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Guias e Dicas
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Farmacologia da glândula tireóide, Notas de estudo de Farmacologia

FARMACOLOGIA DA GLÂNDULA TIREÓIDE

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 11/08/2010

gerson-souza-santos-7
gerson-souza-santos-7 🇧🇷

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Baixe Farmacologia da glândula tireóide e outras Notas de estudo em PDF para Farmacologia, somente na Docsity! 26 Farmacologia da Glândula Tireóide Ehrin J. Armstrong, Armen H. Tashjian, Jr, e William W. Chin Introdução Caso Fisiologia da Glândula Tireóide Síntese e Secreção dos Hormônios da Tireóide Metabolismo dos Hormônios da Tireóide Efeitos dos Hormônios da Tireóide sobre os Tecidos-Alvo Eixo Hipotalâmico-Hipofisário-Tireóide Fisiopatologia Classes e Agentes Farmacológicos Tratamento do Hipotireoidismo Tratamento do Hipertireoidismo Inibidores da Captação de lodeto Inibidores da Organificação e da Liberação dos Hormônios da Tireóide Inibidores do Metabolismo Periférico dos Hormônios da Tireóide Outros Fármacos que Afetam a Homeostasia dos Hormônios da Tireóide Lítio Amiodarona Corticosteróides Conclusão e Perspectivas Futuras Leituras Sugeridas INTRODUÇÃO A glândula tireóide exerce efeitos variados e importantes sobre muitos aspectos da homeostasia metabólica. A maior parte do tecido da tireóide é constituída por células foliculares da tireóide, que produzem e secretam os hormônios tireoidianos clássicos: a tiroxina (TA), a triiodotironina (T3) e a triiodotiro- nina reversa (1T3). Os hormônios da tireóide regulam o cresci- mento, o metabolismo eo gasto de energia, desde o consumo de oxigênio até a contratilidade cardíaca. As células C parafolicu- lares da glândula tireóide secretam a calcitonina, um pequeno regulador da homeostasia do mineral ósseo. A calcitonina é discutida no Cap. 30. As principais doenças da glândula tireóide envolvem o com- prometimento do eixo hipotálamo-hipófise-tireóide normal (ver Cap. 25). A reposição do hormônio tircoidiano deficiente cons- titui uma terapia efetiva e estabelecida para o hipotiroidismo. O tratamento do hipertircoidismo é mais complexo, com opções que incluem desde fármacos antitireoidianos até excisão cirúr- gica do tecido anormal. O conhecimento das vias e dos meca- nismos de regulação por retroalimentação da síntese e ações dos hormônios da tireóide permite explicar o fundamento lógico do tratamento farmacológico efetivo das doenças da tireóide. Há alguns meses, Diana L, uma mulher de 45 anos de idade, vem percebendo várias mudanças desconcertantes no seu estado emocional e na sua aparência geral. Diana sente-se nervosa o tempo todo, e pequenos acontecimentos insignificantes a dei- xam irritada. Em casa, ela também mantém a temperatura do ambiente muito fria, a ponto de seu marido e seus filhos terem que reclamar. Por causa desses sintomas, e devido à sensação ocasional de que o seu coração está “batendo aos saltos”, a Sra. Diana vai consultar o seu médico. Depois de algumas perguntas, ele examina o seu pescoço e constata um aumento difuso da glândula tireóide. Observa também que os olhos de Diana estão mais proeminentes do que o normal. Os exames para determinar os níveis de hormônio tireoidiano revelam níveis séricos eleva- dos de triiodotironina livre (T3) e baixos níveis de tireotropina (TSH). Além disso, o teste para anticorpo anti-receptor de TSH é positivo. O diagnóstico é de doença de Graves, uma forma de hipertireoidismo cujo tratamento consiste no uso de tiamazol (metimazol). Embora inicialmente reconfortada com o fato de que o seu médico pode explicar os sintomas, logo se sente desani- mada por não observar nenhuma melhora depois de algumas semanas. Entretanto, passado um mês, os sintomas começam a desaparecer. Novos exames confirmam a normalização dos níveis de hormônio tireoidiano. Entretanto, um ano após ter iniciado o tratamento com tiamazol, começa a apresentar novamente palpi- tações e a sentir-se ansiosa. O médico confirma que os níveis de hormônio tireoidiano estão novamente elevados, a despeito da terapia com tiamazol. Após conversar com o seu médico, a Sra. L decide submeter-se a um tratamento com iodeto radioativo. Esse tratamento é bem tolerado, e os testes realizados no decorrer dos próximos 3 anos revelam que ela apresenta níveis normais de hormônio tireoidiano. Entretanto, 4 anos após o tratamento com iodeto radioativo, começa a apresentar sintomas opostos aos problemas iniciais: fica cansada e sente frio o tempo todo; além disso, ganhou 13 kg no decorrer de 6 meses. O médico confir- ma que a Sra. L desenvolveu hipotireoidismo. Prescreve tiroxina (T4), que está tomando uma vez por dia, e, com isso, voltou a sentir-se bem. QUESTÕES E. Por que o nível sérico de tireotropina da Sra. L estava baixo, enquanto a conceni de triiodotironina estava alta? - Qual o mecanismo de ação do tiamazol? Por que o tiamazol acabou surtindo mais efeito? » Que aspectos da glândula tireóide tornam o iodeto radioativo uma terapia geralmente segura e específica para o hiperti- reoidismo? Por que a Sra. L desenvolveu hipotireoidismo após o trata- mento com o iodeto radioativo? FISIOLOGIA DA GLÂNDULA TIREÓIDE SÍNTESE E SECREÇÃO DOS HORMÔNIOS DA TIREÓIDE A tireóide é uma glândula endócrina localizada no pescoço, abaixo da laringe, na superfície ventral da traquéia. A principal função da glândula tireóide consiste na síntese dos hormônios tireoidianos, T3 e T4. Estruturalmente, os hormônios da tireóide são constituídos por um arcabouço de duas moléculas de tirosina que são iodadas e unidas por uma ligação éter (Fig. 26.1). Uma importante característica estrutural dos hormônios tireoidianos consiste na posição dos iodos nesse arcabouço. A posição e a o Han, Í 0H 1 3A o OH 5 o 5" t Tiroxina (Tu) Desiodação do Desiodação do anel externo anel intemo o o sam OH 1 aa 34 Rom º OH 1 3A Rm STD 1 o Go 3,5,3-Trilodotironina (Ta) 3,3',5'Triiodotironina (tTa) (biologicamente ativa) (biologicamente inativa) Fig. 26.1 Estrutura e metabolismo periférico dos hormônios da tireóide. Os hormônios tireoidianos são sintetizados a partir de duas moléculas de tirosina que estão ligadas por uma ligação éter. O anel externo é hidroxilado, enquanto o anelinterno está ligado de modo covalente à tireoglobulina durante a síntese dos hormônios tireoidianos. O iodo é ligado a três ou quatro posições do arcabouço de tirosina, criando vários padrões diferentes de substituição. A tiroxina (T4) possui quatro iodos fixados, dois em cada anel. A tiroxina é o hormônio tireoidiano predominante sintetizado pela glândula tireóide. A trilodotironina (T3) possui dois iodos fixados no anel interno, porém apenas um iodo ligado ao anel externo. Em contrapartida, a trilodotironina reversa (fT3) possui dois iodos no anel externo, porém apenas um iodo no anel interno. Durante o metabolismo periférico, a tiroxina sofre desiodação por 5'- desiodinases presentes nos tecidos-alvo e no fígado. O padrão de desiodação produz T3 ou rT3. Se o iodo for removido do anel extemo, ocorre produção de T3 biologicamente ativa. Se o iodo for removido do anel interno, forma-se a HT3 biologicamente inativa. Farmacologia da Glândula Tireóide | 449 orientação relativa dos iodos fixados aos resíduos de tirosina determinam a forma específica do hormônio tireoidiano. A 3,5,3',5'-tetraiodotironina (tiroxina, T4), que possui quatro iodos fixados aos arcabonços de tirosina, constitui a principal forma do hormônio tireoidiano secretado pela glândula tireóide. A 3,5,3'-triiodotironina (T3) apresenta três iodos. A maior parte da T3 é produzida por 5' desiodação periférica de T4 (ver adiante). Uma forma biologicamente inativa do hormônio tireoidiano é a 3,3',5'-triiodotironina, também conhecida como triiodotironina reversa (rT3) pelo fato de o iodo isolado estar na tirosina oposta no arcabonço, em relação à T3. No indivíduo normal, o hormônio tireoidiano circulante consiste em cerca de 90% de T4, 9% de T3 e 1% de rT3, estando a maior parte do hormônio ligada às proteínas plasmáticas (tanto a proteínas de ligação específicas quanto à albumina). O iodeto é um oligoelemento e componente crucial da estru- tura do hormônio tireoidiano. As células foliculares da tireóide, que sintetizam e secretam os hormônios tireoidianos, concen- tram seletivamente o iodeto (I”) através de um simportador de Na“/T localizado na membrana basolateral da célula (Fig. 26.2). Esse mecanismo de transporte ativo tem a capacidade de concentrar o iodeto em concentrações intracelulares de até 500 vezes a concentração do plasma; a maioria dos indivíduos apresenta uma relação entre iodeto da glândula tireóide e iodeto plasmático de cerca de 30. Uma vez no interior das células foliculares da tireóide, o iodeto é transportado através da membrana apical da célula e oxidado concomitantemente pela enzima tireóide peroxidase (Fig. 26.2). Essa reação de oxidação produz um iodeto reativo intermediário, que se acopla a resíduos de tirosina específicos na tireoglobulina. A tircoglobulina é uma proteína sintetizada pelas células foliculares da tireóide e secretada pela superfície apical no espaço colóide. A tireóide peroxidase também está concentrada na superfície apical, e acredita-se que a geração de iodeto oxidado nessa superfície permite a reação do iode- to com resíduos de tirosina nas moléculas de tireoglobulina recém-secretadas. O processo de iodação da tireoglobulina é conhecido como organificação. A organificação resulta em moléculas de tireoglobulina que contêm resíduos de monoio- dotirosina (MIT) e diiodotirosina (DIT); esses resíduos de tirosina possuem um ou dois iodos ligados de forma covalente, respectivamente. Após a geração das MIT e das DIT no interior da tireoglo- bulina, a tireóide peroxidase também catalisa o acoplamento entre esses resíduos. A ligação de uma MIT com a DIT gera T3, enquanto a ligação de duas DIT dá origem à T4. Observe que a maior parte da T3 plasmática é produzida pelo metabolis- mo da T4 na circulação (ver “Metabolismo dos Hormônios da Tireóide”, adiante) e que a T3 ea T4 nascentes fazem parte da proteína tireo globulina através de ligações covalentes. À seguir, essas moléculas de tireoglobulina são armazenadas na luz do folículo, sob a forma de colóide. Quando o hormônio tireoestimulante (discutido adiante) estimula a secreção de hormônio tireoidiano pela glândula tireóide, ocorre endocitose do colóide pelas células folicula- res. A tireoglobulina ingerida penetra em lisossomos, onde a tireoglobulina é digerida por proteases. A digestão proteolítica libera T3, T4, MIT e DIT livres. A T3 ea T4 são transportadas através da membrana basolateral da célula folicular e penetram no sangue. A MIT ea DIT livres sofrem rápida desiodação no interior da célula, permitindo a reciclagem do iodeto para a síntese de novo hormônio tireoidiano. A maioria dos órgãos endócrinos sintetiza e libera novos hor- mônios quando ativados, em vez de armazenar grandes quan- 452 | capítulo Vinte e Seis O Eixo normal TRH TRH, Hormônio tireoidiano Auto-anticorpo Hormônio “ostimulador Glândula tireóide | tireoidiano Tecidos-alvo Fig. 26.4 O eixo hipotalâmico-hipofisário-tireóide na saúde e na doença. ( Doença de Graves Hormônio tireoidiano; Po o Auto-anticorpo À a Hormônio | destrutivo * Hormônio tireoidiano | tireoidiano + Tecidos-alvo 1 Tecidos-alvo A, No eixo normal, o hormônio de liberação tireotropina (TRH) estimula os tireótrofos da adeno-hipófise a liberar o hormônio tireoestimulante (TSH). O TSH estimula a síntese e a liberação de hormônio tireoidiano pela glândula tireóide. O hormônio da tireóide, além dos seus efeitos sobre os tecidos-alvo, inibe a liberação adicional de TRH e de TSH pelo hipotálamo e pela adeno-hipófise, respectivamente. B. Na doença de Graves, um auto-anticorpo estimulador ativa de modo autônomo o receptor de TSH na glândula tireóide, resultando em estimulação persistente da glândula tireóide, aumento dos níveis plasmáticos de hormônio tireoidiano (linhas espessas) e supressão da liberação de TRH e de TSH (linhas tracejadas). C. Na tireoidite de Hashimoto, um auto-anticorpo destrutivo ataca a glândula tireóide, causando insuficiência da tireóide e diminuição na sintese e secreção de hormônio tireoidiano (linhas tracejadas). Em consequência, não ocorre inibição do hipotálamo e da adeno-hipófise por retroalimentação, e verifica-se uma elevação dos níveis plasmáticos de TSH (linhas espessas). A doença de Graves demonstra a importância dos níveis plasmáticos de hormônio tireoidiano na regulação da homeosta- sia do eixo hipotalâmico-hipofisário-tircóide. Nessa síndrome, ocorre produção de um auto-anticorpo IgG específico dirigido contra o receptor de TSH, conhecido como imunoglobulina estimulante da tireóide (TsIg). Esse anticorpo atua como agonista e, portanto, ativa o receptor de TSH, estimulando a síntese e a liberação de hormônio tireoidiano pelas células foli- culares da tireóide. Entretanto, ao contrário do TSH, a Tslg não está sujeita a retroalimentação negativa; continua esti- mulando a função da tireóide, mesmo quando os níveis plas- máticos de hormônio tireoidiano aumentam, atingindo a faixa patológica. Como os anto-anticorpos encontrados na doença de Graves atuam independentemente do eixo hipotalâmico-hipo- fisário-tireóide, ocorre ruptura da homeostasia do hormônio tircoidiano. Surgem os sintomas clínicos de hipertireoidismo, e os exames laboratoriais revelam níveis plasmáticos elevados de hormônio tireoidiano, níveis baixos ou indetectáveis de TSH e níveis elevados de Tslg. No caso descrito na introdução, os níveis de TSH da Sra. L estavam baixos, visto que os níveis plasmáticos excessivos de hormônio tireoidiano suprimiram a liberação de TSH pela adeno-hipófise. Em contrapartida, a tircoidite de Hashimoto resulta em des- truição seletiva da glândula tireóide. No plasma de pacientes com tireoidite de Hashimoto, podem ser encontrados anticor- pos específicos dirigidos contra muitas proteínas da glândula tireóide, incluindo a tiroglobulina e a tireóide peroxidase. A exemplo da doença de Graves, acredita-se que a etiologia sub- jacente dessa doença seja anto-imune. A evolução clínica da tircoidite de Hashimoto envolve destruição inflamatória gra- dual da glândula tireóide, com consegiiente desenvolvimento de hipotireoidismo. No início da evolução da doença, a des- truição das células foliculares da tireóide pode liberar quanti- dades excessivas de colóide armazenado, resultando em níveis transitoriamente elevados de hormônio tireoidiano. Por fim, a glândula é quase totalmente destruída, e surgem os sintomas clínicos de hipotireoidismo (por exemplo, letargia e diminui ção do metabolismo). O tratamento da tireoidite de Hashimoto envolve uma reposição farmacológica com hormônio tireoidia- no sintético oral. Outras causas de hipotireoidismo e de hipertireoidismo incluem anomalias de desenvolvimento, tireoidite subaguda (de DeQuervain) e adenomas e carcinomas da tireóide. Os detalhes das fisiopatologias subjacentes diferem, porém a intervenção farmacológica, em cada caso, baseia-se em determinar se o paciente é hipotireóideo, eutircóideo ou hipertireóideo. CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS O tratamento farmacológico da fisiopatologia da glândula tireóide envolve a reposição do hormônio tireoidiano defi- ciente ou um antagonismo do hormônio tireoidiano presente em quantidades excessivas. A reposição é evidente por si própria, enquanto os antagonistas atuam em múltiplas etapas na síntese e ação do hormônio tireoidiano (Fig. 26.5). Além disso, diversos agentes farmacológicos utilizados para indica- ções de doenças não-tireoidianas exercem efeitos importantes sobre o metabolismo periférico dos hormônios da tireóide. Os mecanismos de sua ação são discntidos no final dessa sessão. Perclorato Tiocianato Pertecnetato Espaço extracelular lodetos (níveis elevados) “o Se lodetos (altos 1 ap Célula folicular Conversão periférica Propiltiouracila +3 Fig. 26.5 Intervenções farmacológicas que afetam a sintese dos hormô: tireoidianos. Os ânions com raio molecular aproximadamente igual ao do fon iodeto (1), como o perdorato, o tiocianato e o pertecnetato, competem com o iodeto pela sua captação pelo simportador de Na*/ IH. O *"I- radioativo, quando concentrado no interior das células da glândula tireóide, provoca destruição seletiva da glândula. O iodeto em altos níveis causa depressão transitória da função da tireóide através da inibição dos processos de organificação, acoplamento e proteólise da tireoglobulina. As tioaminas, como a propiltiouracila e o tiamazol, inibem a organização e o acoplamento; a propiltiouracila também inibe a conversão periférica de T4 em T3. TG-MIT, tireoglobulina- monoiodotirosina; TG-DIT, tireoglobulina-diiodotirosina. TRATAMENTO DO HIPOTIREOIDISMO O hormônio tircoidiano constitui uma terapia bem estabelecida e segura para tratamento a longo prazo do hipotireoidismo. A terapia tem por objetivo repor a falta de hormônio tireoidiano endógeno com administração regular de hormônio tireoidiano exógeno. O hormônio tireoidiano exógeno, que é produzido por síntese química, é estruturalmente idêntico ao hormônio tireoidiano endógeno (geralmente T4). Os primeiros estudos clínicos com reposição hormonal ques- tionaram se seria mais eficaz efetuar uma reposição com T3 ou com T4. A T3 é a forma metabolicamente mais ativa do hormônio tireoidiano, e seria possível prever que a reposição do hormônio tireoidiano deficiente com T3 poderia normalizar de modo mais efetivo a homeostasia da tireóide. Entretanto, diversos achados fornecem argumentos contra essa suposição. Em primeiro lugar, a maior parte do hormônio tircoidiano no organismo encontra-se na forma de T4, embora a TA tenha uma atividade mais baixa e seja finalmente metabolizada a T3. A disponibilidade de um grande reservatório de “pró-fármaco” tireoidiano (T4) no plasma pode ser importante, talvez como Farmacologia da Glândula Tireóide | 453 tampão efetivo para normalizar o metabolismo em uma ampla variedade de condições. Em segundo lugar, a meia-vida da T4 é de 6 dias, em comparação com a meia-vida de 1 dia da T3. A meia-vida prolongada da TA permite ao paciente tomar apenas uma pílula de reposição de hormônio tireoidiano por dia. Por essas razões, a levotiroxina, o L-isômero de T4, constitui o tratamento de escolha para o hipotireoidismo. (Uma possível exceção é representada pelo coma mixedematoso, em que o início de ação mais rápido da T3 pode permitir uma maior recu- peração do hipotireoidismo potencialmente fatal.) A eficácia da reposição de hormônio tireoidiano é monitorada através de ensaios dos níveis plasmáticos de TSH e de hormônio tireoidia- no. O TSH é um marcador acurado da atividade do hormônio tireoidiano, visto que a liberação de TSH pela adeno hipófise é extremamente sensível ao controle de retroalimentação pelo hormônio tireoidiano no sangue. Quando o paciente está tomando uma dose estável de levo- tiroxina, a monitoração dos níveis de TSH geralmente pode ser efetuada a cada 6 meses a um ano. A ocorrência de súbitas alterações nos níveis de TSH, apesar do nso constante de levoti- roxina, pode ser devido a interações medicamentosas afetando a absorção e o metabolismo. Por exemplo, certas resinas, como o polistireno sulfonato de sódio (Kayexelate) e a colestirami- na, podem diminuir a absorção de T4. Os fármacos que aumen- tam a atividade de certas enzimas PASO hepáticas, incluindo rifampicina e fenitoína, aumentam a excreção hepática de TA. Nesses casos, pode ser necessário aumentar a dose suplementar de TA para manter um estado entireóideo. TRATAMENTO DO HIPERTIREOIDISMO Existem agentes farmacológicos direcionados para cada etapa na síntese dos hormônios tireoidianos, desde a captação inicial de iodeto, a organificação e o acoplamento, até a conversão periférica de T4 em T3. Clinicamente, dispõe-se de iodeto radioativo e de tioaminas para o tratamento do hipertireoi- dismo. Algumas vezes, são também ntilizados antagonistas B-adrenérgicos para melhorar alguns dos sintomas do hiper- tircoisdismo. Inibidores da Captação de lodeto O iodeto é transportado até a célula folicular da tireóide através de um simportador de Na'/T-. Certos ânions com raio atômico aproximado do iodeto, como o perclorato, o tiocianato e o pertecnetato, competem com o iodeto pela sua captação na célula folicular da glândula tireóide (Fig. 26.5). Isso resulta em diminuição da quantidade de iodeto disponível para a sín- tese dos hormônios tireoidianos. Em geral, os efeitos dos ini- bidores da captação de ânions não são imediatamente aparentes, devido à grande reserva de hormônio tireoidiano pré-formado no colóide. Os inibidores da captação de ânions podem ser utilizados no tratamento do hipertireoidismo; esses agentes reduzem o supri- mento intratireoidiano de iodeto disponível para a síntese dos hormônios da tireóide. Todavia, o seu uso é incomum, devido ao potencial de anemia aplásica, e as tioaminas (ver adiante) são, em geral, mais efetivas. Como muitos desses inibidores da captação são também empregados como meios de contras- te radiopacos, é importante ter em mente esse antagonismo fisiológico sempre que um paciente tiver sintomas de hipo- tireoidismo após exames radiográficos extensos que utilizam meio de contraste. 454 | capítulo Vinte e Seis Inibidores da Organificação e da Liberação dos Hormônios da Tireóide lodetos Na prática clínica, são utilizados dois tipos distintos de iodeto. Ambos tiram proveito da captação seletiva e da concentração de iodeto pela glândula tireóide em níveis muito maiores que os do sangue. O primeiro agente, “!T-, é um isótopo radioativo do iodeto que emite intensamente partículas 3 tóxicas para as células. O canal de Na'/- expresso nas membranas das células foli- culares da tireóide é incapaz de diferenciar o "!I- do iodeto estável normal (11. Por conseguinte, o "!T- é seqiiestrado no interior da glândula tireóide. Isso torna o "!I- radioativo uma forma de terapia específica e efetiva para o hipertircoidismo. O iodeto radioativo intracelular concentrado continua emitin- do partículas £, resultando em destruição local e seletiva da glândula tireóide. O iodeto radioativo é utilizado no tratamento da tireotoxicose, e esse agente constitui uma alternativa para a cirurgia no tratamento do hipertireoidismo. Existe a preocu- pação de que o paciente possa finalmente desenvolver hipo- tircoidismo após tratamento com iodeto radioativo, visto que é difícil estabelecer, em determinado paciente, até que ponto o !!T- radioativo irá destruir todas ou a maioria das células foliculares da tireóide. A meta é administrar “'F- o suficiente para produzir um estado eutireóideo, sem precipitar hipoti- reoidismo. Esse resultado desejado nem sempre é obtido; por exemplo, a Sra. Ldesenvolveu hipotireoidismo após tratamento com !"T-. De qualquer modo, é mais fácil tratar clinicamente o desenvolvimento de hipotireoidismo do que o hipertireoidismo. Com base em estudos epidemiológicos, é pouco provável que o iodeto radioativo em doses terapênticas tenha efeito sobre a incidência de câncer da tireóide. O segundo agente farmacológico clinicamente importante é, paradoxalmente, o iodeto inorgânico estável. O iodeto em altos níveis inibe a síntese e a liberação de hormônio tircoidiano, um fenômeno conhecido como efeito de Wolff-Chaikoff. O efeito de retroalimentação negativa das concentrações intratircóideas elevadas de iodeto é reversível e transitório; a síntese e a libe- ração de hormônio tireoidiano normalizam-se dentro de poucos dias após aumento da concentração plasmática de iodeto. Por conseguinte, o iodeto inorgânico não constitui uma terapia a longo prazo útil para o hipertireoidismo. Todavia, esse fenô- meno tem ontras aplicações importantes. Por exemplo, o iodeto emaltas doses diminui o tamanho e a vascularidade da glândula tireóide, Devido a esse efeito, o iodeto é fregiientemente admi- nistrado antes de uma cirurgia da glândula tireóide, permitindo uma excisão tecnicamente mais fácil da glândula. O iodeto também pode ter importantes efeitos preventivos. Quando ocorreu o acidente nuclear em Chernobyl, houve preo- cupação quanto ao fato de que o iodeto radioativo liberado no ar sobre a Polônia pudesse causar destruição da glândula tireóide em nível de população. Como medida preventiva, milhões de crianças polonesas receberam grandes doses de iodeto durante vários dias para suprimir temporariamente a função da glân- dula tireóide e, assim, evitar a captação do iodeto radioativo ambiental. Tioaminas As tioaminas propiltiouracila e tiamazol (metimazo) são inibidores importantes e úteis da produção de hormônio tircoidiano. As tioaminas competem com a tireoglobulina pelo iodeto oxidado, em um processo catalisado pela enzima tireóide peroxidase (Fig. 26.5). Essa etapa é essencial para a organifica- ção e o acoplamento dos precursores do hormônio tireoidiano. Através de competição pelo iodeto oxidado, o tratamento com tioaminas produz uma dimimeição seletiva na produção de hormônios tireoidianos. As tioaminas iodadas também podem ligar-se à tircoglobulina, antagonizando ainda mais qualquer reação de acoplamento. Convém lembrar que as células foli- culares da tireóide armazenam uma grande quantidade de hor- mônio tireoidiano nascente sob a forma de colóide. Esse colóide pode fornecer hormônio tireoidiano em quantidade suficiente durante mais de uma semana, na ausência de qualquer síntese. Como as tioaminas afetam a síntese, mas não a secreção de hormônio tireoidiano, os efeitos desses fármacos são obser- vados apenas dentro de várias semanas após a instituição do tratamento. Com fregiiência, o tratamento com tioaminas resulta em for- mação de bócio. Por esse motivo, os fármacos são comumente designados como bociógenos. A inibição da síntese de hor- mônios tireoidianos pelo fármaco resulta em supra-regulação da liberação de TSH pela adeno-hipófise, numa tentativa de restabelecer a homeostasia. Entretanto, os níveis plasmáticos aumentados de TSH não conseguem elevar os níveis de hormô- nio tireoidiano, devido à ação da tioamina. Em resposta à esti- mulação pelo TSH elevado, a glândula tireóide sofre hipertrofia na tentativa de aumentar a síntese de hormônios tireoidianos. Esse processo leva finalmente à formação de bócio. A propiltiouracila é considerada o protótipo das tioaminas; o tiamazol é outro fármaco dessa classe que é freqiientemente utilizado. A propiltiouracila inibe a tireóide peroxidase, bem como a conversão periférica de T4 em T3, enquanto foi cons- tatado que o tiamazol só inibe a tireóide peroxidase. A propil- tiouracila possui meia-vida curta, exigindo a sua administração três vezes ao dia, enquanto o tiamazol pode ser tomado uma vez ao dia. Tanto a propiltiouracila quanto o tiamazol são geralmente bem tolerados. O efeito adverso mais fregiiente desses fármacos consiste em exantema pruriginoso no início do tratamento, que pode sofrer remissão espontânea. As artralgias também consti- tuem um motivo comum para a interrupção desses fármacos. A propiltiouracila pode causar depleção dos níveis de protrombi- na, resultando em hipoprotrombinemia e aumento da tendência ao sangramento. A agranulocitose, a hepatotoxicidade e a vasculite consti- tuem três complicações raras, porém graves, da propiltiouraci- la e do tiamazol. Ocorre agranulocitose em <0,1% dos casos, habitualmente dentro dos primeiros 90 dias de tratamento com esses agentes. Devido a esse risco, todos os pacientes em uso de tioaminas devem efetuar uma contagem basal dos lencóci- tos e ser aconselhados a suspender imediatamente o fármaco caso tenham febre ou faringite. A hepatotoxicidade também constitui um efeito adverso raro das tioaminas. Tipicamente, a hepatite é de padrão colestático e pode representar uma reação alérgica ao fármaco. Essa hepatite alérgica pode ocorrer mais frequentemente com a propiltiouracila do que com o tiamazol. A vasculite induzida por esses agentes pode manifestar-se na forma de lúpus induzido por fármaco ou vasculite associada a anticorpo anticitoplasma de nentrófilo (ANCA). Como a incidência de efeitos adversos graves parece ser menos fregiiente com o tiamazol do que com a propiltiouracila, O tiamazol é, em geral, o fármaco preferido na prática clínica. Duas exceções a essa regra são a tempestade tireoidiana e a gravidez. No tratamento agudo do hipertireoidismo grave (tem- pestade tireoidiana), a propiltiouracila constitui um fármaco mais interessante em virtude de sua capacidade adicional de
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