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Guias e Dicas
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apostila de filosofia, Notas de aula de Engenharia Elétrica

apostila de filosofia

Tipologia: Notas de aula

2011

Compartilhado em 08/01/2011

diogo-vieira-12
diogo-vieira-12 🇧🇷

4.8

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Baixe apostila de filosofia e outras Notas de aula em PDF para Engenharia Elétrica, somente na Docsity! SUMÁRIO PRIMEIRA PARTE Introdução aos Filósofos Clássicos.................... PÁGINAS 01 ATÉ 32 Idealismo de Platão.............................................................................................................. 01 Realismo Natural de Aristóteles.......................................................................................... 11 Racionalismo Cartesiano ..................................................................................................... 19 Empirismo de D.Hume ........................................................................................................ 30 SEGUNDA PARTE ............................................................................ PÁGINAS 05 ATÉ 55 O Problema da Filosofia da Ciência .................................................................................... 05 Positivismo Lógico-Verificacionismo................................................................................. 13 Falseacionismo .................................................................................................................... 24 Relativismo Pragmático....................................................................................................... 36 O Anarquismo Epistemológico de P. Feyerabend............................................................... 45 CONCLUSÃO..................................................................................................................... 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 58 ABREVIATURAS ............................................................................................................. 60 Idealismo de Platâo 1 IDEALISMO DE PLATÃO O problema fundamental da teoria do conhecimento diz respeito ao como os filósofos representam a realidade e quais os pressupostos que estes utilizam para concretizar tal tarefa. Iniciaremos o nosso estudo analisando o idealismo de Platão. O que iremos reparar é que diversos conceitos que estudamos e outros mais aparecerão na medida que expormos a teoria do conhecimento de Platão. A relação fundamental da teoria do conhecimento é a relação sujeito-objeto. Ora, para Platão há dois mundos possíveis que ele denomina de mundo sensível e outro que ele denomina de mundo inteligível. Assim explicar o sentido ou o significado de cada um desses mundos e, consequentemente, explicar a interação desses dois mundos possíveis tornar-se-a tarefa majoritária da teoria do conhecimento de Platão. Mas o que tem que haver mundo sensível e mundo inteligível com o sujeito e com o objeto? Muito simples, o mundo sensível é o mundo dos objetos. São objetos aqui tudo aquilo que pertence a natureza física e humana. Platão irá dizer-nos que o mundo sensível é o mundo físico, do movimento, da mudança, do dinamismo, da pluralidade, das imagens, enfim, de tudo aquilo que é particular. Portanto, é o mundo dos sentidos (audição, visão, paladar, tato e odor). A ciência não pertence a esse mundo, não pertence ao mundo sensível. Ora, se a ciência não pertence ao mundo sensível o mesmo não poder-se-ia dizer dos objetos, dos habitantes do mundo sensível. Estes objetos são objetos da ciência mas que pertencem ao mundo sensível. Os objetos de estudo da ciência são os habitantes do mundo sensível. Agora, quais são os objetos do mundo sensível? São as imagens, as sombras, os reflexos; objetos materiais, sensíveis e visíveis que são animais, plantas e coisas artificiais fabricadas. Esse também é o mundo da opinião. A alegoria da caverna. Ora, os homens que vivem no mundo sensível ou da opinião são semelhantes a prisioneiros que nunca viram o sol e, que estão com os braços e os pés acorrentados no fundo de uma caverna. Havia uma única entrada na caverna. Dentro da caverna e nas costas destes prisioneiros ardia uma fogueira que estes não podiam ver por que estavam de costas e assim permaneceriam até mesmo se quissessem falar, não podendo nem mesmo virar a cabeça. Também havia uma parede que interpunhasse entre a fogueira e os homens. Nessa parede passava outros homens portadores de figuras de coisas e animais. Os homens prisioneiros somente poderiam escutar suas vozes e contemplar as sombras que projetavam-se na parede do fundo da caverna. Neste estado permaneceriam até que alguém os libertasse de suas cadeias e que assim pudessem sair da caverna para contemplar a luz do sol e as coisas "reais". Os homens enquanto possuem corpos, somente podem ver as coisas do mundo sensível ou da opinião que não são nada mais do que imagens ou sombras das verdadeiras realidades. Como poderão os homens libertarem-se dessa cadeia? É jusstamente neste momento que surge o mundo inteligível em oposição ao mundo sensível. A partir da concepção de mundo inteligível podemos responder sobre a existência Idealismo de Platâo 4 poderíamos dizer a propósito do fogo, do calor e das demais coisas." (FÉD. 106c). Mas o que significa "FUGIR DEPRESSA"? Ou, o que significa "CESSAR DE EXISTIR"? Essa é a consequência quando queremos aproximar a idéia do três da idéia de par, ou, a idéia do seis da idéia de ímpar. Se às idéias não compartilham uma e mesma natureza, elas nao participam uma das outras. No Fédon, Platão transfere essa hipótese para argumentar em favor da imortalidade da alma. Aquilo que torna vivo o corpo é a alma. É a alma que traz vida ao corpo. Ora, o contrário da vida é a MORTE. Mas, a alma que é vida jamais aceitará o seu contrário a Morte. A morte não participa da mesma natureza do que a Vida. No entanto, não têm sentido falar de alma sem saber-se o que é a morte. Sendo que, a alma jamais aceitará a morte, ela deverá, naturalmente, SER IMORTAL. Ao aproximar a alma (vida) da morte, elas se repelem. "Quando a morte sobrevém ao homem, a sua parte mortal naturalmente morre - mas a parte imortal foge, rápida, subsistindo sem se destruir, escapando a morte." (FÉD. 106). Portanto, a alma é indestrutível, além de ser imortal. Aplicando esse conceito de participação ao nosso problema, o que teríamos como consequência? Bem, os objetos da ciência participam de uma única e mesma natureza. Os objetos da ciência participam do Mundo Sensível. A ciência, por sua vez, participa de uma única e mesma natureza. A ciência participa do Mundo Inteligível. Assim como a idéia do três não participa da idéia de par, assim também, os objetos da ciência não participam da ciência. O mundo sensível não participa do mundo inteligível. Mas como compreender isso? Para Platão, os objetos da ciência fogem ou cessam de existir quando colocados lado à lado a ciência. Os objetos da ciência são contrários a própria ciência. A contingência e particularidade nunca participará da Universalidade e necessidade. O conceito de participação faz mais em separar os objetos da ciência do que em separa o particular e contingente do Universal e necessário do que em explicar uma possível relação. Parece que o paralelismo entre mundo sensível e inteligível é ainda melhor interpretação que podemos obter de Platão e de sua filosofia. O conceito de participação no Banquete: A obra de Platão entitulada "O Banquete" trata sobre a temática do AMOR. Aí também aparece, surge o conceito de PARTICIPAÇÃO. O Belo em Platão não está ligado a Arte. O Belo está ligado ao Amor. No entanto, o amor em Platão não é nem o Belo e nem o Bem; não é nem um homem e nem um Deus; não é nem mortal e nem imortal."Que seria então o Amor? Perguntei-lhe. - um mortal? Absolutamente. - Mas o quê, ao certo, ó Diótima?" "Como nos casos anteriores - disse-me ela - algo entre mortal e imortal."(BANQ. 202 d,c). Há diversos graus de amor: primeiro grau: é o amor físico, que é desejo de possuir o corpo belo como objeto e engendrar, no belo, outro corpo; segundo grau: é dos amantes fecundos, não no corpo, mas em almas. Portanto, portadores de uma semente Idealismo de Platâo 5 que nasce e cresce na dimensão do espírito. Os amantes das almas se diversificam em amantes das artes, amantes da justiça, amantes das leis, amantes das ciências puras; o terceiro grau é o Amor que envolve a idéia de Belo em si mesma, do Absoluto. A função mediadora do Amor determina o aparecimento do conceito de participação no Banquete. O mortal participa da imortalidade pela geração: "Pois aqui, segundo o mesmo argumento que lá, a natureza mortal procura, na medida do possível, ser sempre e ficar imortal. E ela só pode assim, ATRAVÉS DA GERAÇÃO, porque sempre deixa um outro ser novo em lugar do velho.(...) E não é que é só no corpo, mas também na alma os modos, os costumes, as opiniões, desejos, prazeres, aflições, temores, cada um desses afetos jamais permanece o mesmo em cada um de nós, mas uns nascem, outros morrem."(BANQ. 207 d,e) Por outro lado, o imortal participa da mortalidade pelo Amor. "É em virtude da imortalidade que a todo ser esse zelo e esse amor acompanham." (BANQ. 208b) O Amor, em sua natureza, unifica os contrários, torna-os uniformes, de modo que tudo participa desta mesma idéia de Bem em si que é a idéia suprema em Platão entre todas as idéias. O Amor (Belo) não é nem algo do mundo sensível e nem uma idéia própriamente dita, pois esta é a idéia de Bem. O mundo inteligível participa do mundo sensível pelo Amor. E o mundo sensível participa do mundo inteligível pela geração. Mas como os objetos da ciência podem gerar a ciência? Como o particular e contingente GERARÁ o Universal e necessário? O conceito de imitação no Fedro: Platão realiza mais uma tentativa de relacionar o mundo sensível com o mundo inteligível em seu diálogo. Fedro ou sobre a Beleza. Desta vez Platão procura juntar o mundo sensível e o mundo inteligível por meio do conceito de IMITAÇÃO. Como no conceito de participação, Platão não apresenta uma justificação consistente para a efetiva (a) substituição do conceito de participação pelo conceito de imitação; (b) para que o conceito de imitação se firme como mediador e elemento de ligação entre o mundo sensível e o mundo inteligivel. A tese fundamental do FEDRO, em relação ao nosso problema, é a de que o mundo sensível é uma CÓPIA ou IMITAÇÃO do mundo inteligível. Diz Platão: "Sem dúvida, o recém iniciado, o que tem contemplado muito aquelas realidades, quando vê um rosto divino, que IMITA bem a beleza verdadeira, ou um corpo igualmente formoso, primeiro sente um estremecimento e invade parte de seus terrores desde então; depois, dirigindo seus olhares para ele , venera como uma divindade e, se não temer passar por um louco exaltado, ofereceria sacrifícios, como a uma imagem santa ou uma divindade, a seu amado." (FEDR. 250-1c). A imitação que o mundo sensível é do mundo inteligível pressupõe alguns detalhes: em primeiro lugar, um MODELO que é o mundo inteligível; em segundo lugar, uma CÓPIA ou IMITAÇÃO que é o mundo sensível; e, finalmente, um Idealismo de Platâo 6 ARTÍFICE ou INTELECTO que copiou ou imitou o mundo das formas para fazer nascer o mundo natural. Mas por que a cópia ou a imitação teria sido tão diferente, ou melhor, imperfeita em relação ao modelo original? Essa mesma questão podemos retirar do Timeu (ou da Natureza). Platão, em verdade, no Fedro, coloca que a imitação é o conceito de ligação entre o sensível e o inteligível, mas não entra no mérito da questão. Por que? Há uma enorme diferença entre dizer apenas que o conceito de imitação liga os mundos sensível e inteligível e, justificar (dizer o porquê) o conceito de imitação vincularia esses dois mundos. Em uma outra passagem do FEDRO Platão confessa a dificuldade que as virtudes teriam ou têm em refletir-se nas coisas da natureza, nos objetos do mundo sensível. Diz Platão: "Pois bem, a justiça, a temperança e todas as demais coisas preciosas para a alma NÃO POSSUEM nenhum resplendor em suas IMAGENS deste mundo: somente mediante órgãos imprecisos, e a duras penas, podem uns poucos, recorrendo às imagens, contemplar o gênero REPRESENTADO nelas." (FEDR. 250.b). As perguntas são inevitáveis: Por que só alguns conseguem relacionar às imagens do mundo sensível com as formas do mundo inteligível? E, mais COMO conseguem relacionar às imagens com as formas? Por que o Artífice construiria um mundo tão imperfeito? Em outras palavras; parece que Platão deixa claro que, NEM O ARTÍFICE (o autor de todo o mundo sensível) possui às formas do mundo inteligível. O que nos leva evidentemente a questão: Qual é a origem do mundo inteligível, das formas Universais e necessárias? Essa questão, aliás, aparece clara no Timeu. Para nosso problema: todas as coisas do mundo sensível possuem uma natureza particular e contingente porque são cópias ou imitações imperfeitas do mundo inteligível que é por natureza Universal e necessário. Uma outra consideração que podemos fazer do FEDRO é que o homem pode até contemplar, PARTICIPAR momentâneamente do lugar hiperuranio, ou simplesmente, mundo inteligível, mas quando procura COMUNICAR a outros a sua proeza, sua aventura, não encontra palavras que possam cumprir esse objetivo. A sua IMITAÇÃO do mundo inteligível é imperfeita. "Este lugar supraceleste (hiperuranio) jamais tem sido contado dignamente pelos poetas daque de baixo. É, pois, assim (se tem que ter com efeito, a ousadia de dizer a verdade e sobretudo quanto se fala a verdade): a realidade que verdadeiramente é sem cor, serm forma, impalpável, que somente pode ser contemplada pela inteligência, piloto da alma, que ocupa este lugar. Assim, pois, como o pensamento da divindade se alimenta de inteligência e CIÊNCIA SEM MESCLA, e o mesmo de toda a alma que se preocupa de receber o que lhe corresponda, ao ver o transcurso do tempo, a realidade, a ama e contemplando a verdade se alimenta e se sente feliz até que o movimento circular em sua revolução retoma ao mesmo lugar. Durante esta circunevolução contempla a mesma justiça, contempla a temperança, CONTEMPLA A CIÊNCIA, não aquela em que está vinculado o devir, nem aquela que é imutável porque fala de coisas distintas, objetos distintos que chamamos entes, senão daquela que é realmente ciência do objeto que é realmente ser. E depois de termos contemplado do mesmo modo as demais entidades reais e de termos saciado delas, submergimos outra vez no interior do céu e voltamos para casa". (FEDR. 247b) Uma última consideração que podemos fazer ainda em relação a essa belíssima Idealismo de Platâo 9 Ora, podemos supor o não-ser como ser? Se o sofista é um ilusionista, portanto, um não-ser ele deveria ser. Mas, para dizermos o que ele não é, nós estamos dando os contornos de um Ser. Como podemos falar do não-ser sem estar caracterizando-o como ser? Há um ser no não-ser? "Compreender então que não se poderia, legitimamente, nem pronunciar, nem dizer, nem pensar o NÃO-SER em si mesmo; que, ao contrário, ele é impensável, infalável, impronunciável e inexprimível?" (Sof. 238c). Como pode Platão refutar o não-ser, se ao tentar refutar ele lhe dá as características de SER? A contradição, o paradoxo, é inevitável. "o não-ser não deve PARTICIPAR nem da Unidade nem da pluralidade, já ao afirmá-lo eu o disse Uno; pois disse "o não-ser". Compreendes certamente. Sim" (Sof. 238 e) respondeu Teeteto. A tese de Parmênides é a de que só existe o Ser e que o não-ser não existe. Platão, na necessidade de esclarecer a natureza da figura do sofista como não-ser que seria, recorre a seguinte tese - em contraposição a Parmênides: devemos mostrar "pela força de nossos argumentos que, em certo sentido, o NÃO-SER É; e que, por sua vez, o SER, de certa forma, NÃO-É. " (Sof. 241 e). Platão, opta por explicar a PARTICIPAÇÃO do SER no NÃO-SER e pela participação do NÃO-SER no SER. Platão retorna a sua tese de explicar como as formas - Universais e necessárias aplicam-se as coisas naturais - particulares e contingentes. Como explica essa aplicação? Platão faz mediante o conceito de ALTERIDADE. Essa alteridade ocorre entre o mesmo e o outro. "Quando afirmamos que ele é o mesmo é porque em si mesmo, ele participa do mesmo, e quando dizemos que ele não é o mesmo, é em consequência de sua comunidade com "o outro", a comunidade esta que o separa do "mesmo" e o torna não-mesmo e sim outro; de sorte que, neste caso, temos o direito de chamá-lo "não-o-mesmo". (Sof. 256 b). O que fica claro aqui é que ALTERIDADE é comunidade entre o mesmo em si e o outro. O mesmo em si é o SER e o outro é o não-ser. Platão quer com isso mostrar que SER e não-ser podem formar uma comunidade unida. O Ser, o mesmo, é Universal e necessário, que participa do Não-ser, o outro, particular e contingente. O que é então, o não-ser? "Quando falamos no não-ser isso não significa, ao que parece, qualquer coisa contrária ao Ser, mas apenas OUTRA coisa qualquer que não o ser." (Sof. 257b). Assim, não há uma oposição entre racional (O Ser) e irracional (não-Ser). O Não-Ser é, em verdade, o não-racional. A Fórmula não-x encerra em si uma multiplicidade de nomes que podem ser atribuidas ao Ser. Assim começamos a entender "como pode acontecer que designemos uma única e mesma coisa por uma pluralidade de nomes." (Sof. 251a). Quando dizemos que o belo é o Ser em si mesmo, o não-belo e o outro que abriga em si vários nomes. Assim, o belo tem seus múltiplos nomes. "Ao que parece, quando uma parte da natureza do outro e uma parte da natureza do ser se opõem mutuamente, esta oposição não é, se assim podemos dizer, menos ser que o próprio ser; pois não é o contrário do ser o que ele exprime; e sim, simplesmente, algo dele diferente." (Sof. 258 b) Platão procura aplicar essa solução brilhante na ciência. A ciência enquanto tal é Una, mas pode dividir-se. A ciência possui um Ser, isto é, uma forma do mundo inteligível. A ciência, assim é o mesmo, enquanto que as suas partes; divisões, e sub- divisões são o outro, o não-ser, A NÃO-CIÊNCIA. A não-ciência são todos os nomes que damos à ciência, são seus múltiplos. Pois tudo o que chamamos de não-ciência é Idealismo de Platâo 10 outro que a ciência, exclusivamente. "Também a ciência é una, não é? Mas cada parte que dela se separa, para aplicar-se a um determinado objeto, tem um nome que lhe é próprio: é por isso que se fala de uma pluralidade de artes e ciências." (Sof. 257 d). Com essa definição de não-ser, da natureza do não-ser, como sendo "alteridade" - algo diferente do ser - e não necessáriamene oposição ao ser, Platão derruba, ou seja, refuta a tese de Parmênides que dizia "Jamais obrigarás os não-seres a ser." É assim que o não-ser participa do Ser. Como poderíamos aplicar ao problema em pauta? Como dissemos, o mundo inteligível ou das formas universais e necessárias é o MESMO (SER) e o mundo sensível ou das coisas naturais particulares e contingentes é o OUTRO (Não-Ser). Ora, dissemos que há uma comunidade entre o Ser e o não-ser. Não há oposição entre um e outro. Do mesmo modo ocorre com o mundo inteligível e com o mundo sensível. Não há uma relação de oposição, mas sim, o mundo sensível é em verdade o NÃO- INTELIGÍVEL. Portanto, haveria o mundo inteligível e o mundo NÃO-INTELIGÍVEL (do sensível). Esse mundo se constitui das diversas maneiras que podemos denominar o mundo inteligível. O mundo inteligível é único, mas pode ser dito de múltiplas maneiras, pode ser expresso de várias maneiras - e é aqui que obtemos o mundo sensível - ou o mundo não-inteligível. Enfim, a participação ocorre justamente quando procuramos expressar, comunicar esse mundo inteligível de diversas maneiras. Aristóteles, no entanto, dirá que TODAS as maneiras de expressar ou comunicar o ser como Uno não serão suficientes para justificar essa participação. Ainda haverá a incompreensão. Portanto, como pode o Ser ser Uno e ser dito de muitas maneiras? Todas as maneiras de traduzir sua unidade são insatisfatórias. Se não há oposição entre o Ser e o não-Ser como poderemos entender o Ser? Como entender, perceber, o branco sem o preto? É nesse momento que começa o pensamento de Aristóteles. Por último, perguntaríamos; Quem é o sofista? É o Ser? Não. É a oposição do Ser? Não. O Sofista é o não-ser. Não o mesmo, mas o outro. Não o imoral em oposição ao moral, mas o não-moral. Não o irracional em oposição ao racional, mas o não- racional. Diz Platão: "Sábio, exatamente, é, impossível, pois já afirmamos que ele não sabe nada. Mas, porque imita o sábio, ele terá um nome que se aproxime deste, e já estou quase convencido de que é a seu propósito que devemos dizer: eis, verdadeiramente, nosso famoso sofista." (Sof. 268 c) Realismo natural de Aristóteles 11 REALISMO NATURAL DE ARISTÓTELES Nasceu em Estagira. Platão foi seu mestre e estimava-o muito chamando-o de "o leitor" e "a mente da escola". No entanto, havia diferenças sensíveis entre o pensamento de Platão e o de Aristóteles. Vamos apenas citar três dessas diferenças: a) o pensamento platônico ainda possui raízes nas legiões órficas. Assim, o elemento místico-religioso-escatológico está presente. No pensamento Aristotélico há um abandono total, completo desses elementos. A razão disso certamente é o discurso lógico, isto é, o discurso amparado em regras lógicas. Isso evidentemente deu uma consistência bem maior ao logos (razão); b) em segundo lugar, o pensamento platônico preocupa-se especialmente com as ciências formais, em particular pela matemática (Geometria). O pensamento Aristotélico envolve-se muito mais pelas ciências empíricas, em particular pela biologia; c) em terceiro lugar, o pensamento platônico caracterizou-se fortemente pela ironia e maiêutica socrática, dando dessa forma uma abertura ao discurso e uma busca sem interrupção da resposta ao seu problema central; a conciliação entre o mundo sensível e o mundo inteligível. O pensamento Aristotélico, ao contrário, procura uma sistematização aos problemas. Cada problema possui uma determinada natureza, e, exige a aplicação de um determinado método racional. Assim, temos em Aristóteles, os problemas de natureza metafísica, psicológica, física, ética, política, estética e lógica. O "CORPUS ARISTOTELICUM" está articulado da seguinte maneira: a) obras de lógica: organon - que se compõe: (a.1) Categorias ao predicamentos; (a.2) Interpretação ou sobre os juízos; (a.3) Primeiros analíticos ou sobre o silogismo; (a.4) Segundos analíticos ou Analíticos posteriores ou sobre a demonstração silogística; (a.5) Tópicos ou sobre a demonstração silogística que conduz a uma conclusão provável; (a.6) Refutações sofísticas, incluídos nos tópicos, sobre os silogismos que conduzem ao erro; b.Filosofia Primeira: Metafísica. c. Física; ( c.1 ) Físicos; ( c.2 ) Do céu ou sobre a astronomia; ( c.3 ) Da geração ou da corrupção; ( c.4 ) Meterologia; d. BIOLOGIA; I) TRATADOS MAIORES: De anima ou sobre o vivente em geral; História dos Animais entre outros. II) Tratados menores: Da memória e da reminiscência; Do sono e da vigília; Da respiração; Da vida e da morte; entre outros. e. Ética : Ética de Nicômaco, entre outros.f. Política: Política; Constituição de Atenas; g. Arte: Retórica; Poética; Poesias. Nessa introdução é importante colocarmos algumas considerações sobre a evolução do pensamento Aristotélico: Em Aristóteles podemos falr de três períodos pertencentes à filosofia primeira: um período que Aristóteles compactua com o DUALISMO PLATÔNICO: ai a filosofia primeira é a ciência que tem por objeto de estudos às substâncias transcendentes e suprasensíveis separadas. Diametralmente oposta está a física que possui como objeto de estudo as substâncias do mundo sensível. Aqui podemos incluir: Metafísica livros XIII 9-10 e XIV. Sobre a filosofia, do céu I - II e Física I - II; Em um segundo período podemos observar em Aristóteles um DUALISMO MITIGADO, isto é, um período de transição. A Filosofia primeira é a ciência dos primeiros princípios e das causas supremas e últimas do Ser em sua totalidade, tanto sensível como suprasensível. Temos como referência o LIVRO I da Metafísica e III, XI 1-2; O terceiro período constitui-se na SUPERAÇÃO DO DUALISMO PLATÔNICO, isto é, o Aristotelismo própriamente dito. A Filosofia Realismo natural de Aristóteles 14 Universalidade da ciência e contingência e particularidade dos objetos da ciência. A maneira de proceder perante este problema herdado de seu mestre, não será a mesma de seu mestre. Platão considerou que o problema deveria ser combatido a nível ontológico. Aristóteles acredita que o mesmo problema deva ser considerado a nível LÓGICO. De um ponto de vista lógico, o problema é tratado na medida que se propõe a descrição do procedimento de formação ou obtenção dos conceitos universais e, a sua posterior aplicação na natureza. Ora, para Aristóteles a investigação científica ocorre em uma progressão das observações até os princípios gerais e daí retorna as observações. Assim, devemos induzir princípios universais dos próprios fenômenos contingentes a serem explicados, e logo após deduzir afirmações sobre os fenômenos contingentes a partir de premissas que incluem esses princípios universais. O início do processo INDUTIVO, isto é, o processo pelo qual é responsável em apontar as razões que explicam a passagem do particular-contingente ao universal- necessário, - ocorre a partir da percepção sensível. A Sensação, a primeira etapa do processo indutivo, define-se como a percepção dos objetos particulares-contingentes. Nada é inato. Tudo provém dos sentidos que são afetados pelos objetos naturais. O Efeito dessa "afetação" (afetar) é o PRAZER e, também, já muito mais abstrato, a maior quantidade e variedade de conhecimentos. Uma vez que nossos sentidos foram afetados e que nós percebemos, essa sensação perpetua-se na MEMÓRIA. A memória, segunda etapa do processo indutivo, é a persistência e a conservação das impressões sensitivas. É o armazenamento daquilo que mais significativamente nos afetou. A terceira é a EXPERIÊNCIA. A experiência provém da repetição e confrontação de várias sensações repetidas, procedentes de objetos semelhantes, conservadas na memória e unidas na observação consciente e atenta. A quarta etapa: O conceito Universal. O conceito Universal é produto da redução de muitas experiências. Reduzimos o múltiplo, característico do particular-contingente, ao conceito. E se produz o universal-necessário. É aqui que os problemas acumulam-se: Como reduzimos o múltiplo a uma unidade? Como passamos de experiências repetidas e diversas para o conceito de universal? Ao que parece há uma distância muito grande entre a experiência e o conceito universal. Quem conhece o Universal conhece, em certo sentido, tudo o que pertence ao modo das coisas particulares que CONVÉM a ele (o universal). A formação do conceito universal-necessário passa pela unificação da pluralidade na unidade; passa pela estabilização reduzindo o mutável ao imutável; e passa pela desmaterialização prescindindo da matéria e considerando-a em geral. Podemos perceber o universal nos indivíduos. Percebemos o Universal homem e brancura, em um indivíduo: Sócrates branco. Assim, o conceito universal é o fundamento da arte como ação e produção, e da ciência como aplicação desse universal ao particular. Porém,aquele que somente conhece o universal cometerá erros ao aplicar aos casos particulares. Aquele que só conhece o particular não saberá aplicá-los ao universal. Todas as coisas fenomênicas, particulares e contingentes, possuem matéria e forma. A matéria torna-o particular em um indivíduo único. E a forma é o que torna o particular em membro de uma classe de coisas semelhantes. Estabelecer a forma de um Realismo natural de Aristóteles 15 particular é especificar as propriedades que ele compartilha com outros particulares. De acordo com Aristóteles, podemos falar de dois tipos de indução: Indução por simples enumeração e a Indução intuitiva que é uma questão de visão interior. A indução por simples enumeração parte da premisssa de que - o que se observa em vários indivíduos - pode-se generalizar para a conclusão de que - é o que se presume verdadeiro para a espécie que pertencem os indivíduos. Continuando o processo de generalização por indução simples: Da premissa que diz: o que se observa para várias espécies - generalizamos para a conclusão de que: o que se presume verdadeiro para o genêro ao qual pertence as espécies. Assim temos: um esquema de indução por simples enumeração. GENERALIZAÇÃO INDIVÍDUOS ______________________ » ESPÉCIE GENERALIZAÇÃO ESPÉCIES ________________________ » GÊNERO A forma de uma argumento típico por enumeração simples será o seguinte: a1 tem a propriedade P a2 tem a propriedade P a3 tem a propriedade P _________________________________ . . todos os a ' s têm a propriedade P A indução intuitiva é uma instituição direta dos princípios gerais exemplificados pelos fenômenos. É saber olhar, o que se deve olhar. É ter visão do que se deve dar importância na indução. Dedução: É o segundo estágio da investigação cietífica. No que consiste este estágio? A dedução define-se pelas generalizações alcançadas pela indução que são utilizadas como premissas para a dedução de declaração sobre as observações iniciais. As declarações dedutivas INCLUEM OU EXCLUEM EM uma classe. Assim, segundo Realismo natural de Aristóteles 16 Aristóteles temos: A Todos os S são P onde S é completamente incluído em P E Nenhum S é P onde S é completamente excluído de P I Alguns S são P onde S é parcialmente incluído em P O Alguns S não são P onde S é parcialmente excluído de P A mais importante destas declarações é a "A" porque reproduz exatamente a estrutura destas relações. A figura e o modo do Silogismo seguirá específicamente este tipo de declaração: o modo mais perfeito é o de primeira figura em que as demais figuras devam ser reduzidas. O modo mais perfeito da primeira figura é o BAR-BA-RA. O Silogismo mais importante para a explicação e investigação científica: Todos os M são P Todos os S são M logo, Todos os S são P O Silogismo, como o argumento dedutivo mais importante para Aristóteles, consiste na interposição de termos médios. A premissa inicial se obtém pela indução; a segunda premissa e a conclusão são deduções. O termo médio é escolhido. Portanto, não há aparentemente uma justificação racional para sua escolha. Vamos ao exemplo: Todos os corpos próximos à terra são corpos que brilham continuamente Ora, todos os planetas são corpos próximos da terra logo, todos os planetas são corpos que brilham continuamente o que corresponderia respectivamente a : M T Premissa maior ou Premissa inicial t M Premissa menor t T Conclusão ou generalização científica Requisitos para a explicação científica Racionalismo Cartesiano 19 RACIONALISMO CARTESIANO O ceticismo do Renascimento, representado aqui por nós na figura de M. Montaigne, fundamentou e deixou claro a decadência da razão. Aliás, na história da filosofia são sucessivos os momentos de ascenção, apogeu e consequentemente decadência da razão. A filosofia é por excelência, um estudo dos movimentos de ascenção, apogeu e decadência da razão humana. A razão aparece como a faculdade mais precisa do homem. Sua origem, sua evolução e seu destino enfim, sua sobrevivência estão ligados íntimamente a ela. Esse zelo pela razão será a pedra de toque do racionalismo que iniciou seu programa com a figura de Descartes. No renascimento a razão era descrita como sendo responsável ou melhor, como a faculdade humana responsável pela descoberta e manifestação da ordem divina do mundo. Para Descartes, entretanto, como sendo um dos primeiros racionalistas a apresentar o seu programa, a razão era responsável pela produção e estabelecimento da ordem dos conhecimentos e das ações dos homens. Portanto, em Descartes, a razão é uma faculdade humana e não divina. Deus não interfere na razão, pois esta, em grande parte, depende exclusivamente, de REGRAS. Ai está pois, a diferença principal entre Descartes e o pensamento renascentista. Veremos, no entanto, que as sequêlas da filosofia renascentista aparecem vivamente na filosofia racionalista de Descartes. Essa parte de nosso estudo constará de duas etapas. A primeira enfocará a concepção cientiífica de Descartes; a segunda objetivará explicitar a concepção metafisica de Descartes. 1.1.1 Descartes e a ciência O conceito dominante não só no racionalismo mas também em Descartes é o conceito de SUBSTÂNCIA. Mas por que o conceito de substância advindo de Aristóteles colocou-se como o centro do programa racionalista do séc XVI? Ora, assim como Aristóteles distingue em sua lógica o Sujeito do Predicado, o mesmo ele efetua em sua metafísica diferenciando Substância de Atributo. Neste sentido, quando pronunciamos a seguinte sentença: "Pedro é um homem", temos que "Pedro" será o sujeito da sentença e, o restante "um homem" será o predicado. Ora, enfocando esta mesma sentença teremos que o termo "Pedro" é a Substância, a essência, e o complemento "um homem" é o seu atributo. Sendo assim, a substância possui e é uma essência, e os seus atributos são acidentes, isto é, propriedades com relação às quais a substância pode mudar sem deixar de existir. A essência é justamente a parte da substância que não muda e não deixa de existir. Em uma palavra a substância em essência é o que permanece. Racionalismo Cartesiano 20 Este conceito de Substância assume importância vital porque essa contém em si a explicação total ou completa da natureza. A dificuldade residirá em que a IDÉIA DE MATÉRIA dificilmente se enquadrará na estrutura conceitual de SUBSTÂNCIA, em Aristóteles. Estabelecer essa relação entre a idéia de MATÉRIA e o conceito de substância, se é possível ou não, será o centro de polêmicas no racionalismo moderno e, principalmente em Descartes. Diz Descartes: "Pois, com efeito, aquelas que me representam SUBSTÂNCIAS são, sem dúvida, algo mais e contém em si (por assim falar) mais realidade objetiva, isto é, participam, por representação, num maior número de graus de ser ou de perfeição do que aquelas que representam apenas modos ou acidentes" (Meditações, 103) Como Descartes opera para estabelecer ou restabelecer a relação entre a IDÉIA de MATÉRIA e a de Substância? Descartes estabelece uma diferença entre Substância pensante e Substância extensa: "Pois, quando penso que a pedra é uma substância, ou uma coisa que é por si capaz de existir, e em seguida que sou uma substância, embora eu conceba de fato que sou UMA COISA PENSANTE E NÃO EXTENSA, e que a pedra, ao contrário, é UMA COISA EXTENSA E NÃO PENSANTE, e que assim, entre essas duas concepções há uma notável diferença, elas parecem, todavia, concordar na medida em que representam substâncias." (Meditações, 107) Ora, enquanto que a substância pensante aqui em nosso estudo será melhor explicitada na segunda parte que trata da METAFÍSICA, a substância extensa será tratada neste momento. A razão disso é que a extensão é a categoria fundamental, em Descartes, para entender-se a concepção de UNIVERSO. A filosofia de Descartes se compõem, básicamente, de três momentos: 1º O da dúvida metódica (que corresponderia a 1ª e 2ª MEDITAÇÃOES); 2º O da inserção do cógito (que corresponderia a 2ª e 3ª MEDITAÇÕES); e 3º O da saída do cógito (que corresponde a 3ª,4ª,5ª e 6ª MEDITAÇÕES). Portanto, o cerne da filosofia cartesiana é a dificuldade que há em sair-se do cógito para admitir que existe algo fora dele, isto é, se há uma realidade exterior ao cógito. Descrever a concepção de Universo (ou de ciência) em Descartes é justamente deter-se neste terceiro momento, que pode ser sintetizado neste esquema: IDÉIA »»»»»»»»»»»»»»»»» OBJETO Isto é, como ocorre a passagem de uma idéia localizada no interior do cógito para um objeto localizado fora do cógito? Em termos Cartesianos: SUBSTÂNCIA PENSANTE »»»»»»»»»»»»»»»» SUBSTÂNCIA EXTENSA Racionalismo Cartesiano 21 Isto é, como ocorre a passagem de substância pensante para a substância extensa? Como Descartes reconhece a existência do mundo exterior? Vejamos em Descartes: "Tomemos, por exemplo, este PEDAÇO DE CERA que acaba de ser tirado da colmeia (...) todas as coisas que podem distintamente fazer conhecer um corpo encontram-se neste (...) Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo (...) A mesma cera permanece após essa modificação? Cumpre confessar que permanece : e ninguém o pode negar, (...) Consideramo-lo atentamente e, afastando todas as coisas que não pertencem à cera, vejamos O QUE RESTA. Certamente, nada permanece SENÃO ALGO DE EXTENSO, flexível e mutável (...) E agora, que é essa extensão? (...)" (Meditações, 96) Ora, chegamos a idéia de extensão por intuição da mente. Mas, o que significa extensão? Extensão, em Descartes, significa "SER CHEIO DE MATÉRIA". Portanto, é uma contradição sustentar a extensão como algo desprovido de toda matéria. A matéria possui extensão e movimento. E a razão concebe a extensão pelo método geométrico. Aqui que começa-se a explicar a passagem que vai do interior do cógito para o seu exterior. Isso ocorre graças ao método geométrico de Descartes. Ora, se eu me constituo como uma substância finita, como posso ter a idéia de um ser infinito em mim? Logo, esse ser infinito está fora de mim. Diz neste sentido Descartes: "Portanto, resta tão somente a idéia de Deus, na qual é preciso considerar se há algo que não possa ter provindo de mim mesmo? Pelo nome de Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável (...) (...) ainda que a idéia de substância esteja em mim, pelo próprio fato de ser eu uma substância, EU NÃO TERIA, todavia, a IDÉIA DE UMA SUBSTÂNCIA INFINITA, EU QUE SOU UM SER FINITO, se ela não tivesse sido colocada em mimpor alguma substância que fosse verdadeiramente infinita" (Meditações,107-8) O infinito não pode estar contido no finito, mas o finito (homem) pode estar contido no infinito (Deus). Logo, o infinito está fora do finito, existe fora do finito. Deve haver uma realidade exterior ao cógito. O Universo físico será um mecanismo criado por Deus, que pode ser reduzido ao cálculo. O Universo é um relógio preciso. A precisão desse relógio se explica pelo movimento das partes extensas. Esse princípio, e assim acreditou Descartes, explica todos os fenômenos da natureza. Deus é a causa primeira desse mecanismo e as leis da física dele são deduzidas. Neste sentido, temos em Descartes a primeira lei da natureza: O PRINCÍPIO DE INÉRCIA. O que significa este princípio? Todas as coisas, que compõem a realidade exterior do cógito, enquanto simples e indivisas preservam-se sempre no mesmo estado e não se alteram, não mudam a não ser que uma causa externa os ponha em movimento. A segunda lei: todas as coisas tendem a movimentar-se em linha reta. E a terceira lei, conhecida como a lei ou o princípio da conservação do movimento, diz que no choque de dois corpos entre si, o movimento não se perde, mantendo-se a sua quantidade constante. Racionalismo Cartesiano 24 jamais podemos aceitar algo como verdadeiro se não pudessemos reconhecê-lo como evidente. Reconhecer como evidente é reconhecer segundo a luz natural da razão, é reconhecê-lo pela INTUIÇÃO, chave de toda boa razão. Oposta a noção de evidência é a de conjectura, que é em Descartes, aquilo que não nos dá a verdade de modo IMEDIATO ao espírito, mas tal verdade é MEDIADA por outras circunstâncias para alcançar o espírito. Daí se deduz que a evidência é aquilo que se dá imediatamente ao espírito, sem a interferência de outros fatores. O conceito, por assim dizer, se torna cristalino, transparente para a razão. Daí se deriva a CLAREZA enquanto tal. A DISTINÇÃO é um outro momento que consiste na separação do conceito imediatamente captado de outros conceitos adjacentes. A distinção é um processo de discernimento de conceitos ou idéias e a clareza é propriamente dita como a apresentação da idéia para a mente. Diz Descartes a respeito desta primeira regra: "O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse EVIDENTEMENTE como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito, que não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida." (DM,37) Em segundo lugar, pela regra da análise temos um processo que consiste em dividir cada uma de nossas dificuldades, segmentando nosso problema central no maior número possível e necessário de partes para poder chegar a uma conclusão. "A análise designa aqui o método que consiste em supor conhecida a linha desconhecida, em estabelecer as relações que a ligam a grandezas conhecidas, até que se possa constituí-la a partir destas relações." (DM, nota 20) Segundo Descartes a etapa da análise pode ser definida como "... o de dividir (no sentido de decompor até os elementos mais simples cuja combinação engendrará a solução) cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas PARCELAS quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las" (DM, 37-8) Em terceiro lugar, temos o momento da síntese que envolve um reagrupamento das idéias analisadas em uma nova ordem . Descartes assim fala sobre essa terceira etapa do seu método geométrico: "O terceiro, o de conduzir por ORDEM os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros." (DM, 38) Em quarto lugar, temos a etapa da enumeração, que, segundo Descartes, pode ser assim definida: "E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir".(DM,38) Em conclusão: com este método geométrico Descartes racionaliza a sua dúvida metódica, diferente dos céticos que a sua dúvida e encerteza é motivo de suspensão do juízo, pois constatam que a razão lhe escapa. Racionalismo Cartesiano 25 A dúvida metódica faz com que Descartes se recolha em si mesmo. É o momento do "cógito, ergo sum". A segurança e a certeza não está fora de mim, portanto, devo procurar em meu interior. Está na hora de definir, em oposição a RÉS EXTENSA, A RÉS CÓGITA, isto é, a substância pensante, como centro da metafísica de Descartes. Pois bem, por substância, como já sabemos, entendemos aquilo que existe independentemente de qualquer outra coisa. Ora, a substância pensante se impõem na medida em que, uma vez efetuada a dúvida metódica, ocorre a constatação: se estou duvidando de tudo, uma coisa porém não posso duvidar, a de que estou PENSANDO, porque para duvidar eu tenho que pensar. Por acaso poderia existir alguém que duvidasse de tudo e até mesmo que estivesse a pensar? Seria contraditório. Se cumpre em Descartes o princípio da lógica que diz: posso pensar em tudo quizer, desde que, não entre em contradição comigo mesmo. Dessa forma, Descartes introduz na teoria do conhecimento o sujeito pensante: a epistemologia do sujeito cognoscente. "A teoria do conhecimento subjetivo é muito antiga: mas torna-se explícita com Descartes: "Conhecer" é uma atividade e pressupõe A EXISTÊNCIA DE UM SUJEITO CONHECEDOR. É o ser subjetivo quem conhece." (CO,77) Vimos que a proposição Penso, logo existo (ou até mesmo, Duvido de tudo, logo existo) é a única proposição absolutamente VERDADEIRA porque a própria dúvida a confirma. Ora, devemos distinguir aqui, na filosofia cartesiana, as verdades necessárias das verdades contingentes. A verdade necessária é aquela que pode ser conhecida pela luz natural da razão, pela evidência, pela intuição. A verdade necessária, portanto, nunca será falsa. Ao contrário, a verdade contingente pode (possibilidade) ser falsa. Portanto, não é que necessariamente seja FALSA. Porém, somente as verdades necessárias estarão vinculadas ao cógito, a substância pensante, enquanto que as verdades contingentes estão representadas pela realidade exterior ao cógito. O que leva Descartes de dentro do cógito para a realidade exterior, é a noção de Deus. Temos assim, Mas se as verdades do cógito Racionalismo Cartesiano 26 são necessárias por que Descartes tinha que voltar-se para fora do cógito? Descartes precisa abandonar o solipcismo e demonstrar geométricamente a existência da realidade exterior. Já tivemos alguma idéia de como ele o faz, mas vejamos: O ponto central da obra de Descartes é a sua explicação da passagem do cógito (substância pensante) para a realidade exterior (substância extensa). Essa passagem ocorre pelo fato de que EXISTE DEUS. Mas como Descartes prova a existência de Deus? Aqui Descartes é pouco original. Descartes se volta para os Escolásticos. Especificamente falando, é em Santo Anselmo de Aosta que Descartes encontrará a prova ontológica da existência de Deus. Qual é esse argumento ontológico da existência de Deus? Ora, segundo Anselmo, não é possível conceber um triângulo que não tenha ângulos internos iguais a dois retos, logo, também não é possível conceber Deus como não existente. Essa é exatamente a lógica de Descartes! Como pode ser que o ser soberanamente perfeito possa ser privado daquela perfeição que é a EXISTÊNCIA? A existência está para Deus assim como a propriedade do triângulo está para o triângulo. Perante essa situação dirá Pascal, o Deus de Descartes não tem nada a ver com o Deus de Abraão, de Isaac, de Jacob, com o Deus Cristão; é, simplesmente autor de verdades geométricas e da ordem do mundo. (Pensamento, 556) Pascal acha isso lastimável. Descartes dizia é bom que seja assim! Garantida a existência de Deus, Descartes pode provar agora a existência da realidade exterior ao cógito. E, isso ele o faz, como vimos, aplicando novamente o seu método geométrico. "Ainda que a idéia de substância esteja em mim, pelo fato mesmo de que sou substância, não poderia ter a idéia de uma substância infinita, posto que sou finito, se ela não procedesse de outra substância, realmente infinita." (MED.III) O método geométrico é importantíssimo neste momento porque senão poder-se-ia simplesmente dizer que Deus é produto direto do Cógito (da substância pensante). O resultado seria que Descartes não conseguiria sair do Cógito. Morreria no solipcismo! Portanto, assim como não é possível que algo infinito esteja contido no que é finito, assim também EU (substância pensante) e finito não posso conter Deus em mim, pois ele é infinito. Mas se Deus estabelece o vículo entre EU e o mundo exterior, como poderia eu saber que ele não está me enganando? Diz Descartes: "Pois, primeiramente, reconheço que é impossível que ele me engane jamais, posto que em toda fraude e embuste se encontra algum modo de imperfeição . E, conquanto pareça que poder enganar seja um sinal de sutileza ou de poder, todavia querer enganar testemunha indubitavelmente fraqueza ou malícia. E, portanto, isso não se pode encontrar em Deus." (MED. IV, 115) Ora, se por um lado, Deus não me engana porque ele é perfeito e, seria uma imperfeição dele querer enganar-me, por outro lado, não estaria EU me enganando em relação a Deus? Empirismo de D.Hume 30 EMPIRISMO DE D. HUME A filosofia de Hume, tal como as demais filosofias empiristas e racionalistas, se acomoda perfeitamente a problemática até aqui discutida. A problemática gira em torno da relação entre a realidade interna (mente) e a realidade externa (natureza). Com Hume, essa problemática desloca-se para o ceticismo. Vejamos como isso ocorre. Tal como Locke que nos fala de uma realidade interna (reflexão) e da realidade externa (sensação), Hume atribui à realidade interna a indicação própria de "relação entre idéias" e, para a realidade externa a de "questões de fato". Portanto, em Hume, se envolver com a problemática acima descrita é perguntar pelas questões de fato. Senão vejamos, segundo Hume, todas as percepções da mente pertencem a dois patamares distintos: às idéias e às impressões. As percepções se distinguem pela VIVACIDADE que possuem. As impressões são as percepções mais vivazes. As idéias são menos vivazes devido ao fato de que idéias são cópias de impressões. As cópias são sempre imperfeitas. As cópias das cópias, além de serem imperfeitas, são obscuras e confusas. As cópias das cópias seriam as idéias abstratas de Locke que Berkeley já tinha criticado e, que Hume também não aceita. Diz David Hume em sua INVESTIGAÇÃO (1748). "E as impressões distinguem-se das idéias, que são as impressões menos vivazes das quais temos consciência quando refletimos sobre qualquer dessas sensações ou movimentos acima mencionados." (IEH, paragrafo 12) Os movimentos que Hume fala são de sentir, amar, odiar, desejar ou querer que em si mesmos são percepções mais vivazes, mas que, no entanto, se refletirmos sobre tais movimentos obteremos idéias ou cópias dessas impressões. Agora podemos distinguir os dois momentos fundamentais da filosofia humeniana: em primeiro lugar, a realidade externa. A passagem da impressão para a idéia. Em segundo lugar, a realidade interna. A passagem da idéia para outra idéia. Teremos assim: 1º Momento: Realidade Externa (Questões de Fato) Impressão X »»»»»»»»» Idéia Y 2º Momento: Realidade Interna (Relação de Idéias) Idéia X »»»»»»»»»»» Idéia Y Segundo Hume, "todas as nossas idéias ou percepções mais fracas são cópias de Empirismo de D.Hume 31 nossas impressões, ou percepções mais vivas." (IEH, paragrafo 13) Portanto, toda idéia deve necessariamente ter seu correlato em uma impressão. A questão essencial sobre a realidade externa (questões de fato) será a seguinte: DE QUE IMPRESSÃO DERIVA TAL IDÉIA? Questão mais simples, mas que mantém estreita relação com o que foi acima exposto, é a relação entre idéias (realidade interior). Para Hume, passamos de uma idéia para outra mediante a ASSOCIAÇÃO, isto é, pela associação de idéias Hume enumera três princípios de associação de idéias: (a) semelhança; (b) contiguidade de tempo e espaço; (c) causa e efeito. O problema de Hume é a natureza das questões de fato. Ora, se as questões de fato se fundamentam na relação de causa e efeito, na medida em que "... supomos constantemente que existe uma conexão entre o fato presente e o que dele inferimos" (IEH, paragrafo 22), transportamos a questão para a natureza de nossas relações de causa e efeito. Como chegamos ao conhecimento dessa relação de causa e efeito? Segundo Hume, alcançamos a relação, de causa e efeito pela experiência. Portanto, em última instância, a realidade exterior deriva-se da experiência. As questões de fato derivam da experiência. Mas Hume vai adiante em sua INVESTIGAÇÃO e pergunta- se: qual é o fundamento de nossa experiência? Os empiristas até aqui, não tinham, em momento algum, se perguntado sobre aquilo que fundamentava a realidade exterior. Até aqui tinham descrito processos de como atingimos o conhecimento das coisas que estão fora de nós. Isso é claro em Locke, por exemplo. O que era DADO para o empirismo, o que era "percepção imediata", agora é questionado. Até aqui Hume é sistemático e racional. Seu irracionalismo é marcado pela seguinte passagem: "Digo, pois, que, mesmo depois de termos experiência das operações de causa e efeito, as conclusões que tiramos dessa experiência NÃO são fundadas no raciocínio ou em qualquer processo do entendimento. Devemos agora esforçar-nos por explicar e defender essa resposta." (IEH, paragrafo 28). A natureza somente mostra sua face superficial, a face superficial dos objetos, quando avançamos e perguntamos pelos princípios que permitem nós conhecermos os objetos, a natureza se fecha em si mesma. Oculta-nos tudo. Há uma uniformidade na natureza, mas qual é o princípio responsável por essa uniformidade? É o princípio de causalidade (causa e efeito). Mas qual é o fundamento do princípio da causalidade? A experiência. Qual é a natureza da experiência? Não há maneira racional de explicar essa natureza. Os objetos da natureza estão dispostos de tal maneira que constatamos neles uma uniformidade : de um evento segue-se outro evento. Mas como justificar essa uniformidade, se a natureza oculta a sua VERDADEIRA face? Diz Hume: "Mas, apesar dessa ignorância dos poderes e princípios naturais, ao ver qualidades sensíveis semelhantes sempre presumimos que elas possuam poderes secretos semelhantes e esperamos que daí decorram efeitos análogos aos que já experimentamos." (IEH, paragrafo 29) Essa uniformidade da natureza, isto é, a conjunção constante de eventos observada por nós, implica necessariamente na experiência. Dessa implicação resulta Empirismo de D.Hume 32 outro problema mais grave: o problema da indução. A experiência, segundo Hume, nos dá informações diretas e certas sobre a natureza EM UM PERÍODO PRECISO DE TEMPO. Ora, se as coisas, os objetos da natureza, existem em tempos diferentes, logo, eles deveriam ser distinguiveis. As experiências deveriam ser distintas. Mas nós supomos uma identidade que atravessa todos os segmentos de tempo. Se assim não fizessemos, a OBJETIVIDADE estaria ameaçada. Está colocado o ceticismo. Diz Hume: "Quanto à experiência passada, pode-se admitir que fornece informações DIRETAS e CERTAS apenas sobre aqueles objetos precisos e aquele período preciso de tempo de que teve conhecimento: mas por estender essa experiência aos tempos futuros e a outros objetos que, tanto quanto nos é dado saber, podem ser semelhantes apenas na aparência? Essa é a questão fundamental em que desejo insistir." (IEH, paragrafo 29) Portanto, qual é a impressão que corresponde a idéia de causalidade (uniformidade da natureza)? Segundo Hume, é pelo COSTUME ou HÁBITO que somos levados a esperar que a natureza nos forneça experiências semelhantes. A natureza (fundamento) da experiência é o hábito ou o costume que se sedimenta em nós pela REPETIÇÃO. Repetidas vezes observamos determinado evento ou objeto da natureza. Constatamos uma uniformidade que extendemos para tempos futuros. Aquilo que observamos em um determinado período de tempo, generalizamos para todos períodos de tempo, sem percebermos que se há tempos diferentes, os eventos ou objetos da natureza deveriam se manifestar de maneira diferente. O problema da filosofia da ciência cadeia causal, também pode ser explicada, como sendo uma grande rede onde um cordão se CRUZA com o OUTRO, e dele depende. Assim, o rompimento de um desses laços, de um desses nós, acarretaria dificuldades de sustentação para outros tantos fenômenos. Representaríamos assim: <><><><><><><><><><><><><><><><><><><><> <><><><><><><><><><><><><><><><><><><><> Portanto, a competição que ocorre na natureza envolve, contém em si, a competição dos homens entre si mesmos. Essa constatação é uma decorrência do fato de que o homem é um fenômeno como qualquer outro da natureza. Mas, qual é a diferença existente entre a competição que ocorre na natureza e a competição que envolve os homens no seu dia-a-dia? Aquilo que aproxima uma e outra são basicamente aspectos relacionados à sobrevivência, à luta pela sobrevivência e também o fato de que o homem pertence, inegavelmente, a natureza fenomênica. Mas há uma diferença decisiva: a ÉTICA. Na competição entre os homens o que ocorre é a presença de regras de procedimento, de conduta; fala-se de lisura na competição e, tenta-se orientar por esse parâmetro. O homem se vê muito preocupado em cumprir imperativo do tipo: “Age apenas segundo uma máxima tal que as pessoas ao mesmo tempo querem que ela se torne lei universal.” (FMC, 223) Na competição que ocorre na natureza não há a preocupação de proceder de acordo com regras morais ou imperativos éticos. A natureza não é moral. Ora, significa isso que a natureza seja IMORAL? Também não. Durante muito tempo o homem se preocupou com problemas quase que insignificantes. Um desses problemas dizia respeito a bondade infinita de Deus. Havia uma doutrina aceita aprioristicamente que dizia o seguinte: a benevolência divina tinha de estar oculta em alguma parte, detrás de todas aquelas aparentes histórias de horror. Que histórias de horror são essas patrocinadas pela “mãe natureza”? Stephen J. Gould, em seu livro, “Quando as galinhas tiverem dentes” de l983, seleciona diversos exemplos. Em conclusão: a natureza não é moral (nem imoral). A natureza é AMORAL. “Se a natureza é amoral, então a evolução não pode oferecer-nos nenhuma teoria ética. A suposição de que seria capaz de fazê-lo esteve na origem de toda uma panóplia de males sociais que os ideólogos impõem ilegitimamente à natureza a partir das suas próprias crenças - sendo os mais gritantes o eugenismo e quilo que designamos incorrectamente de darwinismo social.” (QGD, 47) Portanto, não podemos retirar nenhuma ética da natureza e, impor sobre as pessoas, pelo simples fato de que a natureza não oferece ética alguma ao homem. Ora, daí decorre que a COMPETIÇÃO na natureza ocorre sem ética alguma e que, somente entre os homens que a COMPETIÇÃO deva estar relacionada a uma ética. Para resolvermos esse impasse seria interessante considerarmos o SUJEITO da competição. Enquanto que na natureza os SUJEITOS dessa competição são os animais e o resultado é uma luta violenta e sangrenta pela sobrevivência, na competição entre os homens, os sujeitos dessa competição não são os homens propriamente ditos mas, as O problema da filosofia da ciência suas teorias. Isso muda sensivelmente a perspectiva do problema: agora não são mais os homens que têm que competir de uma maneira violenta e sangrenta pela sua sobrevivência, mas, são as TEORIAS que devem morrer em nosso lugar. Na competição entre TEORIAS, o problema será enfocado de maneira diversa: Como sabemos qual é a melhor teoria? Como decidir em prol de uma teoria A em relação a teoria B? Em outras palavras: precisamos mostrar como a ciência progride pela competição de teorias. O problema da filosofia da ciência será, portanto: “O problema central da Epistemologia sempre foi e continua a ser o problema do aumento do saber. O aumento do saber pode ser mais bem analisado se analisarmos o aumento do conhecimento científico.” (LPC, 536) 3) Leis Se trata, no presente instante, de estabelecer como a ciência progride, ou ainda, como passamos de uma teoria x para uma teoria y, efetivamente, constatando um progresso, uma evolução dentro da ciência. O Positivismo Lógico tentou explicar esse progresso da ciência em termos de LEIS que seriam responsáveis pelo progresso científico. Assim, teríamos LEIS da ciências naturais, isto é, LEIS da própria natureza; teríamos LEIS do desenvolvimento histórico; leis econômicas, etc... De onde seriam retiradas tais leis? Da natureza. Portanto, as leis das ciências físicas projetadas sobre as diversas disciplinas (ciências humanas: ciências sociais - economia, história, sociologia, etc). O método utilizado pela física (verificação) deveria ser o mesmo método utilizado pelas ciências humanas. Assim, tudo que era verdadeiro em matéria de ciência física (leis, métodos, linguagem, etc...), deveria necessariamente ser verdadeiro nas ciências humanas. Mais claramente, a tese positivista era a seguinte: “A tarefa mais importante da ciência social é a descoberta dessas leis. Portanto, deveria seguir os passos da ciência natural.” (MCS, 208). Tal tese se fundamenta em que, para o positivismo, “o princípio de causalidade é válido tanto para eventos psíquicos e sociais como o é para eventos físicos; em segundo lugar, desaparece a diferença entre os fenômenos sociais, que como sendo históricos não se repetem, e os fenômenos físicos, que como sendo experimentais se repetem indefinidamente, se considerarmos (como o fazem os positivistas) que as LEIS das ciências naturais podem ser perfeitamente aplicáveis às ciências sociais. Portanto, assim como há LEIS que regem a natureza (dos objetos físicos), há também as que regem as ações humanas. Não é que as leis da natureza sejam as mesmas que as leis sociais, mas são LEIS que são determinadas a partir das leis da natureza, já que o homem é um fenômeno dessa própria natureza. As LEIS das ciências sociais não poderiam contradizer as leis das ciências (físicas) naturais. Determinar o progresso na ciência, ou seja, responder ao problema de como a ciência progride, como diz Felix Kaufmann, é responder as seguintes questões adjacentes: “(a) sob que condições a aceitação de uma lei teórica é fundamentada? (b) Como são afetadas as leis teóricas pela invalidação ou falsificação de leis empíricas O problema da filosofia da ciência correlatas?” (MCS, 111) Portanto, haviam várias maneiras de direcionar o problema do progresso da ciência. Em primeiro lugar, segundo o positivismo, teríamos que determinar como as ciências naturais progridem, em segundo lugar, projetar nas ciências sociais esses resultados. O Positivismo Lógico representa o desenvolvimento “inicial”, uma primeira etapa de discussão, e uma tentativa de orientação e solução do problema central da filosofia da ciência. Não é a única. E por detrás dele há toda uma tradição d estudos de filosofia e ciência. Neste sentido, diríamos que o programa mínimo de filosofia da ciência deve abranger: (1) Positivismo Lógico; (2) Falseacionismo; (3) Pragmatismo; (4) Anarquismo Metodológico. O primeiro e o segundo posicionamento abarcam o problema da filosofia da ciência a partir de uma LÓGICA INTERNA, imanente a própria ciência. Os posicionamentos três e quatro generalizam o problema da filosofia da ciência no sentido em que o interesse primordial gira em torno de uma LÓGICA EXTERNA, transcendente a própria ciência. 4) Problemas A filosofia da ciência possui como problema central a determinação de um critério de progresso inerente a própria ciência. Especificamente falando, o que se quer saber é como o cientista EVOLUI de uma teoria (T1) para uma teoria (T2). A maneira de como isso se opera é objeto de estudo da filosofia da ciência. A descrição desse processo é a possibilidade de determinar critérios de progresso; tudo isso envolve, é a matéria, o conteúdo de estudo da filosofia da ciência. Podemos considerar problemas adjacentes que servirão para o entendimento do problema central da filosofia da ciência. O principal destes é o problema da REALIDADE EXTERIOR. Vamos tentar descrevê-lo. Ao nosso redor, se observarmos bem, encontram-se diversos materiais. Sua existência é comprovada pela resistência que estes nos opõem quando atravessamos em seu caminho. Porém, para tenhamos feito essa constatação é porque há alguém que o fez. Há um sujeito. Dessa forma, falamos de REALIDADE INTERNA como sendo aquela que diz respeito ao OBJETO. A relação entre sujeito e objeto reside no fato de que o SUJEITO REPRESENTA O OBJETO. Traduzindo para a filosofia da ciência: o sujeito é o cientista; o objeto é a natureza, campo de observação do cientista; e, a representação é a TEORIA que o cientista formula a respeito de algum componente da natureza. Em resumo: nossas TEORIAS são representações do mundo, da natureza, que está aí, que se apresenta para nós. O problema será o seguinte: até que ponto podemos dizer que uma TEORIA descreve a realidade tal como ela é? Como sabemos que a TEORIA (T2) representa melhor a realidade do que a TEORIA (T1)? O problema da filosofia da ciência Mas por que precisava um cientista saber filosofia da ciência? Diz a esse respeito Newton Freire-Maia: “Se o cientista pretende ser um intelectual de alto gabarito, deve ir mais além. Metido na estreiteza de sua ESPECIALIDADE, corre o risco de não ter consciência plena dos pressupostos filosóficos que tacitamente aceita e nem dos procedimentos gerais que sua mente elabora ao longo da investigação. É a filosofia da ciência que poderá armá-lo com esses conhecimentos, Sem eles, o cientista nem mesmo saberá descrever as regras necessárias e suficientes para desenvolver um bom trabalho científico - isto é, nem mesmo saberá contar, com precisão, como é que realiza todos os processos de seu trabalho.” (CPD, 33) Portanto, quando o cientista e o filósofo perguntam pelo progresso da ciência eles rompem com a dimensão do imediato, eles rompem com a ciência que visa apenas resultados. Eles avançam e não ficam em uma visão meramente pragmática. O cientista e o filósofo passam a perguntar-se pela razão de suas escolhas e decisões. Como poderá fazê-las? O que influi nessas escolhas e decisões? Apenas um processo interno da ciência ou também algo que ocorre fora da ciência? Essas questões é que serão abordadas pela filosofia da ciência. Na verdade, são três andares de uma pirâmide: no primeiro andar estão os fatos; no segundo andar, a ciência que estuda os fatos; e no terceiro andar, a filosofia da ciência que estuda a ciência. Temos assim: FILOSOFIA DA CIÊNCIA CIÊNCIA FATOS Diz Newton Freire-Maia, neste sentido: “Se a ciência é a busca da Verossimilhança através da interpretação dos fatos, a filosofia da ciência procura saber COMO os cientistas atingem sua pretendida meta (se é que a atingem), isto é, como se faz ciência. Em outros termos, é uma reflexão sobre os pressupostos fundamentais e os procedimentos gerais da pesquisa científica.” (CPD, 32) Positivismo lógico - verificacionismo POSITIVISMO LÓGICO - VERIFICACIONISMO 1) Características do Positivismo Lógico: a) história: Foi por volta de 1923 em Viena - Áustria que um grupo de filósofos se reuniu em torno de seu fundador e organizador M.Schilick para objetivar o desenvolvimento de um nova filosofia da ciência em um espírito de rigor e excluindo toda a consideração metafísica. A junção de dois outros círculos de estudos é que deu origem ao Círculo de Viena. O primeiro deles foi o Círculo de Berlim, cujo objetivo era promover uma filosofia científica ou um método filosófico que, pela análise e crítica dos resultados técnicos da ciência, conduza a resolver e a colocar problema filosóficos. Para tal método o Círculo se opõe a toda pretensão de afirmar um direito próprio da razão e a estabelecer proposições válidas a priori, subtraídas de controle da crítica da ciência. (Conferir ERKENNTNIS nº 1) O segundo Círculo era chamado de Círculo de Varsóvia-Lwow liderado por A.TARSKI, enquanto que o Círculo de Berlim era liderado por H.Reichenbach. O objetivo primordial do Círculo polonês de Tarski era o retorno ao trabalho analítico sobre a fundamentação da matemática e da lógica de onde B. Russell parou. Essa interpretação nominalista e pragmatista de Tarski e Lesnievski é reintroduzida no mundo anglo-saxão onde se encontram W.O.Quine e N.Goodman. O destino deste Círculo é sucumbir mediante a segunda interpretação de Wittgenstein (Investigações Filosóficas). A influência é praticamente nula e, historicamente se une ao marxismo, isto é, observou-se algumas tentativas de cruzar o marxismo com a filosofia analítica, nesta altura. Porém, na Polônia, como sabemos historicamente, o Círculo desaparece e predomina o marxismo. Portanto o Círculo de Viena surge como sendo um síntese dos objetivos do Círculo de Berlim e do Círculo de Varsóvia-Lwow. Os antecedentes históricos do Círculo de Viena se encontram nas filosofias de E. Mach, H.Poincaré, G. Frege, B. Russell e L.Wittgenstein. O destino de Círculo de Viena não é muito feliz. Durante a II Guerra Mundial, o nazismo de Hitler obriga os integrantes do grupo Vienense a emigrarem, uma vez que a maioria era de origem judaica. R. Carnap vai para Praga e depois para Chicago (EUA); Neurath e F. Weismann para a Inglaterra. Também Ziesel, Kaufmann, Menger, Gödel, Hempel e Feigl vão para os EUA. Em 1938 o Círculo de Viena não existe mais. Tentam os membros se comunicarem, mas pela grande disparidade de idéias e posicionamentos entre os seus membros não foi possível reunir este notável grupo de estudiosos. Os integrantes do Círculo que estavam nos EUA são influenciados e dão continuidade a uma filosofia pragmatista que já teria tido suas raízes em C.Morris (1938) e por sua vez, os que estavam na Inglaterra se sustentam na filosofia analítica (Escola de Cambridge e Escola de Oxford). A filosofia pragmatista é definida como sendo uma ciência universal da utilização, da ocorrência, do uso de um signo. Por outro lado, a filosofia analítica se define como sendo o desenvolvimento de análises de Positivismo lógico - verificacionismo linguagem (Formalizadas ou Cotidianas) sobre os problemas tradicionais da filosofia. b) programa: O Programa Positivista queria se caracterizar e entrar para a história da filosofia como uma tentativa de “virar a filosofia” (Schilick), isto é, uma concepção científica do mundo. Neste sentido, três eram os princípios que dominavam os interesses do Programa de Pesquisa do Positivismo: (1) A unificação da linguagem científica e dos fatos que a fundamentam; (2) A verdade científica está reduzida a uma elucidação das proposições científicas, referindo-se direta e indiretamente à experiência, e que a ciência teria o empenho de VERIFICÁ-LAS; (3) A eliminação da metafísica. Assim, as questões tradicionais da filosofia como metafísica se referirão apenas a palavras cujo sentido não teriam sido suficientemente esclarecido e que tais proposições não teriam possibilidade de serem VERIFICADAS. Destes três princípios podemos deduzir uma séria de características do Positivismo Lógico: (a) em primeiro lugar, a recusa de todo e qualquer tipo de metafísica. Vejamos. A metafísica tradicional sempre pretendeu estabelecer-se como uma doutrina apriorística em que se faz afirmações a respeito da realidade ou que se estabelece normas. O positivismo segue, neste momento, o dito do filósofo escocês, D. Hume: “Quando percorremos as bibliotecas, persuadidos destes princípios, que destruição deveríamos fazer? Se examinarmos, por exemplo, um volume de teologia ou de metafísica escolástica e indagarmos: CONTÉM ALGUM RACIOCÍNIO ABSTRATO ACERCA DA QUANTIDADE OU DO NÚMERO? Não. CONTÉM ALGUM RACIOCÍNIO EXPERIMENTAL A RESPEITO AS QUESTÕES DE FATO E DE EXISTÊNCIA? Não. Portanto, lançai-o ao fogo, não contém senão sofismas e ilusões.” (IEH, 149) Enfim, se as proposições da filosofia não dizerem nada a respeito de quantidade e experiência, não terão sentido algum, A filosofia que é filosofia deveria se sustentar nas ciências formais e empíricas. Mesmo as ciências humanas deveriam ser a elas reduzidas. Essa é a tarefa do Positivismo Lógico. Questões da metafísica tradicional como as que dizem respeito a liberdade, ao Ser e sua natureza (Objeto de estudo da Metafísica tradicional desde Parmênides), ao Sentido da vida, etc... passam por uma depuração lingüística, isto é, seus termos são avaliados rigorosamente por métodos lingüísticos e experimentais. (b) Outra característica do Positivismo Lógico reside na seguinte tese: “É impossível conhecer a constituição e as leis do mundo real através da pura reflexão e sem qualquer controle empírico (pela observação). (FC, 274) (c) Que todas as proposições sejam intersubjetivamente verificáveis, demarcando assim a diferença entre proposições científicas que são e proposições metafísicas que não são verificáveis. Portanto, quando os problemas filosóficos não admitem respostas que sejam verificáveis, eles serão pseudo-problemas filosóficos. (d) O Positivismo Lógico sempre foi preocupado em contrastar o progresso das ciências particulares e o desenvolvimento da filosofia. As ciências particulares Positivismo lógico - verificacionismo eliminada (tese a) não só porque seus enunciados não são verificáveis, mas porque eles não podem ser COMUNICADOS. As expressões metafísicas são incomunicáveis. Não há uma intersubjetividade inteligível. É nisto que reside a objetividade da ciência: Em poder ser comunicada, discutida racionalmente. Como bem colocou Hume: se uma idéia não possui uma impressão correspondente, não pode ser inteligível. O problema da comunicação (intersubjetividade). Já tinha sido colocado pelos sofistas e céticos (Górgias) na época grega. “Não há ciência onde alguém tão somente elabora pensamentos sobre algo, privadamente; ela surge na medida em que esses pensamentos se tornam comunicáveis, de modo a possibilitar uma viva discussão”. (FC, 282) Por outro lado, afirmará o Positivista, parafraseando os sofistas e céticos: “só há ciência onde a discussão é possível, e só pode haver discussão entre mim e outra pessoa na medida em que eu estou em condições de esclarecer, com suficiente exatidão, o significado das expressões que Uso o meu interlocutor possa, também, explicar-me o significado das palavras por ele empregadas”. (FC, 283) 2) Como entende o Positivismo Lógico que a ciência progrida? O Positivismo Lógico defendia uma concepção mais tradicional de progresso na ciência. Para estes a ciência progredia pelo acúmulo de dados ou fatos e de forma linear. Mas como poderíamos saber que a ciência estaria a progredir? É pelo MÉTODO que adotamos que podemos medir esse progresso. A ciência é indutiva, isto é, o seu método é indutivo. Essa indução é probabilística. Para o empirismo lógico, portanto, a ciência indutiva É racional porque, pelo menos em princípio, pode indicar ao cientista até que ponto as suas teorias têm probabilidade de serem verdadeiras e, por conseguinte, em que medida podemos confiar nelas.” (CAH, 57) Na concepção dos Positivistas ou Empiristas Lógicos não há competição de teorias porque quando T1 e T2 explicam os fatos, mesmo que T2 explique melhor, a atitude é RETER AMBAS TEORIAS (acumular) em vez de substituir uma pela outra. A ciência progride na medida que SOMAMOS novas leis e observações. Essas leis e observações quando convertidas em conseqüências lógicas das novas teorias mais abrangentes, definem o progresso da ciência como um processo REDUCIONISTA. “Na concepção dos empiristas lógicos, novas teorias científicas são geralmente propostas para explicar as antigas, isto é, para mostrar que estas últimas valem para uma faixa limitada de fenômenos e estão logicamente implícitas em teorias que são mais abrangentes.” (CAH, 58) A teorias mais nova não substitui e nem refuta as teorias mais antigas, mas apenas FIXA OS SEUS LIMITES DE ATUAÇÃO. E, a teoria mais nova é deduzida da mais antiga. A principal crítica que se faz a essa concepção positivista e que estes pressupõem, talvez até ingenuamente, que a teoria mais nova NUNCA ENTRE EM CONFLITO com a teoria mais antiga. Na construção do edifício da ciência NENHUM tijolo é rejeitado. Em segundo lugar, os Positivistas Lógicos tinham como interesse Positivismo lógico - verificacionismo primordial determinar a estrutura do conhecimento científico. Não se interessavam em estabelecer e explicar o como, ou o processo pelo qual, o conhecimento científico sofre mudanças. Assim, qualquer filósofo interessado pela mudança do conhecimento científico facilmente descartava o positivismo de sua agenda. Fizemos referência anteriormente ao fato de que a ciência progride em virtude da escolha do Método. Qual é o método que permite definir explicitamente o progresso na ciência, apregoado pelos Positivistas Lógicos? O Método da ciência é o indutivo. Mas o que é um método indutivo? O método indutivo é aquele que considera como parte do conhecimento a EXPERIÊNCIA, não desprezando contudo a razão, mas que, no entanto, não a considera como causa suficiente, de origem, do conhecimento. A Indução aumenta o conteúdo factual das proposições que possibilitam o argumento. A indução é ampliativa. O predicado acrescenta algo ao sujeito da sentença. Mais ainda: podemos descobrir alguma informação que não estava contida nas premissas do argumento. O risco ou o perigo da indução, do raciocínio indutivo é que há sempre uma certa margem de que a generalização esteja incorreta. Mas não poderia a ciência abrir mão da generalização? Não. O poder preditivo da ciência está estritamente vinculado a generalização, isto é, a tendência de universalizar as teorias. Este é o SALTO INDUTIVO. 3) POSITIVISMO E REALISMO : UMA ANÁLISE O nosso problema central é o do progresso na ciência: como a ciência evolui? Responder a essa questão implica em responder a uma outra questão não menos importante: como decidir entre duas teorias em competição? Já sabemos, até agora, que o Positivismo Lógico afirma que a ciência evolui por acumulação de dados. E que, por outro lado, as teorias não rivalizam umas com as outras, uma não substitui a outra no processo de evolução. O que há é uma redução de uma teoria a outra. O avanço da ciência é linear. Nunca regride. Ora, mas para haver um progresso efetivo na ciência, segundo o positivismo, a eliminação da metafísica da ciência, é tarefa primordial. A metafísica se caracteriza pelo uso indiscriminado de termos, juízos e argumentos obscuros. Essa infecção não só está a destruir a filosofia e as ciências humanas em geral, como também, alcançou a ciência. As ciências naturais estão infladas de expressões deste tipo. Se trata de limpar o caminho para traçar explicitamente o progresso da ciência. Se trata de dar uma roupagem nova aos velhos problemas da metafísica. Mas, como ocorrerá a eliminação da metafísica, segundo os positivistas? Ocorrerá pela ANÁLISE LÓGICO-LINGÜÍSTICA. Sendo assim a tarefa da filosofia é efetuar essa limpeza, essa análise. Em Moritz Schilick temos um exemplo de Como essa análise poderia ser efetuada com um certo êxito. Até a constituição do Círculo de Viena, a tese dominante da filosofia e responsável pela proliferação indiscriminada de termos SEM-SENTIDO nas ciências humanas e nas ciências naturais, era a do IDEALISMO METAFÍSICO, que nas palavras do próprio Schilick se expressava assim: Positivismo lógico - verificacionismo “...se de algum modo pudermos distinguir entre o interior e exterior; esta distinção aparecerá ao considerar no dado, como um conteúdo de consciência, como pertencente a um (ou a vários) sujeitos a quem é dado. Assim, ao dado imediato teria que atribuir-lhe alguma espécie de caráter mental, ou caráter de uma representação ou de uma idéia e a proposição afirmaria, então, que este caráter pertence a toda realidade: e não estar fora da consciência.” (PR, 91) O que está em jogo é o seguinte: Schilick toma um problema da filosofia tradicional (Metafísica). Esse problema é o da realidade do mundo exterior. Para podermos falar dessa realidade só poderíamos, se e somente se, admitíssemos a realidade de um mundo interior, isto é, do sujeito. Não há realidade exterior (natureza, objeto) sem realidade interior (mente, sujeito). Pois bem, Schilick faz uma análise lógico-lingüística deste problema tradicional da filosofia porque acredita que ele obstrui e obscurece o progresso da ciência. A ciência progride independentemente de um sujeito, de uma realidade interior, de uma vontade. Neste sentido, Schilick irá descaracterizar tal problema, dando-lhe o rótulo de pseudo-problema. Vejamos como ele faz isso. O Positivismo é incompatível com o idealismo metafísico. O dado é um conteúdo da consciência. Outras duas posições deverão ser consideradas: uma é a tese do REALISMO que crê não na realidade interior (idealismo metafísico), mas na realidade do MUNDO EXTERIOR. É a posição do POSITIVISTA que não crê na realidade do mundo exterior e nem mesmo na realidade do mundo interior. Temos assim o seguinte quadro: 1. Idealismo Metafísico: crê na realidade interior nega a realidade exterior 2. Realismo: crê na realidade exterior nega a realidade interior 3. Positivismo: “nega” a realidade exterior “nega” a realidade interior Para o Positivista tanto o enunciado “Há uma realidade transcendente” (Idealismo Metafísico) como “Não há uma realidade transcendente” (Realismo) implicam em Metafísica pelo fato que precisam, ambas, serem justificadas. O Positivista opta pela dissolubilidade do problema. O “Dado” não é físico e nem mental, não pertence a uma realidade exterior e nem a uma realidade interior. O “Dado” não está situado em alguém ou em algum objeto. O Metafísico encontra “Metafísica do dado”: há alguém que dê (o dado): a realidade transcendente; há a quem se dê (o dado), que recebe: a consciência conhecedora (ao sujeito conhecedor); há o que se dê, isto é, O CONTEÚDO da consciência. É tudo isso que o positivista irá descaracterizar em relação ao problema em pauta. Schilick começa a aplicar o critério de significatividade e verificabilidade sobre o problema da realidade exterior. Segundo o critério de significatividade os enunciados ou têm SENTIDO ou eles NÃO TÊM SENTIDO. Mas quando sabemos que um enunciado tem sentido? Positivismo lógico - verificacionismo falar de algo que possa ser verificado na experiência e ser identificado. Com uma descrição que deverá envolver as regularidades, as conexões segundo leis naturais do objeto descrito. “REALIDADE significa sempre estar em uma determinada conexão com o dado”. (PR, 62). Só podemos interpretar um enunciado sobre a realidade como sendo uma “disposição em um contexto ou conjunto de percepções”. (PR, 62) Em segundo lugar, Schilick pergunta-se: o que significa mesmo “mundo externo”? Ele distingue o uso cotidiano do uso técnico que a filosofia faz. No sentido corriqueiro usamos a expressão “mundo externo” para darmos destaque a objetos físicos que existem independentemente de nós, como por exemplo, plantas, nuvens, carros, animais e até outros homens. “Se, portanto, tomarmos o termo “mundo externo” na acepção da vida diária, o problema da sua existência tem simplesmente o sentido seguinte: existirão, além de recordações, desejos, imaginações, também estrelas, nuvens, plantas e animais, e o meu próprio corpo? Acabamos de constatar de novo que seria absurdo responder negativamente.” (PR, 63) Poderíamos, e um cientista também diria, que a mesma objetividade que há em constatar os elementos acima como componentes de um “mundo externo”, pode-se acrescentar a esse mundo os prótons, elétrons e energias (descargas elétricas), na medida que podemos constatar seu efeito sobre a matéria. Em sentido técnico, se fala em filosofia de “mundo transcendental”. Mas o que significa o termo “mundo transcendental”? Há distinção entre mundo externo e mundo metafísico? “Nos sistemas filosóficos é ele pensado como estando de certa maneira atrás do mundo empírico, sendo que com o termo “atrás” se quer indicar também que não é RECONHECÍVEL no mesmo sentido que o mundo empírico, o qual se encontra para além daquele limite que separa o acessível do inacessível.” (PR, 64) A separação aqui é brutal: de um lado, a metafísica tradicional falando de uma realidade incognoscível, de outro, as ciências naturais falando de uma realidade cognoscível. Por que a metafísica teria tamanho privilégio? E com que autoridade poderia ela falar de um mundo incognoscível? Como justificar o salto de um mundo externo empírico para um mundo externo transcendente? Esse mundo externo transcendente não faz parte nem da natureza e nem do sujeito. E, isso nos leva a perguntar: onde está ancorado tal mundo? Para Schilik esse salto é ilegítimo. Não tem justificativa: “Em outras palavras: que diferença constatável faz no mundo se um objeto tem de ser transcendental ou não? (PR, 66) É aqui que Schilick enfatiza, destaca e insiste para que nós atentemos: Essa pergunta é crucial. Ela é o porquê, a razão de qualquer análise lingüística. É por assim dizer o como a metafísica atinge a ciência impedindo o seu desenvolvimento e seu progresso. Ele responde a questão acima apontando duas razões: a) “... Um pesquisador que crê em um “mundo externo real”, terá sentimentos muito diferentes e trabalhará muito diversamente de um outro que acredita “descrever somente sensações”. (PR, 66) Positivismo lógico - verificacionismo b) “Consiste esta segunda resposta simplesmente em reconhecer que para a experiência não faz diferença alguma admitir ou não a existência de algo a mais atrás do mundo empírico e que, conseqüentemente, o Realismo metafísico na realidade não é constatável, não é verificável.” (PR, 68) É somente quando pudéssemos verificar se “existe o mundo transcendente” que algo mudaria na ciência. 4) Conclusão: A oposição entre Positivismo - que não crê na existência de um mundo externo, e o Realismo que crê na existência de um mundo externo (transcendente) é DISSOLVIDA, diluída. Não há, não existe, um problema como o da realidade de um mundo exterior transcendente. Nas palavras de Schilick: “A negação da existência de um mundo externo transcendente seria uma proposição tão metafísica quanto a sua afirmação. Por conseguinte, o Empirismo conseqüente não nega o transcendente, se não que afirma destituídas de sentido, na mesma medida, tanto a negação como a afirmação de transcendente.” (PR, 69) Falseacionismo 24 FALSEACIONISMO 1) Ciência e Metafísica A primeira característica do Falseacionismo é a concepção de ciência e metafísica. A maioria das característica do Falseacionismo se contrapõem ao Positivismo Lógico como veremos. Ora, no Positivismo Lógico a preocupação era separa, demarcar ciência de um lado e, metafísica de outro. Essa preocupação se refletia na escolha do critério de progresso da ciência que o positivista assume. De um lado, o critério lógico de significatividade da linguagem usada pelos cientistas e pelos filósofos tradicionais. Por outro lado, o critério empírico de verificação pela experimentação. Tal como o Positivismo Lógico, o Falseacionismo procurava demarcar os limites da ciência e da metafísica. O problema inicial do falseacionista era, portanto, o da demarcação entre ciência e não-ciência, entre o testável e o não testável. Ora, entre o que é testável se enquadram as ciências naturais (ou empíricas) e, entre o que é não- testável, e aqui a surpresa, se encaixa a matemática, lógica e a metafísica. Portanto, matemática, lógica e metafísica estão no mesmo nível, não podem ser testáveis. Dessa forma, quando o positivista lógico rejeita a metafísica como não sendo possível a verificação de seus enunciados, esquece-se da matemática e da lógica que se compõem de enunciados que não podem ser verificados. O exagero do Positivismo Lógico está refletido no fato de que a sua demarcação se sustenta na possibilidade de aniquilação da metafísica. O critério de progresso de ciência positivista se sustenta pela eliminação da metafísica. Mas o que importa: demarcar o que é científico para dizer como a ciência progride ou aniquilar a metafísica? Como explicar que a ciência não precise de metafísica? Para o falseacionista a metafísica não se faz só de enunciados vazios ou sem-sentido. HÁ ENUNCIADOS METAFÍSICOS QUE POSSUEM SENTIDO. Ora, se trataria então de procurar um OUTRO MODO de eliminar a metafísica da ciência? Foi assim que os positivistas entenderam o critério de falseabilidade. (iremos falar deste mais adiante!) O critério de falseabilidade se destinaria a SUBSTITUIR o critério de significatividade. Ou melhor ainda, seria um outro critério de significatividade melhorado. A situação se encontrava da seguinte maneira em termos positivistas: Mas esta seria a razão de nós preferirmos o critério de falseabilidade do que o critério de significatividade? Poderia ser que sim. Porém, Popper como introdutor do Falseacionismo, diz que aceitar o critério de falseabilidade como “critério” de progresso das ciências naturais é uma questão de convenção. Diz Popper em sua LPC: “Meu critério de demarcação deve, portanto, ser encarado como proposta para que se consiga um acordo ou se estabeleça uma convenção. As opiniões podem variar quanto à oportunidade de uma convenção deste gênero. Todavia, uma discussão Falseacionismo 27 radicalmente críticos porque a ciência exige de certa maneira as duas atitudes. Sem o dogmatismo inicial, a ciência não passaria de um empreendimento anárquico, caótico, portanto, fora de controle. Estando fora de controle não cumpriria OS SEUS OBJETIVOS. Sem a crítica, a ciência não passaria de um empreendimento autoritário, ditatorial, portanto, controlador de TUDO e de TODOS. A ciência é um processo de TENTATIVAS E DE ELIMINAÇÃO DE ERROS. O momento dogmático: a tentativa. O cientista deve se agarrar a uma expectativa, a uma regularidade comportamental. O momento crítico: a eliminação do erro. O cientista começa a agir sobre a sua hipótese. Portanto, o cientista não deverá CONFIRMAR sua hipótese, mas deverá FALSEAR, derrubá-la. Esse posicionamento é bastante diferenciado do posicionamento positivista que procura apenas CONFIRMAR sua teoria pela VERIFICAÇÃO. O positivista projeta, apesar de querer a eliminação da metafísica, o caráter FUNDAMENTALISTA da metafísica na ciência. Isso torna a ciência essencialmente um empreendimento dogmático. O falseacionista, por sua vez, não elimina a metafísica, mas não aceita o seu caráter fundamentador. Isso torna a ciência um empreendimento crítico. Essa posição de REALISTA E METAFÍSICO que Popper assume se diferencia não só do positivista como do idealista. Diz Popper que o Idealismo é FALSO, e o REALISMO METAFÍSICO e VERDADEIRO porque, apesar dos dois serem indemonstráveis e irrefutáveis, o realismo pode ser perfeitamente “PENSÁVEL” sem contradição consigo mesmo, enquanto o idealismo é contraditório consigo mesmo, portanto, nem sequer pode ser pensado. Para o realista metafísico a proposição 2+3=5 é possível, para o idealista não. Não podemos conhecer empiricamente que 2+3=5, mas podemos pensar sem contradição alguma que 2+3=5. O idealista quer dar um caráter empírico ou verificável para enunciados deste tipo. Isso é possível. Ora, como a estrutura do mundo é pensada e descrita desta forma, o resultado da adoção do Idealismo é o Ceticismo em relação ao mundo. Toda realidade é um sonho para o idealista. Se contrapondo ao mundo, a realidade, o idealismo se torna FALSO. O problema do idealista é conceber de forma coerente as estruturas matemáticas e o mundo dos fatos. O idealismo morre no solipsismo. O mundo não é um sonho meu. Com isso pretendíamos colocar o andaime, sem justificação final alguma, daquele que será por excelência o método que define o progresso na ciência. A metafísica em Popper é a tomada de ATITUDE do cientista perante o seu empreendimento, a ciência. Conforme sua atitude, estará de uma ou de outra maneira traçando, ordenando, a evolução do empreendimento que, até hoje, é considerado o empreendimento mais nobre do homem. É o produto de sua racionalidade, de uma racionalidade de mais alto nível. Até hoje, não conseguimos SUBSTITUÍ-LA por nada de melhor apesar de suas falhas e exageros. 3) Dedução e Indução: A atitude dogmática do positivismo lógico tem raízes no problema tradicional da Indução. O problema da Indução pode ser enunciado da seguinte maneira: há razões, ou melhor ainda, justificativas lógicas para que aceitemos que “inferências levem a teorias, Falseacionismo 28 iniciando-se de enunciados singulares verificados na experiência? Ora, isso seria dizer que uma teoria fosse verificada completamente e, portanto, confirmada pela experiência. Isso é problemático porque nós podemos, como bons positivistas, ter 1000 casos que confirmem nossa teoria, no entanto, bastaria 1 caso para desconfirmá-la. Para o falseacionista, o problema lógico da indução se origina no choque entre três teses: (T1) há inúmeras regularidades na natureza e leis universais. A primeira tem importância eminentemente prática. A segunda importância teórica; (T2) qualquer inferência indutiva ( Casos Simples e Observáveis → regularidade e leis ) é INVÁLIDA; (T3) a justificação válida da crença em uma lei universal é derivada da EXPERIÊNCIA. Portanto, aceitando-se (T1) como verdadeiro, o problema lógico da indução será o confronto entre (T2) e (T3). Para solucionar o problema, um falseacionista como Popper, apela para uma tese complementar, que assim pode ser enunciada: (T4) Aceitação ou não-aceitação de uma teoria científica deve depender do RACIOCÍNIO CRÍTICO. Essa solução da indução é viável se somos adeptos da dominância do método dedutivo em ciência. Para Popper a “INDUÇÃO não EXISTE” (conferir LPC, 41 - seção 6) para tanto, basta invertermos o raciocínio: a ciência não procede da EXPERIÊNCIA → TEORIA, mas sim da TEORIA → EXPERIÊNCIA. O positivismo lógico de Schilick descaracteriza o problema da indução de Hume, como faz com todos os problemas filosóficos. “Não há problemas genuinamente filosóficos” para o positivista. Assim como analisamos a descaracterização do problema da REALIDADE EXTERIOR por Schilick, assim também, o problema da Indução de Hume entra na lista dos problemas sem-sentido, ou como, “pseudo problema vazio”. Popper cita a seguinte afirmação de Schilick: “O problema da indução consiste em buscar uma justificação lógica do ENUNCIADOS UNIVERSAIS acerca da realidade ... Reconhecemos, com Hume, que essa justificação lógica não existe: não pode haver justificação alguma, simplesmente porque os enunciados universais NÃO SÃO enunciados GENUÍNOS.” (conferir LPC, 37-8 seção 4 e também Schilick, NATURWISSENSCHAFTEN 1931, p. 156) Há aí alguns equívocos: (1) Se os enunciados universais não são enunciados genuínos, então, que tipo de enunciados são utilizados pela ciência para fazer PREDIÇÕES? Como bem observou Popper, na ânsia de descaracterizar os problemas metafísicos, o positivismo lógico, descaracterizou o empreendimento científico. Como pode subsistir a ciência SEM ENUNCIADOS UNIVERSAIS? (2) formulamos uma hipótese, e, somente aí a (3) testamos. Há duas alternativas a partir deste ponto (3): ou nossa hipótese RESISTE AO TESTE (corroboração) aumentando o seu conteúdo empírico e, validando sua estrutura lógica, ou nossa hipótese é FALSEADA POR UM TESTE. No caso de resistir ao teste, ELA NÃO SERÁ CONFIRMADA CONCLUSIVAMENTE, mas terá que se submeter cada vez mais, a testes mais rigorosos. Se, em caso contrário, não resistir aos testes não será eliminada completamente (o que seria um dogmatismo ridículo) (conferir para tanto LPC, 43 secção 6), mas terá sua área de atuação, seu campo de ação, LIMITADO. Assim Falseacionismo 29 aconteceu, por exemplo, com a teoria de Newton em relação a teoria da relatividade de EINSTEIN. 4) Falseabilidade como Critério: Para entendermos a falseabilidade como o critério científico por excelência é preciso referir a idéia de assimetria entre a verificação do positivista e a falseabilidade do falseacionista. Essa assimetria, como nos afirma Popper, deriva da FORMA LÓGICA dos enunciados universais. Podemos definir a assimetria entre verificação e falseabilidade, nas seguintes palavras de Popper: “Logo, a assimetria é a seguinte: um conjunto finito de enunciados básico, SE FOR VERDADEIRO, pode falsificar uma lei universal, ao passo que EM CONDIÇÃO ALGUMA poderia verificar uma lei universal: existe uma condição em que podemos falsificar uma lei geral mas não existe condição alguma em que pudesse verificar uma lei geral.” (ROC, PE-LDC, 201 Para Popper, o cientista assume um compromisso de sempre, toda vez, que sua teoria for falseada por um teste, a sua estrutura lógica estará comprometida, e, ela deverá ser rejeitada. Na assimetria entre falseabilidade e verificabilidade, fica claro que a VERIFICAÇÃO não assume compromisso algum, pois, nenhuma teoria foi verificada (de forma conclusiva). Como poderíamos então, saber se uma teoria é verdadeira ou não? Bem, podemos dizer que uma teoria é falseável em dois sentidos: (a) podemos falar de falseamento de enunciados básicos, isto é, FALSIFICAÇÃO; e, (b) podemos falar de falseamento de teorias, isto é, FALSEABILIDADE. A Falsificação se opera por testes, a Falseabilidade obedece a estrutura do MODUS TOLLENS, que pode ser assim representado: T → p , ~ p ∴ ~ t Mas como a falseabilidade em última instância é um compromisso do cientista, isto é, a aplicabilidade do critério de demarcação (Falseabilidade) é garantido por regras metodológicas que podem ser aceitas ou não pelo cientista, há aqui um perigo: TODA TEORIA PODE SER IMUNIZADA, isto é, pode evitar o falseamento. Mas como uma teoria pode ser imunizada? Por hipóteses que tenham o objetivo de desviá-la do falseamento. Tais hipóteses são chamadas Ad hoc e destinam-se a SALVAR a teoria em perigo de sobrevivência. Para as teorias serem eliminadas é preciso se submeter ao falseamento. Como diz Popper: “Segundo minha proposta, aquilo que caracteriza o método empírico é sua maneira de expor à falsificação, de todos os modos concebíveis, o sistema a ser submetido a prova. Seu objetivo não é o de salvar a vida de sistemas insustentáveis, mas, pelo contrário, o de selecionar o que se revele, comparativamente, o melhor, expondo-os todos à mais violenta luta pela sobrevivência.” (LPC, 44 secção 6) Aqui todo o espírito que perpassa o falseacionista: A luta pela sobrevivência não Falseacionismo 32 No processo evolutivo, que determina o processo do conhecimento, partimos de uma estrutura herdade ou geneticamente, ou, pela tradição, como no caso do conhecimento científico. Diz Popper: “Estruturas orgânicas e problemas aparecem ao mesmo tempo. Ou, em outras palavras, estruturas orgânicas são estruturas que- incorporam-teoria, bem como estruturas que-resolvem-problemas” (AI, 142). Essas estruturas herdadas sofrem, passam por mutações. Mutações são mudanças. Mudanças ocorrem a nível genético, isto é, alterações no código genético, ou mesmo na tradição herdada pelos neófitos da comunidade científica através dos membros mais experientes da mesma comunidade. A terceira etapa é a mais importante, pois, assim como a eliminação de erros no processo de conhecimento, faz com que o indivíduo passe a competir. A terceira etapa é a SELEÇÃO. Assim como o meio seleciona os organismos que melhor respondem e resistem as dificuldades de adaptação ao próprio meio, no conhecimento selecionamos as teorias que melhor respondem aos problemas teóricos e práticos da ciência. Aqui se refere, isto é, se efetiva o progresso. Pela SELEÇÃO BIOLÓGICA separa-se os mais aptos e os mais fecundos e prolíferos, pela seleção do conhecimento separa-se as teorias que melhor explicam e respondem a uma situação-problema. A seleção é o mecanismo de explicação da evolução das espécies. A eliminação do erro é o mecanismo de explicação do progresso na ciência. Os dois constituem-se em comum por serem meios de ADAPTAÇÃO do homem ao meio objetivando a sua sobrevivência. Adaptação é definida em termos de valor de sobrevivência. No entanto, a evolução do homem pode ser direcionada (se houver possibilidade disso) de maneira distinta. Não queremos a eliminação dos indivíduos humanos porque somos bastante racionais para perceber que o que deve ser eliminado é tão somente as idéias dos indivíduos, as suas teorias. Podemos fazer isso e de forma racional. Uma evolução meramente biológica objetiva matar os indivíduos. Uma evolução fundada no conhecimento visa matar as teorias dos indivíduos. O resultado final do processo biológico é a morte do organismo, visto do ponto de vista social como DARWINISMO SOCIAL. Porém, reconstituindo-o de maneira diversa, poderá ser novas estruturas que serão herdadas. E o ciclo recomeça novamente. Podemos representá-lo assim: Estrutura Herdada → Mutação → Seleção → Novas Estruturas Hereditariedade → Variação → Seleção Natural → Variabilidade Na hereditariedade, o descendente reproduz os organismos-pais, de maneira bastante fiel. Na variação, ocorrem mudanças produzidas por acidente: “mutações acidentais” e hereditárias. Na Seleção Natural, o material hereditário é controlado por eliminação. Assim, são evitadas grandes mutações e bem recebidas pequenas mutações, pois definem a atitude crítica e progressiva, isto é, gradual. Por último, na variabilidade, o resultado é o alcance de estruturas de interação ainda mais complexas, que retomarão Falseacionismo 33 o ciclo evolutivo novamente. A dificuldade do Darwinismo - evolutivo é traçada nas seguintes considerações que a esta altura, coloca-se como uma questão fundamental, nas palavras de Popper: “Por que os passos a esmo não parecem relevantes na árvore da evolução? A indagação teria resposta se o darwinismo pudesse explicar o que por vezes, recebe o nome de “tendências ontogenéticas”, ou seja, seqüências de alterações evolutivas que processam numa mesma “direção” (passos não a esmo)” (AI, 182) Se o problema da evolução é a sua ortogênese, o mesmo ocorre com a ciência. Qual é a direção do progresso científico e evolutivo da humanidade? Mudanças a esmo, sem justificativas, sem o porquê, não servem para direcionar o conhecimento e a evolução e, devem ser eliminados. Como conclusão dessa parte temos, no esquema de Luís Alberto Peloso: Pelo processo evolucionário: P1 → TT → EE → _________________________ EVOLUÇÃO BIOLÓGICA P1 = problema TT = Ensaio de soluções EE = Tentativa de eliminação do erro X = toda espécie pode perecer, o fim do processo é um dúvida. pelo processo do conhecimento: P1 → T → EE → _________________________ Evolução do Conhecimento A única diferença, e fundamental, é que no final do processo o homem conseguiu superar a violência da cadeia natural, mediante o uso de sua racionalidade. Como deve fazer uso e quando deve fazer uso de sua racionalidade, é uma questão de ética, que não vamos de momento abordar. Quanto ao aspecto lógico. Popper enumera dois critérios lógicos que são decorrência do seu critério de demarcação - a Falseabilidade. Em primeiro lugar, deve haver o conflito, o contraste de teorias. As teorias devem competir. Neste sentido, a ciência é um empreendimento revolucionário, isto é, sua história é contada a partir das teorias dominantes. Diz Popper: “Em primeiro lugar, o fim de uma teoria se transforme em descoberta ou em passo a frente, é indispensável que esteja em CONFLITO COM TEORIA ANTERIOR - em outras palavras, ela deve conduzir a alguns RESULTADOS CONFLITANTES. Isto, Falseacionismo 34 porém, significa, de um ponto de vista lógico, CONTRADIÇÃO FACE Á TEORIA ANTERIOR -que será suplantada.” (PRC, 102) Em um segundo momento, Popper procura diferenciar sua noção de progresso na ciência da noção positivista. Enquanto que para Popper o progresso na ciência é REVOLUCIONÁRIO, para o positivista como M.Schilick, o progresso na ciência é apenas CUMULATIVO, isto é, um somatório de teorias sem seleção alguma. “...uma nova teoria, não importa quanto revolucionária, deve sempre estar em condições de explicar completamente os êxitos da teoria precedente... Mas devem existir casos em que a teoria nova conduza a resultados diferentes e melhores do que os obtidos pela teoria precedente.” (PRC, 102-3) O relativismo pragmático 38 conhecimento científico.” (ERC, 77). O que é decisivo, também, para a definição de progresso neste período de ciência normal são os preconceitos e resistência a mudanças do cientista e da comunidade científica. Este aspecto pode bloquear o progresso da ciência. Kuhn está preocupado, portanto, não só em dizer como a ciência progride, mas em definir como aparecem e influenciam obstáculos ideológicos sobre o empreendimento científico. O que precisamos entender, no pensamento de Kuhn, é que o progresso na ciência NÃO É SÓ definido em períodos de ciência normal, mas, o progresso na ciência aparecerá, também, em períodos revolucionários com outras características, como veremos adiante. O segundo estágio do PROCESSO de desenvolvimento científico em Kuhn, é o de ANOMALIA. É o surgimento de anormalidades na maneira de se fazer ciência. A Anomalia responde a questão: como surgem MUDANÇAS na comunidade científica? A anomalia corresponde a quebra-cabeças não previstos no paradigma. O paradigma em vista disso, afrouxa suas regras para poder conter os “CONTRA-EXEMPLOS” que estão fora de seus limites. O resultado é o desgaste inevitável do paradigma que até aquele momento dominava. Diz Kuhn a respeito das anomalias: “A descoberta começa com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal.” (ERC, 78). O cientista, neste período, não consegue entender por que os resultados não “fecham”, por que a natureza transgride seus resultados, que antes respondiam às questões mais delicadas. Na verdade, se antes o cientista podia impor o seu intelecto sobre o caos ou sobre pântano dos sentidos, agora ele começa a reconhecer que a natureza, de certa maneira, pode desobelecê-lo e, até certo ponto, se auto-gerar independente da vontade de alguém. Em um outro momento de sua ERC, Kuhn define anomalia como sendo: “ ... um fenômeno para o qual o paradigma não preparará o investigador.” (ERC, 84) O cientista não se encontra preparado para explicar descobertas de caráter acidental, como a do oxigênio (Priestley) e a dos Raios X (Roetgen). O caráter acidental da descoberta leva o cientista a desconfiar que há algo de errado com o paradigma. O paradigma teria que prever a possibilidade de tal-e-tal ocorrência. É neste sentido que, o cientista perde o controle e não mais consegue impor sua autoridade sobre a natureza. Como diz Kuhn: “...Os cientistas não haviam reconhecido, nem controlado, uma variável importante”.(ERC, 85). Kuhn chama atenção, para o fato de que, o cientista em vista do surgimento de ANOMALIAS, procura resistir a mudança de paradigma. Sua atitude inicial é fazer com que o paradigma, mediante hipóteses AD HOC, possa absorver a anomalia. Responde-la. O que fica bem claro aqui é que há momentos em que o cientista impõe seu controle, sua autoridade e exerce seu domínio sobre a natureza. Em períodos de anomalia, a natureza mostra que este controle, esta autoridade e esse domínio é frágil. Os conceitos precisam, mesmo que o cientista resista, serem reformulados. O processo de assimilação da anomalia pelo cientista é discutido por Kuhn em três etapas: (1) “inicialmente experimentamos somente o que é habitual e previsto”; (2) é com um maior contato que começa a surgir a “... consciência de uma anomalia ou permite relacionar o fato a algo que anteriormente não ocorreu conforme o previsto”; (3) e, o resultado é que “as categorias conceituais são adaptadas até que o que inicialmente era considerado anômalo se converta no previsto. Neste momento completa-se a descoberta”. (ERC, 91) O relativismo pragmático 39 Portanto, no período de ciência normal, a crença do cientista era de que o paradigma podia a tudo PREVER. Com o surgimento do período de anomalia, a crença do cientista oscila entre a ansiedade de que o paradigma possa ainda responder a essa anomalia e o fato de que há necessidade de reformular o paradigma original. Com o período de anomalia, o cientista descobre que há algo que o paradigma poderia não ter previsto. O terceiro estágio do PROCESSO de desenvolvimento científico em Kuhn, é a CRISE da comunidade científica. A anomalia é como um vírus que contaminou um organismo. O período de ciência normal era o tempo em que o organismo estava SÃO. A resistência que os cientistas impõem sobre a anomalia, poderia ser descrita como o ataque dos glóbulos brancos sobre o vírus. O resultado poderia ser: ou a destruição do vírus no organismo que corresponderia a absorção da anomalia pelo paradigma dominante, ou, o contágio generalizado pelo vírus, o que seria a instalação da anomalia no seio da comunidade científica. Com essa instalação, diríamos que o organismo fica doente, isto é, a comunidade científica entra em CRISE completa. Neste período, os cientistas sentem toda uma insegurança profissional, pois a mudança de paradigma trará alterações nos problemas, nas técnicas da ciência normal. E mais, o cientista sente que seu projeto de pesquisa está ameaçado. Que não poderá mais receber verbas para continuá-lo. Que poderá, enfim, perder seu emprego. Tudo isso impulsiona-o a tentar desesperadamente uma resposta para a anomalia reinante. Um exemplo de crise Kuhn descreve em sua ERC na página 97. Se trata da crise na Astronomia quando Copérnico propôs seu modelo de Universo em substituição ao modelo Ptolmaico. Aí, Kuhn descreve não só conseqüências internas da mudança, mas as pressões sociais advindas de fatores externos, que apesar de não serem determinantes, corroboraram para o “fracasso técnico” do paradigma até ali dominante. Interessante é a conclusão de Kuhn: “A única antecipação completa é igualmente a mais famosa: a de Copérnico por Aristarco, no século III a.c.. Afirma-se freqüentemente que se a ciência grega tivesse sido menos dedutiva e menos dominada por dogmas, a astronomia heliocêntrica poderia ter iniciado seu desenvolvimento dezoito séculos antes.” (ERC, 103-4) Podemos apontar algumas características do período de Crise na comunidade científica. (1) No período de Crise, constata-se uma proliferação, uma multiplicação de interpretações a respeito de uma teoria, a respeito do paradigma dominante até então; (2) No período de Crise, constata-se também a multiplicação de escolas ou tendências competidoras; (3) No período de Crise, constata-se como significativo a emergência de renovar ou substituir os instrumentos que até ali, ajudaram a fazer ciência. Os instrumentos que em período de ciência normal ajudavam a ciência progredir, evoluir, em suas explicações, agora, em período de crise são insuficientes para responder a anomalia e a respectiva crise que se instaurou; (4) No período de Crise, verifica-se um total enfraquecimento das regras, utilizadas antes em período de ciência normal, para resolução de quebra-cabeças; (5) No período de Crise, verifica-se uma inadequação entre a teoria (paradigma) e a natureza. Na ciência normal ocorria o inverso. Em período de ciência normal havia uma APROXIMAÇÃO entre a teoria (paradigma) e a natureza (os fatos). Essa aproximação era corroborada cada vez que o paradigma dominante respondia a quebra-cabeças (problemas) propostas pela própria comunidade; (6) No período de Crise, a anomalia - que era apenas um incômodo - passa a ganhar cada vez mais atenção dos cientistas. Os cientistas envolvem-se, pois não conseguem O relativismo pragmático 40 mais esquivar-se dessa “aparente” anormalidade. Isto tudo ocorre a ponto de que essa anormalidade passe a ser objeto de estudo da disciplina em questão; (7) É no período de crise que os cientistas voltam-se esperançosos para a análise filosófica como querendo resolver as charadas ou problemas fundamentais e comprometedores de sua área de estudo. As regras e pressupostos que não são questionados em tempo de ciência normal, passam ser alvo de análises estafantes em períodos de crise. Diz Kuhn: “Não é por acaso que a emergência da física newtoniana no século XVII e da Relatividade e da Mecânica Quântica no século XX foram precedidas e acompanhadas por análises filosóficas fundamentais da tradição contemporânea.” (ERC, 120) A crise encerra-se de três maneiras: (a) quando o paradigma dominante consegue ser capaz de tratar do problema que causou a crise; (b) quando o problema resiste até mesmo a abordagens radicais, então, o problema é rotulado e arquivado para futuras gerações de cientistas, com NOVOS INSTRUMENTOS, poderem resolvê-lo; (c) quando um NOVO PARADIGMA se apresenta como candidato para substituir o paradigma dominante. Isto, no entanto, ocorre com uma forte resistência de aceitação dos cientistas do novo paradigma. O quarto estágio é conseqüência desta última maneira de solução à crise. O quarto estágio é a MUDANÇA DE PARADIGMA. É aqui a pergunta fundamental: como explicar a passagem do paradigma antigo para o novo paradigma? Ou, mais especificamente, como a ciência progride em períodos revolucionários? Em ciência normal a ciência progride por ACUMULAÇÃO como constatamos. Mas, aqui a ciência revolucionária progride de outra maneira diversa. O problema é mais delicado. É o cérebro do pensamento de Kuhn. Diz Kuhn: “A tradição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, ESTÁ LONGE DE SER UM PROCESSO CUMULATIVO, obtido através de uma articulação do velho paradigma.” (ERC, 116). Mas Kuhn continua sua explicação dizendo que: “É antes uma RECONSTRUÇÃO que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muito de seus métodos e aplicações.” (ERC, 116). Mas, como ocorre essa “reconstrução”? Como a ciência chega a sua “reorientação”? A mudança de paradigma em Kuhn, se explica, em última instância, por uma “MUDANÇA DE FORMA PERCEPTIVA” ou simplesmente, MUDANÇA DE GESTALT. Kuhn caracteriza claramente a natureza dessa mudança, quando diz que: “No entanto, mais freqüentemente tal estrutura não é percebida conscientemente de antemão. Ao invés disso, o novo paradigma, ou uma indicação suficiente para permitir uma posterior articulação, EMERGE REPENTINAMENTE, algumas vezes no meio da noite, na mente de um homem profundamente imerso na crise.” (ERC, 121) Mas, isso basta para Kuhn mostrar o caráter revolucionário da ciência? Como decidir entre dois paradigmas em COMPETIÇÃO neste período? O progresso é não- cumulativo em período de ciência revolucionária. Em período de ciência normal o progresso é cumulativo. Kuhn novamente apela para um argumento psicológico que diz estar justificado na História da Ciência. Diz Kuhn, portanto: “Para descobrir como as revoluções científicas são produzidas, teremos, portanto, que examinar não apenas o impacto da natureza e da LÓGICA, mas igualmente as TÉCNICAS DE ARGUMENTAÇÃO PERSUASIVA que são eficazes no interior dos grupos muito O relativismo pragmático 43 Newton Freire Maia diz o seguinte a respeito dessa situação: “Elas enfrentam um dilema epistemológico que não pode ser ignorado: ou se tornam cada vez mais “rigorosas” e concomitantemente vão perdendo sua especificidade, ou preservam a especificidade de seu objeto e perdem o rigor que se encontra nas ciências naturais e principalmente na física, na química e na astronomia.” (CPD, 117) Concordamos com Newton Freire Maia na medida em que: (1) as ciências humanas carecem de uma estrutura epistemológica mais coerente; (2) por isso mesmo tais ciências são imaturas, isto é, não possuem paradigma; (3) Não podemos falar de progresso nas ciências humanas da mesma maneira que falamos para as ciências naturais. No entanto, algo ocorre (um progresso?) até surgir um paradigma, e que somente a partir desse momento é que poderíamos falar de comunidades. (4) Parece evidente que o conceito de ciência deva ser ampliado. Ciência tem que ser mais do que aquilo que físicos, químicos e biólogos fazem. Ciência deveria abarcar aquilo que sociólogos, historiadores, economistas fazem. O problema é que o objeto de estudo é totalmente diferenciado: nas ciências naturais, a natureza é o objeto de estudo: nas ciências humanas, o homem é o objeto de estudo. A natureza possui um mecanismo que implica leis processos e explicações causais. O homem está sujeito a natureza por pertencer a natureza, mas em sua atividade, em seus empreendimentos TRANSCENDE A PRÓPRIA NATUREZA. É a partir desse momento que se justifica o retorno a metafísica. A visão histórica: História da Ciência X Filosofia da Ciência Há seis maneiras de enfocar as relações entre História da Ciência (HC) e Filosofia da Ciência (FC). A importância desses enfoques é que eles determinam até que ponto a FC é ou não é uma disciplina histórica. Vejamos as seis posições: (1) a FC e a HC são excludentes, isto é, a FC exclui as considerações históricas e a HC exclui as considerações filosóficas. (2) FC e HC são dependentes. Em sentido forte, não pode haver FC sem investigação histórica e, não pode haver investigação histórica sem FC. Em sentido fraco, há pelo menos alguns aspectos da FC que necessitam da investigação histórica e, há pelo menos alguns aspectos da investigação histórica que necessitam da FC; (3) FC e HC são interdependentes, isto é, FC necessita da investigação histórica e HC necessita da análise filosófica; (4) FC e HC são independentes, isto é, o máximo que pode ocorrer é uma coincidência acidental; (5) FC é uma parte de HC, isto é, onde se desenvolvem narrações que reconstrõem as práticas de evolução dos cientistas; (6) HC é parte da FC, posição que é pouco aceita. O falseacionismo de Popper assume a posição (6) justificada sobre o fato de que devemos entender a lógica da ciência mediante o princípio de TRANSFERÊNCIA: Tudo que é verdadeiro na lógica é verdadeiro no método científico. Tudo que é verdadeiro em FC é verdadeiro na HC. Por outro lado, para o relativismo pragmático de Kuhn HC e FC são disciplinas excludentes, isto é justificado pela GESTALT. Onde FC vê um “pato”, no mesmo episódio, HC vê um “coelho”. É como se a HC usa-se óculos azuis para olhar a realidade e a FC olhasse a realidade com óculos de lentes rosa. É dessa posição que valeu o atributo de irracional para Kuhn. Como, nessa situação, o FC e HC se entenderiam? Tudo depende das disposições mentais do FC e do HC. Em O relativismo pragmático 44 síntese, podemos dizer que Kuhn assume a posição (1). Feyerabend discorda de Kuhn. Para Feyerabend FC e HC fazem um “matrimônio de conveniência”. A FC é irrelevante para a HC. A posição de Feyerabend é a (4). O que é interessante é que negar a influência da FC sobre a HC é uma outra maneira de negar a metafísica como sustentação da ciência. É retornar aos ditos positivistas. Kuhn e Feyerabend não percebem esse equívoco. Eles são tão positivistas quanto os positivistas que procuravam justificar a eliminação da metafísica da ciência. Kuhn e Feyerabend não entendem a função da FC para a HC. Da Metafísica para a Ciência. Como seria possível interpretar a HC sem a FC? Como seria possível interpretar o progresso da ciência sem metafísica? Uma análise histórica, segundo Kuhn, é um processo hermenêutico, isto é, de compreensão. Esse processo poder-se-ía sintetizar em três etapas: (a) em primeiro lugar, o autor da obra não pode, em sua obra, ter CONTRADIÇÃO INTERNA. Tudo deve ser pensado sem contradição; (b) em segundo lugar, os seus termos estão condicionados a CULTURA a que ele, o autor, pertence e na qual interage; (c) Portanto, se trata de responder POR QUE determinadas crenças servem de apoio para a sua obra. Em conclusão, poderíamos dizer que Kuhn faz uma tentativa de superar uma visão logicista da ciência. Para estes a FC é uma disciplina em que leis e teorias científicas se reformulam segundo padrões da lógica formal e, ainda mais, questões de confirmação ou explicação abordam-se como problemas de lógica aplicada. (conferir FCIH p.34). Para Kuhn há uma dimensão histórica e psicológica que influi decisivamente na determinação do progresso ou evolução da ciência. Assim, progresso na ciência para Kuhn ocorre em dois sentidos: primeiro, no período de ciência normal sendo que a principal característica ai é a acumulação ou o somatório de informações que reforçam o paradigma dominante e, num segundo período de ciência revolucionária onde o progresso ocorre por uma mudança de GESTALT. A principal questão de Kuhn é e continua sendo a seguinte: quando deveríamos aceitar um paradigma? Se trata de enumerar as condições necessárias para a aceitação do paradigma pela comunidade científica. O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend 45 O ANARQUISMO EPISTEMOLÓGICO DE P. FAYERABEND P. Feyerabend pertence à gama daqueles filósofos que se denominam defensores de uma “Nova Filosofia da Ciência”, junto com Kuhn e I. Lakatos. Em verdade, são os filósofos da ciência externalistas, isto é, aqueles que acreditam que o problema central da Filosofia da Ciência chegará a um resultado mais objetivo se considerarmos o aspecto histórico e psicológico (Kuhn) e, até mesmo, muitos outros aspectos (Feyerabend), como o estético, por exemplo. Feyerabend não é nada sistemático. É irreverente e irônico em suas constatações a respeito de seus adversários. No entanto, vamos tentar ser sistemáticos, obedecendo a seguinte estrutura: (1) As teses principais do pensamento de Feyerabend; (2) A crítica de Feyerabend ao Positivismo Lógico; (3) A crítica de Feyerabend a Popper; (4) A crítica de Feyerabend a Kuhn. 1) As teses principais do pensamento de Feyerabend (a) Em primeiro lugar, é bastante interessante definir o que devemos entender por ANARQUISMO EPISTEMOLÓGICO. Segundo Feyerabend, o anarquismo epistemológico é uma maneira de indicar a “direção” do progresso da ciência. É, em verdade, uma alternativa em relação aqueles que pensam que para falar do progresso na ciência precisamos fazer jus a ordem e a lei. Ora, para Feyerabend não importa o controle, o estabelecimento da direção do progresso, mas, muito antes pelo contrário, o que importa é o efetivo progresso. Para Feyerabend não importa a VALIDADE do conhecimento que orientará o progresso, porém, o que importa é a PRODUÇÃO do conhecimento científico. E o conhecimento científico pode ser constatado como progressivo de diversas maneiras. Tudo colabora para o progresso da ciência. Diz Feyerabend: “Não há por que temer que a decrescente preocupação com lei e ordem na ciência e na sociedade - que é característica desse tipo de anarquismo - venha conduzir ao caos. O sistema nervosa humano é demasiado bem organizado para que isso venha a ocorrer.” (CM, 23) Mas, é claro que Feyerabend terá ainda que dizer como o cientista pode constatar o seu avanço, a sua evolução na produção do conhecimento científico. Em síntese: o anarquismo epistemológico se define pela liberdade de produzir como se que o conhecimento científico, sem determinações constrangedoras. (b) No anarquismo epistemológico, o cientista não inibe o progresso da ciência. Vale tudo. Como diz Feyerabend: “... as violações são necessárias para o progresso.” (CM, 29). A metodologia dedutiva, pelo seu caráter antecipatório, é prejudicial ao progresso da ciência. A argumentação lógica nos coloca dentro de limites. Todas as suas conclusões estão contidas nas premissas que são manipuladas por regras pré-estabelecidas. O progresso é direcionado. Mas o que fazer com descobertas acidentais que fogem aos padrões lógicos, aos limites da argumentação? Eliminá-los? Ignorá-los? “Partimos de uma firme convicção, contrária a razão e à experiência da época.” (CM, 33) Aí está a atitude fundamental do anarquista. Cada cientista vê a realidade como quer, a descreve como quer. Não há uma única maneira de ler a O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend 48 esfumassa-se o contexto da justificação. A razão de não haver separação entre ciência e não-ciência é o cérebro, o sistema nervoso da FC de Feyerabend. Acredita Feyerabend que a ciência é uma forma de vida entre tantas. Apesar do suposto controle que podemos exercer sobre os enunciados e teorias científicas podemos muito bem admitir a contribuição significativa de outras formas de vida na determinação dos limites e resultados de teorias científicas. Essa face até agora desconhecida e negada por filósofos e cientistas pode muito bem fazer fluir o progresso na ciência. Vale tudo se com isso se consegue o progresso, diz Feyerabend. Diz Peter Winch: “Segue-se que não se pode aplicar critérios de lógica aos modos de vida social como tais. Por exemplo, ciência é um modo de vida e religião um outro; cada um tem critérios de inteligibilidade peculiares. Assim dentro da religião ou da ciência, as ações podem ser lógicas ou ilógicas; em ciência, por exemplo, seria ilógico recusar submeter-se aos resultados de um experimento levado a efeito adequadamente; e em religião seria ilógico supor-se que alguém podia apostar a sua própria força contra a de Deus, e assim por diante. Mas não podemos razoavelmente dizer que seja a prática da ciência ou da religião lógicas ou ilógicas; ambas são não-lógicas.” (ICS, 97-8). É dessa mesma maneira que ocorre com as diversas formas ou modos de vida. Dizer que um modo de vida é mais importante do que outro, ou dizer que uma teoria é mais importante do que outra, é reduzir e restringir drasticamente o progresso na ciência no entender de Feyerabend. Feyerabend propõe um “culturalismo” em lugar de um “naturalismo” de tipo positivista. Os aspectos subjetivos e principalmente estéticos podem contribuir para a ciência, para o seu progresso. Toda teoria tem um risco de subjetividade. Portanto, toda teoria nunca possuirá um apoio completo do ponto de vista experimental. Isso até um falseacionista concorda e está no cerne de qualquer crítica contra o positivismo lógico. 2) A crítica de Feyerabend ao Positivismo Lógico O anarquismo epistemológico de Feyerabend começou a se estruturar por meio de uma crítica à METODOLOGIA positivista. Todo positivista lógico sempre se preocupou com o contexto de justificação do empreendimento científico. Neste sentido, para o positivista sempre houve grande importância o fato de que a ciência deveria elucidar-se, mesmo o seu progresso, por uma explanação da lógica interna e isso sempre poderia ser feito - esse controle - por uma manipulação simbólica, por um formalismo. Assim, a ciência deveria ter a sua própria linguagem teórica e observacional de caráter unificador e universal inerente a ela própria. A concepção positivista de progresso na ciência é de caráter cumulativo, isto é, sem conflitos entre T1 e T2 e sem revoluções. Feyerabend aponta corretamente que é somente nestas circunstâncias que poder-se-ia “garantir” uma derivação lógica mediante REDUÇÃO. Uma redução lógica da matemática, por exemplo, só seria possível - se assim o fosse - com essa concepção de progresso. O outro aspecto de “garantia” à redução lógica seria, para o positivista, a não mudança de significado dos termos de uma teoria a outra. A mudança de contexto não implicaria necessariamente em mudança de significado dos termos de uma teoria. Isso poderia “garantir” uma linguagem unificada e universal para a ciência. Ora, uma vez que as teorias estabelecem competição entre si, a concepção de O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend 49 progresso positivista fica ameaçada e o programa reducionista esfacela-se. Feyerabend critica justamente em E. Nagel e em Karl Hempel esse reducionismo lógico. Diz Nagel a respeito da Redução: “O objetivo da redução é mostrar que as leis, ou os princípios gerais da ciência secundária são simplesmente CONSEQÜÊNCIAS LÓGICAS dos supostos da ciência primária.” (ERE, 46) O segundo pressuposto é assim expresso por Nagel: “os significados são invariantes a respeito do processo de redução”. (ERF, 47) Diz Feyerabend que a prática científica desmente estes dois pressupostos aceitos pelos positivistas. K. Hempel, outro positivista, aponta para o detalhe de que a EXPLICAÇÃO é uma conseqüência lógica e, que os significados não se alteram no processo de explicação. Como resume bem Feyerabend: “A) A redução e a explicação são (ou deveriam ser) por derivação; B) Os significados dos termos (observacionais) são invariáveis tanto no que diz respeito a redução como na explicação. 3) Crítica de Feyerabend a Popper Há dois aspectos que P. Feyerabend critica na filosofia popperiana (falseacionismo): a) a rejeição dos aspectos subjetivos do empreendimento científico; b) a rejeição da incomensurabilidade das teorias científicas. (a) Feyerabend valoriza os aspectos subjetivos da atividade científica. Com isso acredita, principalmente, em atacar o FORMALISMO dos positivistas lógicos, projeta este rótulo sobre o falseacionismo com todo seu peso. Feyerabend argumenta de modo a considerar Popper um positivista sofisticado. Mas qual a justificativa que Feyerabend usa para introduzir a subjetividade na ciência? Feyerabend diz que teorias de caráter universal sempre transcendem a observação, os dados observacionais de um determinado momento. Dessa forma, a observação, nunca apoiará COMPLETAMENTE uma teoria universal. As teorias científicas nascem, crescem e morrem em meio a um OCEANO DE ANOMALIAS. Tal afirmação não é de Feyerabend, Kuhn e Lakatos já teriam afirmado o mesmo. A justificativa de Feyerabend em introduzir aspectos subjetivos à ciência utiliza- se de um princípio aceito pelos próprios falseacionistas, a saber, uma teoria nunca pode ser confirmada completamente. Uma teoria nunca terá um apoio experimental que lhe possa revestir ou envolvê-la totalmente. Mas bastará essa concepção par introduzir-se a subjetividade na ciência? Como poderá a ciência, dessa maneira, comunicar os seus resultados? A intersubjetividade da ciência não estará ameaçada? A segunda justificativa que Feyerabend usa para introduzir a subjetividade na ciência, parte novamente de um aspecto do falseacionismo. O aspecto do falseacionismo que Feyerabend parte para colocar a subjetividade como elemento de destaque na ciência é a FALIBILIDADE que sempre está presente em todo empreendimento humano e, também está na ciência. Isso o falseacionista não nega. Em conclusão: “Feyerabend nos diz que estes dois aspectos juntos, implicam a liberdade do teórico perante a experiência, liberdade que vem restringida pela tradição (aspectos sociais e culturais), a idiossincrasia do indivíduo (aspectos subjetivos), pelos formalismos e uso da linguagem (problema de terminologias e tecnicismos), conjunto O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend 50 de crenças metafísicas (Kuhn) e inclusive por motivos estéticos (Galileu perante Kepler). Em verdade, Feyerabend ataca mais o positivismo lógico do que o falseacionismo quando pretende dar importância a subjetividade na ciência. A razão disso é a de que tal idéia já está sendo, de alguma maneira, incorporada com todo cuidado na concepção de ciência. O reducionismo eliminativo dos positivistas se sente muito mais atingido por essa crítica. (b) Feyerabend quer também valorizar a incomensurabilidade das teorias científicas. Esse aspecto não é novo. Kuhn reclama, e com razão, a paternidade dessa idéia. A incomensurabilidade das teorias serve, para Kuhn, com o fim de explicar o historicismo da ciência e as revoluções científicas. Feyerabend apoia a incomensurabilidade das teorias nas constantes mudanças de perspectiva que ocorre dentro da ciência devido a fatores externos como os fatores históricos, sociológicos, psicológicos e estéticos. Nada há de novo, portanto! O falseacionismo com razão atribui a concepção feyerabendiana as características seguintes: (a) irracionalismo; (b) historicismo; (c) relativismo. O fim de tudo é que cada qual se fecha em sua posição. Há hoje o impasse! A incomensurabilidade de teorias científicas é derivada de Wittgenstein. As noções de JOGOS DE LINGUAGEM, e, REGRAS que os dirigem, estão na base da incomensurabilidade das teorias científicas. Ora, podemos falar de jogos de linguagem na medida em que entendemos a forma de usar os termos, isto é, as palavras. Assim como um operário usa o martelo para martelar; assim como usa o serrote para serrar; assim como o jogador usa a bola para jogar; assim também, nós todos - incluindo os cientistas - usamos a linguagem, jogando com os termos. Dessa forma, não há uma única função de uma expressão, de um termo de linguagem. A diversidade de usos e funções dos termos ou expressões permite uma riqueza de jogos de linguagem, que nada possuem de comum, a não ser um aparente ar de familiaridade. Estes termos se cruzam, se permutam e se combinam quase que infinitamente, demonstrando assim toda uma complexidade e diversidade. Os jogos de linguagem apenas podem entrar em comparação se CONSEGUIRMOS detalhar os diversos usos e funções dos termos contidos na complexidade de jogos existentes. Bem, imaginemos a comunidade científica e os cientistas. Aí ocorre diversos e complexos jogos de linguagem a cada momento. Para afirmar uma teoria científica o cientista se utiliza desses jogos de linguagem. Jogar com as palavras é a maneira de convencer as pessoas. E isso ocorre no meio da comunidade científica. Mais ainda, todas teorias envolvem termos, palavras e expressões. Jogar com estas palavras significa convencer nosso opositor, persuadi-lo e mudar sua perspectiva da realidade (GESTALT). Conforme a linguagem que o cientista utiliza - o jogo de linguagem escolhido - a sua teoria pode o não pode ganhar credibilidade. A lógica é um entre tantos jogos de linguagem e, não necessariamente o mais convincente ou persuasivo. Em síntese: a mensurabilidade de teorias não se restringe somente a instrumentos de medição, à lógica formal reducionista e eliminativa, mas há algo O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend 53 Em conclusão: para Feyerabend toda metodologia científica objetiva diferenciar a ciência como empreendimento humano de outros empreendimentos como arte, religião, mito, cabala, etc... Ora, se a metodologia científica falseacionista pudesse determinar como a ciência progride, de um ponto de vista lógico, a diferença ficaria evidente. A demarcação teria seu caráter de necessidade justificado.O fato de que o falseacionista encontre na ciência um empreendimento que objetiva resolver problemas cruciais para a sobrevivência humana é que deveria distinguir a ciência de outras pseudo ciências como a astrologia, e de outras atividades “inferiores” como a arte, religião, etc... 4) Crítica de Feyerabend a T. S. Kuhn Feyerabend não acredita que Kuhn tenha se diferenciado de Popper quanto a seguir uma metodologia e de impô-la sobre a comunidade científica. “Todas as vezes que leio Kuhn, perturba-me a seguinte pergunta: estamos aqui diante de PRESCRIÇÕES METODOLÓGICAS que dizem respeito ao cientista como há de proceder; ou diante de uma DESCRIÇÃO, isenta de qualquer elemento avaliativo das atividades geralmente rotuladas de “científicas”? (CDC, 245) Supondo que Kuhn queria DESCREVER o processo de avanço da ciência, isto é, que Kuhn tenha se dedicado a descrição de acontecimentos históricos e instituições influentes. Isto foi principalmente realizado pelo esboço de sua idéia de ciência normal. Feyerabend entra aqui com sua crítica. Segundo Feyerabend, não há diferença entre um cientista que faz ciência normal e um componente do crime organizado. O papel do cientista individual pode ser projetado identicamente sobre o papel executado pelo arrombador de cofres individual. O arrombador de cofres, tal qual como o cientista normal, se detém em conhecer somente o cofre que está querendo abrir. Ele conhece todas as particularidades DESTE cofre. Assim é o cientista normal que só conhece um tipo de teoria nessa época (um paradigma) e julga por meio deste todas as demais teorias. O arrombador de cofres sabe quais instrumentos e ferramentas que deverá usar para abrir o cofre. O cientista normal sabe que os instrumentos científicos que servem para testar teorias; se caso o arrombador de cofres não concretizar sua tarefa, a culpa recairá sobre ele. É o arrombador de cofres que não terá competência de exercer sua profissão. Por outro lado, se o cientista normal não consegue responder às questões colocadas (quebra-cabeças) pela natureza, o fracasso é do cientista e não do paradigma que não sabe respondê-las, nem mesmo dos instrumentos científicos. Diz Feyerabend: Segundo Kuhn, o malogro da consecução reflete-se, por certo, “na competência do (arrombador de cofres) aos olhos dos colegas de profissão” de modo que “é o indivíduo (o arrombador de cofres) e não a teoria vigente (do eletromagnetismo, por exemplo) que está sendo posto à prova”, “só o profissional é censurado, não os seus instrumentos” - e assim podemos continuar passo a passo, até o derradeiro item da lista de Kuhn.” (CDC, 248) Onde falhou Kuhn? No entender de Feyerabend Kuhn não discutiu a FINALIDADE DA CIÊNCIA. Todo arrombador de cofres tem uma finalidade: ganhar dinheiro. Qual é a finalidade do cientista em fazer ciência? Supondo que para Kuhn a finalidade da ciência seja a mudança de paradigma - O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend 54 GESTALT, portanto. Como ocorre essa Gestalt? Pela aceitação do princípio de proliferação em que é introduzido e expresso alternativas a teoria dominante, o que seria uma METODOLOGIA RACIONAL que é imposta sobre a ciência e os cientistas, OU a mudança de Gestalt ocorre quando os cientistas estão estafados, entediados e frustrados com o paradigma dominante ( do período de ciência normal ) que não responde aos seus anseios? Kuhn não se pronuncia quanto a estas questões. Por outro lado, Feyerabend enumera três problemas metodológicos em Kuhn: (1) Em Kuhn com a mudança de gestalt - que caracteriza o período de Revolução Científica - dificilmente poderia seguir-se algo de MELHOR. Não há garantia de que algo de MELHOR poderia seguir-se após a GESTALT porque os paradigmas são incomensuráveis. O que significa “seguir-se algo de MELHOR? Entendido no contexto, Feyerabend quer dizer que da mudança de Gestalt dificilmente decorreria um PROGRESSO, uma evolução da ciência. Mesmo que supuséssemos tal avanço não poderíamos constatá-lo porque os paradigmas envolvidos no momento de Gestalt são incomensuráveis, isto é, não podem ser medidos. (2) Em segundo lugar, Kuhn não responde a questão: como procedem os cientistas? Em vez disso se preocupa em responder o como (ele) deseja que o cientista devesse proceder. Ora, para Kuhn um cientista abandona o ataque a um paradigma por não possuir argumentos contra ele. Segundo Feyerabend, não é por falta de argumentos que o cientista abandona o paradigma. Para Feyerabend, outros aspectos, como por exemplo, a frustração ou até mesmo a morte dos representantes de um paradigma, seriam maneiras de justificar o abandono dos cientistas de um determinado paradigma. E isso, segundo Feyerabend, está mais de acordo com a prática científica. O que fica claro é que, Kuhn não explica o que ocorre e como procedem os cientistas na troca de um período de ciência normal para um período de Revoluções Científicas. “Que é o que acontece no fim de um período normal?” (CDC, 254) e, ainda mais importante: “Se a ciência normal é de FACTO tão monolítica quanto o quer Kuhn, DE ONDE VÊM AS TEORIAS CONCORRENTES?” (CDC, 255) Da mudança do estilo argumentativo do cientista? Se é assim, para Feyerabend isso é um amor exagerado pela METODOLOGIA. Kuhn “Disse, portanto, que os cientistas criam revoluções de acordo com o nosso modelozinho metodológico e NÃO seguindo inexoravelmente um paradigma e abandonando-o de repente quando os problemas se agigantam.” (CDC, 256) (3) O terceiro problema metodológico de Kuhn, que atesta que Kuhn estava mais interessado em fornecer uma metodologia à ciência do que libertá-la dessas metodologias, é que a ciência normal de Kuhn não é um FATO HISTÓRICO. A razão dessa tese é que, como o próprio Kuhn afirmou, anomalias ocorrem em qualquer momento da história de um paradigma e, até mesmo em períodos de ciência normal. Sendo assim, as anomalias já em período de ciência normal dão início ao surgimento de teorias alternativas ao paradigma dominante. Isso mostra-nos que a ciência normal não existe. Vivemos em um grande oceano de anomalias. Em síntese, diríamos que os argumentos de Feyerabend contra Kuhn são os seguintes: (a) falta da precisão em definir a finalidade da ciência; (b) o abandono do paradigma dominante pelo cientista é algo LÓGICO ou não-lógico? (c) É difícil precisar se ALGO DE MELHOR se seguirá de uma mudança de paradigma - Gestalt; O anarquismo epistemológico de P. Feyerabend 55 (d) A ciência normal não existe na história da ciência. Conclusão: Se ainda não ficou claro, a noção de progresso na ciência para Feyerabend está expressa no seu dito Tudo vale. Como deveremos compreender esse dito? É sobre dois princípios: o de proliferação de teorias, que significa que “não há necessidade de suprimir nem o mais estranho produto do cérebro humano” (CDC, 260). Portanto, se tratam de teorias alternativas que são verdadeiras anomalias ao paradigma dominante pelas suas estranhas e bizarras predições e explicações. O segundo princípio: tenacidade, que significa o cientista seguir as suas inclinações e desenvolvê-las. No entanto, surge a pergunta: aceitar essa noção de progresso, fundamentada em princípios, não é aceitar ou submeter-se a uma regra? Não é aceitar uma metodologia? Todo anarquismo é, de certa forma, auto-refutador porque a regra é Tudo vale, e devemos jogar com ela e a partir dela. ABREVIATURAS MCS KAUFMANN, F. Metodologia das ciências sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987. PL AYER, A. J. El positivismo lógico. México: Fondo de Cultura Económica, 1959. PR SCHILICK, M. Positivismo e realismo. In: Coleção OS PENSADORES, vol XLIV, São Paulo: Abril, 1975. PRC RADNITZKY, G. et alii. Progreso y racionalidad en la ciencia. Madrid: Alianza, 1982. RC EPSTEIN, I. Revoluções científicas. São Paulo: Ática, 1988. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AYER, A. J. El positivismo lógico. México: Fondo de Cultura Económica, 1959. EPSTEIN, I. Revoluções científicas. São Paulo: Ática, 1988. DE DEUS, Jorge Dias (org.). A crítica da ciência. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. FEYERABEND, P. Contra o método. 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