criança sofredora, nunca, em toda a história do mundo, houve alguém que merecesse tanto sentir raiva quanto você. Removi do meu vocabulário frases do tipo "você me deixou louco de raiva". A verdade nua e crua é que reajo a determinadas situações com raiva, coisa às vezes 76 absolutamente compreensível. Contudo, não há ninguém dentro de mim, a não ser eu mesmo, que me obrigue a ficar louco por esse motivo. Pedi a irmãos e irmãs de confiança que orassem por mim impondo suas mãos, depois, ou até durante esses períodos de profunda raiva. Deus não me rejeitou por causa desse sentimento, nem permitiu que fosse condescendente com Ele. Mais importante ainda, eu sabia muito bem que não devia projetar a raiva sobre Deus, nem culpá-Lo pelas circunstâncias atuais. Afinal de contas, Ele me dera Jesus, o remédio para a dor. Trabalhando com pessoas que enfrentam o mesmo tipo de problema, tenho descoberto que, às vezes, um "espírito de raiva." demoníaco se aproveita da dor provocada pela raiva legítima, para oprimir o indivíduo. Uma vez discernida essa presença demoníaca, basta repreendê-la que ela irá embora. Se a pessoa pecou contra alguém por causa da raiva, precisa procurar quem ofendeu e pedir-lhe perdão. Acontece que muita gente não sabe lidar com a raiva de terceiros. Muitos cristãos são rápidos em rotular toda raiva como pecado, deixando de perceber as várias ocasiões em que as Escrituras falam de raiva legítima. À medida que trabalhava minha raiva e parava de projetá-ta sobre os homens a meu redor, experimentei tentação homossexual cada vez menor. A raiva foi diminuindo aos poucos, bem como o intenso desejo sexual a ela relacionado. O Ódio Sexualizado Em diversas oportunidades, tenho orado com homens cujo lado negativo da ambivalência foi erotizado. Em tais casos, o desejo sexual se mescla à raiva. Imagens em que parceiro ou parceiros do mesmo sexo são feridos ou assassinados fazem parte de suas fantasias sexuais. Sentem sempre vergonha e culpa por causa dessas fantasias, e talvez eu seja a única pessoa a quem já revelaram o problema. Essas almas sofredoras precisam ser libertas primeiro da vergonha e da culpa. Cuidamos disso em uma sessão de oração como a que descrevo a seguir. Depois de invocar o nome de Jesus, passamos a analisar o possível significado contido nas imagens do mesmo sexo ferido. Mais uma vez, a noção de confusão de símbolos é o primeiro passo para se desatar o poder do conjunto de imagens neuróticas e o sentimentos a ele associados. Enquanto conversamos sobre as imagens em si, costumo perguntar: - Qual você imagina seja o significado deste conjunto de imagens para sua fantasia sexual? Ao que o outro responde: -Que tenho muito desejo sexual por essa pessoa, mas também raiva e ódio dela. Sim, a raiva e o ódio, sem dúvida, estão afetando sua visão interior do mesmo sexo. Mas, por favor, lembre-se de que as pessoas que aparecem em suas fantasias representam a masculinidade para você. Você deve ter aprendido a encarar essas imagens como alegorias, em vez de anseios literais de seu coração. As imagens em que seu parceiro é ferido, ou assassinado, representam o modo como seu coração simboliza a raiva e o ódio erotizados que você nutre pelo seu sexo. Uma vez compreendida a confusão de símbolos em que vivem como o estabelecimento de vínculos entre imagens carregadas de desejo sexual e sentimentos de raiva e ódio, o medo de realmente viver a fantasia sexual diminui. Em seguida, pergunto se sentem que conseguem colocar essa fantasia diante do Senhor Jesus em oração. Quase sempre dizem -Sim. Invocamos o nome de Jesus e colocamo-nos na presença restauradora de Deus. Peco-lhes então, que permitam, que a fantasia sexual, em sua plenitude, venha-lhes à mente perante Ele. 77 aceitarmos o fato de que talvez jamais venhamos a possuir tais qualidades. Qualquer que seja o caso, devemos honrar a pessoa por suas boas qualidades, o que é o oposto da inveja. Sinais de Advertência da Ambivalência do Mesmo Sexo Como a ambivalência do mesmo sexo é inconsciente por natureza, precisamos aprender a reconhecer-lhe os sinais em nós. Para isso, as perguntas abaixo podem ajudar. Será que estou: • experimentando inveja, • com raiva, sem nenhum motivo, • desprezando e, ainda assim, me sentindo sexualmente atraído, • experimentando emoções contraditórias, por alguém do mesmo sexo? Vale a pena analisar nossos sonhos também. Neles, os objetos da ambivalência do mesmo sexo podem figurar como símbolos do nosso gênero. Não raro sonhamos que estamos sexualmente ligados a alguma dessas pessoas, em uma tentativa erótica de adquirirmos as boas qualidades que invejamos nelas. A resposta afirmativa para qualquer das questões acima talvez indique que experimentamos algum tipo de ambivalência em relação à pessoa. Identificar o problema significa vencer metade da batalha. Minha Cura da Ambivalência do Mesmo Sexo Assim como projetava sobre outros homens as questões mal resolvidas com meu pai, também projetava meus problemas sobre Deus, o Pai. A imagem de paternidade existente em meu coração precisava adquirir símbolos radicalmente novos a fim de que eu pudesse receber o amor do Pai celestial. Foi o que de fato aconteceu. Em junho de 1984, compareci a uma conferência da Exodus International em Baltimore, Maryland. Trata-se de uma organização que congrega vários ministérios cristãos de redenção sexual para o homossexual. O conferencista principal era o dr. Robert Frost, autor de Our Pleavenly Fatber (Nosso Pai Celestial). Durante uma semana inteira, o dr. Frost ensinou sobre a paternidade de Deus. No fim da semana, pediu aos líderes e conselheiros cristãos que fossem à frente ajudá-lo a ministrar o amor paternal do Senhor. Em seguida, convidou àqueles na plateia que precisavam de um toque de cura do Pai celestial para também irem à frente receber oração de um dos líderes. Quase todos os presentes atenderam ao apelo. O dr. Frost orientou-nos a colocar a cabeça sobre o ombro daquele que oraria por nós, ao mesmo tempo que esse líder devia nos dar um abraço paternal. Obedeci e, no mesmo instante, comecei a chorar profundamente. Logo se ouviam homens e mulheres soluçando por todo o salão, gente que não recebera o apoio devido, sendo agora agraciada com o amor do Pai celestial. Tive a impressão de que os soluços duraram um longo tempo. Até que a paz do céu desceu sobre nós e o silêncio prevaleceu naquele lugar. O choro de quem carecia de apoio cessara. Voltei ao lugar em que estava sentando experimentando uma calma interior desconhecida até então. Vivenciei Sofonias 3.17 aquele dia: "O Senhor teu Deus está no meio de ti, poderoso para salvar-te-, Ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te- á no Seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo." Pela primeira vez na vida, acreditei que Deus é um Pai real que me ama e se delicia verdadeiramente em mim. Graças ao 80 ministério do dr. Frost, recebi do Pai celestial parte do apoio que sempre esperara de meu pai terreno. No entanto, mesmo depois de ser alcançado por uma cura tão profunda de Deus, permanecia em mim a esperança de encontrar, na comunidade cristã, um homem por intermédio do qual parte de minhas necessidades legítimas pelo amor do mesmo sexo, presentes em minha vida desde a infância, pudessem ser satisfeitas. Deixara de procurar o amante perfeito (a imagem idealizada e erotizada do mesmo sexo), tampouco esforçava-me por encontrar o pai perfeito (a imagem não erotizada porém, ainda idealizada do mesmo sexo); queria apenas um pai espiritual no Senhor, como Paulo fora para Timóteo (l Timóteo 1.18). Porém, o desajuste que vi em muitos homens na igreja, rapidamente puseram um fim a minha busca. Vários deles eram tão carentes de apoio em sua masculinidade quanto eu, ainda que não erotizassem os relacionamentos com o mesmo sexo. Na tentativa de saciar necessidades de amor do mesmo sexo, nunca atendidas, vi alguns empreendendo o equivalente emocional a saltos mortais para conquistar o amor e a aprovação de outros homens. Enfim, dei por encerrada minha busca de um pai espiritual. Se pretendia ser um homem cristão sadio, então minha necessidade básica residia em aprender a me relacionar com outros homens, como amigos e irmãos em Cristo. Certo dia, em oração, entreguei ao Senhor todas as expectativas que criara em relação aos homens cristãos e resolvi dar mais de mim mesmo. Essa atitude libertou-me para honrar homens cristãos mais velhos e sábios, sem esperar que satisfizessem todas as minhas necessidades de amor paternal ainda pendentes. Neles encontrei modelos de autoridade altruísta, heróis dos dias de hoje a quem imitar. Alguns conheci pessoalmente, como Ted Smith de Pastoral Care Ministríes, o rev. Joseph Garlington da Igreja da Aliança de Pittisburgh, o dr. Roberto Frost e meus professores da Escola Episcopal Trinitariana de Ambridge, Pensilvânia. Outros não conheci, porém, os ouvi falar, ou li seus livros. Entre esses, C. S. Lewis, padre Michael Scanlon da Universidade Franciscana de Steubenville, Ohio e o teólogo dr. Donald Bloesch. Homens de grande integridade, declaram verdade em amor, portam-se com humildade, mas proclamam com ousadia o evangelho de Cristo. Honrando as boas qualidades de tais homens e moldando meu verdadeiro eu a partir deles, acolhi dentro de mim a masculinidade saudável que sempre ansiei. Considero-os portanto, meus pais espirituais. As Escrituras ensinam que não se deve chamar nenhum homem de pai na Terra porque temos um Pai que está nos céus (Mateus 23-9). Se tivesse continuado tentando atender as minhas necessidades de amor do mesmo sexo, via relacionamentos humanos, teria fixado o olhar sempre na criatura, em vez de no Criador. Sentia uma fome voraz de um pai. O homem que se oferecesse para me adotar como pai substituto teria sido devorado emocionalmente. Só o Pai celestial era capaz de proporcionar-me a cura e o apoio masculino de que eu precisava tão desesperadamente e tanto queria. Não existe cura para a ambivalência do mesmo sexo fora dos relacionamentos não-eróticos com o mesmo sexo. Dentro de tal contexto é que vêm à tona os problemas desse tipo de ambivalência. Se a igreja local não estiver preparada para compreender essa ambivalência e trabalhá-la em alguém que passa por um processo de cura da homossexualidade, esse alguém pode se juntar a um grupo terapêutico, como o Living Waters (Águas Vivas), de Andy Comiskey. Nesse caso específico, trata-se de um programa excelente para o desenvolvimento de habilidades a serem aplicadas aos relacionamentos com o mesmo sexo dentro da Igreja. Na ausência de um grupo local, o programa pode ser seguido pelo próprio interessado, com base no livro Pursuing Sexual Wholeness (Em Busca da Plenitude Sexual), juntamente com 81 The Guidehook to Pursuing Sexual Wholeness (Guia para a Plenitude Sexual), disponíveis nas livrarias cristãs americanas. Quando a Igreja desempenha bem seu papel de comunidade terapêutica onde a compreensão, o perdão e o amor fluem livremente, ela é o ambiente perfeito para trabalhar a ambivalência do sexo oposto. Foi assim com minha igreja e comigo, quando tive de enfrentar esse problema. Depois de receber a incrível cura da rejeição descrita no capítulo 2, tornei- me mais consciente da minha ambivalência do mesmo sexo em relação aos homens do meu grupo de estudo bíblico. De vez em quando, sem me dar conta, projetava sobre esses irmãos ódio e desprezo generalizados (raiva) que sentia por todas as pessoas que haviam rejeitado a mim e a minha família, no passado. Como aqueles homens expressavam muito amor e preocupação para comigo, imaginei que podia confessar-lhes meu pecado. Porém, quando tentei fazê-lo, eles tiveram dificuldade em meu ouvir. Tratando-se de cristãos amorosos, foram rápidos demais em pedir perdão. Deixaram, portanto, de perceber que eu precisava da cura proporcionada pela confissão e arrependimento do pecado. "Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros, e orai uns pelos outros, para serdes curados" (Tiago 5.16). Nossa igreja não praticava com frequência as confissões formais. Tive de suplicar-lhes para que ouvissem a minha. Quando finalmente os convenci, grande cura nos sobreveio. Logo após minha confissão, puseram-se a confessar seus pecados contra mim e todos que lutavam com a homossexualidade (aos quais haviam deixado de estender a mão). Unidos em oração, perdoamo-nos uns aos outros. Ainda orávamos quando algo extraordinário aconteceu. Uma onda de amor sobrenatural fluiu de mim para eles. Mais uma vez a verdade da confissão e do perdão de pecados, simples e bíblica, estabelecia ordem no amor. Precisamos aprender a nos colocarmos perante Deus, em oração e ouvir-Lhe a orientação para todo tipo de cura, já que Ele dispõe de soluções sob medida para cada situação. Nem sempre se deve confessar a ambivalência do mesmo sexo aos envolvidos. Eles podem não ter um comprometimento de irmão (ou irmã) em Cristo com a pessoa. Ou não ser maduros o suficiente para saber lidar com a confissão, muito menos compreender a homossexualidade. Se imaturos, ainda por cima, podem passar a ver aquele que se confessou como "o fulano que tem problemas de homossexualismo", deixando de se relacionar com ele como o cristão que na verdade é. Lidando com a Tentação Ao mesmo tempo que minha cura progredia, com a ajuda do Senhor, eu trabalhava minha ambivalência do mesmo sexo. Em pouco tempo, meus desejos homossexuais, que antes me agradavam, foram transformados em tentações pecaminosas que desejava cada vez menos. Embora esses desejos fossem se acabando no decorrer do tempo, continuei enfrentando as tentações - sexuais e não. Agora parecia-me fácil discernir se as tentações sexuais provinham "do mundo, da carne ou do diabo". Qualquer que fosse a fonte, o exercício da presença de Cristo habitando em meu coração pela fé era sempre o ponto de partida de minha defesa. Se a tentação provinha do mundo, tinha de resistir-lhe, ou fugir dela. Um amigo estrangeiro, visitando meu país, comentou: - Os homens nos anúncios de rua dos Estados Unidos estão sempre em posição sedutora, como acontece com as mulheres, nas propagandas do meu país. Essa afirmação abriu-me os olhos para perceber como somos bombardeados com imagens sedutoras de homens e mulheres - principalmente na televisão e no 82 A mulher odiada 7 "Vinde, espíritos que ministrais pensamentos mortais, assexualizem-me e enchei-me, da coroa aos dedos dos pés, fartai-me da mais terrível crueldade!" (Lady Macbeth em Macbeth, ato 1, cena 5) História de Kristin Kristin se criou em um lar onde o ódio contra as mulheres era um fato da vida, manifestando-se diariamente. Caçula de quatro filhos e única mulher, suas recordações de infância resumiam-se ao constante serviço em prol dos irmãos, a vê-los comerem guloseimas que lhe eram negadas e a usar roupas fora de moda, enquanto eles se vestiam como os amigos. A mãe de Kristin a tratava com crueldade e fazia questão deixar bem clara sua preferência pelos meninos. Quanto ao pai, seus olhos nunca transmitiram o apoio e carinho de que uma menina tanto precisa. Em vez disso, havia desejo sexual neles. Na adolescência, Kristin tentou anestesiar a profunda dor interior com as drogas. Uma grave misoginia - aversão às mulheres - fez com que rejeitasse a própria feminilidade. Como Lady Macbeth, Kristin era assexuada. Cortava regularmente os cílios por considerá-los femininos demais. Adotou uma falsa masculinidade para conseguir sobreviver em um lar doentio. Introjetando a misoginia que encontrava em casa, passou a odiar o próprio corpo. Quando sua sexualidade emergiu pela primeira vez, entregou-se a uma vida de fantasia que encerrava imagens de atos destrutivos contra seu corpo. No final da adolescência, deixou-se persuadir de que era um homem prisioneiro de um corpo de mulher, condição essa a que se convencionou dar o nome de transexualismo. Saiu de casa logo que pôde, mudou-se para uma cidade maior e passou a frequentar a noite. Nos bares gays conheceu vários transexuais e travestis - seu tipo de gente. Contudo, como nunca encontrou outro transexual ou travesti do sexo feminino, temia, na verdade, ser uma aberração. Sentindo-se só e profundamente deprimida, tentou o suicídio, mas fracassou. Tempos depois, viajou de trem para o Oeste. Estava tão mal que não saiu do vagão-restaurante, onde procurou amortecer a dor com álcool. Ela própria descreve assim os sentimentos que experimentava naqueles instantes: - Pensei que simplesmente morreria se ninguém me tocasse. Um homem sentado na frente dela convidou-a para ir a sua cabine. Kristin só queria ser abraçada. Ele, porém, tinha outros planos. Sem forças para lhe oferecer resistência, ela pensou "É questão de destino. Tem gente que nasce para ser estuprada e sofrer abusos emocionais". 85 Meses depois daquela terrível noite no trem, ela e um amigo foram parar em uma reunião cristã da ACM local. Ouviram a mensagem do Evangelho, mas a reação de Kristin, pode ser expressa nesta sua frase: - Considerava-me desprezível demais para me tornar cristã. Ainda assim, voltou à reunião na semana seguinte. Durante o sermão, o pregador disse: Se você não se acha bom o suficiente para ser cristão, pense no apóstolo Paulo. Ele era um assassino e Jesus o perdoou! Ao ouvir essas palavras, foi como se uma represa rebentasse no coração de Kristin. A identificação com o pecado de Paulo fora imediata, pois aquela noite no trem resultara em gravidez e no aborto da criança. O amor de Deus e a verdade da cruz penetraram na alma de Kristin. Ela disse "Sim" a Cristo e como ela mesma definiu: -Apropriei-me da verdadeira esperança que só se pode encontrar em Jesus. A conversão produziu a cura dos alicerces de que todo mundo precisa, a regeneração inicial do espírito por intermédio do novo nascimento e da restauração de um relacionamento com Deus. O Senhor rapidamente começou a curar a profunda confusão existente no coração de Kristin. Frequentando uma Igreja, conheceu um homem que lhe serviu de exemplo da identidade masculina que ainda desejava ter. A esse respeito, ela diz: -Eu queria ser o Matthew, física, emocional e espiritualmente. Queria me parecer com ele, falar como ele, ter sua habilidade para conduzir o louvor. Queria a vida dele para mim. Reconhecendo a profundidade da própria carência, Kristin arrependeu-se dessa ambição doentia, mas ainda precisava se conscientizar de que também ela fora criada de maneira assombrosamente maravilhosa por Deus. Enquanto aguardava que o Senhor completasse a cura tão desejada, agarrou- se às seguintes palavras de Jesus: "Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e no seu amor permaneço. Tenho-vos dito estas cousas para que o meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo" (João 15.10-11). Deus levou Kristin a ler o livro de Leanne Payne, Real Presence (Presença Real). Uma passagem em particular tocou seu coração: "A personalidade conforme a percebemos e estruturamos, ao encontrar sua identidade somente em Deus, deixando de buscá-la em um papel para desempenhar (esposa, mãe, pai, membro de igreja), em uma carreira ou profissão (médico, advogado, pastor, artista), ou em um grupo específico (mulheres, executivos, negros) pára de ser moldada ou determinada por receios de fracassar, ou pelo que os outros pensam a seu respeito. Encontra agora justificação exclusivamente em Deus. Essa personalidade redimida está liberta da superposição de pecados, erros e pequenas falhas dos outros e do próprio passado; também das rejeições experimentadas, tanto no passado quanto no presente. É livre, realmente, para amar - inclusive os inimigos - e para criar - apesar dos temores e do ódio que a rodeia. Essa personalidade não tenta mais se relacionar com os outros (muito menos com o Corpo de Cristo) baseada em conhecimentos ou opiniões de espécie alguma, pois sua identidade não está mais no conhecimento. Os receios, as pressões externas, a autoridade excessiva imposta pelos outros não moldam mais sua vida interior, nem mesmo - por períodos bastante longos - as circunstâncias de sua vida exterior; segura naquilo que tem dentro de si, recebe a capacitação para enfrentar tais coisas e lidar com elas, em vez de ser por elas moldada. Circunscrita ao que lhe permite o fato de ser finita, ela deseja ser uma com Deus. Sendo também esse o desejo de seu Criador, pode então colaborar perfeitamente com Ele. Paradoxalmente, embora pareça 86 ter se perdido, a personalidade descobre, pela primeira vez, que é verdadeiramente criativa." - Essa passagem tornou-se o clamor do meu coração – conta-nos Kristin -, minha oração e a esperança pela qual eu vivia. Entusiasmada, chegou a arrancar a página do livro e mostrá-la para diversos conselheiros cristãos. Depois de lê-la, todos lhe disseram que as ideias ali contidas eram "simples demais, exageradamente irreais para esta vida". Porém Kristin continuou lutando para alcançar a plenitude e a maturidade em Cristo, convencida de que estavam disponíveis também para ela. Resolveu então escrever para Leanne Payne, que lhe sugeriu que entrasse em contato comigo. Kristin passou a percorrer quase trezentos quilômetros, ida e volta, para participar de um grupo de apoio semanal, conduzido por mim, sobre plenitude sexual em Cristo. Embora não falasse muito, sem dúvida era um vaso pronto e ansioso para receber todo tipo de cura que Jesus tivesse para lhe dar. Entretanto, como se juntara a um grupo já em progresso, foram poucas as reuniões que teve chance de frequentar antes que o grupo acabasse. Arrependo-me de não ter me aproximado e procurado conhecê-la melhor depois disso. Mas como estava planejando fazer um seminário sobre oração de cura, no final de semana seguinte, convidei Kristin para estar presente e conduzir a adoração. Inicialmente ela concordou, porém, mais tarde, escreveu-me declinando o convite. Sua carta entristeceu-me, não por haver perdido uma ministra de louvor, mas por saber que o Senhor tinha mais curas para Kristin. Apesar de sua carta não pedir uma manifestação da minha parte, escrevi-lhe assim mesmo dizendo que sentia muito e estimulando-a para que viesse de qualquer forma, ainda que não fosse para conduzir o louvor. Oito meses se passaram e eu me preparava para adotar um novo formato de grupo de apoio. Andy Comiskey, respeitado ministro na área de redenção sexual, estava acabando de reescrever seu Living Waters Sexual Redemption in Christ Program (Programa Águas Vivas de Redenção Sexual em Cristo) e graciosamente permitiu-me usá-lo no ministério. Dedicava-me a selecionar cuidadosamente os candidatos para o primeiro grupo quando Kristin reapareceu. Mudara-se para as redondezas e queria participar do novo programa. Desde a última vez que a vira, muita coisa lhe acontecera. No grupo anterior, ela começara a aceitar sua feminilidade e seu corpo. Agora, pela primeira vez na vida, experimentava sentimentos de amor, em vez de ódio, pelas mulheres. Contudo, percebia que seu coração continuava confuso, pois descobriu que estava "se apaixonando" por uma determinada mulher. Por estranho que pareça, no caso de Kristin os sentimentos lésbicos representavam um estágio do processo de cura. Ela tinha plena consciência, porém, de que não se tratava do amor verdadeiro, nem era sua intenção buscar um relacionamento lésbico. Agora, o amor neurótico por uma representante do seu sexo também precisava de cura. Naquela mesma época, Kristin frequentava uma igreja dirigida por um homem extremamente dominador. Chegou a descrevê-lo como "o chefão, que diz pra todo mundo o que cada um deve fazer e cuida para que suas opiniões sejam conhecidas de Leste a Oeste!". Ele não lhe agradava em nada, mas ainda assim a atraía. Kristin queria ser igual a ele. A ambivalência do sexo oposto que ele demonstrava só fazia evocar o mesmo tipo de ambivalência nela. Seus sentimentos para com ele iam do ódio profundo à atração física. Tinha a impressão de que, se conquistasse o amor dele, então talvez ele a respeitasse e ouvisse o que tinha para dizer. Conscientemente, tanto de coração quanto de entendimento, nunca desejou de fato um relacionamento íntimo com ele. 87 Depois que descrevi essa imagem, você propôs que eu fosse para a sala onde meu pai estava, e então me perguntou se havia mais alguém ali. Só enxerguei meus três irmãos em pé, atrás do meu pai, olhando para ele. Foi quando você me pediu para ver Jesus naquele lugar. De início não O encontrei em parte alguma, o que me apavorou. Quis sair correndo, porém a sala era grande demais, não achava portas ou janelas pelas quais fugir. No momento de maior pavor, dei um passo para trás, percebendo que só havia homens naquela visão, um que me segurava e – agora - homens por toda minha volta, orando. Não havia escapatória. Tinha de enfrentá-los, principalmente meu pai. Graças às incessantes orações, finalmente fui capaz de ver Jesus na sala. Ele se aproximou, ergueu-me do chão e segurou-me em Seus braços. De repente, comecei a crescer. Cresci até ficar igual a meu pai em altura, o que me permitiu olhá-lo direto nos olhos e dizer-lhe tudo que pensava." É importante observar que Kristin não via mais uma recordação realmente, porém uma representação simbólica da cura em progresso. Na verdade ela tem pouco mais de um metro e meio de altura, de forma que crescer até atingir a altura do pai só poderia significar enfrentá-lo e mostrar-lhe honestamente todos os pecados cometidos contra a filha. "O medo, a dor e o profundo ressentimento por ser tratada como um objeto sexual vieram para fora. Assim como a raiva e a amargura de ter sido presa a um senso corrupto de ser. Assim como a máscara repulsiva do homem que nunca se mostrou capaz de assegurar-me a proteção que eu precisava dele e dos outros homens. O sofrimento persistiu por um período que me pareceu bastante longo, até que você me convidou a olhar para meu pai com os olhos de Jesus. O tempo todo você também me lembrou que Jesus estava ali, que Ele sempre me protegera e se colocaria entre mim e meu pai. Eu precisava disso, pois demorou um pouco até que o medo fosse embora." Nesse ponto, era necessário liberar Kristin dos pecados do pai contra ela. Fiz uma oração que poderia ser chamada de expiação, enquanto confessava a Deus o pecado da misoginia cometido por ambos os pais contra Kristin, moldando-a em uma pessoa que Deus nunca pretendera que ela fosse. Pedi a Jesus que tirasse de sua alma o pecado da misoginia e o mantivesse longe dela. Pedi-lhe também que viesse sobre todas as áreas em que Kristin fora moldada pelo pecado do pai, libertando-a de seus efeitos negativos. Orei especificamente para que a luz de Jesus iluminasse toda e qualquer área do seu ser em que se sentisse suja e profanada pelo pecado do pai. Então, orei a Deus para que purificasse aquelas áreas e as deixasse limpas através da Sua santidade. Pedi ainda a Jesus que lhe desse objetividade divina acerca do pai e que a ajudasse a vê-lo como o pecador necessitado, não redimido, que era. "Quando enfim consegui ver meu pai da maneira correta, com os olhos de Jesus, dei um passo à frente e perdoei-o, e a cada palavra que proferia, o medo dentro ia me deixando." A essa altura, ficara claro que a misoginia dos pais de Kristin havia assassinado sua identidade feminina. Lembrando-me das palavras de Jesus à filha de Jairo, repeti-as em oração, dirigindo-me à criança morta dentro de Kristin: - Menina, eu te mando, levanta-te! (Marcos 5.41b). Pedi a ela que olhasse para Jesus e recebesse d'Ele seu verdadeiro eu. Os soluços de Kristin transformaram-se em lágrimas de pura alegria. O gozo da presença do Espírito de Deus desceu do Céu e instalou-se em sua alma. Em poucos instantes, todos que orávamos ao seu redor éramos inundados de regozijo e gritos de louvor, adoração e graças a Deus encheram a sala. 90 "Depois disso, Jesus me mostrou quem eu sou realmente através dos Seus olhos - uma mulher feita de um modo belíssimo, a Sua imagem, e encantadora, sob Seu ponto de vista. (Aquela primeira imagem que tinha de mim mesma, quando iniciamos nosso período de oração, mostrava uma criança muito séria, tristonha, de cabelos curtos e repicados. (Agora) eu via uma mulher bonita, forte, de cabelos longos e encaracolados. Estava livre afinal - graças ao Senhor." Misoginia Nos homens, as tendências misóginas geralmente se manifestam de maneiras mais sutis do que em comportamentos abusivos, como no caso de Kristin, ou da mulher que apanha do marido, ou sofre estupro. É difícil reconhecer tais sutilezas, porém, dentre elas, incluem-se atitudes como: • Fingir dar valor às contribuições de uma mulher à conversa, mas ignorar-lhe as observações, tão logo tenham sido expressas; • Ressentir-se da mulher que se volta para o homem em busca de ajuda. Vê-la como uma pessoa doentia e incompetente; • Esperar sempre que a mulher se doe ao homem, nunca o contrário. Uma atitude camuflada com muita sagacidade nos meios cristãos em que a doutrina de submissão das mulheres aos maridos costuma ser enfatizada fora do contexto bíblico da submissão de todos os crentes uns aos outros (Efésios 5.21); • Participar de conversas de vestiário entre homens que se referem às esposas de modo depreciativo, fazendo comentários como "Pois é, deixei ela ir morar em casa comigo", "Sou eu quem lhe dá de comer, não sou?", "Eu acredito que Deus fale por intermédio da mulher; afinal, ele falou até através da mula de Balaão", "Se você cobrir a cabeça de uma mulher com um saco de papelão, ela fica igual a todas as outras." (Lamento ser tão específico, mas sei que alguns homens, ao lerem este trecho, reconhecerão as próprias palavras.); • Mostrar-se incapaz de agradecer à mulher que o abençoou, ensinou-lhe algo ou se doou a ele de alguma forma; • Mostrar-se incapaz de receber o que a mulher tem para dar, por medo de ficar em débito com ela; • Fazer críticas constantes e sutis à mulher de alguém, em casa, porém agir de maneira exatamente oposta em público. O comportamento misógino, que tanto fere às mulheres, não provém de homens homossexuais na maioria das vezes, mas de heterossexuais desestruturados, com os quais elas se relacionam. A dra. Margaret J. Rinck, no livro Christian Men Who Hate Women (Homens Cristãos que Odeiam Mulheres), descreve com muita propriedade grande parte da patologia por trás do homem que luta com a misoginia. Ela ressalta ainda que os relacionamentos desse homem com as mulheres será marcado por sua necessidade ambivalente de controlá-la e, ao mesmo tempo, de mante-la à distância. De certa forma, o misógino constrói muros a seu redor para manter a mulher distante. Teme que, se chegar perto demais, ela perceberá sua vergonha. Essa atitude intimidadora serve a um duplo propósito: controlá-la e impedir que o abandone, mas também evitar que ela se aproxime demais, emocionalmente. De certa forma, ele procura dar a impressão de ser um homem que se fez sozinho, independente, seguro de si, confiante, que não precisa de ninguém. Entretanto, é tão inseguro, tão incapaz de 91 separar-se dela que só consegue vê-la, exclusiva e absolutamente, como uma extensão de si mesmo. Alguns cristãos com tendências inconscientes à misoginia reúnem-se em grupos de amigos exclusivos para homens. A pessoa que se sente atraída por esse tipo de grupo com toda certeza está em busca da própria identidade masculina. Seu desejo de ligar-se a outros homens cristãos de uma maneira saudável é correta. Infelizmente esses grupos, com enorme frequência, logo se convertem em playground para que os homens exercitem sua insegurança. Eles criam jogos na tentativa de afirmar a própria masculinidade, em vez de se identificarem com Cristo. As características ímpares de alguns desses grupos só expressa o desajuste que os caracteriza. Tais homens costumam ter visões grandiosas de si mesmos, pensando inutilmente que estão "na crista da onda" do cristianismo. Na verdade, encontram-se à mercê do masculino considerado isoladamente do feminino, resultando, no homem, em um impulso bruto no sentido do poder. Os tiranos do mundo - Hitler, Mussolini, Stalin, Jim Jones, Saddam Hussein - são sempre homens desligados do efeito civilizador do verdadeiro sexo feminino. Esse impulso na direção do poder se manifesta quando os homens confundem controle com liderança. Lembre-se: controle é uma necessidade primária no coração dos homens que têm tendências misóginas. Não se conformam com o mundo em que o servo lidera, como ensinam as Escrituras (embora possam até falar a esse respeito). Pelo contrário, são rápidos em estabelecer uma estrutura autoritária pela qual controlam os que se encontram abaixo. Pode-se imaginar essa estrutura como um templo pagão em forma de pirâmide, com seus diversos degraus. Na base estão todas as mulheres do mundo cristão, excluídas dos tais grupos. O degrau de cima cabe aos servos do sexo masculino. Acima deles encontram-se outros tantos homens, até que, no topo, um único homem, ou grupo de homens, é senhor sobre quem está embaixo. "Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será vosso servo" (Mateus 20.25-27). A maioria dos homens que se submetem a tais estruturas nunca exercitaram plenamente os dons e talentos que lhes foram concedidos por Deus. Só aqueles que compõem o grupo restrito ocupando o topo da pirâmide são considerados detentores de revelação, sabedoria e dons verdadeiros. Certo pastor, formado em um de nossos melhores seminários, mas que abandonara uma igreja dirigida por um desses grupos, relatou-me: -Durante dez anos fiquei limitado à educação no seminário, aguardando para assumir uma posição de liderança, quando na realidade as pessoas acima de mim não tinham a menor intenção de utilizar meus dons e treinamento, com medo de perder o controle ou a condição de autoridade. Pessoas que rompem com tais grupos, às vezes são acusadas de ter um "espírito rebelde e desobediente". Mulheres cristãs em posição de liderança, que exercitam os dons recebidos de Deus, são criticadas por tais grupos, transformando-se nos principais alvos de projeções misóginas. Quando elas perseveram em empregar seus dons, por obediência a Deus, os misóginos julgam-nas manipuladoras e controladoras, ou as acusam de estarem possuídas do "espírito de Jezabel". Uma das principais características negativas das "confrarias" exclusivamente masculinas é a capacidade que têm de proteger uns aos outros quando confrontados com seus problemas (pecados), bem como de desviar a culpa para cima de terceiros. Encontram correspondência na relação de "apadrinhamento" da política, ou até mesmo do mundo dos negócios, em que homens doentios e carentes formam uma verdadeira 92 agradeceu o comentário e tratou de retomar logo a discussão -desconsiderando por completo o que ela dissera. Obviamente, ele não valorizava sua capacidade de raciocínio (talvez por não se enquadrar na ideia que ele fazia da boa esposa cristã). Pouco tempo depois desse programa, denunciaram o evangelista por levar vida dupla. Durante anos, ele usufruíra dos serviços de uma prostituta. Mais que depressa, ele se arrependeu publicamente do pecado e pediu perdão à esposa. Acompanhando a história pela mídia, ocorreu-me que as declarações do evangelista relativas à esposa lembravam a visão idealizada que Romeu tinha de Julieta, na peça de Shakespeare. Ela era a "esposa ideal" e Deus "não podia ter dado a um homem esposa melhor". Elevada, exaltada, intocável, um santuário sagrado, não uma pessoa. No lado reverso dessa imagem de santidade havia a visão das mulheres como meretrizes. Senti o coração apertar, pelo evangelista, quando ele admitiu, cheio de remorso, que a compulsão para visitar prostitutas o afligia desde a mocidade. O problema daquele homem estava não só em seu comportamento pecaminoso envolvendo a prostituta, mas na condição pecaminosa de seu coração, que abrigava a imagem dual e antagônica das mulheres. "Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfémias "(Mateus 15.19). Ele apresentava um caso clássico de confusão de símbolos, por trás da ambivalência do sexo oposto e da misoginia. Ficou claro como a condição de pertencer a um ser humano caído de seu coração moldara-lhe a teologia. Os ensinamentos radicais que transmitia sobre a submissão das esposas aos maridos, bem como sua patente rejeição a ministérios mais femininos dentro do mundo cristão (como o de cura da alma), eram sintomáticos de sua fuga do feminino. A repressão do feminino em si mesmo e nos outros representava uma tentativa frouxa de controlar as visões distorcidas da mulher que o impulsionavam no sentido de um comportamento pecaminoso. O homem mantém viva a prostituição, enquanto comércio, graças a sua visão da mulher, próprio de um ser humano caído. Se a prostituição é a profissão mais antiga do mundo, significa que a ambivalência do sexo oposto é a neurose mais antiga do mundo. A cura de que o evangelista necessitava, e necessita até hoje, era a mesma cura que recebi - passar a ver a mulher da maneira correta, ser curado da ambivalência do sexo oposto e da misoginia. Aparentemente, sua teologia ressaltava a necessidade do novo nascimento, mas ignorava que o cristão precisa de santificação constante. Sua visão da conversão parecia deixar implícito que toda a obra redentora da cruz acontece no momento do novo nascimento. Por conseguinte, não restava lugar em sua teologia para que o cristão sofresse por causa de um problema sexual que lhe controlava toda a vida. Quando a denominação a que ele pertencia, insistiu muito acertadamente em que se submetesse a aconselhamento, ele se recusou terminantemente. Tempos mais tarde, pegaram-no outra vez com uma prostituta. Liberdade da Misoginia A misoginia geralmente é uma raiz de pecado agarrada à base dos diversos problemas sexuais experimentados pelas pessoas. Está relacionada, não só à homossexualidade no homem, como também ao lesbianismo e a perversões da heterossexualidade. Causa problemas intermináveis nos relacionamentos entre homens e mulheres. A ambivalência do sexo oposto, manifestando-se a partir da misoginia, obstrui o avanço do Reino de Deus quando tentamos executar a missão que Cristo nos deu. 95 A confissão desse pecado costuma ser fundamental no sentido de fazer com que os homens se libertem da misoginia. Foi assim comigo. Para aquele que luta com sua homossexualidade, reconhecer o pecado e dele se arrepender pode ser o primeiro passo para conquistar uma identidade heterossexual saudável. No caso do homem com ambivalência do sexo oposto mas sem neurose homossexual, a confissão pode proporcionar a vitória que lhe permitirá estabelecer relacionamentos confiantes e sagrados com mulheres. Costumo fazer a seguinte oração com os homens, tanto em público quanto em particular, para ajudá-los a romper a barreira do pecado da misoginia: "Senhor Jesus, eu Te agradeço por criar a mulher e o homem para serem juntos a imagem de Deus. Não tenho me alegrado, nem comemorado o fato de a mulher ter sido feita de modo assombrosamente maravilhoso. Confesso essa atitude como um pecado. Reconheço diante de Ti, senhor Jesus, que vim a este mundo pelo ventre de uma mulher. O corpo dessa mulher já foi fonte de vida para meu corpo, e por intermédio dela, ó Deus, Tu me deste a vida natural. Graças ao ventre de uma virgem, toda a humanidade foi abençoada com a vida e o ministério de Jesus, nosso Senhor e Salvador. Hoje sei que jamais poderei retribuir à mulher as muitas maneiras pelas quais ela tem sido usada, por Ti, para me abençoar e a todos os homens. Agora, revela-me, Senhor, as mulheres contra quem tenho pecado. (Aguarde um instante na presença do Senhor, até que Ele lhe mostre a existência de eventual pecado em seu coração contra alguma mulher.) Também esse(s) pecado(s) eu confesso a Ti. Confesso o pecado da misoginia e a ele renuncio em nome de Jesus. Por favor, perdoa-me, Jesus. (Certifique- se de esperar na presença de Deus até receber plenamente Seu perdão que cura.) Agora, eu Te peço, senhor Jesus, dá-me a graça de amar e abençoar as mulheres, como Cristo amou e abençoou Sua noiva, a Igreja. Mostra-me, Senhor, como me doar a elas, como abençoá-las e expressar minha gratidão para com elas. Liberta-me para amá-las incondicionalmente, sem esperar nada em troca, a não ser Tua voz me dizendo "Bom trabalho, servo bom e fiel". Não raro, tenho de convidar uma mulher a também fazer essa oração. Meninas educadas em lares misóginos reproduzem essa característica na vida adulta. Se cristãs, abraçam de todo coração os ensinamentos distorcidos da submissão das esposas aos maridos, fora do contexto da submissão mútua (Efésios 5.21). Entre as sutis atitudes pelas quais a misoginia se revela nas mulheres se contam: • Valorizar a opinião dos homens sobre determinados assuntos mais que das mulheres, mesmo que eles não tenham um bom conhecimento da matéria; • Desprezar mulheres frágeis (atitude que costuma ser adotada por quem teve uma mãe frágil perante um pai misógino); • Competir com os homens e até imitar-lhes os traços masculinos, na tentativa de alcançar maior sucesso; • Preferir os filhos às filhas; • Culpar a mãe e/ou fazer dela um bode expiatório pelos problemas em casa, quando eles deveriam ser compartilhados com o pai, ou entregues a sua total responsabilidade; • Necessitar ser ouvida e compreendida pelos homens, mas não ter a mesma necessidade em relação às mulheres; • Desejar inconscientemente (ou conscientemente) ter nascido homem. Para algumas mulheres, como Kristin, a vontade de ter nascido homem pode aflorar sob a forma de uma neurose sexual com plena carga. Elas devem se arrepender 96 do pecado da misoginia e fazer a oração acima. Talvez precisem ser libertas do pecado em si, que passou a fazer parte de suas vidas devido a relacionamentos desajustados com homens, tanto quanto com mulheres. Esse pecado pode estar lhes oprimindo a alma, moldando-as em pessoas que não foram criadas para ser e reprimindo-lhes a verdadeira identidade feminina. Por mulheres que necessitam de libertação desse pecado, no tocante ao fato de ele as estar moldando, às vezes faço uma oração de reconciliação: Vem, Espírito Santo, penetre nas profundezas do coração dessa minha irmã. Entre nos cantos escuros de sua dor, onde há muito tempo ela experimenta os efeitos da misoginia. Vem, Senhor Jesus e comece a libertá-la, agora, desse pecado. Eu confesso, senhor Jesus, o pecado de misoginia que tem habitado nessa Tua filha. Confesso que esse pecado passou a fazer parte de sua vida por causa de seus pais. Tire- o de sua alma, senhor Jesus e mantenha-o bem longe dela. Faça com que ela seja liberta das consequências negativas desse pecado - se desprezou seu próprio sexo, se desejou ter nascido homem, ou se foi transformada em uma não-pessoa por causa da misoginia. Se esse ódio contra a mulher se alojou em seu corpo, a ponto de lhe causar dores físicas, que ela seja liberta agora, senhor Jesus, e seu corpo curado. Peço-te ainda, que venha e abençoe a mulher verdadeira dentro dela, que ela receba de Ti a confirmação de sua verdadeira identidade feminina. Enche-a do Teu amor. Esse tipo de cura pode ser dramático. Por isso, é melhor se fazer acompanhar de vários intercessores experientes e de ambos os sexos. Muito contribui para o processo de cura, se a pessoa por quem ela está sendo ministrada, ouvir de um homem a oração de reconciliação, em que o pecado da misoginia contra as mulheres é confessado. Ao mesmo tempo, porém, seria aconselhável que uma mulher a abraçasse. Se essa tarefa couber a um homem, pode acontecer de ela se esquivar, pois talvez tenha sido através do toque inadequado de um homem que entrou em contato pela primeira com esse pecado. Também ao pedir a cura do feminino, já quase no final da oração, o toque de uma mulher plena é um meio sacramental por cujo intermédio Deus derrama cura sobre ela. Depois disso, um homem pode orar, abençoando-a como sua irmã em Cristo. Uma Mulher de Verdade A vida de Kristin continua a mostrar o fruto de orações como essas. Nos meses que se seguiram àquele período de oração por ela, em que tantas barreiras foram transpostas, sua feminilidade desabrochou. Dentre os homens que vinham participando do programa Living Waters, vários frequentavam a mesma igreja que Kristin e eu. Todos nos maravilhávamos de observá-la, a ponto de deixá-la sem jeito, com tanta atenção. Olhando para trás, noto que, pela primeira vez, os homens enxergavam uma mulher de verdade em Kristin. Mais tarde, ela teve um envolvimento romântico com um rapaz cristão, o que fez com que a ambivalência do sexo oposto tornasse a se manifestar. Porém, não adotou os sentimentos conflitantes como verdade, nem projetou-os sobre o rapaz. Em vez disso, manteve os olhos voltados para a frente, para Jesus, levando a Sua presença restauradora, cada pensamento e emoção conflitante que emergia de seu interior. Na presença de Jesus, contando ainda com o conselho e o amor de outros cristãos de confiança, ela continuou se transformando na mulher que Deus a criara para ser. 97
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