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Guias e Dicas
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Filosofia da ciência com ênfase em Física, Notas de estudo de Física

UMA VISÃO HISTÓRICA DA CIÊNCIA COM ÊNFASE NA FÍSICA

Tipologia: Notas de estudo

2011

Compartilhado em 03/03/2011

Mauricio_90
Mauricio_90 🇧🇷

4.5

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Baixe Filosofia da ciência com ênfase em Física e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! v.20 n.1 2009 Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física UFRGS UMA VISÃO HISTÓRICA DA CIÊNCIA COM ÊNFASE NA FÍSICA Eduardo Alcides Peter Paulo Machado Mors Textos de Apoio ao Professor de Física, v.20 n.1, 2009 Instituto de Física – UFRGS Programa de Pós – Graduação em Ensino de Física Mestrado Profissional em Ensino de Física Editores: Marco Antonio Moreira Eliane Angela Veit Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca Professora Ruth de Souza Schneider Instituto de Física/UFRGS Impressão: Waldomiro da Silva Olivo Intercalação: João Batista C. da Silva P468v Peter, Eduardo Alcides Uma visão histórica da ciência com ênfase na Física / Eduardo Alcides Peter, Paulo Machado Mors – Porto Alegre: UFRGS, Instituto de Física, 2009. 53 p. (Textos de apoio ao professor de física / Marco Antonio Moreira, Eliane Angela Veit, ISSN 1807-2763; v. 20 , n. 1) Produto do trabalho de conclusão do Curso de Licenciatura em Física, do Instituto de Física, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 1. Epistemologia 2. Filosofia da Ciência 3. Popper, Karl Raimund. 4. Kuhn, Thomas S. 5. Lakatos, Imre I. Mors, Paulo Machado II. Título III. Série. PACS: 01.40.E TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  5   SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................................7 A FÍSICA ARISTOTÉLICA......................................................................................................................9 O PENSAMENTO CARTESIANO.........................................................................................................11 A INDUÇÃO É UM PROCESSO LEGÍTIMO?......................................................................................13 O POSITIVISMO LÓGICO....................................................................................................................15 A EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA DE KARL POPPER......................................................................19 THOMAS KUHN: UMA NOVA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA.........................................................27 IMRE LAKATOS: O DESENVOLVIMENTO DA EPISTEMOLOGIA DE KARL POPPER...................33 CONCLUSÃO........................................................................................................................................39 GLOSSÁRIO.........................................................................................................................................45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................................49   TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  7   INTRODUÇÃO A epistemologia da ciência, ou filosofia da ciência, freqüentemente é tratada simplesmente como epistemologia. Isto é um equívoco histórico. Epistemologia, simplesmente, se refere à epistemologia analítica. A epistemologia analítica trata do conhecimento proposicional, bem como está baseada na lógica filosófica. A epistemologia da ciência se ocupa, evidentemente, com questões pertinentes à ciência. Quase toda a epistemologia tenta fazer uma descrição do que é a ciência e como ela funciona. A primeira epistemologia com caráter científico, de importância, surgiu com Aristóteles. Muito embora seja antiga, freqüentemente elementos dessa epistemologia são utilizados, principalmente no ensino de física, para descrever a ciência. Tais elementos são produto de um pensamento ingênuo, podendo levar a uma percepção estreita da ciência. Basicamente, para Aristóteles a ciência seria baseada em observações. A partir dessas observações induziríamos leis ou enunciados universais. Uma vez obtidos esses enunciados ou leis, seria possível, de maneira dedutiva, explicar qualquer fato observado no mundo dos sentidos. Descartes fornece uma epistemologia alternativa, na qual a fonte do conhecimento científico não estaria nos dados empíricos e sim na intuição. Hume atacou a indução como método para a produção do conhecimento científico, através de um argumento psicológico. Alguns filósofos contemporâneos mostraram que a indução não se sustenta logicamente, enquanto outros filósofos trataram de oferecer defesas ao indutivismo. Uma corrente filosófica relativamente recente (início do século XX), denominada positivismo lógico, defendeu a indução como método científico. Conforme os positivistas, as observações forneceriam a confirmação das teorias. Uma teoria estaria correta se suas predições estivessem de acordo com as observações. Esta visão, pela qual as observações confirmam a teoria, é amplamente divulgada no ensino de ciências. Neste trabalho é feita uma exposição do pensamento positivista. Não tivemos a preocupação em detalhar as distinções entre os diversos representantes dessa corrente. São oferecidas, aqui, três alternativas a essa forma de pensamento, muito mais sofisticadas e, sem dúvida, muito mais condizentes com aquilo que é entendido como ciência. As três epistemologias alternativas escolhidas são a de Karl Popper, a de Thomas Kuhn e a de Imre Lakatos. O presente estudo, simplesmente, descreve cada uma dessas epistemologias, com um intuito bem claro: fazer com que o leitor perceba que a perspectiva positivista deve ser abandonada das instituições de ensino de ciências e, em especial, da física. Não é aceitável, nem desejável, supor que todo o conhecimento científico seja formado através de observações que o validem, nem que as leis da natureza sejam descobertas pelos cientistas. A escolha destes epistemólogos tem seus motivos: os três foram, além de filósofos, físicos; os três são muito conceituados e conhecidos na literatura da área; os três viveram na mesma época, TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  10   - Através desses fatos observados se constroem leis e enunciados universais através de um processo lógico indutivo. Leis e enunciados universais são generalizações para afirmações baseadas em eventos singulares que compartilham características semelhantes. As leis são feitas quando algo se repete nas observações. De novo temos o exemplo do giz. Se o professor soltasse o giz mil vezes e o giz caísse nas mil vezes, isso seria motivo suficiente para Aristóteles estabelecer a lei: Todo o giz solto de uma altura específica em relação ao solo cai. O processo indutivo é aquele que leva dos eventos singulares às leis, às generalizações. Se eu soltar um giz uma porção de vezes de uma altura específica em relação ao solo e ele cair todas as vezes e afirmar que toda vez que o giz é solto ele cai, estarei generalizando a porção de eventos singulares que eu observei e, mais além, estarei fazendo isso de forma indutiva. - Quando se observa os fatos novamente, eles são explicados (e previstos) através de um processo lógico dedutivo com base nas leis construídas pela indução. Se as previsões se concretizam, então, para Aristóteles, são provas da veracidade da teoria. O processo dedutivo é aquele que logicamente é seguro. Uma das mais importantes características da dedução é a transmissão da verdade, ou seja, se temos premissas verdadeiras, elas só podem produzir como conclusão uma verdade. O processo dedutivo, em geral, é utilizado a partir de um conjunto de crenças, produzindo outra crença. Vemos então, claramente, que no processo da construção do conhecimento, para Aristóteles, estão presentes a indução e a dedução. Por este motivo, o processo recebe o nome de processo indutivo-dedutivo. Segundo Popov (1947), para Aristóteles a indução é necessária e só através dela podemos chegar a um enunciado universal. Esse autor destaca que Aristóteles considera a indução um processo imperfeito e que demanda cuidado. Para Aristóteles, o conhecimento científico é demonstrável, ou seja, um enunciado científico quando defrontado com a realidade pode ser verificado. O enunciado é, portanto, ou verdadeiro ou falso. Segundo Peluso (1995), para Aristóteles os enunciados obtidos pelo processo indutivo seriam as premissas básicas da construção do conhecimento científico. A partir desses enunciados seria possível deduzir e explicar todos os fatos. As idéias de Aristóteles, conforme Martins (2001), não tiveram aceitação geral durante a maior parte da antiguidade e da idade média. Entretanto, segundo Silveira e Ostermann (2002) o seu pensamento indutivista-dedutivista estabeleceu-se, hegemonicamente, como o método da ciência apenas com Francis Bacon (1561-1626), defensor da verificação experimental dos enunciados. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  11   O PENSAMENTO CARTESIANO René Descartes (1596-1650) foi um grande filósofo e matemático. É considerado um dos pensadores mais importantes do Ocidente. Combateu o empirismo de sua época. Em sua obra Meditações tentou mostrar que não podemos confiar nos nossos sentidos, que são a principal fonte de conhecimento para os empiristas. Em sua primeira meditação, Descartes (1647) afirma que nem sempre aquilo que acreditamos ser uma verdade assegurada é uma verdade. Muitas das coisas provenientes dos nossos sentidos podem ser falsas. Nossos sentidos freqüentemente falham, nos levando a tomar falsidades como verdades asseguradas. Descartes apresenta-se, inicialmente, como um grande cético, pondo todo o conhecimento humano em dúvida e se perguntando se é possível, então, conhecer algo proveniente dos sentidos, bem como da memória (devemos lembrar que o empirismo, como corrente filosófica propriamente dita, surgiu décadas mais tarde). Ainda na obra Meditações, Descartes afirma que existe um ser, extremamente poderoso. Alguém tão poderoso não poderia ter o interesse de enganar os seres humanos, pois do contrário seria imperfeito. Desse modo ele abandona o ceticismo. A crença nesse ser extremamente poderoso é sustentada por dois argumentos. Um deles leva à conclusão de que por termos a idéia de perfeição, deve existir um ser perfeito. O outro tem como conclusão que deve existir um ser capaz de ter criado tudo e a ele mesmo, ou seja, Deus. Descartes acreditava que julgamentos sólidos e verdadeiros, tais como certeza e indubitabilidade, só poderiam ser obtidos através da intuição e da dedução. Mas, para se obter as certezas e o conhecimento, seria necessário um método. A investigação metodológica se iniciaria com uma questão. Essa questão, em geral, é complexa, cheia de pressupostos. Deveria ser, portanto, dividida em várias questões simples. Isso seria feito até se obter uma intuição, que seria certa e indubitável (auto-evidente). A intuição é postulada como sendo algo inato a todos os seres humanos. Uma vez tendo essa intuição, se iniciaria um processo de construção, visando responder à questão original. Até então, para Descartes, não haveria influência direta da observação para a construção do conhecimento e da ciência. Essa nova ciência (proposta por Descartes) é totalmente desligada da ciência baseada na percepção. Por esse motivo, as palavras deveriam ser muito bem definidas para não serem mal-entendidas. A matemática é estabelecida como a linguagem natural do universo. A construção seria dada através da lógica, ou melhor, da dedução lógica e da matemática. Deduzindo enunciados da intuição inicial, tentar-se-ia responder a todas as questões propostas. O processo dedutivo seria responsável por preservar a certeza da intuição. Para Descartes, se as questões forem respondidas não haverá dúvida que teremos, então, conhecimento. A natureza seria um mecanismo (os animais seriam máquinas, assim como os seres humanos). Uma das premissas fundamentais utilizadas por Descartes é que a fonte do conhecimento estaria na intuição humana e não no mundo sensível. Evidentemente, como afirma Garber (1988), tal pensamento é TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  12   demasiadamente ingênuo. Como saber que uma intuição é auto-evidente (é tida imediatamente como verdadeira)? Ou ainda, como saber que ela é verdadeira? Como podemos tornar uma questão mais simples? Quão simples as questões devem ser? As questões não são originadas a partir do mundo sensível? Por quantos caminhos distintos pode ser dada a construção do conhecimento? A escolha pelo caminho não poderia ser arbitrária? Ao que tudo indica, estas interrogações trariam dificuldades ao pensamento cartesiano. Segundo Garber (1988), o pensamento de Descartes conta com a hipótese dos cientistas possuírem, na razão, cadeias causais exemplificadas em conexões causais encontradas na natureza. Há quase que uma identidade entre a estrutura do pensamento dos indivíduos e a estrutura da natureza, podendo ser o caso de algum evento ocorrido na natureza fugir da compreensão humana. Devemos lembrar que todo o conhecimento, para Descartes, está inter-relacionado. A hierarquia do conhecimento científico pode ser entendida como uma árvore. As raízes seriam as intuições e a metafísica, a verdadeira e primeira filosofia. A metafísica e as intuições forneceriam a fundamentação, ou os princípios, para o tronco, que é a física. E a física sustentaria as demais ciências. Portanto, para Descartes a física é a ciência geral da natureza. A física forneceria princípios para outras ciências particulares. Os frutos da árvore seriam as ciências mais específicas, as que são utilizadas no dia-a-dia. Atualmente o pensamento cartesiano é interpretado, também, como um prédio. Deve-se deixar claro que, para Descartes, a verdade sobre a causa dos fenômenos está além do escopo do conhecimento humano. Para Hatfield (1988), o método cartesiano é composto de várias regras (não é objetivo nosso descrevê-las aqui). A experiência poderia originar intuições, desde que o objeto da intuição seja de natureza pura e simples. Evidentemente, a simplicidade e pureza da natureza do objeto é algo duvidoso. O que, na experiência, é de natureza pura e simples? Essa é uma questão que não é bem respondida por Descartes. A maior aspiração de Descartes era conectar todas as ciências, através da lógica, contando com a luz da natureza e da razão, de forma que nenhum ser racional pudesse duvidar delas. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  15   O POSITIVISMO LÓGICO O positivismo lógico foi uma corrente muito forte no ocidente, especialmente nas primeiras décadas do século XX. De acordo com Demos (1953), a sedução do positivismo está contida na sua clareza, que é algo demandado pelos seres humanos e dentro do positivismo lógico, para ele, as regras do procedimento científico são muito claras e bem definidas. Não trataremos, especificamente, de um representante dessa corrente. Trataremos dela de forma geral, destacando idéias comuns aos seus defensores. Provavelmente uma leitura geral sobre essa corrente produza pequenas distorções sobre pontos de vista específicos de cada representante dela; entretanto, devido ao tamanho do trabalho, devemos ser sintéticos. Conforme Blumberg e Feigl (1931) o positivismo atraiu muitos filósofos, lógicos e cientistas. Entre os filósofos mais ilustres estavam Ernst Mach e M. Schlick (representando o círculo de Viena), Reichenbach, Otto Neurath e Rudolf Carnap (círculo de Berlim) e L. Wittgenstein. Alguns filósofos americanos também tiveram publicações de importância, entre eles P. W. Bridgman e C. I. Lewis. Feigl e Blumberg afirmaram que a tradição empírica de Hume sustentava que todo o conhecimento estava baseado na experiência. O positivismo lógico mantém a importância da experiência, mas enfatiza que não existem verdades a priori. Fatores lógicos, bem como os empíricos, não podem ser negligenciados dentro do positivismo lógico. Qualquer metafísica, que não pode ser observada ou sentida, é duramente rejeitada. Ginsburg (1932, p. 122, tradução livre) afirma que a característica mais importante desse novo (à época) movimento é a reabilitação de repúdio à metafísica adotando a posição logicista de Bertrand Russell e Wittgenstein. Segundo ele, isso rejeita qualquer atitude metafísica na ciência para se obter proposições com conteúdo real. Note-se que a suposição dos positivistas era que os processos lógicos dedutivos não poderiam produzir erro, de forma alguma. Os processos seriam seguros e infalíveis. Uma proposição simples é a menor porção do discurso que faz sentido, sendo verdadeira ou falsa. Um exemplo de proposição simples é: está chovendo aqui, agora. Ou isso é uma verdade ou uma falsidade, diante dos fatos. Podemos confrontar essa proposição com a realidade e apreender seu valor de verdade. Uma proposição destituída de sentido poderia ser: Deus existe. Segundo os positivistas não há como verificar essa informação. Ela não é falsa nem verdadeira e, por isso, não tem sentido. Segundo Neurath (1946), Carnap trouxe uma grande contribuição ao grupo afirmando que devemos eliminar as contradições entre as proposições e também as sem sentido. Neurath acreditava em uma ciência unificada, com uma linguagem comum e sem contradições entre suas áreas. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  16   Para os positivistas, a ciência é um conjunto de proposições, simples ou complexas, com algumas características. As proposições complexas podem ser decompostas em proposições simples. E sempre poderemos confrontar essas proposições simples com a realidade. Em outras palavras, todos os enunciados e proposições da ciência são testáveis, verificáveis, possuindo, assim, sentido. Muitas vezes, pode ser o caso que momentaneamente não possam ser verificáveis por falta de tecnologia, entretanto, sua estrutura indica que sua verificabilidade é possível. Isso cria uma relativa independência entre cada enunciado ou proposição, pois seu valor de verdade não depende de outros enunciados. Nesse sentido, para os positivistas a ciência tem um caráter deveras empírico. Esse tipo de pensamento é denominado de atomista. Assim como um átomo de matéria, as proposições são as menores partes do discurso e elas são verdadeiras ou falsas. O método científico, para os positivistas, era a indução. Através da observação de fatos semelhantes se induziriam leis ou enunciados universais. A partir dos enunciados universais podemos, de forma dedutiva, inferir enunciados menos universais ou específicos. Todos eles, igualmente, são verificáveis. Entretanto, a indução é um método que já foi criticado por Hume, muito tempo antes do surgimento do círculo de Viena. Mas, durante a história surgiram modificações no princípio da indução, tentando contornar o problema de Hume. Segundo Blumberg e Feigl (1931), Reichenbach importou para a epistemologia o conceito de probabilidade. A indução seria uma implicação com certa probabilidade. Deste modo, ele se livraria de uma afirmação de certeza produzida pela indução, fugindo do problema de Hume. O método era o critério de demarcação entre ciência e pseudociência. A ciência possui o método indutivo, que produz enunciados universais ou leis que constituem teorias. Cada enunciado universal pode ser verificado por experimentos. Se a predição do enunciado se concretizar no experimento, o enunciado está provado, verificado. A pseudociência possui aquilo que foi chamado de método especulativo. Como diz o nome, é o método baseado na especulação, naquilo que se acredita ser. Enunciados da pseudociência não podem ser confrontados com a realidade, não possuindo sentido. A pseudociência é baseada na metafísica e não temos como verificar nenhuma asserção provinda da metafísica. Enunciados como: Deus existe, não faziam o menor sentido para os positivistas lógicos. Werkmeister (1937) tenta sintetizar o positivismo lógico em sete teses: 1- Conhecimento é conhecimento por causa da sua forma; 2- A proposição tem significado apenas porque pode ser verificada; 3- Existe apenas conhecimento empírico, e ele depende apenas dos dados; 4- As proposições alegadas pela metafísica são inteiramente destituídas de sentido; 5- Todos os campos (de inquérito, da ciência) são, no entanto, partes de uma ciência unitária: a física; 6- As proposições da lógica são tautologias (verdades necessárias); TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  17   7- A matemática não é nada senão a lógica. Em um artigo, Werkmeister combate cada uma dessas teses. Não temos o intuito, nessa seção, de criticar o positivismo. Apenas queremos apresentá-lo. Em poucas palavras, o positivismo lógico é uma corrente que defende o indutivismo para a formação de enunciados universais; a indução é o método científico, altamente empírico. A partir dos enunciados universais podem-se deduzir enunciados menos universais ou específicos. Todos eles serão verificáveis. Para o positivismo lógico, nenhum enunciado pode entrar em contradição com outro enunciado; se isso ocorrer, ambos necessitam ser verificados. Aquele que concordar com a observação é o escolhido. Qualquer afirmação metafísica é destituída de sentido por não ser verificável. Tendo visto os aspectos gerais do positivismo lógico, podemos passar para a próxima seção, que trata da epistemologia de Karl Popper. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  20   - Todos os grãos do saco são de feijão preto. João não viu nenhum grão de outra cor no saco. Aparentemente, para um indutivista, seu argumento é forte. Porém João não se sente confortável para afirmar para o rei que o saco possui apenas grãos pretos. O seu conforto poderia vir com mais uma observação. João tira mais um grão do saco. Ele também é preto. Será que isso confirma o seu enunciado de que todos os grãos do saco são de feijão preto? Existem, pelo menos, dezenas de milhares de grãos no saco. Induzir sobre mil grãos, apenas, é satisfatório? Aqui está uma das diferenças entre Popper e os positivistas. Para os positivistas, de modo geral, esse argumento indutivo é forte e a observação final feita por João foi uma confirmação do seu enunciado. Popper jamais aceitaria isso. Para ele, mesmo se o saco tivesse 50 mil grãos e se João tivesse visto 49999 grãos, todos eles pretos, nada garantiria que o de número 50 mil seria preto. Ou seja, com 49999 grãos eu não posso provar a cor do de número 50 mil. A mesma coisa ocorre na física. Não importa quantas corroborações uma teoria tenha, ela jamais terá uma prova de que é verdadeira. O número de eventos singulares e/ou observações em uma ciência como a física é infinito, portanto é insustentável a idéia de que possamos provar algo originado pela indução. Apesar de ter combatido a indução, Popper acreditava no poder da dedução lógica, assim como os positivistas. É como se a lógica dedutiva fosse seu refúgio. A dedução lógica, para ele, é transmissora da verdade, retransmissora da falsidade e não-retransmissora da verdade. Essas características são fundamentais para entender o seu pensamento. Conforme Popper (1983), as teorias científicas não são simplesmente resultados da observação. A observação estaria contaminada por teorias e pressupostos. Uma pergunta imediata, que nos cabe fazer, é: qual a importância da observação, então? Para responder essa questão, inevitavelmente teremos que nos aprofundar mais na visão científica popperiana. A indução, como método científico, foi refutada por ele. Então de que forma o cientista, o físico, chega às leis? Segundo Silveira (1996a), para Popper não importa como ele chegou a elas, o que importa é se elas podem ser falseadas. Ou seja, uma teoria é científica se ela pode ser falseada. Para Peluso (1995), a ciência, na verdade, é hipotética-dedutiva. Ou seja, a ciência parte de hipóteses principais e através delas se deduz todo o resto. Uma hipótese é uma construção racional feita com a intenção de representar a realidade, mas que depende de como pensamos. Nesse sentido Popper é um racionalista, pois, muito embora as teorias tenham como pilar as hipóteses, aquelas podem ser falseadas. Isto quer dizer que temos que defrontar as teorias com a realidade, em busca do seu falseamento. Quando defrontamos a teoria com a realidade (a lei da gravitação universal, por exemplo, percebendo que os corpos são atraídos para o centro da Terra), através de uma observação, e o resultado obtido for o esperado pela teoria, isso não quer dizer que a teoria esteja provada. No vocabulário de Popper a teoria estaria sendo apenas corroborada pela observação, ou seja, tal TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  21   observação não foi contrária à predição teórica. Mais uma vez, isso não indica que a teoria esteja provada. Aqui surge um novo separador de águas entre aquilo que é ciência e aquilo que não é ciência. Posto de outra forma, o critério de demarcação entre ciência e não ciência é distinto para Popper, em comparação com os positivistas. Esse critério é a falseabilidade. Diferentemente dos positivistas, Popper não acredita que a verificabilidade de uma teoria seja o critério de demarcação, pois para ele não há como provar que uma teoria é verdadeira. Mesmo se uma teoria fosse verdadeira, a característica de não-retransmissão da verdade não nos permitiria saber se ela, a teoria, é verdadeira. Essa é uma conseqüência muito importante da epistemologia proposta pelo filósofo austríaco. Para Popper, uma teoria é científica quando ela é falseável (e não verificável). Silveira (1996a) afirma que uma teoria é falseável quando proíbe um fato, ou quando existe um falseador potencial. Por exemplo: a teoria eletromagnética, embasada nas leis de Maxwell, proíbe a existência de monopólos magnéticos. A teoria eletromagnética não deve ser, de forma necessária, revista caso algum dia sejam observados monopólos magnéticos. Se a conclusão de que não existem monopólos magnéticos for falsa, ou a teoria eletromagnética é falsa, ou o experimento no qual foram observados monopólos magnéticos produziu um enunciado singular falso, ou algum outro fator relevante provocou uma falsidade nas premissas. Sabemos disso pela propriedade de retransmissão da falsidade, da dedução lógica: se a conclusão é falsa, uma ou mais premissas são falsas, e não sabemos, simplesmente pela lógica, qual(is) das premissas é(são) falsa(s). O cientista deve ser cuidadoso ao investigar qual premissa é falsa. Uma observação contrária à teoria não necessariamente torna a teoria falsa, diferentemente do que freqüentemente se diz a respeito do pensamento científico de Popper. Muito pelo contrário, nossa primeira alternativa é buscar possíveis erros cometidos na montagem do experimento ou nas condições específicas presentes no momento da observação. Outro ponto de interesse é que tanto a teoria quanto os enunciados singulares, obtidos erroneamente, podem ser falsos. O cientista necessita ser crítico o suficiente para encontrar onde estão essas falsidades. Essa é a sua tarefa e ela não é nada simples. Popper, pelo que percebemos, é um racionalista, mas adepto de um racionalismo que se critica, perante uma suposta realidade. Assim, ele próprio se intitula um racionalista crítico. É evidente que, para Popper, o cientista não deve buscar uma teoria da verdade absoluta, o que é inviável. Os cientistas devem produzir teorias cada vez melhores, isto é, cada vez mais falseáveis. A ciência, portanto, não parte de observações. Ela parte de problemas. Sua evolução se dá na tentativa de resolver problemas, encontrando, inevitavelmente, outros problemas, de maior profundidade. Cada teoria científica possui problemas relevantes e soluções distintas. O critério de demarcação em Popper (a falseabilidade) é dado em níveis, onde uma teoria é mais científica que a outra se ela se arrisca mais, ou seja, se ela proíbe mais coisas, se ela é mais falseável. Dentro dessa concepção, nitidamente, as que mais se arriscam são as mais interessantes. Quanto mais TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  22   experimentos que, ao serem observados não contradizem a teoria, mais corroborada ela está. E por mais experimentos que possam corroborar a teoria, jamais ela está provada. A ciência está, conseqüentemente, modificando-se eternamente. Popper (1983) afirma que, quando um enunciado científico não necessita mais ser posto à prova, por ter sido provado, ele deixa de ser científico. Tudo o que é científico pode ser falseável e não pode ser provado de forma definitiva. Os enunciados devem ser hipóteses que necessitam ser reformuladas quando não correspondem mais aos fatos, e isso acontece freqüentemente. Muitas das hipóteses científicas formuladas durante algum período foram consideradas indubitáveis, ao longo da história. Um exemplo era a hipótese de que o Sol gira em torno da Terra. As novas hipóteses, geralmente, são mais resistentes ao falseamento. As novas hipóteses também são responsáveis pelo surgimento de novos problemas inexistentes, e às vezes incompatíveis, nas teorias, bem como pelo surgimento de novos experimentos e novas práticas científicas. Essa concepção popperiana de ciência é completamente distinta da visão positivista de ciência. Não existem mais provas para Popper, e sim corroborações. A ciência não se baseia mais em observações de eventos singulares para se atingir um enunciado universal, ou uma lei; a ciência se baseia em hipóteses que sempre são falseáveis. O conhecimento científico não se baseia mais em provas do bom funcionamento da teoria (por observações) e sim na possibilidade de refutação da teoria através do que é observado. A segurança científica proposta pelos positivistas é ingênua e errada, segundo Popper. Para os empiristas, como vimos, o que demarca aquilo que é ciência e aquilo que não é ciência é o método. O que é ciência está baseado no método científico, empírico e indutivista, repleto de dados. O que não é ciência está baseado no método especulativo, no mundo além da física e dos fenômenos, no mundo metafísico, não contendo, assim, dados empíricos. Para eles os enunciados metafísicos não podem ser verificados, comprovados, confirmados, e por este motivo carecem de sentido. Popper acredita que não é o método indutivo ou especulativo que delimita o que é ciência e o que não é ciência. Muito embora seja bastante claro que a ciência, por muitas vezes, se utiliza do método especulativo. Ele nos traz um exemplo, muito forte. A teoria da relatividade restrita de Einstein foi totalmente especulativa. Não havia qualquer base observacional quando foi formulada. Será que podemos dizer que a teoria de Einstein não era uma teoria científica apenas por não ser obtida pelo método indutivo? Ou que não era uma teoria científica porque não poderíamos verificá-la? Do outro lado temos a astrologia. Os astrólogos estão cheios de dados a seu favor, ou seja, eles têm uma base observacional muito forte, que sempre verificariam suas previsões. Mas nem por isso a astrologia é ciência. Segundo o positivismo lógico ela deveria ser. Segundo Popper (1983, p. 296, tradução livre): um sistema apenas deve ser considerado científico se faz afirmações que possam entrar em conflito com as observações e a maneira de testá-lo [...] é tentando refutá-lo. No caso da astrologia, não há como refutá-la, pois o astrólogo sempre tem um argumento para se defender. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  25   até o momento, de acordo com aquilo que é observado. Geralmente, as novas hipóteses são mais eficazes e podem lidar com um maior número de problemas, de profundidade maior. Quando existem várias teorias rivais, a que deve ser escolhida é a mais geral e mais precisa possível. O que é necessário compreender sobre Popper é o rompimento com a visão de que a ciência é resultado da observação. Um conjunto de dados exige muito mais do que freqüentemente as pessoas imaginam. Os dados são obtidos das observações, mas as observações jamais são isentas de pressupostos. Quando observamos, observamos algo, algo específico. Fazemos um recorte muito pequeno da realidade. Uma teoria científica nos indica que parte da realidade nós devemos recortar e, além disso, conforme podemos abduzir de Popper, nunca estaremos passando da realidade para as teorias. Faremos sempre o contrário, estamos forçando a realidade a se enquadrar na forma do nosso pensamento.   TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  27   THOMAS KUHN: UMA NOVA EPISTEMOLOGIA DA CIÊNCIA Assim como Karl Popper, Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) é um importante epistemólogo da ciência do século XX. Kuhn foi doutor em física, pela Universidade de Harvard. Assim como Popper, Kuhn era contrário às idéias do positivismo lógico. Para ele, a indução é um processo que logicamente não é justificável para a formação do conhecimento; entre outras características, sempre que observamos algo esse algo já está cheio de pressupostos. Isso nos impede de ter uma observação neutra, de qualquer fato. Para Kuhn, de forma alguma as observações podem determinar um conjunto de crenças. Em contrapartida, elas podem restringir o número de crenças aceitáveis, dentro de uma área da ciência. Antes de ser exposta a epistemologia de Kuhn, é necessário esclarecer três de seus conceitos fundamentais: - Paradigma: sem dúvida é o conceito central de Kuhn. Pouco depois de publicar seu livro intitulado A Estrutura das Revoluções Científicas, foi duramente criticado por usar o termo paradigma com significados distintos, durante a obra. Ele reconheceu esse fato, e em uma edição posterior desse livro, Kuhn (1978), no posfácio, se retrata, afirmando que existem dois sentidos para o termo paradigma. Conforme Ostermann (1996, p. 186), existe um sentido geral e um restrito para o termo paradigma. O sentido geral [...] foi empregado para designar todo o conjunto de compromissos de pesquisas de uma comunidade científica [...]. O sentido restrito deve ser entendido como os exemplares, ou seja, a solução de problemas típicos. Outra abordagem para o termo paradigma é encontrada em Bizzel (1979, p. 764, tradução livre): [...] um modelo compreensível teórico que governa tanto a visão de realidade aceita por uma comunidade intelectual quanto a prática da disciplina dessa comunidade. Dentro de um paradigma pode haver várias teorias. - Ciência normal: é o período em que os paradigmas se estabelecem e não são contestados. Segundo Kuhn (1978) a ciência não se preocupa, nesse período, com a descoberta de novos tipos de fenômenos, nem os cientistas estão preocupados em criar novas teorias. Os cientistas procuram ajustar a natureza ao paradigma. - Revolução científica ou ciência extraordinária: Para Kuhn (1978, p. 125), revoluções científicas são [...] aqueles episódios de desenvolvimento não-cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior. Kuhn, em sua epistemologia, trata muito sobre o ensino de ciência. O estudante de uma ciência precisaria se familiarizar com os paradigmas da área estudada. A familiarização se dá na resolução de problemas típicos e através dos manuais de ensino; os aluno acabam aceitando as teorias não por terem provas de seu funcionamento, mas pela autoridade exercida pelo professor. Cientistas, em geral, já se familiarizaram com os paradigmas; assim, quando escrevem para outros cientistas da mesma área, não precisam descrever o que querem dizer com um conceito presente no TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  30   anomalia não pode ser resolvida ainda, persistindo o antigo paradigma. Kuhn deixa claro que a situação mais interessante se dá quando um paradigma é abandonado. Várias teorias são propostas e concorrem à sucessão da vigente. Surgem, então, as pesquisas extraordinárias e a quebra do compromisso antigo para o nascimento de um novo, lembrando que o novo compromisso nunca se apresenta como uma nova teoria que possui incrementos em relação à antiga. Conforme Ostermann (1996, p. 191), um paradigma é declarado inválido apenas quando surge outro, em seu lugar. Para esta autora: [...] rejeitar um paradigma é sempre decidir simultaneamente aceitar outro. Um paradigma é realmente aceito por parecer ser o melhor, sem uma justificativa clara. O novo paradigma, apenas, parece indicar um caminho próspero para os cientistas. É aqui que se dão os períodos de críticas nas ciências. O estabelecimento de um novo paradigma é, muitas vezes, complicado. Existirá sempre resistência por parte de alguns integrantes da comunidade científica, e por esse motivo são geralmente jovens que propõem novas teorias (já que é mais fácil para eles abandonarem os paradigmas de suas áreas). Para Kuhn essa resistência é benéfica. Ela garante que o paradigma não seja trocado sem necessidade. O novo paradigma é completamente incompatível e incomensurável com relação ao antigo. Se fosse compatível com o antigo, não conseguiria, também, resolver o problema gerado pelo antigo. Cada paradigma implica em uma visão e concepção de mundo totalmente diferente, o que destrói a imagem de uma ciência linear, como até então se tinha. A imagem de uma ciência que evolui continuamente, onde uma nova teoria é a generalização da outra ou uma adição à outra, não existe para Kuhn. Os paradigmas são incomensuráveis entre si. Não há como compará-los de forma lógica, a comunidade científica acaba aceitando um paradigma com a fé de que ele será exitoso. Segundo Ostermann (1996), Kuhn acaba admitindo que aspectos como simplicidade, consistência e precisão são razões fundamentais na escolha de novos paradigmas. Essa postura de Kuhn foi produto de várias críticas sobre o aspecto irracional da ciência nos períodos de crise, defendido pelo próprio Kuhn. A irracionalidade estaria presente quando Kuhn afirma que o novo paradigma é aceito apenas porque os cientistas acreditam que ele será mais exitoso que qualquer outro. As revoluções científicas são, essencialmente, locais. Isso significa que as revoluções científicas geralmente ocorrem em uma pequena área da ciência, e não se espalham para outras áreas, ainda que as outras áreas se comprometessem com os paradigmas antigos. Por exemplo: o paradigma newtoniano, da mecânica, foi substituído pelo relativístico (einsteiniano) em áreas que trabalham com corpos em altíssimas velocidades. O mesmo ocorre no ensino de física. Quando os alunos de física atacam um problema de plano inclinado a baixas velocidades, o paradigma utilizado para a resolução do problema é o newtoniano, por uma questão de simplicidade. Desta forma, áreas que trabalham com corpos macroscópicos em baixas velocidades não precisaram passar por essa revolução. O paradigma newtoniano é suficiente para o desenvolvimento de tal área. Uma pergunta que devemos nos fazer é: o problema do plano inclinado é o mesmo problema quando encarado pelo paradigma relativístico? Por trás está a pergunta: Já que um paradigma muda a visão de mundo do cientista e os paradigmas são incomensuráveis entre si, todo e qualquer TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  31   problema não é característico e existente apenas em um paradigma? Deste modo, contrariamente ao que ouvimos nas aulas de física, para Kuhn, a relatividade proposta por Einstein não é algo mais geral que a mecânica newtoniana, se não algo completamente distinto dela. Assim como na seção anterior, apresentamos uma tabela comparativa. Aqui, comparamos a epistemologia de Karl Popper com a de Thomas Kuhn: Características Karl Popper Thomas Kuhn Critério de Demarcação Falseabilidade Existência de Revoluções (*) Evolução Científica Contínua Não há (**) Conceito Fundamental Teoria Paradigma O que determina a escolha por uma certa nova teoria ou por um novo paradigma? Razão / Teoria mais precisa e mais universal possível Fé / Esperança de que o paradigma possa vingar Nova teoria ou paradigma em relação ao anterior Melhor, possui mais verdades e é mais geral Não há comparação, são incomensuráveis entre si (*) Na verdade, não há uma preocupação explícita quanto ao critério de demarcação por parte de Thomas Kuhn; entretanto, quando instado, pelo próprio Popper, ele afirma que, se tivesse que explicitar um critério de demarcação entre o que é ciência e o que não é ciência, tal critério seria a existência de revoluções na ciência. (**) Explicitamente, Kuhn não admite a existência ou não de evolução da ciência, na troca de um paradigma por outro, uma vez que para ele os paradigmas são incomensuráveis entre si. Resumidamente, para Kuhn a ciência passa por longos períodos em que não existem críticas. Nesses períodos, denominados de ciência normal, os cientistas de uma comunidade aceitam um único paradigma e não o contestam. Seus esforços são todos com a finalidade de resolver problemas propostos pelo paradigma, ao mesmo tempo em que ele vai se tornando mais claro e mais rígido. Ocorre, de tempos em tempos, que os paradigmas não conseguem resolver problemas que se propuseram a resolver, produzindo uma crise na ciência normal. Ou isso acontece pela incapacidade atual de encontrar meios para resolver o problema, ou o problema acaba sendo resolvido com muito esforço, ou, o que Kuhn considera mais interessante, o paradigma é abandonado e outro, simultaneamente, é aceito. O período de crise é muito pequeno; ele é denominado ciência extraordinária ou revolução científica. A ciência é cíclica, por conter períodos de estabilidade precedidos por períodos de crise em que se rompe a visão anterior, produzindo uma nova visão de mundo que se estabelece e, posteriormente, também é rompida. Entretanto, não é um círculo vicioso, a cada etapa temos uma visão distinta, com o estabelecimento de um único paradigma, em cada período de ciência normal, totalmente incompatível com o paradigma anterior. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  32   A aceitação de outro paradigma é, geralmente, devida à indicação de que o novo paradigma será exitoso. Não há uma razão maior que esta. Os cientistas acreditam que tal paradigma será exitoso, por uma questão de fé. A aceitação do novo paradigma, muitas vezes, é dificultada pela resistência oferecida por alguns membros da comunidade. Para Kuhn, essa resistência é positiva. Ela garante que o antigo paradigma não seja abandonado sem razão. Vale lembrar que os paradigmas são incomensuráveis entre si. Não há como comparar um com outro. Explicitamente, Kuhn não afirma que existe uma evolução no conhecimento científico. A incomensurabilidade entre os paradigmas impede qualquer comparação de progresso científico. Os paradigmas tentam fazer a natureza se encaixar ao nosso pensamento. Cada paradigma provoca uma visão de mundo diferente. Não temos como comparar qual é a melhor. Cada uma possibilita um entendimento do mundo e desta forma resolve um problema distinto da outra. A mecânica relativística, portanto, não é uma generalização da clássica, ela é algo completamente diferente, que implica uma visão de mundo completamente diferente. A forma como vemos o mundo de maneira alguma é neutra, como afirmavam os positivistas, o que implica em não podermos tirar leis diretamente das observações. Kuhn não acredita que seja possível verificar ou falsear cada enunciado, isoladamente. Todos os enunciados estão vinculados ao paradigma, sendo produto do mesmo. Ele é um holista e não um atomista. Kuhn, diferentemente de Popper e dos positivistas, não se preocupou em criar um critério de demarcação entre ciência e pseudociência. O máximo que ele afirma é que não existe ciência sem um paradigma. O maior objetivo, aqui, é oferecer uma nova maneira de encarar a ciência, diferente da maneira positivista que, ao que tudo indica, é muito ingênua e equivocada. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  35   teoria e um enunciado observacional não tem força suficiente para refutá-la. Para que uma teoria científica T seja refutada, a falseabilidade sofisticada de Lakatos exige que uma nova teoria, T’, possua as seguintes três condições (Lakatos, 1994, p. 38, tradução livre): 1) T’ possui excesso de conteúdo empírico com relação a T; isto é, prediz fatos novos, improváveis ou ainda não incluídos em T; 2) T’ explica o êxito prévio de T; isto é, todo o conteúdo não refutado de T está incluído [...] no conteúdo de T’; 3) Uma parte do excesso de conteúdo de T’ é corroborado. Reafirmando o que foi dito anteriormente, a existência de conflitos entre uma teoria e os enunciados observacionais não é suficiente para refutar a teoria. Assim como um conjunto de enunciados singulares observacionais não é suficiente para provar uma teoria, Lakatos acredita que um conjunto finito de enunciados singulares observacionais não é suficiente para refutá-la. Não existe um experimento crucial, cujos resultados sejam capazes de possibilitar a refutação de uma teoria. Para que uma refutação ocorra deve existir uma teoria nova, que possua as três características citadas acima. Enquanto não existe uma nova teoria, T’, portadora de tais características, normalmente se acrescentam hipóteses ad hoc à vigente, T. As hipóteses ad hoc não têm por finalidade produzir novas predições; elas apenas se responsabilizam por camuflar o problema existente. Lakatos compreende as ciências como sendo programas de pesquisa que obedecem certas regras. Segundo Lakatos (1994, p. 66, tradução livre), todo programa de pesquisa tem um núcleo firme que possui proposições que não podem ser refutadas, por decisão metodológica daqueles que fazem parte do programa. Deste modo, um mesmo programa de pesquisa pode possuir várias teorias que, essencialmente, se diferenciarão nas hipóteses presentes no cinturão protetor, como veremos adiante. O conjunto de procedimentos e regras responsáveis por manter o núcleo estático é dado pela heurística. A heurística tem caráter negativo ou caráter positivo, que serão explicitados em seguida. O cinturão protetor é constituído de hipóteses auxiliares que podem ser criadas ou descartadas com o objetivo de proteger a integridade (firmeza) do núcleo firme. O cinturão protetor diferencia as várias teorias que compartilham de um mesmo núcleo firme, ou, portanto, um mesmo programa de pesquisa. Em um programa de pesquisa é necessário que se construam hipóteses auxiliares com a finalidade de formar um cinturão protetor em volta do núcleo firme. Isto é na verdade a heurística negativa. Ela tem como procedimento definir o núcleo firme e passar para o cinturão protetor toda a responsabilidade pela existência de contra-exemplos contidos no programa. Isto garante que quando os contra-exemplos realmente existirem, o núcleo firme não será modificado. Evidentemente, para que o núcleo mantenha-se intacto, as hipóteses auxiliares terão de ser, obrigatoriamente, TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  36   modificadas. O programa de pesquisa, portanto, é composto por um núcleo irrefutável e um cinturão protetor, refutável. Se, por um lado, a tarefa da heurística negativa é preservar o núcleo firme, a heurística positiva é, por outro lado, responsável por estabelecer as regras para se modificar o cinturão protetor. A heurística positiva tem o papel de eliminar um oceano de anomalias dentro do programa de pesquisa. Lakatos admite um pluralismo teórico, contrariamente a Kuhn. Isto quer dizer que ele concorda que uma mesma área pode possuir mais de um programa de pesquisa. Os programas de pesquisa seriam concorrentes entre si. Como estabelecer o melhor programa? O melhor programa é aquele que explica mais e o que produz mais novidades, além de ser mais corroborado. Se racionalmente podemos perceber que um programa de pesquisa é melhor que outro, ele será gradualmente aceito pelos cientistas. As revoluções científicas aconteceriam com a troca de um programa por outro. A troca de um programa por outro é dada de modo racional (ou seja: não é uma questão de fé) e, geralmente, é um processo muito demorado. Um programa que possui avanço em relação a ele mesmo é chamado de programa progressivo, enquanto aquele que não possui avanço é chamado de programa regressivo. Resumidamente, um programa é progressivo quando, segundo Silveira (1996b, p. 223), cada modificação no ‘cinturão protetor’ leva a novas e inesperadas predições ou retrodições. (Uma retrodição é a explicação a posteriori de um fato já conheciso.) Um programa é regressivo quando as modificações não produzem novas predições e quando suas predições não são corroboradas. Para Lakatos a reconstrução racional da ciência não consegue dar conta de toda a história da ciência; parte da ciência não é construída racionalmente. A reconstrução racional da ciência é o que Lakatos denomina história interna. A história interna é a primeira e principal, uma vez que ela define os problemas da história externa. A história externa é caracterizada pela influência de fatores econômicos, sociais, políticos, entre outros, que de alguma forma influenciaram o progresso da ciência e os programas de pesquisa. Sintetizando, Lakatos propõe uma epistemologia que busca dar racionalidade ao desenvolvimento da ciência, negando os pequenos períodos de irracionalidade propostos por Kuhn na troca de um paradigma por outro. Para isso ele importa muitos elementos presentes na epistemologia de Popper. Basicamente o que Lakatos defende é que existem programas de pesquisa, que se caracterizam por possuir um núcleo firme de proposições tidas como verdadeiras por convenção, e ao redor desse núcleo se forma um cinturão protetor, que nada mais é do que um conjunto de hipóteses auxiliares que visam assegurar a integridade do núcleo firme. Várias teorias podem ser concorrentes, ainda que compartilhando do mesmo programa de pesquisa. Uma teoria vence a outra quando se mostra mais eficaz e, apenas quando isso ocorre, a teoria que perde é eliminada ou refutada. Essa refutação é irreversível. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  37   Os programas de pesquisa podem se mostrar regressivos. Isto ocorre quando nenhum ajuste no cinturão protetor fornece novas predições. Havendo um programa de pesquisa rival, ou alternativo, que ofereça novas predições, sendo, portanto, progressivo, e que se mostre mais geral que aquele regressivo, acontecerá, naturalmente, uma migração lenta e gradual para o programa de pesquisa progressivo, que racionalmente é melhor, ou seja, para Lakatos a evolução da ciência é racional. Lakatos não foi ingênuo e se mostrou consciente do escopo da racionalidade na ciência ao dizer que não é só a razão que faz a ciência progredir. Para ele, a história externa também influencia o desenvolvimento da ciência. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  40   pseudociência. Para os positivistas, o confronto com os enunciados universais, produzidos pelo processo de indução, com a realidade, pode verificar o enunciado. Cada enunciado seria verificado de forma independente, sem levar em conta os outros enunciados. Os enunciados metafísicos não possuiriam sentido, pois não podem ser verificados pela realidade. Evidentemente, parece ser forçosa a idéia que os enunciados universais podem ser verificados pela realidade. Se isso é verdade, então não deveria haver revoluções científicas. A ciência deveria ser estanque e a dona da verdade. Karl Popper era contrário a essa visão positivista. Ainda que aceitasse a dedução como um processo lógico infalível, para ele a indução não se sustentava logicamente. Um conjunto de dados finitos não pode dar conta de um enunciado universal. Por mais que algumas observações sejam compatíveis com os enunciados universais, elas não podem confirmar os enunciados. Quando são compatíveis, elas estarão corroborando o enunciado e não confirmando ou verificando ou provando os enunciados. A única coisa definitiva que uma observação pode fazer é falsear o enunciado, ou seja, tornar falso o enunciado. Popper acreditava que cada enunciado é falseável independentemente dos outros. A falseabilidade era uma característica da ciência. Todo enunciado falseável é um enunciado científico. A demarcação entre a ciência e a pseudociência seria a falseabilidade de seus enunciados ou leis. É importante lembrar que Popper não aceitava a idéia de uma observação imparcial. A ciência é uma série de conjecturas e revoluções, como diz Popper. Cada conjectura é constituída de vários enunciados ou leis. Quando algum ou vários enunciados são falseados, ocorrem as revoluções, que nada mais são do que o abandono da conjectura antiga (dos enunciados e leis antigos) para o surgimento de uma nova conjectura, sempre superior, mais poderosa. Conforme Popper, não há como provar a veracidade de uma teoria. A ciência para ele, portanto, não é dona da verdade e está em constante modificação. As modificações indicam que a ciência caminha para um fim (isto é, ela é teleológica), que é uma descrição cada vez mais próxima daquilo que é a realidade. Thomas Kuhn também criticou a visão positivista. A formação de enunciados é proveniente da aceitação de um paradigma, que de forma geral traça os compromissos do cientista para com a ciência. O surgimento de um paradigma não é um problema que deve ser discutido; ele simplesmente surge e não é por um processo indutivo. Poderia ser um conjunto de hipóteses. Uma ciência recebe o status de ciência apenas quando um conjunto de cientistas adere a um único paradigma. Os cientistas aderem ao paradigma, inicialmente, sem ter certeza de que ele será exitoso na resolução de problemas. A aceitação é uma questão de fé, de crença que o paradigma vingará. Isso dá um aspecto claro de subjetividade à ciência. O paradigma inicialmente é obscuro. Acaba sendo aclarado com o tempo, através das articulações possíveis na tentativa de resolver problemas típicos do paradigma. A ciência é responsável por forçar a natureza a se encaixar nos limites inflexíveis do paradigma. Portanto, a ciência não vislumbra descrever como é a realidade, ela mesma. Ela tenta forçar a natureza a se encaixar ao paradigma aceito. Os paradigmas são distintos para as distintas áreas da ciência. Eles são responsáveis por um aprofundamento que não seria possível sem eles, num período onde não há crítica aos paradigmas, conhecido como ciência normal. Esses períodos TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  41   são longos e cumulativos. Podem ocorrer anomalias, sugerindo um período muito breve, conhecido como revolução científica. Nesse período, freqüentemente, os cientistas de uma área abandonam o paradigma até então vigente e simultaneamente optam por outro paradigma que acreditam ser mais exitoso, de forma não cumulativa. Não há provas ou meios de comparar dois paradigmas; eles são incomensuráveis entre si. Explicitamente, Kuhn não diz que a ciência evolui com os novos paradigmas. Não existe um comprometimento com a realidade, nem um critério que demarca o que é ciência e o que não é ciência. A ciência, para ele, também não é dona da verdade. Imre Lakatos tem uma perspectiva da ciência como sendo uma construção racional, em todas suas etapas, exceto quando a ciência é afetada pela história externa. Para Lakatos a simples incompatibilidade entre uma teoria e um enunciado observacional não pode ser forte o suficiente para refutá-la. Indubitavelmente, como pano de fundo está presente a idéia de que a base empírica é falível. O enunciado observacional pode ter sido obtido de maneira errada. Ainda que esse enunciado observacional fosse verdadeiro, o programa de pesquisa não seria necessariamente rejeitado. Seria mudado o cinturão protetor que envolve o núcleo duro que define o programa de pesquisa. Novas hipóteses auxiliares seriam propostas no intuito de tornar o enunciado observacional compatível com a teoria. Entretanto, muitas vezes não há mais o que ser feito. É como se o núcleo firme estivesse saturado. As hipóteses auxiliares não seriam mais capazes de fazer novas predições, nem de adaptar os enunciados observáveis à teoria. Neste caso, o programa de pesquisa se torna regressivo. Se houver um programa de pesquisa concorrente, e progressivo, haverá uma migração lenta para o programa progressivo. Este programa não é uma promessa, ele é melhor que o regressivo por questões racionais, diferentemente do que Thomas Kuhn acreditava, com relação à mudança de paradigmas. Lakatos, ao propor sua filosofia da ciência, estava ciente de que a razão não pode explicar completamente a evolução da ciência. Apesar da razão nortear a ciência, ela é bastante afetada por questões sociais, econômicas e políticas, que fazem parte de uma história externa à própria ciência, mas que de certa forma se vinculam à ciência no momento em que esta determina quais são os problemas mais relevantes, em determinada época. Um pensamento de ciência como algo exato e estanque deve ser banido da educação dos alunos, com motivos suficientes. Não devemos tratar as ciências, e em especial a física, como áreas surgidas da observação da natureza e totalmente imparciais. Esta concepção é, há muito tempo, considerada ingênua e antiquada. Mesmo que as epistemologias propostas por Popper, Kuhn e Lakatos possam ser criticadas, evidentemente elas são muito mais condizentes com o que é ciência do que as epistemologias propostas pelos positivistas e por Aristóteles. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  42   A epistemologia de Kuhn é mais interessante do que a de Popper por trazer uma visão holística da ciência, onde cada enunciado influencia o outro. Além disso, Kuhn trata das comunidades científicas, coisa que Popper não explicita. A epistemologia de Kuhn, ao que tudo indica, é mais sofisticada do que a de Popper. A proposta de Lakatos se mostra tão, ou mais, interessante que a de Kuhn, por tratar também de grupos de pesquisa ou comunidades científicas e, além disso, por evidenciar a competição entre os programas de pesquisa e as teorias. A questão de um progresso racional da ciência pode ser interpretada por alguns como sendo outra virtude de Lakatos em relação a Kuhn. Procuramos, aqui, possibilitar uma melhor compreensão do que é ciência. Foram selecionadas algumas das mais importantes epistemologias correntes na literatura. Um dos objetivos desse trabalho foi o de mostrar que ciência nenhuma pode se basear em um método indutivo para produzir conhecimento científico (como queriam os positivistas). Esperamos ter deixado claro que não somos imparciais ao recolher dados do mundo sensível. Sempre, quando fazemos observações, estamos repletos de pressupostos. Tais pressupostos fazem com que tenhamos percepção apenas de uma pequena parte de uma suposta realidade externa. As críticas ao positivismo não se esgotam com a parcialidade do observador. O método científico proposto pelos positivistas (a indução) não é um método confiável. Ele não garante a verdade das teorias científicas. Como aponta Popper, a observação de inúmeros eventos, que concordam com a teoria, não é, de nenhuma maneira, suficiente para verificar a veracidade desta. Algo que não comentamos, por falta de espaço, é que o positivismo traz consigo muitos pressupostos metafísicos mas, como vimos, a metafísica não tem valor para os positivistas. Todas essas críticas ao positivismo devem tornar menos razoável que alguém continue aceitando-o. Mas, como propôs Kuhn, só abandonamos um paradigma quando aceitamos outro. Do mesmo modo, neste trabalho oferecemos três epistemologias alternativas ao positivismo: a epistemologia de Popper, a epistemologia de Kuhn e a epistemologia de Lakatos. Evidentemente, estas epistemologias são mais elaboradas e melhores que a positivista. Deixemos claro que, embora melhores, as epistemologias de Popper, Kuhn e Lakatos não são definitivas, assim como a própria ciência e a própria física. Ainda que um bom físico não necessite saber muito sobre epistemologia, é demasiadamente importante que o educador de física conheça melhor o assunto. Se, como disse Lakatos, a história da ciência sem uma filosofia da ciência é cega, ao oferecermos uma epistemologia assaz ingênua aos nossos alunos, estes terão uma leitura completamente distorcida da ciência. Um aluno, ao entrar em uma instituição, é como uma pessoa com enorme deficiência visual, que precisa de um guia e de instrumentos que lhe possibilitem uma melhor visão. Não pensemos que podemos oferecer a cura de seus problemas; entretanto, não negligenciemos do dever de lhe oferecer os óculos que, apesar de incapazes de lhe proporcionar a visão perfeita de todas as coisas, lhe propiciarão um esboço de como são todas as coisas. Nosso dever como educadores é fazer com que não proliferem idéias errôneas e imaturas sobre o que é a ciência, ou seja, oferecer os melhores TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  45   GLOSSÁRIO Abdução: É o processo lógico de formação de uma hipótese. É uma sugestão de algo que pode ser. A abdução pode posteriormente ser confrontada com o mundo sensível. Geralmente, ela está relativamente bem sustentada por outras crenças. Atomismo: Os representantes dessa corrente filosófica acreditam que cada proposição tem sentido (ou é verdadeira ou é falsa) independentemente de outra e que todo discurso pode ser reduzido a proposições simples. Os positivistas, de modo geral, acreditavam que cada enunciado universal (que também é uma proposição) poderia ter seu valor de verdade comprovado com observações. Cinturão Protetor: Presente na epistemologia de Lakatos, o cinturão protetor é responsável por manter o núcleo firme intacto, trazendo para si todas as incompatibilidades da teoria com os enunciados observados. Critério de Demarcação: O critério de demarcação é o critério responsável por separar as teorias científicas das não científicas. Dedução: É o processo lógico que deriva uma proposição de outras proposições. A dedução é caracterizada pela transmissão da verdade, retransmissão da falsidade e não retransmissão da verdade. Geralmente, na dedução, partimos de enunciados universais e chegamos a enunciados singulares. Empirismo: Tudo aquilo que tem como sustentáculo a experiência sensível (sensorial) é empírico. No empirismo o conhecimento só é obtido através da experiência, da observação, da percepção. Enunciado: É uma sentença cujo conteúdo possui sentido lógico, ou seja, ou é verdadeira, ou é falsa. Enunciado Universal: É uma sentença cujo conteúdo possui sentido lógico e, além disso, o sujeito da frase abrange todos os membros de uma classe que compartilha das mesmas características. Ex: Todos os seres humanos são mortais. O sujeito da frase (todos os homens) abrange todos os membros da classe dos seres humanos. Falseabilidade: A falseabilidade de uma teoria se caracteriza pelo fato dela estar constantemente exposta a possíveis contra-exemplos. Holismo: Os representantes dessa corrente filosófica não acreditam que seja possível reduzir todo e qualquer discurso a proposições simples. Para eles as proposições têm relações que se perdem quando se tenta isolar as proposições simples. As proposições não podem, portanto, ser analisadas separadamente. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  46   Indução: É o processo lógico de formação de enunciados universais a partir de enunciados singulares. Inferência: Uma inferência é um processo lógico qualquer. É através de um processo lógico que se faz uma inferência lógica, seja ela uma dedução, uma indução ou uma abdução. Lugar Natural: Dentro da concepção aristotélica de mundo, o lugar natural é o lugar onde cada objeto deve permanecer, ou para onde deve se direcionar. A noção de lugar natural é completada no verbete ‘Movimento Natural’. Metafísica: A metafísica trata de tudo aquilo que não faz parte do mundo sensível (perceptível). Tudo o que não é observável e empírico é metafísico. A alma, os deuses e o espírito são exemplos de objetos da metafísica. Aristóteles e Descartes acreditam que a metafísica é a filosofia primeira. Movimento Forçado: O movimento forçado, segundo Aristóteles, se dá quando um objeto não está se dirigindo ao seu lugar natural. Quando isso ocorre uma força, necessariamente, deve estar agindo sobre o objeto, a fim de impedir que ele se dirija ao seu lugar natural. Um objeto com velocidade oblíqua em relação ao solo estaria, então, sob ação continuada de uma força. Movimento Natural: O movimento natural aristotélico é o entendimento de que os objetos tendem a se mover na direção dos seus lugares naturais. Aristóteles tinha a concepção de que o universo (finito) era dividido em duas regiões: a sobrelunar e a sublunar. A região sobrelunar situava-se além da órbita da Lua (até a esfera celeste) e a sublunar era situada abaixo da órbita da Lua. O universo sublunar era ‘corruptível’, onde as coisas cresciam, se desenvolviam e pereciam. O universo sobrelunar, ao contrário, era constituído do éter, substância ‘incorruptível’. O universo sublunar seria formado por quatro elementos: terra, água, fogo e ar. A terra deveria estar mais próxima do centro da Terra (o centro da Terra seria seu lugar natural); a água deveria estar na superfície da Terra; o ar, em uma região entre a Terra e a Lua; e por fim, o fogo, o mais próximo da Lua. Os objetos eram misturas desses quatro elementos, e cada proporção de mistura caracterizava um material. Não-retransmissão da Verdade: É uma das características da dedução lógica. Em um argumento dedutivo, uma ou mais premissas falsas podem produzir uma conclusão verdadeira. Núcleo Firme: O núcleo firme é o que constitui um programa de pesquisa. O núcleo firme é, para os adeptos do programa, irrefutável, por convenção. Programa de Pesquisa: É constituído pelo núcleo firme. Um único programa de pesquisa pode dar origem a várias teorias. O programa de pesquisa pode ser progressivo, quando faz novas predições e possui mais conteúdo corroborado após uma modificação nas suas premissas auxiliares, ou regressivo, quando alterações nas premissas auxiliares já não produzem mais novas predições. Racionalismo Crítico: É uma postura filosófica proposta por Karl Popper, para classificar seu pensamento. Para o racionalismo as construções racionais têm por objetivo representar a realidade, TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  47   ou adaptá-la à maneira como pensamos. A alcunha ‘crítico’ é proveniente da falseabilidade. Quando o cientista observa discrepâncias entre o que é previsto pela teoria e os resultados obtidos através do experimento, ele deve ser crítico o suficiente para encontrar o motivo dessa discrepância, seja ele a teoria, um erro experimental ou uma premissa tomada erroneamente. Retransmissão da Falsidade: É uma das características da dedução lógica. Em um argumento dedutivo, se a conclusão é falsa, então uma ou mais premissas necessariamente são falsas. Transmissão da Verdade: É uma das características da dedução lógica. Em um argumento dedutivo, se as premissas (os enunciados que antecedem a conclusão) são todas verdadeiras, então a conclusão necessariamente é uma verdade. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  50   NEURATH, O. The Orchestration of the Sciences by the Encyclopedism of Logic Empiricism. Philosophy and Phenomenological Research, v. 6, n. 4, p. 496-508, Jun. 1946. OSTERMANN, F. A Epistemologia de Kuhn. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 13, n. 3, p. 184-196, Dez. 1996. PELUSO, L. A. A Filosofia de Karl Popper. 1.ed. Campinas: Papirus: PUCCAMP, 1995. POPOV, P. S. The Logic of Aristotle and Formal Logic. Philosophy and Phenomenological Research, v. 8, n. 1, p. 1-22, Set. 1947. POPPER, K. R. A Lógica da Pesquisa Científica. 1.ed. São Paulo: Cultrix, 1972. POPPER, K. R. El Desarrollo del Conocimiento Cientifico: Conjecturas y Refutaciones. Buenos Aires: Paidos, 1983. SILVEIRA, F. L.; OSTERMANN, F. A Insustabilidade da Proposta Indutivista de ‘Descobrir a Lei a partir de Resultados Experimentais’. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 19, n. especial, p. 7-27, Jun. 2002. SILVEIRA, F. L. A Filosofia da Ciência de Karl Popper: O Racionalismo Crítico. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 13, n. 3, p. 197-218, Dez. 1996a. SILVEIRA, F. L. A Metodologia dos Programas de Pesquisa: A Epistemologia de Imre Lakatos. Caderno Catarinense de Ensino de Física, v. 13, n. 3, p. 219-230, Dez. 1996b. WERKMEISTER, W. H. Seven Theses of Logical Positivism Critically Examined. The Philosophical Review, v. 46, n. 3, p. 276-297, Mai. 1937. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  51   TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA n°. 1 Um Programa de Atividades sobreTópicos de Física para a 8ª Série do 1º Grau Axt., R., Steffani, M. H. e Guimarães, V. H., 1990. n°. 2 Radioatividade Brückmann, M. E. e Fries, S. G., 1991. n°. 3 Mapas Conceituais no Ensino de Física Moreira, M. A., 1992. n°. 4 Um Laboratório de Física para Ensino Médio Axt, R. e Brückmann, M. E., 1993. n°. 5 Física para Secundaristas – Fenômenos Mecânicos e Térmicos Axt, R. e Alves, V. M., 1994. n°. 6 Física para Secundaristas – Eletromagnetismo e Óptica Axt, R. e Alves, V. M., 1995. n°. 7 Diagramas V no Ensino de Física Moreira, M. A., 1996. n°. 8 Supercondutividade – Uma proposta de inserção no Ensino Médio Ostermann, F., Ferreira, L. M. e Cavalcanti, C. H., 1997. n°. 9 Energia, entropia e irreversibilidade Moreira, M. A., 1998. n°. 10 Teorias construtivistas Moreira, M. A. e Ostermann, F., 1999. n°. 11 Teoria da relatividade especial Ricci, T. F., 2000. n°. 12 Partículas elementares e interações fundamentais Ostermann, F., 2001. n°. 13 Introdução à Mecânica Quântica. Notas de curso Greca, I. M. e Herscovitz. V. E., 2002. n°. 14 Uma introdução conceitual à Mecânica Quântica para professores do ensino médio Ricci, T. F. e Ostermann, F., 2003. n°. 15 O quarto estado da matéria Ziebell, L. F., 2004. v.16, n.1 Atividades experimentais de Física para crianças de 7 a 10 anos de idade Schroeder, C., 2005. v.16, n.2 O microcomputador como instrumento de medida no laboratório didático de Física Silva, L. F. da e Veit, E. A., 2005. v.16, n.3 Epistemologias do Século XX Massoni, N. T., 2005. TEXTOS DE APOIO AO PROFESSOR DE FÍSICA – IF-UFRGS PETER, E. A. & MORS, P.M. v. 20 n°1  52   v.16, n.4 Atividades de Ciências para a 8a série do Ensino Fundamental: Astronomia, luz e cores Mees, A. A.; Andrade, C. T. J. de e Steffani, M. H., 2005. v.16, n.5 Relatividade: a passagem do enfoque galileano para a visão de Einstein Wolff, J. F. de S. e Mors, P. M., 2005. v.16, n.6 Trabalhos trimestrais: pequenos projetos de pesquisa no ensino de Física Mützenberg, L. A., 2005. v.17, n.1 Circuitos elétricos: novas e velhas tecnologias como facilitadoras de uma aprendizagem significativa no nível médio Moraes, M. B. dos S. A., Ribeiro-Teixeira, R. M., 2006. v.17, n.2 A estratégia dos projetos didáticos no ensino de física na educação de jovens e adultos (EJA) Espindola, K. e Moreira, M. A., 2006. v.17, n.3 Introdução ao conceito de energia Bucussi, A., 2006. v.17, n.4 Roteiros para atividades experimentais de Física para crianças de seis anos de idade Grala, R. M., 2006. v.17, n.5 Inserção de Mecânica Quântica no Ensino Médio: uma proposta para professores Webber, M. C. M. e Ricci, T. F., 2006. v.17, n.6 Unidades didáticas para a formação de docentes das séries iniciais do ensino fundamental Machado, M. A. e Ostermann, F., 2006. v.18, n.1 A Física na audição humana Rui, L. R., 2007. v.18, n.2 Concepções alternativas em Óptica Almeida, V. O.; Cruz, C. A. da e Soave, P. A., 2007. v.18, n.3 A inserção de tópicos de Astronomia no estudo da Mecânica em uma abordagem epistemológica Kemper, E., 2007. v.18, n.4 O Sistema Solar – Um Programa de Astronomia para o Ensino Médio Uhr, A. P., 2007. v.18 n.5 Material de apoio didático para o primeiro contato formal com Física; Fluidos Damasio, F. e Steffani, M. H., 2007. v.18 n.6 Utilizando um forno de microondas e um disco rígido de um computador como laboratório de Física Mai, I., Balzaretti, N. M. e Schmidt, J. E., 2007. v.19 n.1 Ensino de Física Térmica na escola de nível médio: aquisição automática de dados como elemento motivador de discussões conceituais Sias, D. B. e Ribeiro-Teixeira, R. M., 2008. v.19 n.2 Uma introdução ao processo da medição no ensino médio Steffens, C. A.; Veit, E. A. e Silveira, F. L. da, 2008. v.19 n.3 Um curso introdutório à astronomia para a formação inicial de professores de ensino
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