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Introdução à Teoria Cinética dos Gases, Notas de estudo de Física

CINETICA DOS GASES

Tipologia: Notas de estudo

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Baixe Introdução à Teoria Cinética dos Gases e outras Notas de estudo em PDF para Física, somente na Docsity! INTRODUÇÃO À TEORIA CINÉTICA DE GASES C. A. Nieto de Castro DEPARTAMENTO DE QUÍMICA E BIOQUÍMICA Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 1997/1998 Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 2 Percursores “It seems probable to me that God in the beginning formed matter in solid, massy, hard, impenetrable, moveable particles...., and these primary particles, being solids, are incomparably harder than any porous bodies compounded of them; even so hard as never to wear or break in pieces” Isaac Newton, Optics, 1718 “Divide the gas into layers on each side of the plane in which you measure the friction (later viscosity), and suppose the tangential motion uniform in each layer, but varying from one to another. Then particles from a layer on one side of the plane will always be darting about, and some of them will strike the particles belonging to a layer on the other side of the plane, moving with a different mean velocity of translation” James Clerk Maxwell, Philosophical Magazine, 1859 "According to the physical hypothesis now generally received, a gas is represented as consisting of solid and perfectly elastic spherical particles of atoms, which move in all directions, and are animated with different degrees of velocity in different gases" Thomas Graham, Philosophical Magazine, 1863 …….. Este texto foi escrito para fazer parte como capítulo I da obra completa "Estados de Agregação, Estrutura, Equilíbrio e Propriedades", iniciado em 1982/83 pelo autor e pela Doutora Luísa Maria Abrantes, Professora Associada da FCUL e da qual foram publicados 7 capítulos. Entretanto, o ensino desta matéria na Universidade da Madeira, iniciada no ano lectivo de 1991/92, levou à sua reformulação e desenvolvimento, incluindo a introdução às propriedades de transporte na fase gasosa e a teoria das colisões na cinética química. Iniciada a sua distribuição aos estudantes em Dezembro de 1993, foi actualizada em 1994, 1995 e 1997. Este texto, no entender do autor, poderá servir de apoio à disciplina de Termodinâmica e Teoria Cinética do tronco comum das licenciaturas em Física da FCUL, bem como às cadeiras de Química-Física I e III e de Termodinâmica Molecular das licenciaturas em Química da FCUL, e a licenciaturas de outras Universidades. FCUL, Setembro de 1997 Carlos A. Nieto de Castro Professor Catedrático de Química-Física de Fluidos Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 5 1.2. A Teoria Cinética dos Gases 1.2.1. Situação Histórica Os percursores da teoria cinética dos gases iniciaram-se com os filósofos da Grécia antiga, com o poema De Rerum Natura de Lucretius, e continuaram com Avogadro e a sua hipótese constitutiva dos gases - moléculas. Cannizaro em 1858 demonstrou que as moléculas tinham que ser constituídas por átomos ligados. No entanto, a teoria cinética de gases teve também uma origem mecanicista, desde os trabalhos de Bernoulli em 1738 sobre a pressão dum gás. Este cientista afirma que a pressão dum gás é devida ao impacto das partículas que o compõem nas paredes do recipiente em que está contido. Herapath, em 1821, confirma esta tese, escrevendo que as moléculas têm todas a mesma velocidade. Em 1845 Waterston estabelece o princípio de equipartição da energia. A teoria cinética dos gases, tal como hoje se entende, teve o seu "nascimento" histórico em 1859 quando James Clerck Maxwell (1831-1879) introduziu o carácter aleatório do movimento molecular - caos molecular, abandonando assim o conceito determinista até então dominante da igualdade das velocidades de todas as moléculas, devido a Herapath. Em 1860, o mesmo cientista publicou os seus trabalhos sobre a lei de distribuição de velocidades para um gás em equilíbrio, e a lei da equipartição das energias moleculares. A época compreendida entre 1850 e 1880 foi fundamental, devendo referir-se os trabalhos de Ludwig Boltzmann (1844-1906) e de Johannes Diderik van der Waals (1837-1923), para além de Rudolf Clausius (1822-1888) e de James Prescott Joule (1818-1889). No período compreendido entre 1880 e 1930 destacam-se os trabalhos de Gibbs, Enskog e Chapmann, tendo estes dois últimos resolvido formalmente a teoria cinética dos fenómenos de transporte para gases monoatómicos, trabalho que apenas foi estendido aos gases poliatómicos por Wang-Chang e Uhlenbeck em 1953. Foram estes os passos mais marcantes no estabelecimento da primeira teoria molecular que pretende explicar, a partir do comportamento das moléculas e seus movimentos, as propriedades macroscópicas da matéria, neste caso no seu estado de agregação de densidade mais baixa, o estado gasoso. Qualquer teoria necessita de definir determinadas hipóteses que constituem a base de modelo (ver discussão na secção 1.2.3.), que descreveremos na secção seguinte. 1.2.2. O Modelo da Teoria Cinética dos Gases As propriedades macroscópicas dos gases junto à temperatura ambiente e pressão atmosférica (densidade baixa) traduzidas pelas leis de Boyle-Mariotte e Charles-Gay Lussac e, consequentemente, pela equação de estado dos gases perfeitos (capítulo II), podem interpretar- se com base numa colecção de moléculas que se movem com uma determinada velocidade e que colidem entre si e com as paredes do recipiente em que estão contidas. Embora, como já foi referido, os trabalhos de James Clerck Maxwell tivessem sido fundamentais para o estabelecimento deste modelo, devem também citar-se as excelentes contribuições de Ludwig Boltzmann e Rudolph Clausius, ainda na segunda metade do século XIX. Vamos ver como se pode construir uma teoria molecular dos gases a partir de hipóteses simples sobre a estrutura e comportamento da fase gasosa. O modelo já referido é uma construção mental que engloba as características consideradas importantes para determinar o Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 6 comportamento do sistema físico real. Estas características são seleccionadas, quer intuitivamente, quer com base numa análise matemática simples do problema. A teoria cinético-molecular dos gases baseia-se nas seguintes hipóteses: 1.- Todos os gases são constituídos por um grande número de moléculas idênticas, esféricas, com forças entre elas1, pequenas comparadas com as dimensões do recipiente de volume V onde estão contidas (σ << V3 , sendo σ o diâmetro da molécula) e com as distâncias percorridas entre duas colisões sucessivas (σ << Λ, sendo Λ o livre percurso médio). 2.- As moléculas estão em movimento contínuo e aleatório deslocando-se em todas as direcções, em trajectórias rectilíneas. 3.- As moléculas são independentes umas das outras e só interactuam durante colisões de duração pequena. Existe interacção entre as moléculas durante um intervalo de tempo ∆ Λ t C « , sendo C a velocidade média das moléculas. Estas colisões, em média, são perfeitamente elásticas, isto é, não existe variação da energia cinética translacional durante o choque. 4.- A mecânica newtoniana, em particular a relação F = ma ou F = dp/dt , em que a é a aceleração e p o momento linear da molécula, pode ser utilizado para descrever o movimento das moléculas. 5.- A energia cinética devida ao movimento translacional dum mole de gás é 3/2 RT. Vejamos agora como as hipóteses 1 a 5 conduzem às equações que traduzem o comportamento molecular dos gases. 1.2.3. A Pressão dum Gás A pressão dum gás pode agora calcular-se. Ela resulta de facto da força por unidade de área exercida por N moléculas, cada uma com a massa m, contidas num recipiente cúbico de lado l . A força exercida nas paredes resulta das colisões das moléculas com as paredes. Consideremos apenas uma molécula. A sua velocidade vai descrever-se por um vector C, de módulo C e com componentes segundo os três eixos, Cx, Cy , Cz . Para facilidade de cálculo podemos escolher o referencial de forma a que as componentes do vector velocidade, C, sejam perpendiculares às paredes do recipiente. A força exercida quando uma molécula colide com a parede pode calcular-se da segunda lei de Newton (hipótese 4.). Esta lei diz-nos que a taxa de variação de momento linear duma molécula numa dada direcção é igual à força que actua numa molécula nessa direcção, isto é: F d p dt m dC dt = = (1.1) 1 Existem forças intermoleculares. Neste curso deduziremos as equações dos gases perfeitos, para os quais o potencial intermolecular φ (r) = 0. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 7 O momento linear com que uma molécula se aproxima duma das faces do cubo que constitui o recipiente é mCx , se a face em questão for perpendicular ao eixo dos xx. Após a colisão a molécula afasta-se da parede, de tal forma que Cy e Cz não se alteram, mas Cx muda para - Cx , como se mostra na figura 1.1. inicial final Cx Cz Cy C' y C' z C' x F Parede Figura 1.1 - A origem da pressão dum gás No choque, a variação de momento, é mCx - (-mCx ) = 2 mCx = ∆ p pelo que a força exercida em direcção ao gás vale 2 mCx .O número de variações de momento por segundo na parede é o número de colisões por segundo que uma molécula tem com a citada parede. Atendendo a que uma molécula percorre a distância Cx durante 1 segundo, na direcção x, e que a distância entre duas colisões com a mesma parede é da ordem de 2l , a frequência de colisão, ou seja, o número de colisões por unidade de tempo com a parede, é Cx /2l. Logo a força exercida por uma molécula será o produto da variação de momento pela frequência de colisão com a parede: F p C mC C mCx x x x 1 2 2 2 2 = = =∆ . . l l l e como a pressão é a força por unidade de área, a pressão exercida por uma molécula vem: p mC mC mC V x x x 1 2 2 2 3 21 = = = l l l . em que V é o volume do recipiente. A pressão exercida pelas N moléculas, atendendo a que são independentes umas das outras (hipótese 3.), será: p mC V x i i N = = ∑ ( )2 1 (1.2) Como se sabe o valor médio duma quantidade discreta é a soma dos valores dividido pelo número de valores observados, isto é: X n X i i n = = ∑ 1 1 Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 10 1.2.5. A Lei de Distribuição de Velocidades e de Energias A equação (1.5) pode ser utilizada para calcular o valor de C . Assim, atendendo a que: E RT N mCtr = = 3 2 1 2 0 2 pelo que C RT M C RT M 2 23 3= ∴ = (1.8) em que M é a massa molecular do gás, M = N0 m. A equação (1.8) relaciona a raiz quadrada do valor quadrático médio da velocidade molecular com a temperatura e a massa molecular. Assim, para o O2 a 298 K: 12 ms 482 032,0 298.3143,8.3 −==C Podemos assim verificar que o valor quadrático médio da velocidade molecular depende de T e M e que para o O2 à temperatura ambiente a sua raíz quadrada vale 482 ms-1, superior à velocidade do som no ar (340 ms-1 ). No entanto, para o mercúrio já só é 195 ms-1 , o que é lógico pois trata-se de uma molécula mais pesada. O valor de C2 é próximo do valor médio da velocidade molecular, como veremos seguidamente. A razão entre a constante dos gases perfeitos R e o número de Avogadro N0 é a constante de Boltzmann k 123 0 JK10.3806,1 −−== N R k que tem o significado de constante dos gases perfeitos por molécula. A energia cinética média por molécula será: ε tr kT= 3 2 (1.9) e a 298 K vale J10.17,6)298).(JK10.3806,1( 2 3 21123 −−− == Ktrε enquanto que para um mole de moléculas é: 10 molJ 37202 3 −=== RTNE trtr ε Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 11 Verifica-se assim que a energia cinética média a uma dada temperatura é a mesma para todas as moléculas, independentemente da sua massa. Isto significa que a uma dada temperatura as moléculas mais leves se movem com maior velocidade do que as mais pesadas (O2 e Hg). Retomemos a relação existente entre C C C Cx y z 2 2 2 2, , e . Multiplicando por 1/2 m dá: 1 2 1 2 1 2 1 2 2 2 2 2mC mC mC mCx y z= + + ou ε ε ε εc c x c y c z kT= + + =( ) ( ) ( ) 3 2 e como não há preferência direccional: ( ) ( ) ( )ε ε εc x c y c z kT= = = 1 2 (1.10) ou seja as três direcções fundamentais do espaço, designadas por formas de armazenar energia, têm uma energia média 1/2 kT. Esta constatação traduz o princípio de equipartição de energia. Cada forma de armazenar energia tem em média 1/2 kT. Esta é uma consequência directa da teoria cinética dos gases e é um princípio extraordinariamente importante no estudo das energias moleculares (vide 2.7). Estamos agora em condições de estudar melhor como é que as velocidades moleculares se distribuem. Na realidade, se a velocidade de cada molécula pode ser diferente da das outras moléculas, como é que estas velocidades se distribuem, isto é, qual o número de moléculas com uma dada velocidade C, ou melhor, quantas moléculas tem uma velocidade entre C e C + dC? Este problema foi resolvido com os trabalhos de Ludwig Boltzmann. Segundo este autor a fracção de moléculas com energia e , num conjunto de moléculas que possuem vários estados de energia possível, equiprováveis, ε ε ε ε ε0 1 2, , ,..., ,...i N vem dada por N N e e i kT kT i i = − −∑ ( / ) ( / ) ε ε (1.11) em que Ni é o número de moléculas com energia εi e N é o número total de moléculas, N = Σ Ni. Em termos de velocidades moleculares, podemos escrever que a fracção de moléculas dN/N com velocidades entre Cx e Cx + dCx é: dN N Ae dC mC kT x x= −( / ) 1 2 2 em que A é uma constante de proporcionalidade que pode ser calculada do seguinte modo: a fracção de moléculas existente em todo o espaço, com velocidades C entre -∞ e +∞ é, necessariamente, 1. Então: Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 12 dN N Ae dCmC kT x x −∞ +∞ − −∞ +∞ ∫ ∫= =1 2 2( / ) pelo que A vem: A e dCmC kT x x = − −∞ +∞ ∫ 1 2 2( / ) O integral existente na equação anterior é um dos integrais que aparece na teoria cinética dos gases. A matemática diz-nos que: e dx a ax− −∞ +∞ ∫ = 2 π pelo que o valor do integral anterior em que a = m/2 kT, vem dado por 2πkT m ou seja: A m kT = 2π pelo que a equação da distribuição de velocidades vem: 1 2 2 2 N dN dC m kT e x mC kTx= − π / Esta relação mostra que a fracção de moléculas, com velocidades entre Cx e Cx + dCx varia, com a temperatura. Quando passamos para o espaço a 3 dimensões, obtemos a lei de distribuição de velocidades de Maxwell-Boltzmann. Para 3 dimensões, a fracção de moléculas que possuem componentes do vector velocidade entre Cx e Cx + dCx , Cy e Cy + dCy e Cz e Cz + dCz é o produto das fracções segundo cada uma das direcções, isto é: dN N m kT e dC m kT e dC m kT e dCmC kT x mC kT y mC kT z x y z=                   − − − 2 2 2 2 2 22 2 2 π π π / / /. . ou 1 2 3 2 22 2 2 N dN dC dC dC m kT e x y z m C C C kTx y z=     − + + π / ( )/ Atendendo a que se deseja o valor da fracção de moléculas com velocidade entre C e C + dC, num espaço entre duas esferas centradas na origem, com raios C e C + dC (esse espaço tem um volume 4πC2dC, que é equivalente a dCxdCydCz), e, recorrendo à definição de C2, obtemos: 1 4 2 3 2 2 22 N dN dC m kT C e mC kT=       −π π / / (1.13) Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 15 RESOLUÇÃO: Utilizando a equação (1.14) e as massas moleculares correspondentes, obtemos os valores da tabela seguinte: C / m s-1 Gás T = 298 K T = 1000 K H2 1770 3240 He 1265 2300 H2O 590 1080 N2 470 860 O2 444 810 CO2 380 690 Cl2 300 550 HI 220 400 Hg 180 330 Podemos verificar o decréscimo de C com a massa molecular e, para o mesmo gás, o seu aumento com a temperatura.    A lei de distribuição de Maxwell-Boltzmann pode exprimir-se em termos de energias cinéticas, atendendo a que ε tr mC= 1 2 2 . Assim, a equação (1.13) pode transformar-se, pois d mCdC m m dC m dCε ε ε= = = 2 2 , obtendo-se 1 2 3 2N dN d kT e kT ε π εε= − ( ) / / (1.15) A uma dada temperatura, a equação (1.15) descreve a distribuição de moléculas pelas energias translacionais possíveis. A forma da curva que se obtém é ligeiramente diferente da distribuição de velocidades pois tem uma tangente vertical na origem e decai mais suavemente. Um aumento de temperatura também a torna mais "larga" pois passa a existir uma maior percentagem de moléculas com energias mais elevadas. Claro que, a partir de (1.15) se pode calcular ε ε εx y z, , ou , obtendo-se 1/2 kT, o que confirma o princípio da equipartição da energia.    Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 16 1.2.6. A Efusão A maior parte dos fenómenos com que lidamos a nível macroscópico depende de médias das propriedades individuais dum conjunto bastante grande de moléculas duma dada amostra de gás2. É o caso da pressão e da temperatura do gás. No entanto, alguns fenómenos dependem duma forma mais detalhada das colisões entre as moléculas dum gás ou destas com uma superfície, como nas propriedades de transporte (viscosidade, condutibilidade térmica e difusão), na adsorção gás-sólido e na cinética química (teoria das colisões). Outros fenómenos dependem ainda da passagem de moléculas através dum orifício estreito, como é o caso da efusão e dos feixes moleculares. Neste caso há que abordar a direcção do movimento, em vez de nos quedarmos pelo movimento aleatório em 3 dimensões. Uma das quantidades com maior interesse é a taxa de colisões de moléculas de gás com a parede, provenientes de uma dada direcção. Consideremos que dNp moléculas batem na parede no intervalo infinitesimal de tempo dt. Consideremos ainda uma molécula com a componente de velocidade Cy no intervalo de velocidades entre Cy e Cy + dCy . Para atingir a parede, tem que se deslocar em relação a esta, e para a atingir no intervalo de tempo dt ou menor tem que estar a uma distância da parede Cy dt ou menor. O número de moléculas com a componente Cy entre Cy e Cy + dCy (equação (1.12)) é: dN N m kT e dC Ng y dC mC kT y y y= =− 2 2 2 π / ( ) utilizando g y m kT e mC kTy( ) /= − 2 2 2 π A fracção de moléculas à distância Cy dt da parede é C dty l pois as moléculas que estão aleatoriamente distribuídas na distância l . O produto dN C dty l dá-nos o número de moléculas que tem velocidades entre Cy e Cy + dCy à distância Cy dt da parede. Este número é: N g y C dtdCy y l ( ) Dividindo pela área da parede l2 , obtemos o número de colisões por unidade de área, no intervalo de tempo dt, para as moléculas com velocidades entre Cy e Cy + dCy , N V g y C dtdCy y( ) 2 Considera-se que temos que ter N/N0 > 10 -12 Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 17 em que V é o volume do recipiente. Para obter o número total de colisões dNp com a parede no intervalo de tempo dt, vamos integrar Cy entre 0 e ∞ e multiplicar pela área S da parede. [ ]dN S N V g y C dC dtp y y= ∞ ∫ ( ) 0 Este integral é do tipo xe dx a ax− ∞ ∫ = 2 0 1 2 pelo que obtemos: g y C dC m kT e C dC kT m Cy y mC kT y y y( ) / 0 2 02 2 1 4 2∞ −∞∫ ∫= = =π π e se atendermos à equação de definição de dNP teremos: dN S N V Cdtp = . 1 4 Se utilizarmos à equação dos gases perfeitos, obtemos: 1 1 4 1 4 80 S dN dt C p kT pN RT RT M p. = = π (1.16) O termo 1 S dN dt p. representa o número de moléculas que batem na parede, por unidade de tempo e por unidade de área (semelhante ao termo ZAA da equação 1.24, adaptado à colisão com a parede).    RESOLUÇÃO: Aplicando directamente a equação (1.16): 1 3 ms 444 10.32. 298.3143,8.8 − − == π C 1227 123 6 1 sm10.73,2 K298.JK10.38,1 Pa10.1,0 .ms 444. 4 11 −− −− − == dt dN S p EXERCÍCIO 2 Calcular o número de colisões com a parede dum recipiente em que está contido O2 a 298 K e a 0,1 MPa. Comente. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 20 1.2.7. As Colisões Moleculares A teoria cinética considera que as moléculas, de dimensão σ « V3 , se movem segundo trajectórias rectilíneas. Este facto é equivalente a introduzir uma força intermolecular infinita quando duas moléculas colidem (r = σ, sendo r a distância entre o centro das esferas) e nula em qualquer outro caso (r ≠ σ) - modelo das esferas rígidas - e a considerar que a teoria cinética de gases se aplica a zonas do diagrama de fases dum gás em que Vm = V/n » N0 . πσ 3/6. Na realidade as forças entre duas moléculas são infinitas mas para r = 0 (repulsão a curtas distâncias) e nulas para r = ∞ , passando por um mínimo para um valor r = bσ ( 1 < b < 1,2 σ ) (atracção a médias e longas distâncias)4. A força de interacção molecular é conservativa e é causada pela existência de um potencial de interacção conservativo φ (r) e vem dada por: dr rd rF )( )( φ −= (1.20) em que F(r) representa a força intermolecular. O valor de φ (r) encontra-se esquematizado na figura 1.3. r (r) + - σ ε r m φ Colisão Deflexão da trajectória Figura 1.3 - O potencial intermolecular e a colisão entre moléculas Para uma zona muito pequena da trajectória, da ordem de r ≈ 3 a 4σ, as forças intermoleculares tornam-se importantes, deflectindo a trajectória da linearidade, como se exemplifica na figura 1.35. Por outro lado a duração da colisão ( ou o tempo que a molécula leva a percorrer a distância 4σ é, por exemplo para o azoto a 298 K, da ordem de s10.1,3 ms 474 m10.7,3.44 12 1 10 − − − =≈≈∆ C t σ 4 O assunto será tratado em maior promenor no capítulo II, secção 2.3. 5 Na realidade existem vários tipos de colisão, que podem ser mais atractivas ou mais repulsivas, conforme se demonstra no estudo mais avançado da teoria cinética de gases, sendo os raios de curvatura da trajectória antes e depois da colisão maiores ou menores. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 21 ou seja da ordem de 10-12 s e só durante parte deste tempo é que as forças intermoleculares actuam significativamente. Logo, para fases gasosas diluídas, podemos considerar que as moléculas se comportam, em primeira aproximação, como esferas rígidas. Podemos assim considerar que a molécula de diâmetro σ percorre uma trajectória rectilínea, varrendo um tubo cilíndrico de diâmetro 2σ, secção recta πσ 2, geratriz Ct e volume πσ 2Ct , no tempo t, como se ilustra na figura 1.4. Área = πσ 2 C t _ Colisões Figura 1.4 - A secção eficaz de colisão para esferas rígidas Se entrarem moléculas dentro deste cilindro vão-se dar colisões, pelo menos uma. Logo o número médio de colisões para um gás6 cuja densidade numérica é n, será nπσ 2Ct , sendo a distância média percorrida por uma molécula entre duas colisões sucessivas, designada por livre percurso médio Λ, dada por: Λ = = Ct Ctn nπσ πσ2 2 1 Na realidade nem todas as moléculas têm uma velocidade igual à velocidade média e Λ varia com C e só quando C > 2C é que este raciocínio é totalmente válido. Maxwell, utilizando a sua lei de distribuição de velocidades, chegou à conclusão de que a equação anterior tinha de ser corrigida por um factor 1/√2. Assim, a equação anterior deve ser escrita na forma7: Λ = 1 22nπσ (1.21) Para calcular Λ torna-se necessário ter o valor do diâmetro molecular, passível de ser obtido, como veremos, a partir da viscosidade do gás. Assim para o azoto, σ ≈ 0,37 nm. Logo a 298 K e à pressão p, temos: 6 Este número representa o número de moléculas que se encontram dentro do tubo. 7 Para átomos muito lentos ou neutrões deve usar-se a equação sem o √2. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 22 )MPa( 10.65,6 2 9 2 pp kT − ==Λ πσ o que para vários valores da pressão dá os seguintes resultados: p / MPa Λ / nm Λ / σ 0,01 665 1800 0,1 66,5 180 1 6,65 18 Para p = 1 MPa = 10 bar, Λ / σ = 18 « 100 e a teoria cinética de gases já não é válida, pois o gás é denso e necessitamos de usar uma equação do tipo de van der Waals ou do virial. De um modo geral as hipóteses da teoria cinética de gases só são válidas se Λ / σ > 100. O tempo médio durante o qual uma molécula se move sem chocar com outra vem dado por: τ = Λ C (1.22) Para o azoto a 298 K e 0,1 MPa teremos: s10.140 ms 476 m10.5,66 12 1 9 − − − ==τ Como se pode verificar o tempo percorrido entre colisões (140 ps) é muito maior do que a duração duma colisão (1 ps), como seria de esperar, pois caso contrário φ (r) tinha que ser totalmente considerado e teoria cinética necessitaria de ser reformulada. Na realidade Λ é um valor médio e a distância percorrida por uma molécula antes dum nova colisão varia bastante de colisão para colisão. Existe uma lei de distribuição de probabilidades do tipo: P( e P( dl l ll) )/= =− ∞ ∫Λ Λ com 0 sendo l a distância percorrida entre 2 colisões sucessivas. Assim, quanto maior for l menor P(l ) e para l » Λ, P(l ) ≈ 0. Praticamente todas as colisões ocorrem para 0 < l < 2 Λ. O inverso de τ é a frequência de colisão ν, ou seja o número de colisões que uma molécula sofre por unidade de tempo: ν πσ= = C C Λ 2 2 n (1.23) Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 25 O valor médio destas energias só depende da temperatura. Na realidade, para a translação (eq. 1.9 e 1.10) temos: ( ) ( ) ( ) ε ε ε tr x tr y tr z kT kT kT = = = 1 2 1 1 2 1 1 2 1 3 grau de liberdade grau de liberdade grau de liberdade grausde liberdade _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Para f graus de liberdade, separados em translacionais, rotacionais e vibracionais, temos: f = f tr + f rot + fvib (1.25) e então: ε = =f fx xou 1 2 1 2 kT E RT (1.26) Para as vibrações devemos usar fvib’= 2 fvib pois cada grau de liberdade tem duas formas de armazenar energia. Assim para o N2, O2, HF, Li2, etc., temos f = 3 + 2 + 2x1 = 7: E RT RT RT RT= + + = 3 2 7 2 (1.27) As moléculas com mais de 2 átomos têm o mesmo número de graus de liberdade translacionais (3) mas passam a ter, desde que não sejam lineares (como o caso do CO2, H2O, SF6, etc.), 3 graus de liberdade rotacionais, com três momentos de inércia Ix, Iy e Iz. Generalizando, para moléculas com N átomos, temos um número de graus de liberdade vibracionais: 3N - (3 trans. + 2 rot.) = 3N - 5 GL se for linear 3N - (3 trans. + 3 rot.) = 3N - 6 GL se não for linear    RESOLUÇÃO: Para a água, H2O, não linear, N=3. Logo: EXERCÍCIO 5 Calcular a energia interna para a água e para o benzeno. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 26 Translações - 3 GL ----------------------------------------------------------- 3/2 RT Rotações - 3 GL -------------------------------------------------------------- 3/2 RT Vibrações - 3N-6 = 3 GL x 2 ------------------------------- 2 x 3 x 1/2RT = 3 RT f = 3 + 3 + 2x3 = 12 e portanto E RT RTx= =12 3 2 6 Para o benzeno, C6H6 , N =12. Logo: Translações - 3 GL ----------------------------------------------------------- 3/2 RT Rotações - 3 GL -------------------------------------------------------------- 3/2 RT Vibrações - 3N-6 = 30 GL x 2 -------------------------- 2 x 30 x 1/2RT = 30 RT f = 3 + 3 + 2x30 = 66 e portanto E RT RTx= =66 1 2 33    Podemos agora discutir a energia interna dum sistema de N moléculas, em termos moleculares. A energia interna dum sistema é assim constituída por: i) pelas energias de translação, de rotação e vibração das moléculas11. Incluem as energias cinéticas e potenciais de vibração. ii) pela sua energia potencial, devido à sua posição no volume em que o gás está em relação a um campo exterior e às interacções entre os átomos ou moléculas com todas as outras, ΦN . Para um gás diluído o valor de ΦN vem dado por: ΦN ij i j r= < ∑φ ( ) (1.28) iii) energia associada à massa em repouso (termo de Einstein). pelo que: U E E E Ui tr i i rot i i vib i N campo= + + + +∑ ∑ ∑( ) ( ) ( ) Φ (1.29) Podemos agora escrever, se considerarmos Ucampo = 0, U N0≅ +f kT N2 Φ (1.30) Todos estes termos energéticos foram calculados classicamente, utilizando o princípio da equipartição de energia. Na realidade, a mecânica quântica diz-nos que a contribuição de cada grau de liberdade rotacional para f pode ser menor que 1 para T < 40 K e a de cada grau de liberdade vibracional menor do que 2 para T < 3000 K. Verifica-se que a contribuição das vibrações para a energia interna à temperatura ambiente é muito pequena e só certos modos de vibração, com energias pequenas, tal que T ≈ hνi / k é que são activos e capazes de armazenar energia. Para os gases a baixa densidade - diluídos - ΦN ≈ 0 ( = 0 para gases perfeitos). 11 Na realidade existem outras energias, como a energia electrónica. O valor da energia interna aqui apresentado tem que ser corrigido pelas energias adicionais (electrónica, composição isotópica, spin nuclear, etc.), como se poderá estudar em cursos mais avançados de Termodinâmica Molecular. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 27 As capacidades caloríficas dos gases perfeitos podem agora ser calculadas. C U T NV V =       = = ∂ ∂ 0 1 2 f f k 2 R (1.31) H U pV U nRT= + = + (1.32) C H T C nR C R P P V V =       = + + ∂ ∂ para um dada quantidade de substância n por mole (1.33) ( )C R R RP = + =12 2f f +2 (1.34) Define-se o coeficiente adiabático dum gás, γ por: γ = = + = +       C C P V f f f 2 1 2 (1.35) Para gases monoatómicos, f = 3, pelo que γ = 1+ 2/3 = 1,667. Para gases diatómicos f = 3 + 2 + 2 = 7, pelo que γ = 1+ 2/7 = 9/7 = 1,286. À temperatura ambiente os graus de liberdade vibracionais quase não contribuem, e portanto é mais correcto usar f = 3 + 2 = 5, pelo que γ = 1+ 2/5 = 7/5 = 1,400. Por exemplo para o N2 à temperatura ambiente γ = 1,41, valor que concorda com a previsão teórica. A tabela seguinte mostra a comparação dos valores de γ para várias moléculas, calculados segundo o princípio da equipartição de energia e a partir de dados experimentais a 298 K. Gás CP / J mol -1K-1 CV / J mol -1K-1 (CP-CV)/R γexp γcalc Ar 20,79 12,47 1,001 1,667 1,667 He 20,79 12,47 1,001 1,667 1,667 H2 28,87 20,54 1,001 1,406 1,286 b O2 29,50 21,13 1,006 1,396 1,286 b Cl2 34,52 25,69 1,062 a 1,344 1,286b CO 29,16 20,79 1,007 1,403 1,286b CO2 37,49 28,95 1,027 a 1,295 1,154c SO2 39,33 30,54 1,057 a 1,288 1,154c CH3OCH3 66,48 57,53 1,077 a 1,156 1,042c a - gases não perfeitos a 298 K b - valor calculado com graus de liberdade vibracionais “congelados” é 1,400. c - valor calculado com graus de liberdade vibracionais “congelados” é 1,333. Na realidade alguns já contribuem um pouco. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 30 uma velocidade Λ     + 3 2 dz dv v e um fluxo de momento linear na direcção negativa do eixo dos zz, z-, de       Λ     + 3 2 dz dv vm , sendo m a massa da molécula. Analogamente as moléculas que chegam a B vindas de A transportam um momento       Λ     − 3 2 dz dv vm na direcção z+. O número de moléculas que cruzam o plano xy por unidade de área e unidade de tempo é, como já vimos na secção 1.6, dado pela equação: 1 1 4A dN dt N V C p = . Logo o momento linear transportado pelas moléculas que chegam a B de C por unidade de área e unidade de tempo é N V C. 1 4       Λ     + 3 2 dz dv vm e o momento linear transportado pelas moléculas que chegam a B de A por unidade de área e unidade de tempo é N V C. 1 4       Λ     − 3 2 dz dv vm . Atendendo à lei de Newton F d p dt = a força de atrito que actua na direcção x+ por unidade de área é: F A = − N V C. 1 4 + N V C. 1 4       Λ     − 3 2 dz dv vm F A N V mC dv dz = −       1 3 Λ (1.38) Comparando com a lei de Newton da viscosidade dada pela equação (1.37), o coeficiente de viscosidade ou viscosidade do gás vem dado por: η ρ=       = 1 3 1 3 N V mC CΛ Λ (1.39) e usando o valor do livre percurso médio dado pela equação (1.21) obtemos: η π σ π πσ π = = 1 2 1 3 8 3 2 8 2 2n n. m kT m m kT m ou η πσ π =       2 3 2 1 2 mkT / (1.40) Esta equação prevê: 1) que a viscosidade dum gás diluído de esferas rígidas é independente da densidade e da pressão - resultado que Maxwell obteve! Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 31 2) que a viscosidade dum gás diluído de esferas rígidas é proporcional a T1 2/ , facto que foi também crucial para à época de Maxwell comprovar a teoria cinética de gases. Na realidade para os gases reais η ∝ T nn com > 0.5, como veremos seguidamente. A equação (1.29) foi uma das primeiras equações que tornou possível estimar os diâmetros moleculares dos compostos, pois se medirmos a viscosidade dum gás perfeito a uma dada temperatura podemos obter σ.    RESOLUÇÃO: Como a pressão é a atmosférica podemos admitir que o N2 tem um comportamento de gás diluído. Assim podemos utilizar a equação (1.29) em unidades molares: nm 295,0m10.95,2 m10.16,6 mol.10.023,6 1 . K298.KJ.mol3143,8kg.mol10.28 Pa.s10.19.3 2 1 3 2 3 2 102202 123 2/11113 6 2 2/1 0 2 2/1 2 ==∴=       =      =     = −− − −−−− − σσ ππ σ ππσππσ η x MRT N mkT    A teoria exacta de Chapman-Enskog dá para a viscosidade de esferas rígidas: ( )η π πσ =       =0 499 5 16 11 2 2, /N V mC mkTΛ ou η π πσ π =       5 16 1 2 1 2 mkT / (1.41) A equação (1.41) difere da (1.40) no factor 5 16 0 982 2 3 0 667 π = =, , em vez de , ou seja a viscosidade de esferas rígidas é na realidade maior do que a prevista pela teoria cinética elementar. EXERCÍCIO 6 Calcular o diâmetro molecular do N2, sabendo que a sua viscosidade a 298 K e a 0,1 MPa é 19 µPa s. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 32 1.3.2. A Condutibilidade Térmica Para a condutibilidade térmica o processo de derivação é semelhante. Um gradiente de temperatura causa o transporte de energia pelas moléculas, dando origem a um fluxo de energia sob a forma de calor, Q. Foi Jean Fourier que estabeleceu a lei da condução de calor. O fluxo de calor por unidade de área, Q/A que atravessa a área A é proporcional ao gradiente de temperatura: Q A dT dz = − λ (1.42) sendo λ o coeficiente de condutibilidade térmica, ou simplesmente, condutibilidade térmica. Se for U a energia interna do gás, e raciocinando pela figura 1.6 (b), temos que as moléculas que chegam ao plano B vindas de C transportam uma energia por unidade de área e unidade de tempo, na direcção z- dada por U dU dz + 4 3 Λ , pois o espaço entre planos consecutivos para a condutibilidade térmica é l t = 4 3 Λ . As moléculas que chegam ao plano B vindas de A transportam uma energia por unidade de área e unidade de tempo, na direcção z+ dada por U dU dz − 4 3 Λ . Obtém-se para o fluxo total: Q A N V C dU dz = −       2 3 Λ Atendendo a que para um gás perfeito a energia interna só depende da temperatura: dU dz dU dT dT dz C dT dz V= = obtemos: Vλ =       2 3 N V C CΛ (1.43) e, utilizando os valores das variáveis conhecidas: λ πσ π πσ π =             =       1/2 2 3 1 2 8 2 3 2 2 2 2 2 1 2 N V C N V kT m C kT m V V . / λ πσ π =       4 3 2 1 2 C kT m V / (1.44) Esta equação prevê: 1) Tal como no caso da viscosidade, a condutibilidade térmica dum gás diluído é independente da densidade e da pressão. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 35 nas monoatómicas, mas ainda de energias rotacionais ou vibracionais. Este facto afecta principalmente a condutibilidade térmica, através da sua dependência da capacidade calorífica CV. A capacidade calorífica dum gás tem duas componentes, uma devida aos graus de liberdade translacionais, constante para todos os gases e independente da temperatura, CV tr , e outra devida aos graus de liberdade internos (rotacionais, vibracionais e electrónicos), CV int , tal que: C C C R CV V tr V int V int= + = + 3 2 (1.54) Eucken em 1913 admitiu que a contribuição de CV int para a condutibilidade térmica era 2/5 da contribuição dos graus de liberdade translacionais, isto é: λ λ λ πσ π = + =       +     tr int V tr V intkT m C C 25 32 1 2 52 1 2/ (1.55) e, substituindo pelo resultado da equação (1.42), obtemos: λ πσ π λ πσ π =       +     =       +     ou 25 32 1 2 5 9 10 5 16 1 9 4 2 1 2 2 1 2 kT m C R kT m C R V V / / (1.56) Utilizando os valores da capacidade calorífica a volume constante determinados experimentalmente a relação (1.45), conhecida como relação de Eucken, tem um acordo razoável com a experiência, sobrevalorizando contudo o valor da condutibilidade térmica. 1.3.5. A Comparação da Teoria Cinética Elementar com a Experiência A experiência mostra que: 1) A variação de λ e de η com a temperatura é maior do que a lei prevista de T1/2, mas na forma Tn, com n > 0,5. A variação de D é maior do que a lei prevista de T3/2, mas na forma Tn, com n > 1,5. Isto deve-se ao facto das moléculas terem um potencial repulsivo suave. Este facto torna o livre percurso médio e o valor de σ dependente da temperatura. Podemos ter uma ideia da natureza das correcções necessárias se considerarmos um modelo molecular muito simples, em que as moléculas interactuam com um potencial intermolecular da forma: φ( )r C r n = Se a energia cinética relativa das moléculas antes da colisão é E, à distância de aproximação máxima r0 ( onde E = 0), Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 36 E C r r C En n = =       0 0 1 / de modo que Dado que a energia cinética relativa de duas moléculas é proporcional a kT, podemos escrever E = αkT, sendo α uma constante. Assim, obtemos para a distância de aproximação máxima: r C kT n 0 1 =       α / Se admitirmos que, na expressão (1.30), o valor do diâmetro molecular σ pode ser substituído por r0 , obtemos para a viscosidade deste gás: η π π α =       + 5 16 11 2 2 1 2 2 ( ) / / mk k C T n n (1.57) Este resultado é exacto para este modelo. À medida que a temperatura aumenta a energia cinética torna-se maior, permitindo que as moléculas se aproximem mais, conduzindo a um valor efectivo de σ menor. Um resultado análogo pode ser obtido para o coeficiente de difusão, sendo a dependência em T n 3 2 2+ . A figura 1.7 ilustra a dependência da viscosidade de vários gases com a temperatura. 2 2 0 20 40 60 80 100 10 e6 . V is c / P a. s 0 400 800 1200 1600 2000 T / K He Ar H CO CH 4 Figura 1.7 - Viscosidade de vários gases em função da temperatura As tabelas seguintes mostram os dados padrão de referência recomendados por Wakeham et al., (1991), para a viscosidade e a condutibilidade térmica dos gases nobres à pressão de 0,1 MPa. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 37 η / µPa.s Θ / 0C He Ne Ar Kr Xe 25 19,86 31,76 22,62 25,39 23,09 100 23,16 37,06 27,32 31,22 28,84 200 27,35 43,47 32,85 38,06 35,91 300 31,28 49,50 37,83 44,28 42,38 400 35,04 55,00 42,35 49,99 48,32 500 38,60 60,19 46,63 55,34 53,84 600 42,13 65,15 50,58 60,38 58,78 700 45,62 69,86 54,52 65,20 63,77 λ / mW m-1 K-1 Θ / 0C He Ne Ar Kr Xe 25 155,3 49,24 17,67 9,451 5,482 100 181,1 57,84 21,36 11,63 6,852 200 213,9 67,43 25,59 14,18 8,534 300 244,7 76,79 29,60 16,50 10,07 400 274,1 85,34 33,14 18,64 11,49 500 302,0 93,39 36,50 20,64 12,81 600 329,5 101,1 39,60 22,52 13,99 700 356,8 108,4 42,72 24,33 15,18 2) Tanto a viscosidade como a condutibilidade térmica dos gases variam com a densidade, na forma: Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 40 ( )σ σ σAB AA BB= +12 (1.67) e µ AB A B A B m m m m = + (1.68) Assim, por exemplo para o HI a 700 K e p = 0,1 MPa, Z ≈ 1034 m-3 s-1. Experimentalmente para a reacção 2 HI → H2 + I2 [ ] 1320 sm10 2 1 −−≈− td HId Comparando estes dois valores podemos concluir que apenas 1 colisão em 1014 é efectiva. Existe portanto um valor mínimo de energia translacional relativa das moléculas que colidem que elas têm que possuir para a reacção se dar - energia de limiar - ε *. O número de colisões efectivas Zeff vem assim dado por: Z Z e Zeeff kT E RT= =− −ε * */ / (1.69) com E* = N0 ε *. Para uma reacção bimolecular do tipo A + B → AB teremos: − = =       − −d d t Z e kT e A kT AB AB kT A B n n nε επ σ π µ * / / */2 1 2 8 (1.70) Em termos de concentrações ci em mol dm-3 obtemos: − =       −d c d t kT e N c cA AB AB E RT A Bπ σ π µ 2 1 2 0 38 10 / */ . (1.71) e atendendo a que a lei cinética para uma reacção molecular é do tipo: − = d c d t k c cA A B2 (1.72) obtemos para o valor da velocidade específica k2: k kT e NAB AB E RT 2 2 1 2 0 38 10=       −π σ π µ / */ . (1.73) A equação anterior pode escrever-se na notação de Arrhenius: k Ae E RTa2 = − / (1.74) em que A é o factor pré-exponencial e Ea a energia de activação da reacção química. Se: Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 41 - identificarmos E* com Ea, - identificarmos o valor do factor de frequência A ∝ nº de colisões / V / t obtemos: A kT NAB AB =      π σ π µ 2 1 2 0 38 10 / . (1.75) Exemplo: Reacção de decomposição do HI - Ea = 183 kJ mol -1 σ HI = 0,4 nm T = 700 K - k2 = 1,63 . 10-3 dm3 mol-1 s-1 - ( k2 )exp = 2,32 . 10 -3 dm3 mol-1 s-1 O acordo é bastante razoável, pois a teoria cinética de gases considera as esferas rígidas e a energia de activação proveniente apenas das energias translacionais, isto é ε* = ε*tr. Falta considerar como é óbvio os graus de liberdade rotacionais e vibracionais. O acordo é limitado a um pequeno número de reacções bimoleculares entre moléculas simples. Na realidade as reacções químicas dependem da orientação das moléculas reagentes antes do choque (a), e nem sempre as moléculas estão com a orientação mais conveniente para se dar a reacção (b). H I H I H I H I a) b) H I H I + Figura 1.8 - A importância da orientação relativa das moléculas numa reacção bimolecular Introduz-se assim um factor P empírico, denominado factor estereoquímico ou geométrico, menor que um, tal que: k Ze E RTa2 = −P / (1.76) Experimentalmente verifica-se que P ≈ 10-2 a 10-5 e que para reacções unimoleculares P > 1 (contradição!). Apresentamos na tabela seguinte valores de P, factores de Arrhenius e energias de activação de várias reacções bimoleculares. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 42 Como se pode verificar o factor estereoquímico é mais pequeno para os reagentes mais complexos e existem reacções para as quais a energia de limiar e portanto a energia de activação são nulas. Reacção intervalo de T / K ln ( A / dm3 mol-1 s-1) Ea / kJ mol-1 P H + D2 → HD + D 300-750 24,62 39,3 0,088 H + HCl → H2 + Cl 200-500 23,86 14,6 0,039 H + HBr → H2 + Br 1000-1700 25,42 15,5 0,076 H + HI → H2 + I 667-800 24,64 1,6 0,037 H + C2H6 → H2 + C2H5 304-1500 25,61 40,6 0,1 O + O3 → O2 + O2 273-900 23,21 20,1 0,037 O + OH → O2 + H 300-2200 24,13 0 0,14 N + NO → N2 + O 300-6000 23,28 0 0,040 N + O2 → NO + O 180-5000 22,84 29,7 0,034 OH + CO → CO2 + H 300-2000 19,85 4,5 0,0014 OH + H2 → H2O + H 300-1200 23,86 21,6 0,046 Na + CCl4 → NaCl + CCl3 520 26,13 0 0,37 Na + HI → NaI + H 600 26,94 0 1,5 CH3 + C6H6 → CH4 + C6H5 456-600 17,04 38,5 0,000027 CH3O + CH4 → CH3OH + CH3 398-523 20,26 46,0 0,00099 CO + O2 → CO2 + O 2400-3000 21,97 213,4 0,0043 O3 + NO → NO2 + O2 216-322 20,17 10,3 0,0020 PH3 + B2H6 → PH3BH3 + BH3 249-273 14,97 47,7 0,0000074 Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 45 8 - Considere a extensão da teoria cinética dos gases a gases poliatómicos. Deduza a relação de Eucken: λ η M C R CV V = +1 9 4 e comente a importância da contribuição dos graus de liberdade internos para a condutibilidade térmica. 9 - Faça uma estimativa da condutibilidade térmica do O2 a 273 K a partir do valor da sua viscosidade à mesma temperatura, η = 19,1 µPa.s. Utilize o princípio de equipartição de energia para o cálculo do CV. . Compare com o valor experimental λ = 24,3 mW.m-1 K-1 . 10 - Calcule o coeficiente de autodifusão para o árgon a 298 K é: a) 10-6 atm, b) 1 atm, c) 100 atm, Sabendo que o valor da viscosidade do árgon a esta temperatura e a 0,1 MPa é 22,62 µPa.s, se estabelecermos um gradiente de pressão de 0,1 atm cm-1 num tubo cilíndrico, qual é o fluxo de gás devido à difusão? 11 – Utilizando a teoria cinética dos gases a) Calcule a condutibilidade térmica do ar a 25 0C. Usar σ = 0,28 nm. b) Qual o fluxo de calor entre as paredes duma janela dupla, separadas por 5 cm, duma sala quente a 25 0C para o exterior frio ( - 10 0C) através duma área de janela de 1 m2 ? Qual a potência a que se deve regular um calorífero, ligado na sala, para que a temperatura desta permaneça a 25 0C? 12 - Utilize as colisões das reacções em fase gasosa para calcular o valor teórico da constante de velocidade da reacção bimolecular H2 + I2 → 2HI a 550 K. A secção de colisão é πσ 2AB = 0,38 nm2, a massa reduzida µAB = 3,32 x 10-27 kg e a energia de activação Ea = 183 kJ mol-1. Introdução à Teoria Cinética de Gases - C. A. Nieto de Castro, FCUL,1997 46 1.7. Índice Página 1.1. Estados de Agregação 3 1.2. A Teoria Cinética dos Gases 5 1.2.1. Situação Histórica 5 1.2.2. O Modelo da Teoria Cinética dos Gases 5 1.2.3. A Pressão dum Gás 6 1.2.4. Energia Cinética e Temperatura 8 1.2.5. A Lei de Distribuição de Velocidades e Energias 10 1.2.6. A Efusão 16 1.2.7. As Colisões Moleculares 20 1.2.8 Equipartição de energia. Capacidades caloríficas de gases 24 1.3. As Propriedades de Transporte 28 1.3.1. A Viscosidade 29 1.3.2. A Condutibilidade Térmica 27 1.3.3 A Difusão 33 1.3.4. Aplicação aos Gases Poliatómicos 35 1.3.5. A Comparação da Teoria Cinética Elementar com a Experiência 35 1.4. A Teoria das Colisões na Cinética Química 39 1.5. Conclusão 43 1.6. Problemas 44 1.7. Índice 46
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