Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Casos Clínicos em Psiquiatria, Notas de estudo de Enfermagem

Publicar uma revista de Casos Clínicos em Psiquiatria é uma iniciativa inspirada. Achamos que devemos nos empenhar para seu êxito. O estudo do caso constituiu sempre a base, o ponto de partida e o campo de desenvolvimento da atividade médica: conhecimento dos fatos, formulação da nosologia, elaboração das teorias, etiologias, desenvolvimento dos tratamentos, ensino profissional. Na Introdução à Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin explica sua intenção: oferece sob forma de aulas escritas

Tipologia: Notas de estudo

2010
Em oferta
30 Pontos
Discount

Oferta por tempo limitado


Compartilhado em 21/04/2010

gerson-souza-santos-7
gerson-souza-santos-7 🇧🇷

4.8

(351)

772 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Casos Clínicos em Psiquiatria e outras Notas de estudo em PDF para Enfermagem, somente na Docsity! UMA PUBLICAÇÃO DO Departamento de Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de Medicina - UFMG e da Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas - UFMG Editor Geral Maurício Viotti Daker Diretor Executivo Geraldo Brasileiro Filho Comissão Editorial Alfred Kraus • Antônio Márcio Ribeiro Teixeira • Betty Liseta de Castro Pires • Carlos Roberto Hojaij • Carol Sonenreich • Cassio Machado de Campos Bottino • Cleto Brasileiro Pontes • Erikson Felipe Furtado • Irismar Reis de Oliveira • Delcir Antônio da Costa • Eduardo Antônio de Queiroz • Eduardo Iacoponi • Fábio Lopes Rocha • Flávio Kapczinski • Francisco Baptista Assumpção Jr. • Francisco Lotufo Neto • Hélio Durães de Alkmin • Helio Elkis • Henrique Schützer Del Nero • Jarbas Moacir Portela • Jerson Laks • John Christian Gillin • Jorge Paprocki • José Alberto Del Porto • José Raimundo da Silva Lippi • Luis Guilherme Streb • Michael Schmidt- Degenhard • Marco Antônio Marcolin • Maria Elizabeth Uchôa Demichelli • Mário Rodrigues Louzã Neto • Miguel Chalub • Miguel Roberto Jorge • Osvaldo Pereira de Almeida • Othon Coelho Bastos Filho • Paulo Dalgalarrondo • Paulo Mattos • Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima • Pedro Gabriel Delgado • Ricardo Alberto Moreno • Roberto Piedade • Ronaldo Simões Coelho • Sérgio Paulo Rigonatti • Saulo Castel • Sylvio de Magalhães Velloso • Talvane Martins de Moraes • Tatiana Tcherbakowsky Nunes de Mourão Editora Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda (Coopmed) Capa, projeto gráfico, composição eletrônica e produção Folium Comunicação Ltda Periodicidade: semestral Tiragem: 5.000 exemplares Assinatura e Publicidade Coopmed 0800 315936 Correspondência e artigos Coopmed Casos Clínicos em Psiquiatria Av. Alfredo Balena, 190 30130-100 - Belo Horizonte - MG - Brasil Fone: (31) 3273 1955 Fax: (31) 3226 7955 E-mail: ccp@medicina.ufmg.br Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp Capa: Montagem de auto-retrato de Vincent van Gogh com retrato de seu psiquatra Dr. Gachet. Casos Clínicos em Psiquiatria Sumário Editorial..................................................................................................1 Auto-relato Quinze delírios ..........................................................................................2 Artigos Originais Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y terapéuticas................................................................................................10 Pilar Sierra San Miguel, Lorenzo Livianos Aldana, Luis Rojo Moreno Discinesia tardia com predomínio de distonia ........................................13 Guilherme Assumpção Dias Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio ...............................18 Yara Azevedo, Cíntia de Azevedo Marques, Eduardo Iacoponi Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine, and paroxetine: case report and literature review...........21 Luiz Renato Gazzola Caso Literário Sales ...........................................................................................................29 Machado de Assis Patografia Patografia de Vincent van Gogh ..............................................................32 Andrés Heerlein Caso Histórico Freud e o uso de cocaína: história e verdade...........................................42 José Antônio Zago Descrição Clássica/Homenagem Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito .....................48 Michael Schmidt-Degenhard Seguimento...........................................................................................53 Index CCP ............................................................................................54 Normas de Publicação ................................................................55 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):1-55 Publicar uma revista de Casos Clínicos em Psiquiatria é uma iniciativa inspirada. Achamos que devemos nos empenhar para seu êxito. O estudo do caso constituiu sempre a base, o ponto de partida e o campo de desenvolvimento da atividade médica: conhecimento dos fatos, formulação da nosologia, elaboração das teorias, etiologias, desen- volvimento dos tratamentos, ensino profissional. Na Introdução à Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin explica sua intenção: oferece sob forma de aulas escritas as apresentações de casos clínicos realizados com seus alunos. O caso observado, descrito, sendo selecionados os aspectos significativos para conceber um quadro clínico, um diagnósti- co. É na medida em que analisa os casos que Kraepelin formula e clas- sifica as doenças. Podemos seguir, com a leitura destas aulas, o nasci- mento das entidades psiquiátricas, conforme Kraepelin. Para identificar as alterações, lançar hipóteses etiológicas, tentati- vas de entender, explicar, a apresentação do caso clínico é procedimen- to clássico e, devido a sua importância, publicar em livros e revistas os casos também era procedimento clássico. Indagações, pesquisas de labo- ratório, hipóteses foram sugeridas e debatidas em torno do caso clínico. Sem falar do seu uso para exemplificar, classificar, argumentar a favor de teorias, de propostas terapêuticas. Nomes de certos casos tornaram- se emblemáticos: Ellen West, Suzan Urban. O caso Elliot (retomado por Damasio em 1994, para ilustrar suas teses) aparece em vários estu- dos neurológicos, neurocirúrgicos. O ensino da medicina interna usou muitas vezes a publicação de casos em revistas e mesmo em tratados de muitos tomos. Como exemplo, argumento, o caso clínico continua instrumento precioso. Muitas revistas lhe dedicam seções especiais. Na psiquiatria o espaço que lhe é dedicado é evidentemente pequeno. Não se trata aqui de uma "pesquisa", mas examinando alguns números de revistas psi- quiátricas recentes, é óbvio: nos cinco primeiros números do ano 2000, o British Journal of Psychiatry não inclui nenhum artigo dedicado a "caso clínico". Nem o número de abril de 2000 dos Archives of General Psychiatry. O American Journal of Psychiatry, em cada um dos números 7 e 8 deste ano, inclui um artigo de "clinical case conference", um relacionado com terapia cognitivo-comportamental, outro observando características de duas irmãs gêmeas. A valiosa revista Arquivos de Neuropsiquiatria (SP) dedica às apresentações de caso uma seção de proporções pouco comuns: no núme- ro de junho de 2000, 60 do total de 200 páginas, e no número de setem- bro 70 entre o total de 200 páginas. Trata-se de casos neurológicos. Nas revistas psiquiátricas predominam (ou são exclusivos) artigos dedicados à epidemiologia e pesquisas básicas, com amplo uso de esta- tísticas, quantificação. Não podemos afirmar que isto represente o inte- resse dos estudiosos, mas é claro que as revistas exigem tal orientação, e para os autores publicar se tornou quase uma questão de sobrevivên- cia na carreira. A quantificação, considerada critério de cientificidade, parece pouco aplicável no "caso particular", embora o "caso único" seja reco- mendado como abordagem alternativa (Hersen M, p. 73-105) entre os métodos de Pesquisa em Psiquiatria (LKG Hsu, Research in Psychiatry, New York: Plenum Medical Book Company, 1992). Os módulos, o isolamento de elementos mínimos, (moléculas, neu- rotransmissores, receptores) são parte importante das pesquisas atuais. Claro que a apresentação do caso leva a um nível complexo de estudo, pouco compatível com a abstratização estatística que os elementos ou as funções isoladas constituem. O relacionamento com os outros, as con- dutas da pessoa, objetos da psiquiatria, não podem ser limitadas a regis- tros quantitativos. Para pesquisá-los precisamos de conceitos e métodos que não são os praticados na maioria dos estudos publicados. Não consideramos que uma revista de casos clínicos pretenda cor- rigir as omissões de outras publicações. Mas com certeza, ela nos evoca a "complementaridade", da qual as ciências humanas e as da natureza tanto falam. Carol Sonenreich Diretor do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do Servidor Público Estadual - São Paulo Publishing a magazine for Clinical Cases in Pschiatry is an inspired enterprise. We think that we should strive for its success. The case study is the basis, starting point and the development field of med- ical work: knowledge of facts, formulation of nosology, theory elabora- tion, etiology, treatment development and technical teaching. In his Introdução à Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin tells us his intention: offer the presentation of clinical cases carried on with his students as written lessons. The cases are observed, described and the main aspects are selected to form a clinical nosological picture, a diag- nosis. While Kraepelin analyzes the cases, he formulates and classifies the diseases. The reading of those lessons has allowed us to follow the birth of psychiatric entities as Kraepelin. It’s a classical procedure the understanding trials and explana- tions of clinical cases, to identify their alterations and to start etiolog- ical hypothesis. Due to its importance, publishing books and maga- zines with cases was also a classical procedure. Questions, laboratori- al researches, hypothesis were suggested and argued based upon clini- cal cases, besides its uses to exemplify, classify and argument in favor of theory and of therapeutical proposals. The names of some cases become emblematic: Ellen West, Susan Urban. The Elliot’s case (as described by Damasio in 1994 to enrich his thesis) appears in many neurological and neurosurgery studies. The internal medicine took advantage of published cases in magazines and even in tome books many times. As an exemplification, as an argument the clinical case is still a precious instrument. Many magazines have special section dedicated to them. In psychiatry the space dedicated to them is evidently small. This is not a "research" but if we observe few recent editions of psy- chiatric magazines, we will find that in the year 2000 the first five edi- tions of British Journal of Psychiatry have no clinical case. It hap- pens even in the April 2000 edition of Archives of General Psychiatry. The 7th and 8th editions of the American Journal of Psychiatry of this year include one clinical case conference related with cognitive behavioral therapy and another showing the characte- ristics of twin sisters. The very important magazine Arquivos de Neuropsiquiatria (SP) dedicates an unusual large section to the presentation of cases: in the June edition, 60 out of a total of 200 pages, and in the September edition, 70 out of a total of 200 pages. They are neurological cases. In psychiatric magazines, articles about epidemiology and basic research predominate (or are exclusive), creating a wide use of statisti- cal and quantifications methods. We cannot affirm that this represents the interest of the scholars but it is clear that magazines have such ori- entation, and for the authors, publishing is almost a survival problem in their career. The quantification as a scientific standard is not applicable in the "particular case” although the "single case" is recommended as alter- native approach among methods from research in Psychiatry (LKG Hsu, Research in Psychiatry, New York, Plenum Medical Book Company, 1992) The modules, the isolation of minimum elements (molecules, neu- rotransmitters, receptors) are important part of nowadays research. It is known that the explanation of the case leads to a complex level of study that is not compatible with the abstractive statistical data formed by elements or the single functions. The relationship, the behavior of people, subject of psychiatry cannot be limited as quantita- tive records. To research them, we need to have concepts and methods that are not used in the majority of the published studies. We do not assume that a magazine for clinical cases will fulfill all the omissions of other publications. But certainly we can call the idea of "complementary", which is now widely spread by social and natu- ral sciences. Carol Sonenreich Director of the Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do Servidor Público Estadual - São Paulo Editorial Naqueles momentos, então, que o entrevistado, ou o ator, olha para a câmera e fala para os telespectadores, ah, eles estavam falando diretamente para mim... Eles me olhavam no olho. Então, eu também olhava no olho deles e respondia. De noite, em meu quarto, eu achava que havia câmaras de fil- magem escondidas, filmando o meu sexo com Mônica. - 6 - De tarde, na praia, apareceu-me um relógio em visão. A visão me acompanhou o tempo todo. Não importa o que eu fizesse, para onde olhasse, o relógio _ sempre com a hora certa _ apare- cia no fundo. Então, à noite, no apartamento de praia que meu irmão alu- gava, veio-me a explicação da visão: “Vou morrer à meia-noite.” E fiquei com a idéia fixa de que ia morrer à meia noite. Mas não disse para ninguém. Às dez horas, por aí, Mônica, eu e as crianças saímos do apar- tamento e fomos para o rancho que tínhamos em Barra do Una antes de construir nossa casa. Arrumamos as camas e nos deita- mos para dormir. A visão do relógio e a certeza de morrer à meia- noite não me abandonavam, no entanto. Daí pensei: _ “Eu sou como Matraga, chegou minha hora e minha vez. Como ele, não vou esperar meu destino passivamente: vou enfrentá-lo.” Saí do rancho e fui para a rua onde fiquei andando, pronto para brigar pela vida com quem viesse me desafiar. A rua estava vazia e eu não sabia de onde viria o inimigo. Eram onze e meia em meu “relógio-visão” quando pensei diferente: _ “Se querem me matar, vão ter de vir à minha toca. Me pegar no meu lugar.” Voltei para o rancho, afastei a cama das crianças e a da Mônica e deitei-me num acolchoado bem em frente da porta. Antes de deitar, no entanto, peguei um facão de cozinha e segu- rei-o na mão direita, firme, pronto para dar o golpe se alguém invadisse o lar de minha família. De manhã cedo, Mônica encontrou-me dormindo no chão com a faca do lado. Enquanto eu esperava a meia-noite, dormi... E não morri. - 7 - Fui a um churrasco no interior, na casa de um tio meu. Eu estava de bermuda curta, camiseta leve e um par de chinelos. Chegando lá havia aquela festa toda, todo mundo animado, fes- teiros mesmo, e eu me senti muito mal porque todos estavam ves- tidos muito bem, traje esporte fino e só eu de bermudas e chine- lo. Como acontecia em outras crises, eu havia emagrecido em poucos dias mais de dez quilos. Percebi que as pessoas me evitavam na festa e às vezes olha- vam para mim de soslaio. É claro que me olhavam de soslaio e evitavam vir falar comigo porque eu estava em delírio. Devia estar muito estranho. Mas eu achei que estavam me evitando porque eu estava com AIDS. Percebendo minha magreza, olhando minhas pernas finas, logo concluí que de fato eu estava com AIDS. Chamei a Mônica para irmos embora. Enquanto ela e as crianças almoçavam rapidamente fui para fora da casa, esperá-los na rua. Minha tia quis me levar de volta para a festa, me dar comi- da e tal e eu nada. Queria ir embora pra casa, deitar na minha cama. Quando Mônica veio com as crianças, pegamos o carro e fomos embora. Havíamos andado uns vinte quilômetros talvez, sem falarmos nada um ao outro, quando cheguei-me ao ouvido dela e falei baixinho: _ “Eu estou com AIDS.” Ela me respondeu: _ “Fique quieto. Não fale uma palavra!” Dirigiu até um retorno que havia na pista, onde pode parar o carro num lugar seguro. Mandou as crianças brincarem num canto da praça e sentou-se comigo no meio de um gramado. Disse-me, então: _ “Fala Luiz. O que está acontecendo?” _ “Eu estou com AIDS, Mônica. Peguei AIDS.” _ “Você fez alguma coisa para achar que tenha pego AIDS? Você saiu com alguém, fez alguma coisa assim?” _ “Não. Eu juro que não fiz nada. Mas veja minha magreza. Veja como as pessoas me evitaram na festa...” _ “Você está magro porque está em crise, isto sempre acontece. Quanto às pessoas, foi você quem as evitou. Você quis vir embora, não quis falar com ninguém.” _ “Eu estou com AIDS!” _ “E como você pegou?” _ “Pelos mosquitos, você sabe. Pela picada dos pernilongos.” _ “Luiz, AIDS não se pega assim, você sabe disso. Agora, vou lhe falar uma coisa e você preste muita atenção senão eu vou ficar muito brava com você. Nós estamos no meio da estrada. Faltam duas horas pra chegar em casa. Nós vamos entrar no carro e ir embora pra casa. Lá nós conversaremos com calma. Mas, por favor, ouça o que estou lhe dizendo; isto é uma coisa muito séria: você não vai falar mais neste assunto até chegar- mos em casa. Nós temos dois filhos pequenos que não podem ficar pensando que o pai deles está com AIDS apenas porque você está delirando. Entendeu?” _ “Entendi.” _ “Então vamos embora. Vou chamar as crianças.” Viemos para São Paulo sem conversar uma palavra sequer durante a viagem. Passei quase uma semana obcecado pela idéia de AIDS e pernilongos. Às noites, eu ficava acordado com uma toalha de rosto na mão matando pernilongos no quarto das crian- ças. Minha obsessão era evitar o contágio das crianças e para mim, em meu delírio, as formas de contágio foram se multiplican- do. Ao fim de alguns dias eu tinha separado para meu uso exclu- sivo copos, louças e talheres e não deixava ninguém usá-los além de mim. Estranhamente, o sexo, a própria forma de contágio da AIDS, não me incomodava. Eu não achava que a Mônica, minha parceira sexual, estivesse com AIDS. Apenas eu estava. Tinha pego dos pernilongos. Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 4 Quinze delírios Daí ela teve de pegar os livros que tínhamos em casa sobre AIDS e me fazer reler, explicando-me como se pegava a doença, como se eu nunca tivesse sabido. Depois me disse: _ “Se você está tão preocupado, vá fazer um exame de sangue. Mas eu lhe proponho outro teste. Você sabe que eu não estou com AIDS. E que sou uma pessoa consciente, lúcida, que não quero pegar AIDS. Pois você também não tem, e para você ter certeza disso eu lhe ofereço o meu corpo. Venha deitar comigo.” - 8 - De uma das vezes em que estive internado, lembro-me de estar amarrado na cama num dos quartos do Bezerra de Menezes e pensar que estava enterrado vivo numa espécie de catacumba que eu imaginava ser vizinha do cemitério do Araçá. Neste dia eu fiquei, talvez, amarrado das dez horas da manhã até quatro da tarde. O delírio evoluiu. Após algum tempo eu não estava mais enterrado vivo. Eu era um morto sem condições de ser enterrado. A catacumba onde eu estava era uma espécie de purgatório com objetivos de purificação. Era um lugar intermediário entre o Hospital das Clínicas e o Cemitério do Araçá para onde eram mandados os mortos de graves doenças infecciosas. Havia um pessoal burocrata que decidia quem podia ser enterrado, e quem podia subia pelo elevador até o cemitério. Quem não podia, con- tinuava amarrado. (Não havia elevador no local). Meu corpo estava numa estranha transmutação e de repente eu não era mais eu. Perdi todas as esperanças de ser solto pois eu era, afinal, o vírus da AIDS que tinha sido isolado naquele estra- nho lugar para ser estudado pelos médicos. Eu era um vírus e tinha sido capturado. Meu corpo todo tinha sido envolto por uma película plástica para que não contaminasse ninguém. Após um tempo, perdi as esperanças de ser solto e parei de gritar. Foi quando, um tempo depois, fui solto da cama. Andei até a sala de televisão sem ver ninguém e fiquei senta- do num dos bancos de madeira que havia no local. Os bancos estavam postos em L, como devem estar até hoje, e assim pare- ciam delimitar um espaço máximo de ação de cerca de dez metros quadrados. Daí eu vi ao meu lado, sentado, assistindo televisão, um companheiro paciente. Era um preto gordo, já um senhor, bonacheirão, com um gorro enfiado na cabeça. Eu não sabia que ele estava vendo televisão. Nem sabia que ali havia televisão - eu não a via, pendurada alta na parede. Para mim, eu continuava preso para toda a eternidade naquele quadrado delimitado pelos bancos e o preto era o meu vigia. - 9 - O haldol, assim como outros neurolépticos, causa efeitos colaterais, comumente chamados de “impregnação” e que consis- tem basicamente numa crescente robotização dos movimentos por uma rigidez muscular que se espalha pelo corpo todo. Para deter a impregnação usam-se outros remédios junto com os neu- rolépticos. Neste delírio, após ser medicado em São Paulo, fui para a praia com Mônica e as crianças e também com meu irmão médi- co e sua família. Desta vez tive a maior impregnação de haldol de todas as minhas crises. Aliás, mesmo em minhas internações, nunca vi nin- guém tão impregnado quanto eu fiquei. O akineton não foi sufi- ciente para deter a impregnação. Primeiro meu corpo ficou todo rígido e eu só me movimen- tava muito lentamente, com o andar estranho dos robôs. Depois, uma tarde, fui acometido por um repuxamento mus- cular na nuca e no pescoço e eu ficava com o rosto de lado, com a musculatura toda estirada. Meu maxilar se travou e o trismo não permitia que eu abrisse a boca. Minha cunhada deitou-me numa esteira de taboa e me fez massagens. Assim fiquei sabendo que massagens não adiantam nada para isto. Meu irmão me pegou pelo braço, pôs-me no carro e levou- me até a farmácia em Boissucanga. No caminho, havia enormes máquinas de terraplanagem que abriam naquele tempo o novo leito da Rio-Santos. Durante todo o percurso, eu achava que seríamos esmagados por aquelas máquinas imensas. Estava certo que elas estavam ali apenas para nos perseguir, triturando-nos entre suas pás e estei- ras. Os barreiros que havia no caminho tinham sido feitos de pro- pósito pelas máquinas para nos fazer atolar. Depois elas viriam e nos esmagariam enquanto estivéssemos atolados. Em Boissucanga, na farmácia, na calçada do lado de fora, lembro-me de uma mulher índia com um facão na mão que olha- va para mim desconfiada. Eu tinha medo que ela me atacasse com o facão. De fato, como eu estava, com a cabeça estirada de lado, o maxilar teso, repuxando músculos faciais e andando feito robô - acho que ela estava me estranhando. Lembro-me até hoje de seu olhar fixo e seu facão enorme seguro pelo braço direito, em posi- ção de alerta. Na realidade, ela estava mesmo preparada para me atacar, tanto que meu irmão me puxou para dentro da farmácia, dizen- do-me: _ “Cuidado com a índia. Você não vê o facão dela e que ela está pronta para atacar? Ela está com medo de você. Fique comi- go. Não vá mais lá.” Daí meu irmão me fez beber meio vidrinho de Fenergan e poucos minutos depois, como por milagre, toda minha muscu- latura se relaxou e eu me livrei da impregnação. O delírio com as máquinas de terraplanagem, no entanto, continuou e eu vivi na volta até Barra do Una o mesmo terror de que elas iriam nos triturar. - 10 - Uma noite, na praia, fiquei de meia noite até sete horas da manhã condicionando um bagre num balde de água. Eu estava certo de estar progredindo em meu intento que era o seguinte: cada vez que eu batesse no balde três vezes “toc, toc, toc,” o bagre viria até a superfície falar comigo. Então eu batia 5 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 com um pau no balde “toc, toc, toc” e em seguida jogava comida de peixe na água. De manhã cedo, vendo-me na faina com o balde, depois de eu explicar o que estava fazendo, meu irmão me disse: “Agora é hora de escovar os dentes, olha a pasta para o bagre.” E eu, acredi- tando mesmo no que fazia, peguei um pouco de pasta de dente e “toc, toc, toc,” joguei nágua para ele. Nesta manhã meu irmão me trouxe para São Paulo para medicar-me e eu só concordei em vir depois que ensinei o pedrei- ro de minha obra a tomar conta do bagre. Foi assim: eu fui com ele até o rio, soltei o bagre na margem e ele logo sumiu na água funda. Eu disse para o Armando: _ “Você não se preocupe. Ele está logo num buraco ali. De tarde você vem até aqui e bate com este pauzinho na beira. Vai fazer toc, toc, toc. Daí ele vem e você dá comida pra ele. Vê se cuida bem do meu bagre enquanto eu estiver em São Paulo.” - 11 - Estava em transcurso uma revolução separatista. São Paulo novamente lutava contra o Brasil. (Hoje acho engraçada esta ver- são, pois, como paulista, nunca aceitei a expressão “revolução separatista” e sim “revolução constitucionalista”). Sou paulista ferrenho. Desci a serra, com Mônica e as crianças, para Barra do Una. Minha missão era no litoral. À noite, antes de deitar, angustiado, eu disse à Mônica senta- do na cama, dentro do rancho: _ “Se eu morrer, você diz ao Governador que eu morri por São Paulo?” Ela disse que sim. Eu insisti: _ “Você promete?” Ela prometeu. Dormi. Acordei com Mônica vestindo o biquini. Ela estava defronte à janela aberta, de costas para a cama, amarrando o sutiã do biquini. Eu comecei a chorar. Eu era um covarde. Minha mulher precisava ficar mostrando os peitos para o inimigo, pela janela, para que não bombardeassem o meu rancho. (A praia era deser- ta e entre o rancho e a praia havia uma touceira de bambu; Mônica não estava se exibindo, apenas estava à vontade, como o local permitia). Saí para levar meus filhos para a praia. Grudei o menor deles para atravessar o rio. (Entre meu terreno e a praia existe o Rio Una. Havia chovido muito e o rio estava com grande correnteza). Logo percebi que o inimigo, para me capturar, havia lançado mão de um interessante ardil: ele baixara o nível do mar para o rio cor- rer ligeiro e eu me atrapalhar na correnteza. Vocês acham que isto é impossível porque não conhecem a astúcia e os recursos de meu inimigo: ele fazia isto com gigantescas bombas hidráulicas na barra do rio, onde o rio encontra o mar, escondido por trás da restinga de areia. Pus o menino no barquinho e saí remando em diagonal à correnteza. Dei risada. Era a força bruta deles contra a minha habilidade. Deixei o menino na praia e vim buscar o outro, do lado de cá do rio. (O barco era pequeno; o rio estava forte: não dava pra levar os dois ao mesmo tempo). No meio do rio o barco começou a afundar. Logo percebi o que houve. O ini- migo tirara a tampa do barco com sensores remotos. Percebi a tempo que o barco estava destampado e voltei a tampá-lo. Sorri comigo mesmo. Eram os sensores remotos deles contra minha percepção e rapidez. Mudei de lugar no barco e controlei o nível d’água. Remei com vigor e cheguei à margem de casa, muito abai- xo de meu terreno, devido à correnteza. Meu filho chorava, gri- tando do lado de lá do rio, na praia: _ “Paiê, Paiê, vem me buscar...” _ “Já vai, meu filho. Não sai daí. Não tenha medo, eu já vou voltar.” (Entre nós havia um rio de 40 m de largura, corren- do em grande correnteza). Os vizinhos vieram me ajudar a esvaziar o barco. Eles esta- vam de óculos escuros: eram inimigos. Deixei-os fazer força sozi- nhos para esvaziar o barco, não sou besta, vou deixá-los cansados. Eles esvaziaram o barco e levaram-no até em frente a minha casa, no lugar de atravessar de novo. (Perderam a tampa do barco mas eu sabia que era espionagem, roubaram a minha tampa). _ “Paiê, Paiê, me tira daqui...” _ “Espera, espera. Não saia do lugar!” Corri até o rancho. Encontrei uma tampa de lata de spray e peguei a faca. Cortei um pedaço do plástico para ajustar no local, arranquei o pedaço com o dente - meu inimigo me olhando, vendo onde eu ia falhar para ele atacar - tapei o buraco do barco e atravessei de novo o rio. Peguei meu filho e voltei para casa. Falei para a Mônica: _ “Não dá pra ir à praia hoje. Os inimigos estão todos por aí. Fizeram uma correnteza no rio que você precisa ver. Quase me pegaram.” - 12 - Logo após a publicação de Memórias do Delírio, de minha autoria, uma série de artigos e resenhas sobre o livro foram publi- cados pela imprensa. Para a resenha da revista Veja eu fui entre- vistado. A reportagem que a revista publicou, com uma foto minha, ainda que de costas, deu-me uma sensação incrível de des- conforto pela grande exposição a que eu me submetia e principal- mente pelo fato de que considerei a matéria muito crua e dura, ainda que desse grande destaque ao livro. Logo comecei a deses- tabilizar-me. E em poucos dias eu estava em delírio. Semanas antes havia sido publicada uma resenha em Curitiba. Por um erro de composição do jornal, a matéria que saiu sob o título da resenha e ao lado de uma reprodução da capa do livro era uma notícia sobre o Cartel de Medellin. No dia seguinte é que o jornal publicou corretamente a resenha. Mas fiquei com este fato na cabeça e quando a reportagem da Veja me desestabilizou passei a achar que o jornal de Curitiba estava me mandando uma mensagem cifrada. Que como eu falava mal da maconha no livro eu seria alvo dos traficantes do Cartel. Passei uns quinze dias sendo perseguido pelo Cartel de Medellin. Para cada instante eu esperava um ataque. Minha famí- lia, como de hábito, de início lutou contra minha convicção deli- rante, mas, a partir do momento em que ficou claro que eu esta- va com o delírio estabelecido, em seguida entrou no jogo. Não me contrariavam e apenas diziam que para que os traficantes pudes- Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 6 Quinze delírios bo líquido, na barriga da perna direita, costumo ter, agora, de vez em vez, uma cãibra feroz. Quando ouço falar de remédio psiquiátrico sem efeito cola- teral, hoje em dia, tenho um medo que me pélo. Penso que sejam efeitos desconhecidos ou não relatados na literatura médica. - 15 - Ocorre-me que talvez mais útil seja eu encerrar este texto não com o relato de mais um delírio qualquer, mas com a reafirmação de que sou amnésico a respeito de meus delírios depois que eles se desfazem. Imagino que alguém possa achar estranha essa afirmação após ter lido várias páginas de relatos variados de delírios recen- tes e até bem antigos, alguns com diversos detalhes. Mas o fato é que o relatado corresponde à minha memória mais significativa em cada caso e os detalhes são mínimos comparados à multiplici- dade dos episódios que se desenvolvem em cada momento do delírio e à complexidade das sensações e emoções que vivo numa crise. Principalmente no que se refere à intensidade das vivências. Relatar um delírio dando destaque ao lado humorístico das situações, como fiz em alguns casos, é importante para realçar o surrealismo das experiências e para tentar tornar a leitura mais agradável, mas pode levar à falsa impressão de que tudo não passa de uma grande curtição. Nada mais enganoso. A tônica oni- presente em cada uma dessas situações é a de um medo tenebro- so. Um pavor e uma angústia inenarráveis. Nada é vivido pelo lado engraçado, exceto nas pequenas tréguas de conversações com pessoas que me conhecem muito bem e sabem me acompa- nhar no desvario. A fase de bem estar nas crises corresponde, para mim, ao iní- cio do descontrole eufórico. Seria, como se diz, a fase pré-manía- ca. Quando o delírio se estabelece em plenitude, a vivência é ater- rorizante. O sofrimento é superlativo. Cada delírio destes, de que relatei passagens, durou muitos dias, às vezes até duas ou três semanas, e cada minuto desses dias foi um momento de pânico, de urgência, de situação emergencial, onde alguma ameaça fatal me assolava de forma acachapante. O medo de vir a morrer numa explosão causada por um peido de gases inflamáveis não é menor do que o de vir a ser esmagado por uma motoniveladora no canteiro de obras de uma estrada em construção. Nem a angústia é menor. Diante das situações intensa e ininterruptamente vividas ao longo de vários dias e noites, aquilo que minha memória retém não passa de fragmentos. De dezenas ou mesmo centenas de delí- rios não guardo a menor recordação. E de muitas das crises cujos fragmentos eu relatei, minha ex-mulher ou meus pais e irmãos tal- vez tenham melhor memória do que eu. Por isso não sou um bom contador de delírios. O que deles me lembro e o que consigo transmitir numa narrativa nem de longe se assemelham à reconstituição das situações que vivi. A única forma de saber o que é um delírio ou uma alucina- ção é passando pela própria experiência. Não desejo isso a nin- guém, e que ninguém pense que esta é uma experiência que vale a pena. Não vale. O surrealismo vivido é a pior das realidades existentes. Conheço pessoas, no entanto, que admiram minha vivência. Creio que imaginam que me enriqueci espiritual ou existencial- mente com ela. É ao contrário. Esse “enriquecimento” a que se referem, algum tipo de crescimento, só se dá ao nível da expan- são da consciência, não com o contato patológico com o incons- ciente. Se algum crescimento a doença me trouxe, este é referen- te a ela mesma e se constitui no desenvolvimento da consciência de minha fragilidade e no reforço de meu lado sadio para dar conta de suportar e conviver com as crises, tentando não destruir minha vida a cada novo episódio delirante. O contato com o sublime e com o tenebroso que existe no inconsciente é, de fato, uma fonte de crescimento e energia, e tanto mais quando nos apropriamos conscientemente de seus conteúdos. Mas com limites. Qualquer um pode fazer isso inten- sa e proficuamente se souber curtir seus sonhos. O lado tenebro- so do inconsciente à solta na vida, dominando em delírio todas as ações e sensações, é literalmente uma loucura. É patológico e em qualquer instante, sem mais aviso, pode levar à morte num ato qualquer desvairado durante uma crise. Por isso nenhum delírio é engraçado, a despeito das situações hilariantes que possa criar. Quem quiser se aproximar da compreensão do que vem a ser um delírio, tome contato profundo com os seus próprios sonhos. Principalmente com os pesadelos. Experimente imaginar o que viria a ser o seu pior pesadelo e imagine o que seria de você viven- do este pesadelo ininterruptamente durante duas ou três sema- nas, acordado, enquanto tenta continuar dando conta da sua vida, trabalhando, cuidando dos filhos, se relacionando com as pessoas e com os fatos do mundo real. Misture as vicissitudes de seu cotidiano com o lado mais tenebroso de seu inconsciente e depois me diga que minha experiência ou a de qualquer outro psicótico é enriquecedora. Verdade é que, em momentos meus de desalento e desespe- rança perante o mundo e as pessoas, eu às vezes já fantasiei que seria muito instrutivo para alguns experimentar uma crisezinha psiquiátrica para largar mão de tanta onipotência ou de tanto chorar de barriga cheia. Mas isso não passa de meus rancores. Na verdade, volto a dizer que não desejo a experiência a ninguém, nem mesmo a meus desafetos. Quanto a meu próprio destino, acalanta-me a esperança de que Deus seja sábio. Talvez ele dê o frio conforme o cobertor. Comentários deste e de outro auto-relato de delírios por Othon Bastos no próximo número de CPP. 9 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 Pilar Sierra San Miguel* Lorenzo Livianos Aldana** Luis Rojo Moreno** Resumen El síndrome de Kleine-Levin es un síndrome caracterizado por la triada clásica de hipersomnia periódica, trastornos de la alimentación en forma de megafagia y diversos síntomas neuropsiquiátricos. Se trata de un trastorno de difícil diagnóstico, que puede iniciarse con sintomatología muy inespecífica. Hasta el momento, se han descrito unos 100 casos. El presente artículo expone el caso de un hombre de 22 años inicialmente diagnosticado de trastorno de somatización y que finalmente lo fue de síndrome de Kleine-Levin, tras perfilarse la sintomalogía clásica de somnolencia excesiva, hiperfagia e hiperse- xualidad. En este trabajo, los autores exponen el cuadro clínico insis- tiendo en los tratamientos utilizados y resultados obtenidos. Palabras-claves: Síndrome de Kleine-Levin; Hipersomno-lencia; Hiperfagia; Sexualidad Satterley describió por primera vez en 1815 un caso con un perfil similar a lo que actualmente denominamos síndrome de Kleine-Levin. Posteriormente, Dana (1884), Anfimot (1898), Kleine (1925)1 y Levin2 (1929) aportaron casos con una sintoma- tología coincidente. El término de “síndrome de Kleine-Levin”, se debe a Critchley y Hoffmann3,4 quienes lo propusieron en 1942. Aparece de forma más frecuente en varones, en la última etapa de la adolescencia y a partir de la segunda década de la vida, posteriormente se observa una disminución gradual tanto en la frecuencia como en la duración de los episodios.5 También exis- ten casos descritos con una clínica muy similar en mujeres, en relación con el periodo menstrual pudiendo ejercer un impor- tante papel etiopatogénico la progesterona.6 En cuanto a la hipersomnia, puede instaurarse de forma brusca o gradualmente, tiene un carácter recurrente y una duración variable, desde un día hasta seis semanas como caso extremo.7 Billiar,8 uno de los autores que más ha publicado en torno a este tema, escogió el término “sobrealimentación”, a la hora de describir los trastornos alimentarios, ya que incluyen megafagia, polifagia e hiperfagia. Orlosky9 en una revisión de 33 casos, encontró como alteración más frecuente la confusión (73%), irri- tabilidad (58%), amnesia (39%), ilusiones (30%), letargia (24%), depresión (21%) y desinhibición sexual (18%).10 La diversidad etiológica es notable. Por una parte, se ha pos- tulado un trastorno funcional del sistema mesencéfalo-hipotála- mo-límbico, al encontrar diferentes altera-ciones hormonales hipotálamo-hipofisarias y de neurotransmisores. Ademas, con frecuencia existen antecedentes de infecciones víricas o gripales los días previos al primer episodio, encontrando infiltrados de linfocitos que evocarían una encefalitis viral localizada.11 Incluso se han descrito casos en los que los síntomas aparecieron des- pues de experiencias psicológicas estresantes o traumatismos craneoencefálicos.12 Por otra parte, anomalías neuroendocrino- lógicas comunes podrían explicar la coexistencia entre el síndro- me de Kleine-Levin y la enfermedad de Parkinson en algunos pacientes.13 Caso clínico Paciente varón de 22 años que acude al Centro de Salud Mental, derivado por su médico de familia refiriendo somnolen- cia excesiva y estado de ánimo depresivo. Embarazo, parto y desarrollo psico-motor normal. Sin antecedentes médicos, ni psiquiátricos propios o familiares. En cuanto a su biografía, segundo de tres hermanos, soltero, convive con sus padres. Obtuvo el Graduado Escolar y actualmente tra- baja como taxista. Personalidad dependiente con tendencia a la introversión y retraimiento social. En el momento de la primera consulta, se mostraba empáti- co y con conciencia de enfermedad. Según relataba, la enfer- medad actual se había iniciado hacía dos años. En un principio, definía unos síntomas vagos consistentes en “sensación de mareo”, inestabilidad y parestesias en zona frontal y temporal derecha, de presentación matutina. La inespecificidad de estos síntomas, motivó un diagnóstico inicial de trastorno de somati- zación. Progresivamente el cuadro se fue agravando, llegando a interferir notablemente en su vida diaria, especialmente en el plano laboral, dada la imposibilidad de acudir a su trabajo como taxista en los turnos matutinos. El paciente refería episodios de hipersomnia matutina, despertándose solo mediante estímulos intensos, con amnesia posterior y sensación de extrañeza. La Artigos Originais SÍNDROME DE KLEINE-LEVIN: CONSIDERACIONES DIAGNÓSTICAS Y TERAPÉUTICAS KLEINE-LEVIN SYNDROME: DIAGNOSTIC AND THERAPEUTIC CONSIDERATIONS Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12 10 * Médico Interno Residente de Psiquiatría, Hospital La Fe. ** Prof. Titular de Psiquiatría, Universidad de Valencia y Hospital La Fe. Endereço para correspondência: Lorenzo Livianos Aldana Dpto. Medicina, U.D. Psiquiatría Avd. Blasco Ibañez, 17 E-46010 Valencia España Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y terapéuticas evolución seguía un curso cíclico, pero sin relación con el perio- do estacional. Al mismo tiempo, presentaba aumento del apetito con acce- sos compulsivos de hiperfagia, aumento de la líbido e hipersexu- alidad (traducidos en episodios de masturbación muy frecuentes) Según sus familiares, las fases en las que se reagudizaba la clínica se acompañaban de sintomatología afectiva, consistente en ánimo triste, pobre control emocional y apatía. En ningún momento se evidenciaron alteraciones psicopatológicas de otra índole. Exploraciones complementarias: • hemograma y bioquímica sin hallazgos patológicos; • función tiroidea dentro de valores normales; • electroencefalograma anodino; • registro poligráfico del sueño: Ha sido imposible su real- ización por la dificultad del paciente en acudir al hospital en los horarios previstos. Tratamiento Ante la inespecificidad inicial del cuadro, instauramos trata- miento con antidepresivos inhibidores de la recaptación de sero- tonina, junto con sulpiride. Posteriormente, añadimos un antide- presivo dopaminérgico con marcado efecto estimulante como el amineptino. En ambos casos, no obtuvimos respuesta positiva. Una vez perfilado el diagnóstico, utilizamos carbonato de litio hasta llegar a niveles terapeúticos. Sin embargo, pese a con- siderarse el tratamiento de primera elección en la actualidad, en nuestro caso seguimos sin obtener el efecto previsto. Posteriormente, añadimos un psicoestimulante como el metil- fenidato, los resultados fueron esperanzadores en un principio, mejorando el conjunto de la sintomatología de forma global y más específicamente la somnolencia matutina y la hiperfagia. No obstante, tras un periodo de cuatro meses, la clínica se reinstauró con las mismas características del principio. Por último, se añadió reboxetina a dosis de 4 mg al día, logrando una sustancial mejoría del cuadro clínico con una notable disminución del número de episodios hipersomnes, si bien no se ha logrado el blanqueo abso- luto. Por medio de los registros diarios que lleva a cabo el paciente, observamos que la frecuencia de los episodios se ha reducido a un 10% de la original, no así la intensidad que per- manece inalterable. Esta mejoría se mantiene desde hace unos seis meses, lo que permite abrigar unas ciertas esperanzas. Discursión El diagnóstico del síndrome de Kleine-Levin puede verse oscurecido debido a la presencia de cambios comportamentales y psicológicos.14 Con gran frecuencia, dada la gran variedad de alteraciones neuropsiquiátricas posibles, los pacientes consultan por sintomatología afectiva, letargia, amnesia e incluso por tras- tornos psicóticos. Consecuentemente, los diagnósticos iniciales pueden ser trastorno de somatización, depresión, histeria, esqui- zofrenia15… lo que nos puede conducir a un tratamiento inade- cuado. Ademas no debemos olvidar, que antecedentes de infec- ciones respiratorias de vías altas, encefalitis, accidentes cerebro- vasculares, traumatismos craneoencefálicos, tumores de afecta- ción supraselar,16 síndromes de apnea-sueño, fármacos sedantes o anticomiciales, pueden estar presentes. Es decir, la etiología mul- tifactorial puede retrasar un diagnóstico certero. Por lo que respecta al tratamiento, Hart17,18 en 1985 desta- có el papel del carbonato de litio debido a su acción sobre el metabolismo de la serotonina, que se encuentra aumentada en el líquido cefalorraquídeo de estos pacientes, con una renovación aumentada, al igual que la dopamina. Desde entonces, numero- sos autores hecho notar su efecto beneficioso,19 de modo que en la actualidad, el litio se considera la mejor opción terapeútica pudiendo resultar efectivo en la fase aguda y especialmente en la prevención de recaídas. Las dosis recomendadas son de 800 mg/d, hasta llegar a litemias estables de 0,4 mEq/l. Tras un periodo asintomático no concreto y con la normalización en el estudio polisomnográfico, la medicación puede ser retirada para evitar efectos secundarios, aunque con frecuencia se ha de reinstaurar. Se ha defencido el uso de eutimizantes del tipo de la carba- macepina20 o el ácido valpróico. Otra posibilidad terapeútica la constituyen los psicoestimulantes del tipo de la efedrina, anfeta- minas o metilfenidato, que actúan sobre la hipersomnolencia, pero no sobre el resto de la sintomatología y que en ocasiones pueden servir para prevenir la recurrencia. Pese a que el acento se ha marcado, como hemos visto, en la participación de la serotonina y dopamina, los fármacos activos en estos sistemas no lograron efecto alguno en nuestro paciente. La respuesta ha aparecido única y exclusivamente con psicofár- macos activos en la vía noradrenérgica. Así pues, conviene consi- derar esta vía como una alternativa terapeútica. Summary Kleine-Levin’s syndrome is characterised by the classic triad of peri- odic hypersomnia, hyperphagia and hypersexuality along with other neuropsychiatric symptoms. The diagnosis is often difficult as it can begin with very vague simptomatology. About a hundred cases have been described worldwide.The present work exposes the case of a 22 year-old man initially diagnosed of somatization dysfunction and, after the classic triad of excessive drowsiness, hyperphagia and hypersexuality has been profiled, finally received the diagnose of Kleine-Levin syndrome. In this work, the authors expose the clinical picture stressing the treatments used and the results obtained. Key-words: Kleine-Levin Syndrome; Hypersomnia; Hyperphagia; Sex Behavior Bibliografía 1. Kleine W. Periodisch Schlafsucht. Monatsschur Psychiatry Neurol 1925; 57:285-320. 2. Levin M. Periodic somnolence and morbid hunger: a new syndrome. Brain 1936; 59:494-504. 11 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17 14 Caso Clínico Identificação P.P.M., sexo masculino, 42 anos, leucoderma, solteiro, natu- ral e procedente da grande Belo Horizonte, MG. Reside com a mãe. Há 10 anos afastado do trabalho (trabalhava com pintura de equipamentos). História da Moléstia Atual O paciente foi atendido pela primeira vez no Ambulatório Bias Fortes do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG) em 14/06/99, onde chegou acompanhado do irmão, com a queixa principal de “agitação”. Referia-se a uma série de movimentos involuntários que apresentava na cabeça, no tronco e nos membros, e que já sabia serem decorrentes do uso prévio de certos medicamentos. Tais movimentos se iniciaram há sete meses e eram generalizados e contínuos, embora de intensidade variável, apresentando dimi- nuição com o decúbito. Interferiam com o sono e com a habilida- de para execução de tarefas corriqueiras, posto que predomina- vam no membro superior dominante (direito). Produziam grande sofrimento, além de cansaço físico, pois lhe consumiam muita energia. Na época estava em uso de olanzapina (5 mg/d), clonazepam (2 mg à noite), flurazepam (30 mg à noite), biperideno (4 mg/d), prometazina e vitamina E (800 mg/d). A olanzapina fora introdu- zida há quatro meses, sem melhora do quadro. Sua história psiquiátrica se iniciou em 1990. Segundo o irmão, começou a apresentar tendência ao isolamento, dificulda- de para dormir e absenteísmo ao emprego. Sempre fora trabalha- dor, responsável e tinha bom relacionamento, tanto em casa quanto no trabalho, apesar de mais reservado. Na época, foi lhe prescrito bromazepam para dormir. Em pouco tempo (algumas semanas), passou a “cismar” com as pessoas. Dizia que colegas de trabalho o estavam perseguindo, “pegando no seu pé”, “zomban- do” dele. Tinha medo de que os próprios familiares estivessem colocando veneno em sua comida. Ouvia vozes que identificava como de vizinhos ou de familiares, as quais “falavam mal” dele. Era comum baixar a cabeça, angustiado, tampando os ouvidos com as mãos. Mostrava-se extremamente incomodado com sons externos. Tornou-se recluso, relapso com cuidados pessoais, não se barbeava. Comia apenas arroz puro. De 1990 a 1997 fez con- trole ambulatorial, com o diagnóstico de esquizofrenia paranóide, apresentando períodos de exacerbação dos sintomas psicóticos (duas vezes por ano, em média) e períodos de melhora, nos quais chamava a atenção dos familiares sua falta de iniciativa e hipoati- vidade (conseguia ter cuidados básicos de higiene, apresentava boa interação com familiares, mas passava a maior parte do dia ocioso). Em nenhum momento conseguiu retornar ao trabalho. Nunca foi internado em hospitais psiquiátricos, pois possui bom suporte familiar e em suas crises não se tornava fisicamente agres- sivo. Seu último surto psicótico ocorreu em 1997. Desde então seu quadro psiquiátrico se encontra bem controlado. No período de 1990 a 1997 fez uso de diversas medicações psiquiátricas, conforme pôde ser observado em receitas antigas trazidas à consulta: • antipsicóticos: 1990 tioridazina, depois haloperidol (5 mg/d); 1991 haloperidol + clorpromazina (50 a 100 mg/d); 1992 propericiazina (10 gotas/d), pimozida; 1993 propericiazina (10 gotas/d), depois trifluoperazina (5 mg/d); 1994 trifluorperazina (5 mg) + flufenazina IM, depois halope- ridol (10 mg/d); 1995 tioridazina, depois risperidona (3 mg/d); 1996-1997 risperidona (3 mg/d), haloperidol; • antidepressivos: 1990 fluoxetina (20 mg/d); 1991 amineptina, clormipramina (150 mg/d); 1992 nortriptilina, clormipramina (150 mg/d); 1993 maprotilina, moclobemida (300 mg/d), clormipramina, imipramina; 1994-95 imipramina (150 mg/d); • benzodiazepínicos: 1990 bromazepam; 1991 diazepam; 1992- 1993 nitrazepam; 1994-1999 flurazepam; • estabilizadores do humor: 1992-94 carbonato de lítio (900 mg/d); • anticolinérgico: 1990-99 biperideno. História Pregressa Nega outras doenças ou cirurgias prévias. História Familiar Negativa para doenças psiquiátricas. Pai falecido com silico- se pulmonar. Irmão coronariopata. Exame Psíquico Paciente cooperativo, higienizado, bem vestido. Usava sua blusa aberta até a metade devido a intensa transpiração. Bom contato interpessoal. Apresentava postura distônica acentuada de tronco, pescoço e membros superiores e movimentos involuntá- rios coreiformes de membros superiores. Consciência clara. Orientado no tempo, no espaço e autopsi- quicamente. Normovigil, normotenaz. Sem alteração da cons- ciência do eu. Memória preservada. Pensamento de curso nor- mal, organizado. Sem alteração do juízo de realidade. Sem altera- ção da sensopercepção. Sem alteração do humor. Afeto síntone. Angustiado com seus movimentos anormais. Hipobúlico. Inteligência normal. Hipóteses Diagnósticas Esquizofrenia paranóide – remissão incompleta, CID10 – F20.04. Discinesia tardia, com predomínio de distonia (distonia tar- dia), CID10 – G24.8. Conduta Avaliação conjunta com ambulatório de movimentos anor- mais da neurologia (HC-UFMG), o que se realizou no dia seguin- Discinesia tardia com predomínio de distonia 15 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17 te (15/06/99), sendo adotadas, em comum acordo, as seguintes estratégias: • suspensão da olanzapina; • introdução de clozapina (dose inicial de 12,5 mg, duas vezes ao dia); • introdução de reserpina (dose inicial de 0,25 mg/d); • aumento do biperideno para 6 mg/d; • redução lenta e progressiva do flurazepam; • manutenção do clonazepam 2 mg/d e vitamina E 400 mg duas vezes/dia. Escala Fahn-Marsden de Avaliação de Distonia (Burke et al, 1985)16 – 15/06/99: • I - escala de movimento (pontuação total de 0 a 120): olhos (0), boca (6), fala/deglutição (3), pescoço (6), MSD (12), MSE (8), tronco (8), MID (0), MIE (0), total (43); • II – escala de incapacidade (pontuação total de 0 a 28): fala (2), escrita (2), alimentação (1), engolir (0), higiene (1), vestir- se (1), andar (1), total (8). Retornos • 24/06/99: hemograma de base sem alterações. • 02/07/99: iniciada clozapina. • 12/07/99: fazendo uso diário de 50 mg clozapina, 1 mg de reserpina, 6 mg de biperideno, 2 mg de clonazepam, 15 mg de flurazepam, 800 mg de vitamina E. Relata certa redução dos movimentos anormais (de 20% em sua avaliação subjetiva). Queixa desânimo e “corpo ruim” desde o início do uso da reserpina. Ao exame observa-se certa diminuição dos movi- mentos coreiformes, mantendo-se postura distônica. Conduta: suspensão gradual da reserpina, aumento gradual da clozapina. Restante mantido. Leucograma semanal. • 05/08/99: em uso de 75 mg/d de clozapina. • 19/08/99: em uso de 150 mg/d de clozapina. Relata desâni- mo, apatia. • 24/08/99: escala de Fahn-Marsden sem qualquer alteração com relação à primeira consulta. • 06/09/99: clozapina aumentada para 200 mg/d, divididos em duas tomadas diárias. • 04/11/99: não houve melhora substancial após o aumento para 200 mg/d. Sem sintomas psicóticos positivos. Boa intera- ção com familiares. Angustiado com a movimentação. Hipobúlico, hipoativo. Sono preservado. Ao exame: postura distônica, poucos movimentos coreiformes. Conduta: dose mantida. Suspenso flurazepam. • 04/01/00: escala de Fahn-Marsden, subescala de movimento 41. Aumentado clonazepam para 4 mg/d. • 03/02/00 e 02/03/00: quadro mantido. • 03/04/00: relata melhora da movimentação não superior a 20% a 30%, com relação ao início do uso da clozapina. Passa grande parte do dia deitado, corpo cansado. Prescrito aumen- to de dose para 250 mg/d e, após uma semana, 300 mg/d (100 mg às 8:00 + 200 mg às 20:00). • 11/04/00: escala de Fahn-Marsden 37/8. • 02/05/00: houve redução da movimentação em decúbito. • 02/06/00: seu irmão tem observado melhora lenta mas pro- gressiva desde o início do tratamento. Discussão O paciente apresenta quadro grave de DT, manifesto por movimentos distônicos e coreiformes, mas com predomínio dos primeiros, podendo, assim, ser denominado distonia tardia. Esta caracterização traz implicações terapêuticas e prognósticas, con- forme se evidenciará adiante. Do ponto de vista terminológico, notamos a tendência em psiquiatria de designar-se movimentos neurológicos estereotipa- dos de “coreiformes”. Estereotipia: “is an involuntary, patterned, repetitive, continuous, coordi- nated, purposeless, or ritualistic movement, posture, or utte- rance. Stereotypy may be simple, as exemplified by a repeti- tive tongue protusion or body-rocking movements, or com- plex, such as self-caressing, crossing and uncrossing of legs, marching in place, and pacing... Chorea consists of conti- nuous, abrupt, brief, irregular movement that flow ran- domly from one body part to another”.2 A estereotipia tardia seria o tipo mais comum – 78% – de discinesia tardia na clínica de movimentos anormais do HC- UFMG, seguida de distonia, acatisia, tremor, coréia – apenas 3% com base na definição acima – e mioclonos tardios.2 Parece que no caso da discinesia tardia os psiquiatras preferem o termo “coreiforme” em vez de estereotipia devido a sua conotação niti- damente neurológica, enquanto que estereotipia nos remete a quadros endógenos ou funcionais e a descrições clássicas como estereotipias posturais, estereotipias do movimento ou maneiris- mo, além da estereotipia da fala (verbigeração), peculiares à cata- tonia. No caso do nosso paciente, predomina a distonia: “sustained and patterned contractions of muscles producing abnormal postures or repetitive twisting (eg, torticollis) or squeezing (eg, blepharospasm) movements”.2 Durante um período de oito anos, P. fez uso de vários tipos de antipsicóticos típicos, antes de desenvolver DT – haloperidol, tioridazina, propericiazina, clorpromazina, trifluoperazina, pimo- zida, flufenazina – além da risperidona. Apresentou, segundo seus relatos, parkinsonismo farmacológico com o uso de halope- ridol, trifluoperazina e risperidona. Até onde se pôde observar pelas receitas trazidas, este efeito ocorreu com apenas 3 mg/d de risperidona, o que indicaria uma maior susceptibilidade indivi- dual a sintomas extrapiramidais e, portanto, maior risco para DT.9 Desenvolveu acatisia com pimozida. Também fez uso asso- ciado de carbonato de lítio durante alguns meses, o que é consi- derado fator de risco para DT.13 P. foi diagnosticado como portador de esquizofrenia paranói- de. Alguns dados, no entanto, podem sugerir um componente de fundo afetivo, como a presença freqüente de sintomas depressi- vos associados a retraimento social; o uso freqüente de antide- pressivos variados e de lítio; a certa ciclicidade de períodos de exacerbação e remissão de seus sintomas psicóticos; a grande pre- servação da personalidade e da afetividade; e a ausência atual de Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17 16 sintomas psicóticos. Não apresentou sintomas de exaltação do humor, aceleração do pensamento, aumento da fluência do dis- curso ou realização excessiva de atividades. Este possível compo- nente afetivo poderia influenciar, por um lado, na evolução menos deteriorante de sua esquizofrenia e, por outro, numa maior susceptibilidade para o desenvolvimento de DT.12 Durante discussão do caso em apresentação clínica na Residência de Psiquiatria do HC-UFMG, aventou-se a hipótese de acometi- mento orgânico, por solvente ou metal pesado, decorrente de sua atividade como pintor, o que também o predisporia à DT. A ausência de história familiar para transtornos mentais e seu qua- dro clínico até certo ponto incaracterístico falam a favor de tal acometimento. Esta hipótese está sendo avaliada (dados signi- ficativos, se existentes, serão comunicados nessa revista na seção “Seguimento”). Uma das estratégias para o manejo da DT grave é a substitui- ção dos neurolépticos típicos por um atípico diferente da cloza- pina num primeiro momento e, posteriormente, em caso de res- posta insatisfatória, pela própria clozapina.9 Optou-se por substi- tuir a olanzapina pela clozapina. Estudos têm mostrado que o desbalanço das vias dopaminér- gicas estriatais está relacionado à gênese da DT. Os neurônios gabaérgicos estriatais de projeção se distribuem em duas vias. Na via direta, que desinibe o tálamo quando estimulada, predomi- nam os receptores D1, enquanto na via indireta, que inibe o tála- mo, predomina o tipo D2. Os movimentos discinéticos se dariam pela predominância da supersensibilidade de D1.9 Drogas como a clozapina, que bloqueiam de modo balanceado receptores D1 e D2, teriam menor propensão para causar DT. Outra vantagem farmacodinâmica da clozapina seria o bloqueio de heterorrecep- tores pré-sinápticos 5-HT2 em neurônios dopaminérgicos nigrais, o que aumenta a liberação de dopamina na fenda sinápti- ca por desinibição.17 Jeste e Wyatt (1982), revisando oito estudos publicados com clozapina, encontraram melhora estatisticamente significativa em 51% dos pacientes.18 Tem sido considerada melhora significativa a redução de pelo menos 50% na intensidade dos movimentos involuntários, medido por escalas apropriadas. Esta consideração é imprescindível posto que pode haver flutuação espontânea da intensidade dos sintomas de até 30% ao longo do tempo.18 Em estudo duplo-cego mais recente (1994), Tamminga et al encontra- ram melhora significativa em comparação com grupo-controle.9 As taxas de melhora com placebo podem alcançar 37,3% dos pacientes.19 Quando possível a diminuição ou retirada do antip- sicótico verifica-se fase inicial de exacerbação da sintomatologia, após a qual foram encontradas taxas de melhora de 37%18 e 55%20 dos casos. Por outro lado, com o aumento da dose do antipsicótico típico, encontrou-se melhora inicial em 66,9%18 e 44%20 dos pacientes, com o risco de agravamento subseqüente do quadro por aumento adicional da população de receptores dopaminérgicos. As terapêuticas coadjuvantes instituídas no presente caso foram a reserpina, a vitamina E, o clonazepam e o biperideno. A reserpina foi posteriormente suspensa em função de efeitos cola- terais, descritos por P. como desânimo, apatia, sensação de “corpo ruim”. A partir da hipótese da supersensibilidade dopa- minérgica, os depletores de dopamina passaram a ser avaliados no tratamento da DT. Jeste e Wyatt, em revisão de 1982, observa- ram melhora em 64% dos pacientes com a reserpina, 68% com a tetrabenazina, 55% com a metildopa e 59% com a oxpertina.18 Em estudo de 1992 da American Psychiatric Association encon- trou-se menos de 40% de melhora.1 Evidências têm apontado efeito neurotóxico dos antipsicóti- cos, que, através de vários mecanismos, podem levar a aumento de radicais livres, o que estaria associado ao risco para DT. A vita- mina E tem sido recomendada, pois, além de seu efeito antioxi- dante, poderia reduzir a supersensibilidade de D221 ou alterar o metabolismo de monoaminas.9 É geralmente segura e produz poucos efeitos colaterais.9 Não há nos pacientes com DT níveis séricos baixos de vitamina E.22 As taxas de melhora em estudos controlados variaram de 18,5% a 43% dos pacientes, sendo mais efetiva em casos com menos de cinco anos de evolução e com o emprego da dose de 1.600 mg/d, por um período de pelo menos oito semanas.9 É uma promessa também na profilaxia da DT.23 O GABA é o neurotransmissor mais encontrado nos núcleos da base e tem íntimas relações com os sistemas dopaminérgicos. Foram encontradas evidências de diminuição da atividade das vias gabaérgicas estriatais na DT. Em 19 estudos com benzodia- zepínicos e valproato, encontrou-se melhora em 54% dos pacien- tes.18 Em 1988, outra revisão mostrou melhora em 35% e altas taxas de tolerância farmacológica.20 Soares, em metanálise, não encontrou utilidade para benzodiazepínicos e achou muitos efei- tos colaterais com os demais agonistas.19 Sintomas distônicos podem responder mais ao clonazepam do que movimentos coreoatetóicos.24 O biperideno foi utilizado por estar indicado nos casos de distonia tardia. Nas demais formas de DT os anticolinérgicos ten- dem a piorar o quadro, pois o bloqueio colinérgico nos núcleos da base aumenta a liberação de dopamina.1,9 Para o manejo de casos com predomínio de distonia, Egan et al propuseram como seqüência a adição de anticolinérgicos, vita- mina E e clonazepam ao antipsicótico em uso, seguida de mudan- ça para antipsicótico de nova geração e, depois, para clozapina se o tratamento não for efetivo.9 Os próximos passos seriam blo- queadores de canal de cálcio e depletores de dopamina. Como medidas finais, sugerem o uso da toxina botulínica (para casos mais localizados) ou o aumento da dose de antipsicótico típico até se obter a supressão dos sintomas, seguido de redução bem gradual.9 Os bloqueadores de cálcio parecem mais efetivos em doses altas e principalmente para idosos com quadros graves.25 Apesar de esses movimentos involuntários ainda serem fonte de grande angústia para o paciente, seu irmão e sua mãe têm observado melhora lenta, mas progressiva, proporcionando dife- rença significativa em relação a seu estado pré-tratamento. P. tem dormido melhor, pois sua movimentação diminuiu consideravel- mente com o decúbito, tem conseguido pegar ônibus e ir às con- sultas sozinho e mostra grau ligeiramente maior de independên- cia em tarefas diárias. Seu irmão relata, por exemplo, que P. sem- pre deixava seus óculos quebrarem ao caírem no chão, o que não tem acontecido mais. Quanto à pontuação na escala de Fahn- Marsden, de junho/99 a abril/00, houve redução de 43 para 37 na subescala de movimento e persistência dos valores na subescala de incapacidade. A resposta à terapêutica instituída tem sido, de qualquer forma, ainda insatisfatória. Esta constatação encontra suporte na literatura, posto que o processo de remissão é lento, podendo Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio 19 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20 4,1 mEq/l, o que fez com que recebesse uma hipótese diagnósti- ca de delirium (intoxicação grave por lítio). M.J.A.P. recebeu alta melhorada após duas semanas em uso de lítio 600 mg/dia e tam- bém com os demais medicamentos já citados, embora mantendo dificuldade de deambulação por fracasso da coordenação muscu- lar dos membros inferiores (marcha atáxica). No seu passado a paciente teve dois episódios depressivos maiores, um há 20 anos e outro há quatro anos, tendo sido trata- da em ambas ocasiões com imipramina. Não tem antecedentes familiares de episódios depressivos ou maníacos, de suicídio, nem mesmo de dependência de álcool. Na primeira consulta a paciente apresentava-se com humor irritável, pensamento acelerado e idéias deliróides de conteúdo grandioso e religioso. Ao exame físico apresentava instabilidade da marcha com incoordenação dos movimentos dos membros inferiores. Foram feitas hipóteses diagnósticas de transtorno bipolar I, atual episódio de mania psicótica e ataxia cerebelar a esclarecer. Havendo possibilidade de ser cuidada pelos familia- res, a paciente não foi internada e foi orientada a suspender a car- bamazepina, aumentar o lítio para 900 mg/dia e aumentar a tiori- dazina para 400 mg/dia. Após alguns dias em casa apresentou quadro de início súbi- to de confusão mental, discurso mais acelerado, humor irritável e alucinações auditivas. Ao exame neurológico apresentava dimi- nuição do nível de consciência, com força muscular normal nos quatro membros, mas com acentuação da marcha atáxica. Seus reflexos estavam vivos globalmente e não apresentava alterações na sensibilidade. Apresentava nistagmo vertical, fundo de olho sem edema de papila e não apresentava sinais meningeorradicu- lares. Feita hipótese diagnóstica de delirium (intoxicação por lítio?), a paciente fora internada, e todas medicações suspensas. Em seus exames evidenciou-se litemia de 0,7 mE/l, anemia nor- mocítica e normocrômica, TGO e TGP discretamente aumenta- dos, função renal normal, T3 e T4 normais com TSH discreta- mente diminuído (0,2 mg/ml), anticorpos antitireóide negativos e tomografia computadorizada do encéfalo normal. Este quadro remitiu após duas semanas e a paciente recebeu alta hospitalar melhorada, eutímica, tomando clonazepam, 4 mg/dia, mas man- tendo a mesma ataxia. Em março de 1999 voltou a ficar insone, com humor irritá- vel, afeto lábil, choro fácil e idéias deliróides místicas. Feita hipó- tese de novo episódio de mania psicótica e optou-se por manter apenas o clonazepam e este quadro remitiu após uma semana. Para elucidação da causa da ataxia foi encaminhada para uma avaliação neurológica. Feitos estudo doppler-color do siste- ma carotídeo vertebral, ultra-som de carótida e nova tomografia de crânio normais. A ressonância magnética foi inconclusiva, pois paciente permaneceu agitada durante o exame. Assim, a causa da cerebelopatia não foi esclarecida, sendo aventados acidente vas- cular cerebral, degeneração subaguda da medula por déficit de B12 e doença aterosclerótica. Diagnosticou-se também hiperten- são arterial sistêmica. Em abril de 1999 a paciente estava eutímica e o carbonato de lítio foi reintroduzido como estabilizador do humor na dose de 900 mg/dia. Após um mês, teve outro quadro semelhante de deli- rium com duração de dois dias, acompanhado de piora evidente da ataxia. Seus exames laboratoriais evidenciaram litemia de 0,8 mEq/l e restante sem alterações. Por isso, o estabilizador do humor foi trocado para valproato de sódio, na dose de 1.000 mg/dia. Desde então está eutímica e não teve mais quadros de delirium. Sua ataxia persiste há 11 meses. Discussão As complicações neurológicas na intoxicação pelo lítio são comuns e conhecidas na prática clínica. Entretanto, as seqüelas neurológicas permanentes são raras e desconhecidas pela maioria dos psiquiatras e, embora existam relatos de casos há mais de 25 anos, não há descrições nos livros texto mais usados em nosso meio1,4,11 ou no Physician's Desk References. Alguns fatores de risco são aventados para desenvolvimento da seqüela neurológica. Schou6 revisou mais de 40 relatos de casos de seqüelas neurológicas após quadros de intoxicação por lítio que foram publicados desde 1972, e encontrou doença clíni- ca com febre (em 11 casos), uso concomitante de dieta hipossó- dica e diuréticos (em um caso), cirurgia (em um caso), baixa ingestão alimentar (em dois casos), início recente de lítio em dose alta (em quatro casos), superdosagem por suicídio (em quatro casos) ou acidental (em seis casos) e uso concomitante de dose alta de haloperidol e febre (quatro casos). Além desses, outros fatores de risco descritos são: idade avançada, sexo feminino, transtorno mental orgânico, uso crônico do lítio, litemia acima da faixa terapêutica, disfunção renal, febre e desidratação.9,12-14 Dos psicotrópicos, os neurolépticos, a carbamazepina, os bloqueadores do canal de cálcio, os diuréticos e a metildopa são, especialmente, relacionados à neurotoxicidade do lítio.15 A paciente descrita era do sexo feminino e usava, na ocasião do início da ataxia, dose baixa de carbamazepina e neuroléptico. A combinação do lítio com a carbamazepina é geralmente bem tolerada e o mecanismo do aumento da neurotoxicidade de ambas as drogas quando associadas é desconhecido.16 O lítio parece ter afinidade especial pelo cerebelo e a ataxia é uma das seqüelas neurológicas mais freqüentemente relatada na literatura. Nagajara et al12 relataram seis casos de seqüelas neuro- lógicas entre 965 pacientes com diagnóstico de transtorno afetivo bipolar acompanhados por 10 anos, tomando lítio em doses tera- pêuticas. A ataxia teve início súbito em quatro casos e estava acompanhada de quadro confusional e tremores. Em dois pacien- tes, o início da ataxia foi insidioso. Todos mantiveram a ataxia pós-interrupção do uso de lítio. A observação desses casos suge- re uma freqüência de 1,2% casos de ataxia em pacientes toman- do lítio, entretanto este dado necessita de confirmação por outros estudos. Nos exames de diagnóstico por imagem pode-se evidenciar atrofia cortical e cerebelar em alguns casos e em outros a tomo- grafia de crânio é normal. É difícil precisar se a alteração radioló- gica é devido à lesão ou pela idade dos pacientes estudados,12 porém há relatos de pacientes jovens tomando lítio que após into- xicação apresentaram atrofia cerebelar grave.14 O mecanismo exato de lesão neurológica é desconhecido, porém em biópsia post mortem mais comumente descreve-se lesões das células de Purkinje cerebelares, gliose no núcleo den- tado e desmielinização de axônios.17 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):18-20 20 Conclusões Os efeitos colaterais do lítio, embora sejam de difícil manejo, não tiram sua posição como tratamento de escolha para os trans- tornos bipolares em todas faixas etárias. Como a maioria desses efeitos é dependente da dose, deve-se averiguar periodicamente sua concentração plasmática e se servir dela para ajustar as dosa- gens. Na presença de fatores de risco, o lítio está associado a seqüelas neurológicas incapacitantes e permanentes. Por isso, deve-se minimizar o uso concomitante de outras drogas e, sempre que um fator de risco for identificado (p.ex. febre, desidratação, infecção, etc), sua dose deve ser apropriadamente reduzida ou suspensa. Summary This paper presents a case of a patient with type I bipolar mood dis- order who developed lasting ataxia following lithium intoxication. Although neurological complications due to lithium intoxication are common and well knownin clinical practice, permanent neurological sequelae are rareand remain unknown to most psychiatrists. We review case reports concerning lithium-related neurological seque- lae and risk factors associated with this clinical picture. Key-words: Ataxia; Bipolar Disorder; Lithium, Intoxication Referências Bibliográficas 1. Jeffreson JW, Greist JH. Lithium. In: Kaplan HI, Sadock BJ. eds. Comprehensive Textbook of Psychiatry. 2nd ed. Maryland: Williams & Wilkins, 1995:2022-2030. 2. Micheli F, Cersosimo G, Scorticati MC, Ledesma D, Molinos J. Blepharospasm and apraxia of eyelid opening in lithium intoxication. Clin Neuropharmacol 1999; 22(3):176-179. 3. Cassidy S, Henry J. Fatal toxicity of antidepressant drugs in overdose. BMJ 1987; 295:1021-1024. 4. Lenox RH, Manji HK. Lithium. In: Schatzberg AF, Nemeroff CB. eds Textbook of Psychopharmaco-logy. 2nd ed. Washington, DC: American Psychia-tric Press, 1998:379- 430. 5. Brumm VL, van Gorp WG, Wirshing W. Chronic neuropsy- chological sequelae in a case of severe lithium intoxication. Neuropsychiatry Neuropsychol Behav Neurol 1998; 11(4):245-249. 6. Schou M. Long-lasting neurological sequelae after lithium intoxication. Acta Psychiatr Scand 1984; 70: 594-602. 7. Su KP, Lee YJ, Lee MB. Severe peripheral polyneuropathy and rhabdomyolysis in lithium intoxication: a case report. Gen Hosp Psychiatry 1999; 21(2):136-137. 8. Moncrief J. Lithium: evidence reconsidered. B J Psychiatry 1997; 171:113-119. 9. Timmer RT, Sands JM. Lithium intoxication. J Am Soc Nephrol 1999;10 (3):666-674. 10. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Washington: American Psychiatric Association, 1994. 11. Loudon FB. Drug treatments. In: Kendell RE, Zealley AK. eds. Companion to Psychiatric Studies. 5th ed. London: Churchill Livingstone, 1995:817-847. 12. Nagaraja D, Taly AB, Sahu RN, Channabasavanna SM, Narayanan HS. Permanent neurological sequelae due to lithium toxicity. Clin Neuro Neurosurg 1987; 89(1):31-34. 13. Cookson J. Lithium: balancing risks and benefits. B J Psychiatry 1997; 171:120-124. 14. Roy M, Stip E, Black D, Lew V, Langlois R. Cerebellar dege- neration following acute lithium intoxication. Rev Neurol 1998; 154(6-7):546-548. 15. Janinack PG, Davis JM, Prekorn SH, Ayd Jr JF. Principles and Practice of Psychopharmacotherapy. Baltimore: Williams & Wilkins, 1993:398. 16. Ciraulo DA, Slattery M. Anticonvulsants. In: Ciraulo DA, Shader RI, Greenblatt DJ, Creelman WL. eds. Drug Interactions in Psychiatry. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995:252-267. 17. Naramoto A, Koizumi N, Itoh N, Shigematsu H. An autopsy case of cerebellar degeneration following lithium intoxica- tion with neuroleptic malignant syndrome. Acta Pathologica Japonica 1993; 43:55-58. 21 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 CORTICAL ATROPHY DURING TREATMENT WITH LITHIUM IN THERAPEUTIC LEVELS, PERPHENAZINE AND PAROXETINE: CASE REPORT AND LITERATURE REVIEW ATROFIA CORTICAL DURANTE TRATAMENTO COM LÍTIO EM NÍVEIS TERAPÊUTICOS, PERFENAZINA E PAROXETINA: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA Luiz Renato Gazzola Summary We present, in clinical case conference format, a case in which deli- rium developed and rapidly progressed to mild dementia in a pre- viously healthy (from the neurological standpoint) 40 years old woman being treated with lithium, paroxetine, and perphenazine for bipolar disorder I with psychotic features.The unusual aspect of the case is the fact that it was associated with de novo cortical and cere- bellar atrophy, as evidenced by two MRIs performed six months apart.We present our possible explanation for the findings as medi- cation-induced toxic dementia, as well as the differential diagnosis (including a detailed discussion of the possible causes of dementia in this age group).We discuss some unusual drug interactions, and offer a review of the pertinent literature. Key-words: Cortex, Cerebral; Cerebellar Cortex; Atrophy; Dementia; Delirium; Drug Interactions, Drug Toxicity; Lithium; Perphenazine; Paroxetine We will present a clinical case and its differential diagnosis, followed by discussion and literature review. The format adopted for this article will be similar to a clinical case conference. It is important to clarify that we directly cared for Ms. A during her third hospitalization only, when she was admitted to a university- affiliated hospital. The information included here concerning the first two hospitalizations and the outpatient follow-up was obtained through medical records and through the reports of her prior and subsequent physicians, who were not linked to the same university-affiliated practice. The patient whom we called Ms. A gave written consent to this publication. Some minor details were changed to protect confidentiality. Case Presentation Ms. A was a 40 years old, single, white female, living alone, with no prior psychiatric history. She was said to be a bright woman holding a post-graduate degree and was functioning at a high level in a professional career until she was 39 years old. The patient had no family history of psychiatric illness, except for a great uncle with an unknown mental illness. She had a history of parental emotional neglect during her childhood. She was a quiet and shy adolescent, did not date during her teens, and had very few romantic relationships as an adult. She was described as the model of strength and stability for her family. A boyfriend of three years died in an accident, one year before the onset of the patient's psychiatric illness. Past medical history was unremark- able except for mild head injury, without loss of consciousness, sustained in a car accident when she was seven years old. The patient did not drink alcohol or abused substances but did smoke 1.5 packs a day. At age 39, she developed without apparent precipitant the erotomaniac delusion that her cousin loved her and wished to marry and have a child with her. She believed that he was com- municating these thoughts through “subliminal messages.” She saw the bedcovers turned down in his home and interpreted this as a sign of his decision to become intimate with her. The severi- ty of her delusional thinking became apparent that same night, when she entered her cousin's bedroom by breaking through a window, convinced that he had sent her messages to join him for a romantic encounter. Her cousin, amazed at her bizarre behav- ior and frightened, ordered her to leave at gunpoint. Ms. A went to a nearby bar from which she called her aunt to tell her that she was receiving a message from the radio explaining that her cousin wanted to meet her at the bar. Her aunt became appropriately alarmed and persuaded Ms. A to come to her house. Ms. A fell asleep at her aunt's house, but she awoke at 4 AM feeling ener- getic and refreshed, and she left. Later that day Ms. A showed up at a yard sale and took off all of her clothing, explaining that she wanted to sell it as part of the yard sale. Her aunt took her to an emergency room, but Ms. A eloped before she could be evaluat- ed. She was subsequently found showering at the maternity ward, where she explained that her cousin had instructed her to do so in preparation for her giving birth to their baby. The patient seemed calm and objective and said that she was convinced that she was behaving rationally in an attempt to cope with what she called the upcoming changes in her life. Ms. A was then involuntarily admitted to a psychiatric hos- pital. She was alert and oriented, but in addition to her erotoma- nia, had grandiose delusions that she was a superior person with many ideas ahead of her time, and that her picture had appeared on the front cover of several major magazines. She additionally Visiting Professor at Universidade Federal de Minas Gerais. Written at the Department of Psychiatry of the College of Physicians and Surgeons of Columbia University, New York, NY, U.S.A. Endereço para correspondência: Luiz Renato Gazzola Fafich - Sala 4036 - Campus UFMG Pampulha Av. Antônio Carlos, 6627 31270-901 - Belo Horizonte - MG On presentation to our service, other than low energy and disturbed night sleep, which can both be explained by mild chro- nic delirium, mood symptoms cannot be clearly identified. She was at that point progressing to frank delirium. The longitudinal course of the memory disturbance called for a full dementia work-up, and most of the major causes were ruled out, either by lack of any of the associated symptoms of these disorders1 or by negative tests. Chronic infections of the central nervous system are usually associated with systemic manifestations, meningeal involvement, abnormal CSF, and abnormalities on MRI, which were all absent. Syphilis and both HIV and cryptococcus infections were scree- ned out. Subacute sclerosing panencephalites by persistent repli- cation of the measles virus virtually does not occur in the patient's age group. Other rare slow viruses and prions (papovavirus, Creutzfeldt-Jakob disease) could not be ruled out at the time but the subsequent course is incompatible with the one seen in these diseases. Curiously, Creutzfeldt-Jakob disease could have had the time line of Ms. A's rapidly progressive dementia, if it were not for the three-year follow-up. Some other features of this disease are missing, including myoclonus and the so-called periodic com- plexes in EEG, although these are not present in all cases. Interestingly enough, Finelli2 proposes a diagnosis of drug-indu- ced Creutzfeldt-Jakob-like syndrome to describe eight patients that presented several characteristics of this disease (their cases were in various ways very similar to Ms. A’s) but who were finally diagnosed with delirium and dementia secondary to drug intoxi- cation. Lithium alone or in combination with other medications (levodopa, nortriptyline and “polypharmacy”) was the drug con- sidered responsible for the syndrome in six out of the eight patients. Serum drug levels were below the usual toxic range in half of these patients. Unfortunately neuroimaging studies were not carried out. Dementia secondary to underlying neurologic conditions such as Parkinson's disease and other movement disorders, amyotrophic lateral sclerosis and multiple sclerosis are unlikely due to the lack of the typical findings in our patient's neurologi- cal exam. Dementia in these cases is usually a late manifestation. The exception to that rule is that very occasionally dementia may be the presentation feature of Huntington's chorea, but in vir- tually all cases that come to the attention of a physician there is family history of the disease. Other secondary dementias related to mass lesions are promptly ruled out by MRI. Obstructive hydrocephalus by acqueductal stenosis may present occasionally in late adulthood with headaches, dementia and incontinence but the MRI will usually show an enlarged third ventricle with normal fourth ventricle. Communicating hydrocephalus in which intra- cranial hypertension is either absent or not recognized presents with a subacute onset over weeks or months of progressive intel- lectual deterioration. This syndrome can occur after meningitis, head injury or subarachnoid hemorrhage, but the majority of patients gives no history of such an illness and the hydrocephalus can be delayed. This diagnosis was in the realm of possibilities for Ms. A, but several clinical features were missing. It is usually accompanied by slowness and restriction of movements. Hyperreflexia in the legs and extensor plantar responses may be found, as well as urinary incontinence in one-half of the patients. The gait disturbance resembles that seen in apraxia from frontal lobe diseases, with small, shuffling steps. In dementias secondary to diffuse brain damage the cause (such as head injury, anoxia, hypoglycemia or encephalitis) is usually obvious from the history. Most of the endocrine disorders and vitamin deficiencies as causes of dementia were equally ruled out by normal physical exam and laboratory values. Of these, hypothyroidism is the most common, but the slight, transient TSH elevation that our patient presented was far from enough to warrant any consideration of this possibility. Tuberous sclerosis, progressive myoclonic epilepsy and meta- bolic diseases such as leukodystrophies, mitochondrial cytopathy, storage diseases, homocystinuria, etc, manifest much earlier in the life cycle. However, late presentation of Wilson's disease can occur in patients under the age of 40. Hepatic involvement occurs in only half of the patients, but virtually all patients that show psychiatric and neurologic disturbances as the first sign of the disease do present the Kayser-Fleisher rings. The vasculitis group (lupus, polyarteritis nodosa, granulomatous angiitis, Behcet's disease) is accompanied by laboratorial evidence of inflammatory phenomena and specific antibodies, which were absent in our patient, as well as numerous other clinical signs and symptoms. More difficult to rule out in our patient are the primary and vascular dementias. Pick's disease is highly unlikely due to her age and to the absence of circumscribed atrophy (anterior por- tions of the frontal and temporal lobes). The patient is also young for Alzheimer's disease, but this diagnosis, although very rare in her age group, is not unprecedented even in the absence of risk factors such as Down's syndrome. The fact that these dementias are inexorably progressive, however, seems inconsistent with Ms. A's course of cognitive stabilization for the last three years. As for the vascular dementias, it is true that our patient showed some of the relevant MRI characteristics. Some of these dementias invol- ve areas of low attenuation or abnormal signal in the deep white matter, particularly in the periventricular regions and centrum semiovale, referred to by the term “leukoaraiosis”. They are more characteristic of Biswanger's disease (subcortical arteriosclerotic encephalophaty), but are not at all specific, and are also seen in normal subjects (specially when they are not numerous, which was Ms. A's case), in Alzheimer's disease, and in other vascular dementias. Ms. A lacked as well other neuroimaging signs of these conditions and had no risk factors except for smoking. Her course was not consistent with multi-infarct dementia, which usually shows abrupt onset and subsequent fluctuation with periods of improvement and stepwise deterioration, together with focal neurologic signs. It is true that nocturnal confusion, relative preservation of personality, emotional lability, and depression are common features of small-vessel disease, but it is unusual to find this condition at age 40 in the absence of hyper- tension, diabetes or vasculitis. This leaves us with the toxic dementias. Heavy metals and alcohol were not in the picture. The list of drugs that can lead to acute delirium (and some of them, when used chronically, to dementia) is extensive, including, other than the drugs of abuse, barbiturates, hypnotics, antidepressants, levodopa, anticholiner- gics, and anticonvulsants. Lithium carbonate is, of course, widely Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 24 Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels, perphenazine and paroxetine: case report and literature review known to be associated with neurotoxicity at levels above 1.5 mEq/L. Levels above 3.0 are often associated with severe neu- rotoxicity with permanent neurological sequelae including cogni- tive dysfunction secondary to brain damage,3-5 if not promptly treated as a medical emergency. Marked toxicity with delirium and ataxia ordinarily starts at least above 2.0 mEq/L, and the interval between 1.5 and 2.0 is usually filled with other signs of milder toxicity such as gross tremors and diarrhea. It is less widely recognized that lithium can lead to neurotoxicity, deli- rium, and dementia even at levels below 1.5 mEq/L, and even in the absence of other signs of lithium toxicity. The highest docu- mented level that we have for Ms. A was 1.4, which can be quite excessive for some patients, but is not particularly striking. All of her other levels in several measurements throughout her treat- ment in different hospitals and clinics were always between 0.9 and 1.1 mEq/L. Numerous cases of lithium-induced delirium have been reported.6,7 Furthermore, there is an extensive literature on the question of the toxicity of lithium and neuroleptics in combina- tion, starting with early reports in the mid and early 70's invol- ving haloperidol and thioridazine, followed by numerous papers in the 80's and early 90's expressing either skepticism (such as comments on the difficulty to distinguish a combined toxicity syndrome from the toxicity to either agent alone) or confirmation (studies pointing to either higher frequency of NMS and EPS or to delirium and brain damage _ our patient in her third admis- sion did have a degree of EPS that she had not experienced befo- re). We refer the interested reader to a collection of these stu- dies.8-23 Several neuroleptics have been implicated, including, most recently, risperidone.24 An extensive review by Goldman25 in 1996 identified 237 reported cases of toxicity, both with lithium/haloperidol and lithium/non-haloperidol neuroleptics. This number seems impressive, but when paired to the likely hundreds of thousands of patients on this kind of combination around the world, one can understand why some studies failed to demonstrate a toxic interaction:26 this occurrence appears to be at least infrequent if not rare, although it may be dramatic when it does happen. Lithium neurotoxicity is poorly understood. In regard to risk factors, West and Meltzer5 reported five cases of lithium toxicity with levels between 0.75 and 1.7 mEq/L, and made a point that patients who developed neurotoxicity had markedly higher ratings on psychosis and on anxiety in the pre-toxic period com- pared to patients who never developed neurotoxicity. However, rather than increased vulnerability to the development of severe neurotoxicity, this may be associated with the fact that such patients are more likely to have neuroleptics added to their lithium regimen. Brown and Rosen7 note that possible risk factors for the development of lithium-induced delirium include conco- mitant administration of neuroleptics, advanced age, and relapse of an acute psychotic or depressive illness. For our patient, who developed TSH elevation after being on lithium for a relatively short period of time, one can speculate that this too, may indica- te that she was particularly prone to adverse effects of lithium. Her history of head trauma, which in certain cases increases sen- sitivity to psychoactive drugs, does not appear to have been signi- ficant enough. It is known that lithium has a diuretic effect, presumably by interfering with vasopressin-stimulated adenyl- cyclase, leading to lithium-induced polyuria and at times the development of neph- rogenic diabetes insipidus.27 Perhaps one mechanism underlying lithium delirium and dementia may result from changes in either secretion or absorption of CSF, leading to cortical atrophy. Barkai and Nelson28 reported that the formation of CSF in rats signifi- cantly decreased by 19% after chronic treatment with lithium. On the other hand, Ehle and Uebelhack29 reported the occurren- ce of hydrocephalus in a case of lithium-haloperidol combined therapy, speculating on the role of the influence of lithium on Na+-K+ stimulated ATPase, on active transport and on adenyl cyclase as the basic mechanism for the findings. It is interesting to ask whether the drop in cortical volume on MRI in our patient is a consequence of hydrocephalus. On occasion it may be difficult to distinguish hydrocephalus due to abnormal CSF dynamics from hydrocephalus ex-vacuo secondary to atrophy, but usually even in normal pressure communicating hydrocephalus the ven- tricles rather than the subaracnoid spaces are enlarged, unlike our patient's case. Unfortunately we do not dispose of a third MRI to help clarify this point. Another mechanism that has been proposed for lithium-neuroleptic toxicity is increased lipid pero- xidation in the cerebral cortex as seen in rats put on both drugs, which was higher than the peroxidation induced by haloperidol alone and lithium alone.30 One very interesting finding is the fact that phenothiazines seem to induce intracellular elevations of lithium and higher tis- sular distribution of Li+ both in vitro and in vivo. Pandey, Goel and Davis suggested that this might explain neurotoxic side effects of lithium in these combinations.31 This could account for the fact that even in the presence of therapeutic levels, more toxi- city may occur (our patient was on a phenothiazine). Piperazine phenothiazines produced the most marked elevations of intracel- lular lithium, doubling the red cell:plasma lithium ratio (LR) in vitro. The aminoalkyl phenothiazines and thioxanthenes were somewhat less active in this regard, while the non-phenothiazine antipsychotics, such as loxapine, haloperidol and molindone, produced only minor increases in the LR. Tricyclic antidepres- sants produced a 20% to 30% increase, while other antidepres- sants and benzodiazepines did not show any activity on the LR.32 Anecdotal reports have linked numerous other medications with the development of neurotoxicity without an apparent effect on the pharmacokinetic disposition of lithium. Anticonvulsants and calcium antagonists have all been implicated in a sufficient number of case reports to warrant concern.33 As these medica- tions have all been commonly coadministered with lithium, the relative risk of serious interactions appears to be quite low, but caution is advised. Our patient was on other drugs as well, including lorazepam, paroxetine and levothyroxine. It is unclear if these drugs played a role in the development of neurotoxicity. The literature in this regard is scattered. Reports on paroxetine-lithium toxicity were not found in our literature search, however interactions with other SSRIs have been addressed in some papers. Initial studies indicated that the combination of lithium and fluoxetine34 fails to demonstrate any detrimental interaction, but some subsequent case reports contradict this. Austin, Arana and Melvin reported 25 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 two cases in which significant neurotoxicity developed in geria- tric patients on lithium augmentation of antidepressant treat- ment, one involving nortriptyline and the other fluoxetine, despi- te therapeutic doses of all drugs.35 One striking case of acute neu- rotoxicity in many aspects similar to our patient's state was published by Noveske, Hahn and Flynn.36 The symptoms started within 48 hours of the addition of fluoxetine to a regimen of lithium and lorazepam. Isolated reports of other kinds of appa- rently detrimental interaction of lithium and fluoxetine have appeared in the literature as well.37-39 In spite of the fact that our patient was already showing some mild signs of neurotoxicity before paroxetine was introduced, and despite the absence of for- mal reports of paroxetine-lithium toxicity at this point, the many similarities between SSRIs warrant that we at least consider that this drug may have participated in aggravating our patient's clini- cal picture. As for benzodiazepines and lithium, no major toxicity has been demonstrated, although the interaction with alprazolam carries a small rise in serum lithium concentrations.40 We mentio- ned above another case in which lithium, a SSRI and lorazepam resulted in toxicity - the same benzodiazepine that our patient was taking - but no data support that this last drug played any sig- nificant role. Levothyroxine as well does not appear to interfere with lithium in our literature search. Much the opposite: we found a report of delirium associated with lithium-induced hypothyroidism that seemed to have responded to levothyroxi- ne.41 In this patient the TSH was eight times more elevated than the upper normal limit. Severe hypothyroidism is in itself enough to produce psychiatric manifestations. She was also briefly on thioridazine, which confounds the picture, although the peak of the delirium occurred five to seven days after this drug was dis- continued. Although our patient denied the use of other medications (including over-the-counter drugs), we should mention to the interested reader other potentially dangerous lithium interac- tions, related to pharmacokinetic changes rather than to direct neurotoxicity. In a good review such as the one proposed by Finley, Warner and Peabody in 1995,42 we can be reminded that any medication that alters glomerular filtration rates or affects electrolyte exchange in the nephron may influence the pharmaco- kinetic disposition of lithium. Concomitant use of diuretics has long been associated with the development of lithium toxicity, but the risk of significant interactions vary with the site of phar- macological action of the diuretic in the renal tubule. Thiazide diuretics have demonstrated the greatest potential to increase lithium concentrations, with a 25% to 40% increase in concen- trations often evident after initiation of therapy. Osmotic diure- tics and methyl xanthines appear to have the opposite effect on lithium clearance and have been advocated historically as antido- tes for lithium toxicity. Loop diuretics and potassium-sparing agents have minor variable effects. Nonsteroid anti-inflammatory drugs (NSAIDs) have also been associated with lithium toxicity, although the relative interactive potential of specific NSAIDs is difficult to determine. Small prospective studies have demonstra- ted large interindividual differences in lithium clearance values associated with different NSAIDs. A growing body of evidence also suggests that ACE inhibitors may impair lithium elimination, but further investigations are needed to identify patients at risk. Conclusion At the time of her third discharge, our diagnosis for this case, which needs to be considered as tentative and provisional since we have no formal confirmation for the causal relationship, was the following: Axis I - Delirium due to lithium (and other drugs) intoxica- tion. Dementia due to lithium (and other drugs) intoxication, mild. On the basis of previous discharge summaries from other services, probably bipolar I disorder with psychotic features, cur- rently in remission, but other conditions such as schizophreni- form disorder or brief psychotic disorder without marked stres- sors cannot be ruled out. Axis II - None. Axis III - Mild generalized cortical and cerebellar atrophy - status post lithium (and other drugs) toxicity. Axis IV- Moderate psychosocial stressors - declining health, loss of job, death of boyfriend. Axis V - GAF score of 35 on admission and 65 on discharge. Does our case really document the causal relationship bet- ween lithium intoxication in Ms. A and her mild dementia with cortical and cerebellar atrophy? No, this would be too strong to affirm. Granted that the normalization of the EEG and the par- tial recovery of the cognition after lithium discontinuation are very suggestive. Agreed that we may say that we have a relatively long follow up of three years (six times longer than the duration of Ms. A's lithium use) showing neither further progression nor full recovery of the dementia. The rapid decline of cognitive func- tioning during the six months of lithium treatment, including de novo atrophy documented by two MRI readings, followed by partial recovery then complete cognitive stability for three years is not consistent with the natural course of a dementia of neuro- logic rather than toxic etiology. Still, we have no third MRI to confirm the stability of the atrophy (as opposed to further dete- rioration due to an unrelated process or some degree of recovery due to possible changes in the dynamic of the CSF after lithium was discontinued) and no serial and objective neuropsychiatric assessment of the dementia. Ms. A could have an insidious dementia process that was either missed or was not yet apparent in her first MRI (some small ischemic changes were noticed), which might have accounted as well for her late and atypical onset of a mood disorder. Her current course does not favor this possibility, but the question is far from settled. Our report does not intend to deny the incontestable value of lithium in the management of bipolar disorder. Our findings are certainly rare in the large majority of successful lithium treat- ments. What this case argues for is the need to assess lithium-trea- ted patients for changes in cognition, especially when other medi- cations are prescribed simultaneously. In this era in which psychiatric treatments have moved from classical monotherapy to more complex multidrug regimens, this awareness seems particu- larly important. Another fundamental lesson of this case is the need for close monitoring of subtle cognitive signs even when they appear to be explained or masked by the common symptoms of psychoses and mood disorders. In our patient signs of cogniti- ve impairment were apparently already present during the second hospitalization, but a long time passed by before they were ack- Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):21-28 26 29 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31 Machado de Assis* Ao certo, não se pode saber em que data teve Sales a sua pri- meira idéia. Sabe-se que, aos dezenove anos, em 1854, planeou transferir a capital do Brasil para o interior, e formulou alguma cousa a tal respeito; mas não se pode afirmar, com segurança, que tal fosse a primeira nem a segunda idéia do nosso homem. Atribuíram-lhe meia dúzia antes dessa, algumas evidentemente apócrifas, por desmentirem dos anos em flor, mas outras possíveis e engenhosas. Geralmente eram concepções vastas, brilhantes, inopináveis ou só complicadas. Cortava largo, sem poupar pano nem tesoura; e, quaisquer que fossem as objeções práticas, a ima- ginação estendia-lhe sempre um véu magnífico sobre o áspero e o aspérrimo. Ousaria tudo: pegaria de uma enxada ou de um cetro, se preciso fosse, para pôr qualquer idéia a caminho. Não digo cumpri-la, que é outra cousa. Casou aos vinte e cinco anos, em 1859, com a filha de um senhor de engenho de Pernambuco, chamado Melchior. O pai da moça ficara entusiasmado, ouvindo ao futuro genro certo plano de produção de açúcar, por meio de uma união de engenhos e de um mecanismo simplíssimo. Foi no Teatro de Santa Isabel, no Recife, que Melchior lhe ouviu expor os lineamentos principais da idéia. _ “Havemos de falar nisso outra vez, disse Melchior; por que não vai ao nosso engenho?” Sales foi ao engenho, conversou, escreveu, calculou, fascinou o homem. Uma vez acordados na idéia, saiu o moço a propagá-la por toda a comarca; achou tímidos, achou recalcitrantes, mas foi animando a uns e persuadindo a outros. Estudou a produção da zona, comparou a real à provável, e mostrou a diferença. Vivia no meio de mapas, cotações de preços, estatísticas, livros, cartas, muitas cartas. Ao cabo de quatro meses, adoeceu; o médico achou que a moléstia era filha do excesso de trabalho cerebral, e prescreveu-lhe grandes cautelas. Foi por esse tempo que a filha do senhor do engenho e uma irmã deste regressaram da Europa, aonde tinham ido nos meados de 1858. Es liegen einige gute Ideen in diesen Rock, dizia uma vez o alfaiate de Heine, mirando-lhe a sobrecasaca. Sales não desce- ria a achar semelhantes cousas numa sobrecasaca; mas, numa linda moça, por que não? Há nesta pequena algumas idéias boas, pensou ele olhando para Olegária, _ ou Legazinha, como se dizia no engenho. A moça era baixota, delgada, rosto alegre e bom. A influição foi recíproca e súbita. Melchior, não menos namorado do rapaz que a filha, não hesitou em casá-los; ligá-lo à família era assegurar a persistência de Sales na execução do plano. O casamento fez-se em agosto, indo os noivos passar a lua- de-mel no Recife. No fim de dous meses, não voltando eles ao engenho, e acumulando-se ali uma infinidade de respostas ao questionário que Sales organizara, e muitos outros papéis e opús- culos, Melchior escreveu ao genro que viesse; Sales respondeu que sim, mas que antes disso precisava dar uma chegadinha ao Rio de Janeiro, cousa de poucas semanas, dous meses, no máxi- mo. Melchior correu ao Recife para impedir a viagem; em último caso, prometeu que, se esperassem até maio, ele viria também. Tudo foi inútil; Sales não podia esperar; tinha isto, tinha aquilo, era indispensável. _ “Se houver necessidade de apressar a volta, escreva-me; mas descanse, a boa semente frutificará. Caiu em boa terra, con- cluiu enfaticamente.” Ênfase não exclui sinceridade. Sales era sincero, mas uma cousa é sê-lo de espírito, outra de vontade. A vontade estava agora na jovem consorte. Entrando no mar, esqueceu-lhe a terra; descendo à terra, olvidou as águas. A ocupação única do seu ser era amar esta moça, que ele nem sabia que existisse, quando foi para o engenho do sogro cuidar do açúcar. Meteram-se na Tijuca, em casa que era juntamente ninho e fortaleza; - ninho para eles, fortaleza para os estranhos, aliás inimigos. Vinham abaixo algu- mas vezes, _ ou a passeio, ou ao teatro; visitas raras e de cartão. Durou essa reclusão oito meses. Melchior escrevia ao genro que voltasse, que era tempo; ele respondia que sim, e ia ficando; começou a responder tarde, e acabou falando de outras cousas. Um dia, o sogro mandou-lhe dizer que todos os apalavrados tinham desistido da empresa. Sales leu a carta ao pé de Legazinha, e ficou longo tempo a olhar para ela. _ “Que mais? perguntou Legazinha.” Sales afirmou a vista; acabava de descobrir-lhe um cabelinho branco. Cãs aos vinte anos! Inclinou-se, e deu no cabelo um beijo de boas-vindas. Não cuidou de outra cousa em todo o dia. Chamava-lhe “minha velha.” Falava em comprar uma medalhi- nha de prata para guardar o cabelo, com a data, e só a abririam quando fizessem vinte e cinco anos de casados. Era uma idéia nova esse cabelo. Bem dizia ele que a moça tinha em si algumas idéias boas, como a sobrecasaca de Heine; não só as tinha boas, mas inesperadas. Um dia, reparou Legazinha que os olhos do marido andavam dispersos no ar, ou recolhidos em si. Nos dias seguintes observou a mesma cousa. Note-se que não eram olhos de qualquer. Tinham a cor indefinível, entre castanho e ouro; _ grandes, luminosos e Caso Literário SALES SALES * Contos/Outros Contos Obra Completa Vol. II pp. 1072-7 [GN. 30 mai. 1887.] Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31 30 até quentes. Viviam em geral como os de toda a gente; e, para ela, como os de nenhuma pessoa, mas o fenômeno daqueles dias era novo e singular. Iam da profunda imobilidade à mobilidade súbi- ta e quase demente. Legazinha falava-lhe, sem que ele a ouvisse; pega-va-lhe dos ombros ou das mãos, e ele acordava. _ “Hem? que foi?” Legazinha a princípio ria-se. _ “Este meu marido! Este meu marido! Onde anda você?” Sales ria também, levantava-se, acendia um charuto, e entra- va a andar e a pensar; daí a pouco mergulhava outra vez em si. O fenômeno foi-se agravando. Sales passou a escrever horas e horas; às vezes, deixava a cama, alta noite, para ir tomar alguma nota. Legazinha supôs que era o negócio dos engenhos, e disse-lho, pendurando-se graciosamente do ombro: _ “Os engenhos? repetiu ele. E voltando a si: _ Ah! os engen- hos...” Legazinha temia algum transtorno mental, e procurava dis- traí-lo. Já saíam a visitas, recebiam outras; Sales consentiu em ir a um baile, na Praia do Flamengo. Foi aí que ele teve um princípio de reputação epigramática, por uma resposta que deu distraida- mente: _ “Que idade terá aquela feiosa, que vai casar? perguntou-lhe uma senhora com malignidade.” _ “Perto de duzentos contos, respondeu Sales.” Era um cálculo que estava fazendo; mas o dito foi tomado à má parte, andou de boca em boca, e muita gente redobrou os carinhos com um homem capaz de dizer cousas tão perversas. Um dia, o estado dos olhos foi cedendo inteiramente da imo- bilidade para a mobilidade; entraram a rir, a derramarem-se-lhe pelo corpo todo, e a boca ria, as mãos riam, todo ele ria a espá- duas despregadas. Não tardou, porém, o equilíbrio: Sales voltou ao ponto central, mas - ai dela! - trazia uma idéia nova. Consistia esta em obter de cada habitante da capital uma contribuição de quarenta réis por mês, - ou, anualmente, quatro- centos e oitenta réis. Em troca desta pensão tão módica, recebe- ria o contribuinte durante a semana santa uma cousa que não posso dizer sem grandes refolhos de linguagem. Que ele há pes- soas neste mundo que acham mais delicado comer peixe cozido, que lê-lo impresso. Pois era o pescado necessário à abstinência, que cada contribuinte receberia em casa durante a semana santa, a troco de quatrocentos e oitenta réis por ano. O corretor, a quem Sales confiou o plano, não o entendeu logo; mas o inventor expli- cou-lhe. _ “Nem todos pagarão só os quarenta réis; uma terça parte, para receber maior porção e melhor peixe, pagará cem réis. Quantos habitantes haverá no Rio de Janeiro? Descontando os judeus, os protestantes, os mendigos, os vagabundos, etc., contemos trezentos mil. Dous terços, ou duzentos mil, a qua- renta réis, são noventa e seis contos anuais. Os cem mil res- tantes, a cem réis, dão cento e vinte. Total: duzentos e dezes- seis contos de réis. Compreendeu agora?” _ “Sim, mas...” Sales explicou o resto. O juro do capital, o preço das ações da companhia, porque era uma companhia anônima, número das ações, entradas, dividendo provável, fundo de reserva, tudo esta- va calculado, somado. Os algarismos caíam-lhe da boca, lúcidos e grossos, como uma chuva de diamantes; outros saltavam-lhe dos olhos, à guisa de lágrimas, mas lágrimas de gozo único. Eram cen- tenas de contos, que ele sacolejava nas algibeiras, passava às mãos e atirava ao tecto. Contos sobre contos; dava com eles na cara do corretor, em cheio; repelia-os de si, a pontapés; depois recolhia- os com amor. Já não eram lágrimas nem diamantes, mas uma ven- tania de algarismos, que torcia todas as idéias do corretor, por mais rijas e arraigadas que estivessem. _ “E as despesas?” disse este. Estavam previstas as despesas. As do primeiro ano é que seriam grandes. A companhia teria virtualmente o privilégio da pescaria, com pessoal seu, canoas suas, estações de paróquias, carroças de distribuição, impressos, licenças, escritório, diretoria, tudo. Deduzia as despesas, e mostrava lucro positivo, claro, numeroso. Vasto negócio, vasto e humano; arrancava a população aos preços fabulosos daqueles dias de preceito. Trataram do negócio; apalavraram algumas pessoas. Sales não olhava a despesa para pôr a idéia a caminho. Não tinha mais que o dote da mulher, uns oitenta contos, já muito cerceados; mas não olhava a nada. São despesas produtivas, dizia a si mesmo. Era preciso escritório; alugou casa na Rua da Alfândega, dando gros- sas luvas, e meteu lá um empregado de escrita e um porteiro far- dado. Os botões da farda do porteiro eram de metal branco, e tinham, em relevo, um anzol e uma rede, emblema da companhia; na frente do bonet via-se o mesmo emblema, feito de galão de prata. Essa particularidade, tão estranha ao comércio, causou algum pasmo, e recolheu boa soma de acionistas. _ “Lá vai o negócio a caminho!” dizia ele à mulher, esfregan- do as mãos.” Legazinha padecia calada. A orelha da necessidade começa- va a aparecer por trás da porta; não tardaria a ver-lhe o carão chu- pado e lívido, e o corpo em frangalhos. O dote, capital único, ia- se indo com o necessário e o hipotético. Sales, entretanto, não parava, acudia a tudo, à praça e à imprensa, onde escreveu alguns artigos longos, muito longos, pecuniariamente longos, recheados de Cobden e Bastiat, para demonstrar que a companhia, trazia nas mãos “o lábaro da liberdade.” A doença de um conselheiro de Estado fez demorar os esta- tutos. Sales, impaciente nos primeiros dias, entrou a conformar- se com as circunstâncias, e até a sair menos. Às vezes vestia-se para dar uma vista ao escritório; mas, apertado o colete, rumina- va outra cousa e deixava-se ficar. Crendice do amor, a mulher também esperava os estatutos, rezava uma ave-maria, todas as noites, para que eles viessem, que se não demorassem muito. Vieram; ela leu, um dia de manhã, o despacho de indeferimento. Correu atônita ao marido. _ “Não entendem disto, respondeu Sales, tranqüilamente. Descansa; não me abato assim com duas razões.” Legazinha enxugou os olhos. _ “Vais requerer outra vez?” perguntou-lhe. _ “Qual requerer!” Sales atirou a folha ao chão, levantou-se da rede em que esta- va, foi à mulher; pegou-lhe nas mãos, disse-lhe que nem cem governos o fariam desfalecer. A mulher, abanando a cabeça: _ “Você não acaba nada. Cansa-se à toa... No princípio tudo são prodígios; depois... Olha o negócio dos engenhos que papai me contou...” _ “Mas fui eu que me indeferi?” Sales 31 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):29-31 _ “Não foi; mas há que tempos anda você pensando em outra cousa!” _ “Pois sim, e digo-te...” _ “Não digas nada, não quero saber nada”, atalhou ela. Sales, rindo, disse-lhe que ainda havia de arrepender-se, mas que ele lhe daria um perdão “de rendas,” nova espécie de perdão, mais eficaz que nenhum outro. Desfez-se do escritório e dos empregados, sem tristeza; chegou a esquecer-se de pedir luvas ao novo inquilino da casa. Pensava em cousa diferente. Cálculos pas- sados, esperanças ainda recentes, eram cousas em que parecia não haver cuidado nunca. Debruçava-se-lhe do olho luminoso uma idéia nova. Uma noite, estando em passeio com a mulher, con- fiou-lhe que era indispensável ir à Europa, viagem de seis meses apenas. Iriam ambos, com economia... Legazinha ficou fulmina- da. Em casa respondeu-lhe, que nem ela iria, nem consentiria que ele fosse. Para quê? Algum novo sonho. Sales afirmou-lhe que era uma simples viagem de estudo, França, Inglaterra, Bélgica, a indústria das rendas. Uma grande fábrica de rendas; o Brasil dando malinas e bruxelas. Não houve força que o detivesse, nem súplicas, nem lágri- mas, nem ameaças de separação. As ameaças eram de boca. Melchior estava, desde muito, brigado com ambos; ela não aban- donaria o marido. Sales embarcou, e não sem custo, porque amava deveras a mulher; mas era preciso, e embarcou. Em vez de seis meses, demorou-se sete; mas, em compensação, quando che- gou, trazia o olhar seguro e radiante. A saudade, grande miseri- cordiosa, fez com que a mulher esquecesse tantas desconsolações, e lhe perdoasse _ tudo. Poucos dias depois alcançou ele uma audiência do Ministro do Império. Levou-lhe um plano soberbo, nada menos que arra- sar os prédios do Campo da Aclamação e substituí-los por edifí- cios públicos, de mármore. Onde está o quartel, ficaria o palácio da Assembléia Geral; na face oposta, em toda a extensão, o palá- cio do imperador. David cum Sibyla. Nas outras duas faces late- rais ficariam os palácios dos sete ministérios, um para a Câmara Municipal e outro para o Diocesano. _ “Repare V. Exa. que é toda a Constituição reunida, dizia ele rindo, para fazer rir o ministro; falta só o Ato Adicional. As províncias que façam o mesmo.” Mas o ministro não se ria. Olhava para os planos desenrola- dos na mesa, feitos por um engenheiro belga, pedia explicações para dizer alguma cousa, e mais nada. Afinal disse-lhe que o governo não tinha recursos para obras tão gigantescas. _ “Nem eu lhos peço,” acudiu Sales. “Não preciso mais que de algumas concessões importantes. E o que não concederá o governo para ver executar este primor?” Durou seis meses esta idéia. Veio outra, que durou oito; foi um colégio, em que pôs à prova certo plano de estudos. Depois vieram outras, mais outras... Em todas elas gastava alguma cousa, e o dote da mulher desapareceu. Legazinha suportou com alma as necessidades; fazia balas e compotas para manter a casa. Entre duas idéias, Sales comovia-se, pedia perdão à consorte, e tentava ajudá-la na indústria doméstica. Chegou a arranjar um emprego ínfimo, no comércio; mas a imaginação vinha muita vez arrancá- lo ao solo triste e nu para as regiões magníficas, ao som dos gui- zos de algarismos e do tambor da celebridade. Assim correram os primeiros seis anos de casamento. Começando o sétimo, foi nosso amigo acometido de uma lesão cardíaca e de uma idéia. Cuidou logo desta, que era uma máqui- na de guerra para destruir Humaitá; mas a doença, máquina eter- na, destruiu-o primeiro a ele. Sales caiu de cama, a morte veio vindo; a mulher, desenganada, tratou de o persuadir a que se sacramentasse. _ “Faço o que quiseres”, respondeu ele ofegante. Confessou-se, recebeu o viático e foi ungido. Para o fim, o aparelho eclesiástico, as cerimônias, as pessoas ajoelhadas, ainda lhe deram rebate à imaginação. A idéia de fundar uma igreja, quando sarasse, encheu-lhe o semblante de uma luz extraordiná- ria. Os olhos reviveram. Vagamente, inventou um culto, sacerdo- te, milhares de fiéis. Teve reminiscências de Robespierre; faria um culto deísta, com cerimônias e festas originais, risonhas como o nosso céu... Murmurava palavras pias. _ “Que é?” Dizia Legazinha, ao pé da cama, com uma das mãos presa entre as suas, exausta de trabalho. Sales não via nem ouvia a mulher. Via um campo vastíssimo, um grande altar ao longe, de mármore, coberto de folhagens e flores. O sol batia em cheio na congregação religiosa. Ao pé do altar via-se a si mesmo, magno sacerdote, com uma túnica de linho e cabeção de púrpura. Diante dele, ajoelhadas, milhares e milhares de criaturas humanas, com os braços erguidos ao ar, esperando o pão da verdade e da justiça... que ele ia... distribuir... Agradecimento e breve consideração diagnóstica CCP agradece a Ramon M. Cosenza, professor sênior e dou- tor do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG e atual membro da Residência de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da UFMG, pelo envio desse conto a um tempo humano e trágico. Do ponto de vista psicopa- tológico, dada a disfunção ocupacional e social de Sales e seu quadro clínico, pode-se pensar em transtorno do espectro bipo- lar com traços narcísicos de personalidade. Indicação bibliográfi- ca digna de nota é o livro de J. Leme Lopes “A Psiquiatria de Machado de Assis”; São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte: Agir, 1974. Theo y continúa leyendo a autores complejos como Voltaire y Zolá, entre otros. Aspectos Médicos Antecedentes Familiares La Tabla 2 revela en forma cronológica los antecedentes médico-psiquiátricos relacionados con la vida de Vincent van Gogh y su familia nuclear. Cabe destacar aquí el antecedente pro- porcionado por el propio pintor acerca de su familia materna (Carbentus), donde se sostiene que una tía habría sido epiléptica y que habrían habido múltiples desordenes mentales en su familia. En la historia familiar nuclear destaca el muy probable suici- dio del hermano menor, Cornelius o ‘Cor’, acontecido en Sudáfrica, la psicosis crónica de Wilhelmine, su hermana predi- lecta y la enfermedad de Theo, quién fallece en un hospital psi- quiátrico en Utrecht un año después del suicidio de Vincent. Se desconocen los detalles de la patología de Theo, pero se ha pos- tulado un cuadro psicótico progresivo. Algunos autores han pos- tulado una neurosífilis, la que también ha sido rotulada para su destacado protegido.6,7 No obstante, no hay suficientes elemen- tos probatorios que apoyen la teoría de una neurolúes comparti- da por ambos hermanos, lo que será discutido posteriormente. Personalidad Premórbida Las escasas descripciones existentes en relación al niño Vincent van Gogh coinciden en describirlo como un ‘niño- adulto’, serio, retraído, solitario, disciplinado, observador, inteli- gente y amante de la naturaleza. No hay antecedentes de la exis- tencia de conflictos familiares gravitantes, pero podemos suponer que la muerte del primogénito Vincent y el constante recuerdo, a través de la visita ineludible a la tumba de su hermano, tuvieron una influencia considerable en el desarrollo temprano del artista.7 Según su cuñada Johanna, ya en la infancia Vincent tenía un carácter difícil, pendenciero y obstinado. Se apasionaba por la naturaleza, los animales, las flores, y coleccionaba toda clase de objetos. El contacto con los escolares de la aldea lo habría vuelto aún mas intranquilo, por lo que los van Gogh contratan una niñe- ra. Esta describiría mas tarde al niño Vincent como extraño, dife- rente a los demás. “Su comportamiento era raro y excéntrico, lo que le valía muchos castigos”. Vincent era para ella el menos agradable de los hijos. La descripción de la viuda de Bie-van Aalst, detalla- das en el libro de Tralbaut, coinciden en señalar que, a diferencia de Theo. Vincent era un niño serio. Según su hermana Elizabeth, Vincent era un niño solitario y apartado.1 No encontramos mayor información sobre la pubertad y la adolescencia de Vincent, pero nos parece probable que no haya diferido mucho de su infancia. A los 12 años es enviado al inter- nado de Zevenbergen, donde no se habría adaptado bien. Tiempo despues Vincent le relata a Theo la gran nostalgia del hogar que sintiera durante este período, esperando con ansias las visitas de sus padres y añorando las escasas visitas al seno familiar. Segun Nágera, esta separación del hogar habría tenido gravitan- tes consecuencias para el desarrollo de van Gogh. El carácter soli- tario e introvertido se habría acentuado gracias a la vivencia sub- jetiva de separación del hogar, la que nunca habría sido resuelta.3 Posteriormente, en el período de La Haya, Vincent habría alcanzado un mejor nivel de adaptación social y laboral, revelan- do cierta estabilidad. No obstante, no contamos con información confiable acerca de su personalidad y sus vivencias en este perío- do. Suponemos que el traslado a Londres, determinado por la galería Goupil, no fue bien recibido por Vincent, quien se alejaba aún mas del hogar. Sin embargo, no hay antecedentes que sugie- ran graves alteraciones durante el primer período de su estadía en Inglaterra. A los 20 años de edad, Vincent vive como pensionista en la casa de la señora Loyer, donde se enamora de su hija. Luego de la desilusión amorosa en Londres se produce un importante cambio de la personalidad de van Gogh, donde se evi- dencian rasgos de creciente excentricidad, introversión, tenden- cias proselitistas, rasgos fanáticos, desadapatación y tendencias al aislamiento. Estas características se mantendrán a lo largo de la vida del pintor. Vincent es descrito como excéntrico, individualis- ta, romántico y contradictorio. En numerosas oportunidades lo describen como un ‘loco’, en particular durante el período reli- gioso. No obstante, la excentricidad no aparece reflejada en la conducta general, sino en la forma de emprender sus proyectos. A los 24 años Vincent trabaja brevemente como librero en Dordrecht, donde un colega lo describe de la siguiente forma: “Es un muchacho poco atractivo, mas bien insociable y que rara vez habla con alguien en la tienda”.3 Se toma la vida muy en serio, la vive siempre en forma intensa y sin eludir los desafíos. Es una persona muy alejada de los intereses materiales y desde muy tem- prano tiene que ser apoyado económicamente por su familia. Solitario, sensible e introvertido, van Gogh no pierde tiempo en adaptaciones al orden establecido, manteniendo siempre una curiosa relación con un orden moral o estético superior. Las esca- sas descripciones de su relacionamiento social dejan entrever una clara inseguridad personal, particularmente en sus vínculos con el sexo opuesto. Simpatizante de los niños, de los pobres y débiles en general, Vincent no logra dar concreción a estos impulsos en su vida cotidiana, manteniéndose en un plano de soledad mas abstracto. La extrema sensibilidad, su introversión y la falta de Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 34 Vincent es hospitalizado três semanas por una infección gonocósica. Eventual tratamiento de Vincent con yoduro de potasio: lúes? Eventual tratamiento de Theo con yoduro de potasio por lúes secun- daria. Primera hospitalización en Arles. Mutilación de hemioreja inferior. Múltiples hospitalizaciones por episodios psicóticos transitorios. Intento de suicidio. Vincent declara que la hermana de su madre era epiléptica y que había muchos casos de desordenes mentales en la familia. Traslado a Auvers-sur-Oise; tratamiento por el Dr. Gachet. Posible suicidio de ‘Cor’, el hermano menor de Vincent, en Sudáfrica. Suicidio de Vincent. Muerte de Theo en Utrecht, en un sanatorio psiquiátrico. Ingreso de Willhelmien, la hermana preferida, a un asilo psiquiátrico, donde permanecerá recluida hasta su muerte, en 1941. Intentos de suicidio que requerirán contención ocasional. 1882 1885 1886 1888 1889 1889 1890 1890 1890 1891 1892 Tabla 2 - Antecedentes médico-psiquátricos de Vincent van Gogh y de la familia van Gogh - Carbentus Patografia de Vincent van Gogh sentido realista le impiden establecer puentes sociales, quedando siempre en una profunda soledad. Como bien señalara Jaspers, van Gogh presenta una clara inclinación a la soledad y al ensimis- mamiento, aunque “está siempre suspirando por la amistad y el trato de las gentes que tan obstinadamente rehuye”.4 En síntesis, los escritos permiten definir con cierta certeza la personalidad premórbida de van Gogh como sigue: introvertido, sensible, profundo, excéntrico, solitario, con rasgos fanáticos, amante de la naturaleza, con poca capacidad para tolerar frustra- ciones y una clara desadaptación social. Su funcionamiento cog- nitivo se caracteriza por una intensa emocionalidad, generalmen- te incierta e incongruente, con tendencias holísticas, rigidez y la escasa tolerancia a las frustraciones, en el marco de rasgos de neu- roticismo e inestabilidad crecientes. Ocasionalmente se desprenden de su conducta y de sus car- tas rasgos de psicoticismo, de depresividad, de tendencias auto- destructivas y una evidente incapacidad de adecuación a la reali- dad social y económica. Pródromo del primer episodio psicótico En Febrero de 1888 Vincent llega a Arles con la esperanza de constituir una comunidad de artistas. Desde un comienzo el pin- tor comienza a alabar las virtudes de esta soleada región del sur de Francia, mostrando en su productividad pictórica y en sus car- tas una creciente satisfacción. Con la ayuda de Theo, Vincent se concentra plenamente en su obra y su proyecto, logrando conso- lidar un notable registro pictórico. A mediados de 1888 fallece el tío Vincent (Cent), quién originalmente favorecía y protegía al pintor, pero ahora lo deshereda. No obstante, desde su llegada a Arles, van Gogh se muestra optimista, productivo, creativo y esperanzado. Es posible pensar en la presencia de una alteración hipomaniacal, como veremos posteriormente. En Agosto de 1888, Vincent comienza a especular con la llegada de Gaugin, quién finalmente llega a regañadienetes en Octubre. Durante el período de espera, van Gogh se dedica a remozar la casa amaril- la, pintando varios lienzos (Girasoles) con fines decorativos. Segun Jaspers, ya en ésta época se visualizan los primeros signos de una alteración psicopatológica.4 Las espectativas de la llegada de Gaugin son poco realistas y surgen de la visión romantica del artista. Semanas antes de la llegada de Gaugin Vincent le escribe a su hermano Theo: “Si, es cierto me avergüenzo de ello, pero qui- siera impresionar a Gauguin con mi trabajo...; su venida va a alte- rar mi manera de pintar...”.1 Pocos dias antes de la llegada de Gauguin, Vincent escribe: “He intentado presionar mi propio tra- bajo lo máximo posible, en mi deseo de poder mostrarle algo nove- doso, de no ser objeto de su influencia antes de poder mostrarle mi propia individualidad...”. Durante este período, trabaja en forma febril, descuidando su alimentación, sueño y necesidad de repo- so. En forma profética anuncia su devenir en su última carta antes de la ansiada llegada de Gauguin: “No estoy enfermo, pero sin duda pronto lo estaré si no con- sumo bastante alimento y dejo de pintar por algunos días. De hecho, estoy muy próximo al estado de locura de Hugo van der Goes en el cuadro de Emil Wauters. Y si no fuera porque yo tengo una doble naturaleza, una de monje y otra de pintor, ya hace mucho tiempo que debería estar reducido completa e irremediablemente a la condición antes mencio- nada. No obstante, no pienso que mi locura tomaría la forma de manía de persecución, ya que en los estados de exi- tación mis sentimientos me conducen mas bien a la contem- plación de la eternidad, y de la vida eterna. En todo caso, debo estar muy atento con mis nervios, etc...”.1 La excitación que Vincent siente con la llegada de Gaugin rápidamente se compromete con una compleja convivencia de ambos artistas. Sus visiones del arte y del mundo son enteramen- te disímiles, logrando sólo un encuentro superficial. Gaugin ame- naza con irse, mientras van Gogh entra en un estado de crecien- te inestabilidad. De acuerdo con Gaugin, Vincent se torna irrita- ble, agresivo, impulsivo, mutista e impredecible. Padece insom- nio de continuación, y ocasionalmente lo habría espiado durante el sueño. Luego de una disputa van Gogh sigue a Gaugin por las calles de Arles con una navaja de afeitar, quien lo confronta. Dejemos que el mejor testigo del pródromo de la psicosis de Vincent, Paul Gauguin, nos relate los hechos: “Cuando llegué a Arles, Vincent estaba intentando encon- trar su camino, mientras que yo, que era mucho mayor, ya era un hombre maduro... Durante el último período de mi estancia, Vincent se convirtió en excesivamente brusco y rui- doso, y de repente silencioso. varias noches descubrí que, habiéndose despertado, estaba al pie de mi cama... Invariablemente era suficiente que yo le dijera en tono grave: ’Vincent ¿te pasa algo?’, para que volviera a la cama sin decir palabra y cayera en un sueño profundo. Tuve la idea de pintar su retrato mientras estaba pintando su bode- gón favorito, girasoles. Y una vez terminado el retrato me dijo: ’Si que soy yo, pero me he vuelto loco’. La misma noche fuimos al café, donde tomó un ajenjo ligero. De repente me tiró el vaso y su contenido a la cabeza. Eludí el golpe y tomándolo con fuerza en mis brazos, salí del café; pocos minutos después Vincent se encontraba en cama, donde dur- mió hasta la mañana siguiente. Al despertarse me dijo: ‘Querido Gauguin, me parece recordar vagamente que ano- che te ofendí’ a lo que le contesté: ‘Con ganas te perdono, pero el incidente de anoche podría repetirse, y si me alcanza un golpe podría perder los estribos y estrangularte. Permíteme pues, que le escriba a tu hermano y le anuncie mi regreso’. Al atardecer, y después de haber comido rápida- mente mi cena, sentí la necesidad de salir solo y tomar aire. Había cruzado ya la plaza de Victor Hugo, cuando oí detrás mío un paso rápido e irregular, muy familiar. Di la vuelta justo en el momento en que Vincent se abalanzaba hacia mí con una navaja de afeitar abierta en la mano. Mi mirada en ese momento tiene que haber sido verdaderamente muy poderosa, porque se paró y bajando la cabeza, se fue corrien- do en dirección a nuestra casa...”8 Al día siguiente, el 24 de Diciembre de 1888, la policía lo encuentra inconsciente en su habitación. De acuerdo al reporte de un diario local, en la misma noche de la confrontación con Gauguin, Vincent vuelve a la casa amarilla y se mutila la hemio- reja izquierda, entregando la pieza envuelta en un paño a una 35 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 conocida (Rachel) de un burdel vecino. A partir de este episodio, Vincent se convierte en paciente hospitalario recurrente, lo que no obsta que mantenga una febril productividad pictórica, hasta su muerte, ocurrida 18 meses después. Psicopatología y evolución Lamentablemente, las descripciones clínicas de los diferentes epiodios psicóticos de Vincent van Gogh son muy escasas. En Navidad de 1888, después del episodio de automutilación de su hemioreja inferior, Theo viaja a Arles, donde describe el estado de su hermano como sigue: “Por momentos aparece lúcido, pero luego, subrepticiamente cae en una divagación filosófica o teológi- ca. A veces, toda la miseria de su pasado resurge en el; el quiere llo- rar, pero no puede hacerlo”.1 El 1. de Enero de 1889 Vincent apa- rece mas recuperado, escribiendo a Theo: “Espero que Gauguin te reembolse completamente, también un poco en el negocio de la pin- tura. Espero comenzar pronto con mi trabajo”. Luego añade: “Escríbele una línea a mama por mi, para que nadie se preocupe”. En el reverso de dicha carta le envía un mensaje de amistad a Gauguin, hablando de “alta fiebre” y de “debilidad comparable”. El 2 de Enero su médico tratante, el Dr. Rey le escribe a Theo señalando que Vincent se recupera rápidamente y que el estado de sobreexcitación solo será temporal.1 El 7 de Enero es dado de alta, con su cabeza aun vendada. Al regreso a la casa amarilla, Vincent le asegura a su hermana y su madre estar recuperado y que durante un buen tiempo estará libre de problemas. En este período, van Gogh pintó dos memorables cuadros, el Retrato del Dr. Rey y Los Jardines del Hospital de Arles. Durante el mes de Enero, Vincent continúa pintando en forma solitaria. La gente de Arles se muestra hostil y agresiva contra el artista, y ya el 9 de Febrero es rehospitalizado, esta vez sin la espectacularidad ante- rior. A petición ciudadana, Vincent es confinado y la casa amaril- la es clausurada. En su soledad, Vincent le escribe a Theo: “Si no cuento con tu amistad, me veré irremediablemente conducido al suicidio, y, cobarde como soy, lo debiera cometer finalmente”.3 Cabe destacar aquí que Theo recientemente había contraído nup- cias con Johanna. En el mes de Marzo Vincent se resigna a su condición de confinamiento. Theo relaciona su enfermedad con las malas condiciones materiales de la vida previa de Vincent, favoreciendo su reclusión. Mientras el Director del Hospital de Arles, el Dr. Urpar, le diagnostica una “manía aguda con delirium generalizado”, el Dr. Rey habla de “crisis epilépticas”.1 En Mayo, Vincent es trasladado voluntariamente al hospicio del pueblo provenzal de Saint-Rémy, manifestando que un hombre en su condición tal vez debiera decidirse por la legión extranjera. La ficha clínica de Saint-Rémy describe en sus inicios un esta- do de “manía aguda, con alucinaciones visuales y auditivas, siendo necesario su observaciones por un período prolongado”. En Saint- Rémy se lo trata con una terapia hidropática, con baños dos veces a la semana. Van Gogh parece complacido con el tratamiento, reportando los pormenores de su condición en forma regular a su familia. En las cartas se habla de “ataques”, refiriéndose a las cri- sis psicóticas. Un día después de arribar al hospicio reinicia la pintura, teniendo a su disposición una segunda habitación para trabajar. Obviando las rejas, el artista desarrolla múltiples temas que logra captar desde la breve ventana de su celda, consiguién- dolo con gran precisión. Es justamente desde esta situación que Vincent pinta su segunda noche estrellada (Starry night), notable- mente distinta a la del año anterior, fundiendo realidad y fantasía. Para muchos autores la presencia de las alucinaciones visuales, entre otros factores, permitieron dar el paso para el origen de dicho cuadro. La obra de van Gogh sufre, desde su celda del asilo de Saint-Rémy, un nuevo cambio, caracterizado por una gran liberación interna y una irrestricta expresión de su interioridad. En Mayo y Junio, van Gogh se adapta bien al asilo, pintando importantes obras. No obstante, tras una breve y frustrante visita a Arles a comienzos de Julio, donde no encuentra a un pastor amigo ni al Dr. Rey, vuelve a desencadenarse uno de los “ataques”, con clara sintomatología productiva y que durara hasta Agosto. De las cartas a Theo se desprenden tres fases psicóticas en Arles, del 24 de Diciembre de 1888 al 19 de Enero de 1889 la primera, del 4 al 18 de Febrero la segunda y del 26 de Febrero a mediados de Abril. En Saint-Rémy se describen cuatro episodios: del 9 de Julio a mediados de Agosto, nueva y curiosamente del 24 de Diciembre de 1889 al 1. de Enero de 1890, del 23 al 30 de Enero y de mediados de Febrero a mediados de Abril. En algunos casos, la fase aguda duraba sólo unos días, en otros, varias semanas, que- dando siempre una lenta remisión posterior. Durante la mayoría de las crisis se observa un delirio paranoídeo con elementos mís- tico-religiosos. Se describen alucinaciones auditivas y visuales, con ocasionales momentos de confusión. En algunas ocasiones, van Gogh describe una amnesia posterior a las crisis. En otras, hay claros indicios de su plena lucidez durante las crísis psicóti- cas y los desajustes conductuales. Así, por ejemplo, estando en Saint-Rémy, van Gogh obtiene permiso para salir a pintar al campo, siempre en compañía de un gentil auxiliar, de nombre Poulet. En una oportunidad, estando en el camino de regreso y sin aviso, se da vuelta y golpea a Poulet en el abdómen. Al siguiente día, Vincent espontáneamente lamenta haberlo golpea- do y le pide disculpas, señalando además que “me sentía persegui- do por la policía de Arles”.1,3 En otra oportunidad lo encontraron intentando comerse sus pinturas, habiendo ingerido tres tubos de ellas.1 En el reporte de alta del Dr. Peyron se mencionan nume- rosos intentos de envenenamiento. Luego de un nuevo período de crisis en Diciembre de 1889, esta vez mas breve, van Gogh comienza a recuperar su impulso. En Enero de 1890 se ve opti- mista y productivo en sus cartas. No obstante, en estrecha rela- ción con la noticia del nacimiento del primer hijo de Theo, se produce una recaída. En esta oportunidad Vincent habla de una melancolía. De hecho, muchas crisis estuvieron en relación a los cambios en la vida de su hermano, como el anuncio del compro- miso (el mismo día de la primera crísis), el matrimonio y el naci- miento del hijo de Theo. El nuevo episodio le dura hasta Abril de 1890, a pesar que es justamente en este período cuando consigue el tan anhelado deseo de vender su segundo cuadro. Se describe a si mismo como abatido, angustiado, desganado, triste. Habla de los “Antropófagos de Arles” y deja entrever una clara nostalgia por el norte.1,3 Theo, a través de Pissarro, establece un contacto con el Dr. Gachet, quien venía originalmente de Flandes y quien se muestra dispuesto a recibir al paciente. Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 36 Patografia de Vincent van Gogh lepsia. Debemos recordar tambien que en 1889 no existían aún las categorías diagnósticas de Kraepelin y Bleuler. Es importante discutir aquí el problema de la personalidad premorbida. Creemos que sería un error basar el diagnóstico de Vincent van Gogh sólo en el corte transversal de sus últimos 18 meses de vida. Hemos visto claros signos de alteración psicopato- lógica mucho antes de la eclosión psicótica de 1888, por lo que no podemos evitar un análisis longitudinal de la vida y la personali- dad premórbida del artista. La mayoría de los autores interesados en describir una tipo- logía particular asociada a la epilepsia, hablan de personalidad o comportamiento enequético, que se caracterizaría por un biotipo displásico, cuyo psiquismo se muestra perseverante, viscoso e hipersocial.14 El epiléptico respondería con sincero agradeci- miento a las muestras de afecto y las atenciones que pudiera reci- bir de otras personas. Segun Gastaut, el comportamiento enequé- tico es una manifestación característica de la epilepsia psicomoto- ra y que comprendería los siguientes rasgos: la escas actividad, la indolencia, la lentificación, la perseveración y el tipo vivencial coartado.14 Si bien no se ha podido demostrar fehacientemente que estos rasgos de la personalidad efectivamente sean mas prevalentes entre los pacientes epilépticos, debemos tenerlos en considera- ción. El lector podrá reconocer fácilmente que ninguno de estos rasgos son compatibles con la personalidad de van Gogh antes descrita. El análisis de la personalidad premórbida e intermórbi- da de Vincent apoya fuertemente los postulados de Jaspers, ale- jándonos de la posibilidad de u diagnóstico de epilepsia. En síntesis, queremos sumarnos a la opinión de la mayoría de los epileptólogos actuales, en el sentido de que no se puede hablar de epilepsia mientras no hayan crisis ictales o alguna clara evidencia clínica de actividad comicial. La hipótesis de una epi- lepsia nos parece muy atractiva, pero creemos que es insuficiente para explicar y comprender realmente la cabalidad de la triste y prolongada patografía de Vincent van Gogh. ¿Es acaso posible ignorar la personalidad premórbida del artista, su precoz quiebre emocional, sus extravagancias y graves desadaptaciones, su desin- serción social, su intoversión, las asociaciones entre su biografía y los episodios psicóticos, el análisis de su correpondencia y su pro- ducción pictórica y los episodios psicóticos de los últimos 18 meses de su vida? ¿Cabe acaso plantearse un diagnóstico trans- versal que no respete los claros elementos longitudinales que afectan su biografía? Psicosis endógena: creemos que el único grupo de enferme- dades que puede explicar la mayoría de los signos, síntomas y conductas de van Gogh, desde su infancia hasta su misteriosa muerte, lo constituye algún tipo de psicósis endógena. Recordemos que el concepto de psicósis endógena permite expli- car la interacción entre la vulnerabilidad biológico-genética, la personalidad y los aspectos biográficos y ambientales. En este caso estamos frente a una psicósis generalmente lúci- da, con una historia premórbida sugerente de una prediposición endógena, y con abundantes antecedentes hereditarios. Hay una personalidad premórbida anormal y un claro quiebre biográfico en la juventud. Posteriormente hay un desapego progresivo a las normas sociales, llegando a la marginalización total. A partir de los 21 años, hay una clara incapacidad de vivir en forma autóno- ma y adaptada, necesitando continuamente el apoyo y sustento familiar. Hay conductas anormales, sufrimiento e ideación suici- da mucho antes de la eclosión de la primera fase psicótica pro- ductiva. Todos estos elementos hablan claramente a favor de una psicosis endógena, con elementos esquizomorfos. De acuerdo con Karl Jaspers, van Gogh sufrió de una esqui- zofrenia, lo que es apoyado por Schilder y Westermann- Holstijn.4,5,17 Hay numerosos argumentos que apoyan fuertemen- te este diagnóstico, como son, por ejemplo, los antecedentes familiares (Wilhelmina?, Cornelius??), la personalidad premórbi- da, los conflictos de identidad, la incapacidad progresiva de auto- sustentarse, lo bizarro de su conducta, la inadecuación y el aisla- miento social progresivo, la sintomatología crítica e intercrítica, la impulsividad irracional, la ambivalencia en sus relaciones perso- nales, la introversión, etc. No cabe duda que hay importantes argumentos que favorecen el diagnóstico de una esquizofrenia, pero sin embargo cabe preguntarse si finalmente logramos enten- der la cabalidad del cuadro clínico con dicho diagnóstico. El análisis de las cartas, de la conducta y la psicopatología nos sugiere que éste diagnóstico no alcanza a explicar plenamen- te la globalidad de los fenómenos mórbidos y premórbidos que aquejaron al artista. La correspondencia de los hermanos van Gogh permite entrever claras fluctuaciones anímicas en el deve- nir del pintor. Asi por ejemplo, hay alusiones francamente depre- sivas y hasta suicidas en las cartas de 1880 y 1881, pasando pos- teriormente a contenidos francamente optimistas. Van Gogh fre- cuentemente hace mención de su ánimo melancólico y desespe- ranzado. Posteriormente, a su llegada a Arles, van Gogh pasa por una racha de furia de trabajo. Le escribe a Theo:... “Me encuentro cada día mejor... tengo una fiebre continua de trabajo... tengo menos necesidad de compañía que de trabajar desenfrenádamente... en algunos momentos no confío mas que en mi exaltación y enton- ces me dejo arrastrar a las mayores extravagancias.” Luego habla de “paisajes pintados a mayor velocidad que todo lo hecho anterior- mente”. En todo este período, habla de “el montón de ideas que lo inudan”, diciendo: “ideas para mi trabajo se me ocurren de con- tinuo, pintando soy una locomotora”. Luego del primer episodio psicótico, dice: “ya no podré alcanzar esas cimas hacia las que la enfermedad parecía arrastrarme. ¿Que vendrá después?” En las descripciones que Vincent hace a Theo sobre sus cri- sis, dice: “Tengo momentos en que me crispo de entusiasmo, de demencia o de espíritu profético, como un oráculo griego sobre un trípode. En tales momentos conservo una gran presencia de espíri- tu”. En otra carta acota: “... Voluntad no tengo ninguna; lo mismo me ocurre en cuanto a los deseos y a todas las cosas de la vida cor- riente, como, por ejemplo, el volver a ver a mis amigos, que me tie- nen casi sin cuidado... se diría que mi melancolía no ha variado ni un ápice”. Estas fluc- tuaciones están registradas en la correspondencia con Theo, y presentan un cierto patrón estacional. La mayoría de las crisis de desánimo se presentan en otoño-invierno, período en que se per- cibe un estado anímico y una productividad inhibida. Es posible que la nostalgia también influya sobre el desencadenamiento de sus crisis, ya que tanto en 1888 como en 1889 van Gogh debe ser hospitalizado el 24 de Diciembre. Hay entonces suficiente evidencia que apoya la tesis de un elemento anímico incorporado en la psicosis de van Gogh. No 39 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 pensamos, como Perry,16 que se trate de un trastorno bipolar ais- lado, ya que como señaláramos previamente, son demasiados los elementos que sugieren un trastorno esquizomorfo. Pero si hace- mos abstracción de la dicotomía Kraepeliniana y nos sumamos a los supuestos de Griesinger o Janzarik, en el sentido de una psi- cosis endógena única con variantes dinámico-estructurales, encontramos el espacio y la flexibilidad necesaria para poder ordenar la patología de van Gogh en la confluencia de las dimen- siones afectivas y esquizofrénicas. Sólo de esta forma puede ser explicada la evolución global de la enfermedad del pintor, su gran productividad durante los intervalos asintomáticos, las fluctuaciones anímicas y la escasa presencia de sintomatología residual. A su vez, este tipo de psico- sis puede cursar con la florida sintomatología descrita, presentán- dose frecuentemente en una interacción muy estrecha con la pro- pia biografía y las variabes psico-sociales. Van Gogh tiene la per- sonalidad previa y el cuadro clínico de un individuo cercano al ámbito de lo equizofrénico, pero al momento de la eclosión psi- cótica claramente lo sobrepasa, presentando un dinamismo y una fuerza creadora enteramente compatible con un trastorno del ánimo. Cualquiera de estas dos entidades por separado son insu- ficientes para dar cuenta de las múltiples y controvertidas mani- festaciones de la enfermedad de Vincent van Gogh. Sólo la suma de ambas, ya sea a través de la formulación de un diagnóstico multiaxial con un trastorno bipolar o esquizoafectivo en el primer eje y una personalidad esquizotípica en el segundo, o, a través de la formulación simple de un trastorno Eesquizoafectivo, pueden explicar satisfactoriamente las múltiples viscicitudes en la com- pleja enfermedad del artista. Creemos que el dejar fuera las evi- dentes oscilaciones anímicas, las claras fases de exaltación y eufo- ria alternadas con fases de gran retraimiento, desilusión e inhibi- ción, no permite entender plenamente la enfermedad de van Gogh. De hecho, el análisis cualitativo de su obra en los últimos años apoya fuertemente esta tesis. La inclusión de un elemento afectivo dentro del diagnóstico de una psicosis endógena permite explicar mejor las intervalos asintomáticos, las alucinaciones mixtas, la recuperación cabal después de las crisis, como asi también, las frecuentes oscilacio- nes anímicas, que a menudo se acercaban ya sea a las ideas de sui- cidio o a la euforia creativa. Pero tal vez lo mas importante en el planteamiento de un diagnóstico de una psicosis endógena esqui- zo-afectiva, es la posibilidad de explicar tanta creatividad, tanto fervor, tanta pasión y tanta productividad. De esta forma pode- mos entender también la relación íntima que el pintor establece con la naturaleza, sus matices, contrastes y fulminantes colores. Finalmente, un recorrido secuencial por la obra del autor en sus últimos 27 meses se correlaciona con los estados anímicos subya- centes, presentando gran luminosidad a su llegada a la Provence, y un progresivo oscurecimiento de sus tonos y, en particular, de los fondos de sus telas, en el período en Auvers, pocas semanas antes del suicidio. En resumen, concluímos que Vincent van Gogh probable- mente padeció una psicósis endógena con elementos esquizomor- fos y afectivos, que se inicia tempranamente en la vida, con un perfil mas bien esquizomorfo, para concluir en un cuadro psicó- tico compatible con un trastorno esquizoafectivo. Discusion El presente trabajo ha realizado un esfuerzo particular en destacar los aspectos longitudinales de la vida de Vincent van Gogh. Junto con tener en consideración los elementos prodrómi- cos y los síntomas y signos de su patología final, hemos puesto especial énfasis en recorrer el camino y la personalidad del artis- ta desde su infancia. Mediante esta metodología, nos hemos encontrado con innumerables indicios que permiten comprender el posterior desenlace de su enfermedad. La sola consideración de los aspectos transversales de su patología psiquiátrica no habrían permitido concluir con certeza las posibilidades diagnós- ticas aquí señaladas. El caso de Vincent van Gogh nos permite ilustrar claramente en que forma la personalidad, la biografía y los eventos psicosociales relevantes interactúan con la vulnerabi- lidad estructural en el desencadenamiento de un trastorno psicó- tico de tipo endógeno. A su vez, hemos podido ver como estos elementos nos resultan fundamentales en la formulación de un adecuado diagnóstico diferencial. Cabe preguntarse, en base a la evidencia clínica aquí presen- tada, el tratamiento de mantención que elegiríamos en el caso de tener que tratarlo hoy. Creo que muchos colegas tenderían a incluir un agente estabilizador del ánimo en el tratamiento farma- cológico de un cuadro semejante. Esta desición, por lo demás, resultaría muy afortunada. Imaginemos lo que habría ocurrido con la historia del arte moderno si van Gogh hubiese recibido en forma prolongada agentes neurolépticos en sus últimos dos años de vida. Creo que el presente caso debe invitar a todo psiquiatra a reflexionar acerca de la importancia de el establecimiento de un adecuado diagnóstico y de la elección terapéutica apropiada. La formulación de un diagnóstico equivocado y la consecuente elec- ción equivocada de un determinado fármaco, especialmente cuando es de uso prolongado, puede no sólo cambiar irremedia- blemente un destino individual, sino alterar el curso de la historia. La presente discusión clínica no debe olvidar que estamos frente a la presencia de un persona extraordinaria. Las conclusio- nes que aquí se esbozan sólo corresponden a aproximaciones muy limitadas en nuestra escasa comprensión del genio humano, y no deben ser consideradas como verdades incuestionables. No obstante, creemos necesario destacar con este ejemplo las insos- pechadas posibilidades que puede presentar un paciente psiquiá- trico, que en este caso, revolucionó el arte moderno occidental. Summary Since the death of Vincent van Gogh by suicide in 1890, his illness has been a controversial subject among biographers and psychiatrist.The present study is based upon his biography, his letters and paintings, the premorbid personality profile and the psychopathological fea- tures described before and after the onset of his psychosis. Based on this data, the possible diagnosis of syphylis, epilepsy or endogenous psychosis are discussed. Key-words: Mental Disorder; Psycopathology; History; Neuro- shyfillis; Epilepsy; Affective Disorder, Psychotic Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 40 Patografia de Vincent van Gogh Referencias 1. Tralbant ME. Vincent van Gogh. Barcelona: Editorial Blume, 1973. 2. Walther Y, Metzger R. Van Gogh. The Complet Paintings. Köln:Benedict Taschen Verlag GmbM, 1993. 3. Nágera M. Vincent van Gogh. Un estudio psicológico. Barcelona:Editorial Blume, 1980. 4. Jaspers K. Genio y locura. 3. ed. Madrid:Aguilar S.A. Ediciones, 1961. 5. Lemke S, Lemke C. Über die psychische Krankheit Vincent Van Goghs. Nervenarzt 1993; 64:594-598. 6. Springer B. Die genialen syphylitiker. Berlin:Verlag der Neven Generationen, 1926. 7. Wilkie K. Viaje a Van Gogh, la luz enloquecida (1890-1990). Madrid:Espasa-Calpe, 1990. 8. Prather M, Stuckey C. Paul Gauguin. Köln: Könemann Verlag, 1994. 9. Lee CT. Van Goghs vision: digitalis intoxication. JAMA 1981; 245:727-729. 10. Bonkowsky ML, Cable EE, Cable JW et al. Porphyrogenic properties of the terapenes camphor, pinene and thujone (with a note on historic implications for absinth and the illness of Vincent van Gogh). Biochem-Pharmacol 1992;43:2359-2368. 11. Evensen H. Die Geisteskrankheit Vincent van Gogh. Z Psychiatr Psych Ger Med 1926; 84:133-153. 12. Navrantil L. Woran litt Vincent? Zur Beurteilung der Krankheit Van Goghs aufgrund seines werkes. Ciba- Symposium 1959; 7:210-216. 13. Müller WK. Die Erkran Kung des Vincent van Gogh unter neveren psychiatrischen. Gesichtspunkten. Materia Med Nordmark 1959; XI(12):409-421. 14. Wofensen MM, Podgaitz L. Personalidade y epilepsia. La predisposición a los ataques convulsivos. Alcmeon. Rev Arg Clin Necropsiquiatria 1996; 5:170-179. 15. Riese WW. Vincent van Gogh in der Krankheit. Grenzfragen des Nerven-und Seelenlebens. München: Bergmann, 1926. 16. Perry JM. Vincent vvan Gogh’s illness - a case report. Bull History Med 1947; 21:146-174. 17. Westermann-Holstiun AJ. Die psychologische Ent-wicklung Vincent van Goghs. Imago 1959; 10:384-417. 18. Arenberg KJ, Coutryman LLF, Bernstein LM, Shambaugh GE. Vincent’s violent vertigo. Acta Otolaryngol (suppl) 1991; 485:84-103. 19. Minkowska F. Van Gogh, sa vie, sa maladie et son oeuvre. Presse du Temps Prèsent: L’evolution Psychiatrique. Paris, no. 1, 1932 (1963). 41 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):32-41 A cocaína é extraída da planta Erythroxylon coca, nativa da Bolívia, Peru, Colômbia e Equador. Seu uso remonta há mais de 2.000 anos por tribos indígenas e civilizações americanas. Há indícios que tenha sido usada em cirurgias, como remédio para distúrbios físicos e como fonte de vitaminas. A inquisição espa- nhola associou o uso da coca ao pecado e coibiu seu uso pelos incas dominados. Mas, por outro lado, a cocaína teria sido utili- zada como meio dos exploradores fazerem os explorados supor- tarem melhor a fadiga e a fome na exploração das minas de ouro. Mascar folhas de coca é uma prática ainda hoje utilizada por cam- poneses andinos, mas apenas recentemente fumar pasta de coca se tornou um problema na América do Sul. Albert Newman, químico alemão, foi o primeiro a estudar cientificamente a planta da coca em 1882.10 O extrato de cocaína foi utilizado em uma variedade de elixires, destacando o Vin Mariani, fabricado pelo químico italiano Angelo Mariani. Esse vinho foi apreciado, por suas propriedades estimulantes e revigo- rantes, pelo Papa Leão XIII, Júlio Verne, Émile Zola, Victor Hugo, entre outros. Em 1885, John Styth Pemberton, farmacêu- tico em Atlanta, EUA, com o sucesso do vinho, desenvolveu um tônico para combater a melancolia, vendido em farmácias, com o nome de French Wine of Coca, Ideal and Tonic Stimulant, fórmu- la original da Coca-Cola. Médicos de renome se interessaram e publicaram estudos sobre os benefícios da cocaína como Hammond, Mortimer e Halstead. Muitos tornaram-se dependen- tes dessa droga, inclusive Halstead, o pai da cirurgia moderna.2,10 A cocaína somente foi considerada narcótico ilegal nos EUA em 1914 pelo Decreto de Harrison.10 e na Inglaterra com a “Lei de Drogas Perigosas de 1920”.13 Na época em que Freud começou sua vida de pesquisador e médico havia um niilismo nos meios médicos de Viena quanto aos recursos terapêuticos disponíveis, como massagens, hidroterapia e eletroterapia, para aliviar o sofrimento dos doentes psíquicos.5 Freud, ao despertar seu interesse pela cocaína, visava ganhar notoriedade superando o niilismo vigente com a descoberta de um método mais eficaz de tratamento para os distúrbios nervo- sos. Assim, não possuía interesse exclusivo na obtenção de prazer com a droga, mas, em especial, como medicamento para si (neu- rastenia) e para pacientes. Ernst Kris em Estudio Preliminar sobre Los Origenes del psicoanalisis mostra que também no período antecedente à psicanálise Freud tomava a si mesmo como sujeito em repetidas experiências, inclusive quanto ao uso de cocaína (nota de rodapé - Sobre la coca; 1883:84), e comunicava em seus trabalhos suas observações.14 Freud usou cocaína de 1884 a meados de 1895, ano em que teve o sonho da injeção de Irma. Neste sonho Freud contou que havia feito uso recente de cocaína para curar uma intumescência nasal.12 A análise desse sonho, como já apontado, apareceu em A Interpretação dos Sonhos, publicada em 1899. Nessa obra Freud já reconhecia que a cocaína provocava intoxicação grave, admitia que durante um tempo a prescreveu como medicamento, rece- bendo por isso severas censuras e que uma das associações do sonho era um questionamento a sua conduta profissional.8 Sobretudo, ao descobrir graças a seu empenho, perseverança e dedicação de clínico e pesquisador a regra fundamental do seu método de tratamento, a livre associação, Freud abandonou todas as outras técnicas ou recursos de tratamento. A partir de então o mais importante passou a ser o material comunicado pelo paciente.6 Se entendermos A Interpretação dos Sonhos (1899) como marco da nova abordagem para o tratamento das neuroses, a obra de Freud, a psicanálise, está isenta de qualquer “ajuda” ou influência de suas experiências pessoais ou profissionais com cocaína. Há ainda outro aspecto a considerar que independe do con- texto histórico. Hoje sabemos com mais precisão quais os transtornos decor- rentes do uso, abuso e dependência de cocaína. Ela bloqueia a recepção neuronal da dopamina, serotonina e norepinefrina. A dopanima está ligada nos centros límbicos do prazer, incluindo alimentação e sexo. Uma superestimulação crônica das vias de dopamina pode resultar numa deficiência da mesma, ou seja, com o tempo há uma perda do controle quanto à quantidade de cocaí- na consumida, em razão da característica altamente reforçadora da droga. Assim, problemas clínicos como perda de peso severa, desnutrição e desidratação podem resultar de “porres” de cocaí- na. As alterações comportamentais mal-adaptativas incluem agressividade, hipomania, agitação psicomotora, vigilância exces- siva, prejuízo do julgamento e prejuízo do funcionamento social.10 Também, o uso crônico de cocaína provoca transtornos de conduta social e moral, apatia, abandono das atividades nor- mais e deterioração das funções intelectivas.15 Freud, tanto no escritos anteriores ou posteriores a 1886, manteve sempre uma disposição muito grande para a família e para o trabalho, quer clínico, quer de produção científica. Além disso, essa disposição implicava numa produção científica cada vez mais qualificada, nem mesmo interrompida com todos os problemas que como judeu enfrentou na Segunda Guerra Mundial e com a descoberta em 1923 do tumor maligno e com sua evolução. Desse modo, se Freud fosse um usuário dependen- te ou crônico de cocaína, jamais manteria durante toda a sua vida as condições físicas, psicológicas e, principalmente, intelectivas para elaborar sua obra, a qual se desenvolveu tendo como base um árduo trabalho de clínica: “Aos oitenta anos, Freud ainda era capaz de amar, trabalhar e odiar.”12 Dentro das atuais diretrizes e critérios diagnósticos Freud foi um dependente do tabaco. Fliess aconselhara-o a deixar o vício, pois provocava freqüentes catarros nasais. Freud, em 1929, res- pondeu: “Comecei a fumar aos 24 anos, primeiro cigarros, e logo exclusivamente charutos... Penso que devo ao charuto um grande aumento da minha capacidade de trabalho e um melhor autocontro- le.”5 Entretanto, a consciência sobre o uso do tabaco associado a riscos de saúde começou a existir em 1950 e o tabagismo somen- te foi incluído como transtorno no DSM-III – R, 1987.10 Conclusão São infundadas as afirmações ou insinuações sugerindo que Freud tenha sido em sua vida um usuário de cocaína e que tam- bém, em todo seu trabalho clínico, prescrevia a referida substân- cia aos seus pacientes. Freud fez uso de cocaína e a prescreveu a seus pacientes no período de 1884 a 1895. Contudo, vale ressal- tar que nessa época havia um niilismo terapêutico e os pesquisa- Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 44 Freud e o uso de cocaína: história e verdade dores buscavam novos caminhos e novas tentativas para a com- preensão dos fenômenos psíquicos, principalmente a histeria, sendo que o alcalóide de cocaína era uma droga praticamente desconhecida quanto aos seus efeitos danosos à saúde. Toda a obra sobre psicanálise foi elaborada posteriormente ao uso da cocaína por Freud, ou seja, sem a “ajuda” dessa droga. Sim pela capacidade observadora, laboriosa e criativa de Freud. É possível que as afirmações ou insinuações de que Freud durante a sua vida usou e prescreveu cocaína a seus pacientes sejam resultantes de informações incompletas ou de um conheci- mento muito superficial da vida e do trabalho de Freud. Contudo, afirmações ou insinuações assim não deixam de ser modos de enaltecer a cocaína e, ao mesmo tempo, diminuir a capacidade de Freud. Em outras palavras, afirmações ou insinua- ções dessa natureza podem revelar não apenas falta de responsa- bilidade e de compromisso com a verdade, mas a dificuldade de assumir seus próprios problemas. Summary This paper presents an historical study on Freud and his use of cocai- ne. The aim is to give an answer to the insinuations or statements about whether Freud, during his life, would have used and prescribed cocaine to his patients and that this would also have influenced on his work. Key-words: Disorder, Drug User; Cocaine User; Psycho-analysis; History of Medicine Anexo - Breve Biografia de Sigmund Freud Em 1899 Freud escreveu esta nota autobiográfica, publi- cada em 1901 em alemão nas Biographisches Lexicon hervorra- gender Arzte des neunzehnten Jahrhunderts de J. L. Pagel: "FREUD, SIGMUND, Viena. Nascido a 6 de maio de 1856 em Freiberg, Moravia. Estudou em Viena. Aluno do fisiólogo Brücke. Promoção (título médico) em 1881. Aluno de Charcot em Paris de 1885-1886. Habilitado em 1885 (designado Privatdozent). Tem trabalhado como médico e docente na Universidade de Viena, desde 1886. Proposto como Professor Extraordinário, em 1897. Inicialmente os trabalhos de Freud trataram sobre histo- logia e anatomia do cérebro e posteriormente sobre temas clínicos de neuropatologia; tem traduzido os escritos de Charcot e de Bernheim. Über Coca, de 1884, é um traba- lho introdutório da cocaína na Medicina. De 1891 é Zur Auffassung der Aphasien. De 1891 e 1893 são as mono- grafias sobre as paralisias infantis, que culminaram, em 1897, no volume sobre o tema Handbuch, de Nothnagel. Studien über Hysterie, de 1895 (com o Dr. J. Breuer). Desde então Freud tem-se dedicado ao estudo das psico- neuroses e especialmente a histeria, e em uma série de breves ensaios tem enfatizado o significado etiológico da vida sexual nas neuroses. Também tem desenvolvido uma nova psicoterapia da histeria, do qual muito pouco se tem publicado. Um livro está no prelo: Die Traum- deutung (A Interpretação dos Sonhos)."4 Nenhum dos textos anteriores ao ano de 1886 foi integra- do às suas obras completas, por oposição de seus filhos e her- deiros Ernst e Anna Freud. Sua obra anterior aos textos de psicanálise, compreendendo o período de 1877 a 1886, é com- posta de 21 artigos sobre diversos temas: neurologia, medici- na, histologia, cocaína. Sua obra sobre psicanálise é composta de 24 livros (dois dos quais com Josef Breuer, um com a cola- boração de William Bullitt) e 123 artigos, além de comentá- rios, prefácios, etc. e traduzida em cerca de 30 línguas. Nesta breve biografia destacamos algumas obras de Freud. Freud era o filho mais velho do terceiro casamento de Jacob Freud, comerciante de tecidos. Jacob e Amalia Freud teriam ainda mais sete filhos. Devido a má situação econômi- ca, após um ano em Leipzig, a família mudou-se para Viena, Áustria, onde o pai estabeleceu seu comércio no bairro judeu de Leopoldstrasse. Freud começou seus estudos médicos em outubro de 1873, dedicando-se ao positivismo e à biologia darwiniana, a qual serviria de modelo a todos os seus trabalhos. Em 1874, foi a Berlim freqüentar os cursos de Helmholtz. Depois de um ano, por meio de uma bolsa de estudos, foi a Triestre, Itália, onde estudou sobre as células nervosas das enguias machos de rio. Depois de diplomado médico, em 1882, noivou com Martha Bernays, ocorrendo o casamento em setembro de 1886. Nos três anos seguintes à sua formatura trabalhou no Hospital Geral de Viena, abandonando, por questões finan- ceiras, a carreira de pesquisador. Querendo tornar-se famoso e se livrar da pobreza, começou a pesquisar sobre alcalóide de cocaína, acreditando nas virtudes dessa droga. Chegou a administrá-la em seu amigo Ernst von Fleischl-Marxow, des- conhecendo sua ação anestesiante e a de provocar a depen- dência. O efeito anestesiante da cocaína seria descoberto pelo oftalmologista Carl Koller. Em 1885 foi nomeado Privatdozent e obteve uma bolsa de estudos para estudar em Paris onde foi conhecer o trabalho de Martin Charcot, fascinado por suas experiências sobre a histe- ria. Depois, foi a Berlim onde fez os cursos do pediatra Adolf Baginsky. Retornando a Viena instalou-se como médico parti- cular, dividindo três tardes por semana como neurologista na Clínica Steindlgasse. Em 1887, conheceu Wilhelm Fliess, médico judeu berli- nense, com o qual trocou extensa correspondência íntima e científica, onde iniciou sua auto-análise, o intercâmbio sobre o caso Emma Eckstein e a publicação com Josef Breuer de Estudos sobre a histeria em 1895, onde são relatadas várias histórias clínicas de mulheres: Bertha Pappenheim (caso Anna O.), Fanny Moser (caso Emmy von N.), Anna von Lieben (caso Cäcilie M.), entre outras. Foi também durante essa ami- zade que Freud substituiu a teoria da sedução (toda neurose 45 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 derivaria de um trauma real) pela doutrina da fantasia, conce- bendo então uma nova teoria do sonho e do inconsciente, fun- damentada no recalque e no complexo de Édipo, inspirado pela tragédia de Sófocles. Em 1891, mudou-se para um apartamento da Rua Berggasse 19, vivendo com sua esposa, seis filhos e a cunhada Minna Bernays, ali permanecendo até seu exílio em 1938. Freud tratava basicamente de mulheres da alta burguesia vienense que eram consideradas “doentes dos nervos.” A princípio utilizava os meios terapêuticos disponíveis e aceitos na época como massagens, hidroterapia e eletroterapia. Constatando que esses métodos não davam resultados satisfa- tórios, começou a utilizar a hipnose, conforme os métodos de sugestão de Hippolyte Bernheim. Entretanto, com Breuer, Freud foi também abandonando a hipnose, substituída com a criação do método da livre associação e, finalmente, a psico- análise. Esse termo foi empregado pela primeira vez em 1896 e sua invenção foi atribuída a Breuer. Nessa época a doutrina das “localizações cerebrais” estava perdendo terreno para o associacionismo, que abriria caminho para a primeira formu- lação do conceito de “aparelho psíquico” também em 1896. Em novembro de 1899 publicou A Interpretação dos Sonhos, embora a edição tenha sido datada em 1900. De 1901 a 1905 publicou seu primeiro caso clínico (Dora), A psicopato- logia da vida cotidiana, O chiste e suas relações com o incons- ciente e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Fundou em 1902 a Sociedade Psicológica das Quartas- Feiras, primeiro centro de estudos de psicanálise, juntamente com Alfred Adler, Wilhelm Stekel, Max Kahane e Rudolf Reitler. Já na primeira década do século ampliou o círculo de adeptos da doutrina freudiana e no primeiro quarto do século também a psicanálise chegou a vários países, como a Grã- Bretanha, Hungria, Suíça e costa leste dos EUA. Na Suíça o médico Eugen Bleuler, chefe da clínica do Hospital Burghölzli de Zurique, iniciou a aplicação do método psicanalítico no tratamento das psicoses, desenvolvendo o conceito de esqui- zofrenia. No Brasil, as idéias de Freud foram divulgadas pela primeira vez pelo psiquiatra Juliano Moreira e, entre 1914 e 1930, outros médicos contribuíram para a implantação da psi- canálise no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia: Arthur Ramos, Júlio Porto-Carrero e Francisco Franco da Rocha. Em 3 de março de 1907, Carl Gustav Jung, assistente de Bleuler, foi conhecer Freud em Viena. Freud publicou nesse mesmo ano Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen. Em 1909, em companhia de Jung e de Sandor Ferenzi, a convite de Stanley Hall, Freud pronunciou cinco conferências na Clark University de Worcester, Massachusetts, EUA, publicadas com o título de Cinco Lições de Psicanálise. Em 1908 ocorreu o primeiro congresso em Salzburgo e em 1910, com Ferenzi, criaram uma associação internacional, a Internacionale Psychoanalytische Vereinigung (IPV) que em 1933 passaria a ser chamada de International Psychoanalytical Association (IPA). Embora avesso à tradição e rituais judaicos, Freud nunca negou ser semita. E temendo que a psicanálise fosse assimilada como uma “ciência judaica,” colocou Jung à testa do movimento psicanalítico. Entre 1909 e 1913 Freud publicou mais duas obras: Leonardo da Vinci e uma Lembran- ça de sua Infância e Totem e Tabu. Desde 1910 começaram algumas dissidências e, posterior- mente, as cisões, quer por questões pessoais, quer por ques- tões teóricas; em 1911 foram Adler e Stekell, Jung em 1913. Não suportando as traições a sua doutrina, próximo à Primeira Guerra Mundial, Freud publicou A História do Movimento Psicanalítico, na qual aponta as traições de Adler e Jung. De 1920 a 1923 mais três obras foram publicadas, por meio das quais Freud definiu sua segunda tópica: Mais-além do Princípio do Prazer, Psicologia das Massas e Análise do Eu e O Eu e o Isso. A partir da segunda tópica, da questão do nar- cisismo, do dualismo pulsional e da oposição entre o eu e o isso emergiram diferentes correntes do freudismo, como o kleinismo, annafreudismo, lacanismo, independentes, Ego Psychology e Self Psychology. A oposição entre a escola inglesa e a escola vienense começara no interior da IPA, em 1924. Em fevereiro de 1923, foi descoberto um tumor maligno no lado direito do palato. Foi feita uma cirurgia com a ablação dos maxilares e da parte direita do palato. Freud tinha que usar, a partir de então, uma prótese. Sofreu ao todo, devido a essa enfermidade, 33 cirurgias. Tinha dificuldade para falar, mas mantinha contato com seus interlocutores e mantinha suas atividades de rotina, abandonando apenas os problemas do movimento psicanalítico, conduzido então por Ernest Jones, que presidiu a IPA a partir de 1934. Teve encontro com Salvador Dali e manteve intercâmbio com Albert Eisntein. Freud também lidou com telepatia, dedi- cou estudos a esse fenômeno com Ferenzi entre 1921 e 1933, contrariando Jones que queria dar à psicanálise uma base mais racional e científica. Em 1926, depois de um processo contra Theodor Reik, Freud assumiu a defesa dos psicanalistas não-médicos publi- cando A Questão da Análise Leiga. Tinha grande estima e aco- lhia no seio desse movimento mulheres de vanguarda como Marie Bonaparte, Lou Andreas-Salomé, entre outras, contri- buindo assim com a emancipação feminina. Em 1927, teve problemas de relacionamento com seu amigo o pastor Oskar Pfister ao publicar O Futuro de uma Ilu- são, onde defendia a tese que a religião é uma neurose coleti- va. Em 1930, com a publicação de O Mal-estar da Cultura, colocou em dúvida a capacidade das sociedades democráticas controlar as pulsões destrutivas. Em março de 1938, quando da invasão da Áustria pela Alemanha, com a intervenção do diplomata americano William Bullitt e de um resgate pago por Marie Bonaparte, Freud e sua família deixaram Viena rumo a Londres, residin- do em Maresfield Gardes 20, hoje Freud Museum. Redigiu nesse país seu último texto Moisés e o Monoteísmo. Freud faleceu em 23 de setembro de 1939 às três horas da madrugada, depois de dois dias de coma e de ter recebido de Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):42-47 46 Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito 49 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 sas descrições de doenças. Principalmente assim se fez adiantar, de fato, a medicina somática. A medicina psíquica tem que repousar nessa mesma base”.2 O estudo das formas, isto é, a nosologia do compêndio de Heinroth oferece uma plenitude de cuidadosas observações clínicas e psicopatológicas. Seja, nesse contexto, pontuada a questão, se a psiquiatria atual pode abdicar inteiramente dos elementos do esboçado e para nós estranho conceito científico dos românticos, caso ela se proponha à investigação do psiquismo em todas as suas dimen- sões. Assim, recentemente, assinala Janzarik que também o pen- samento do psiquiatra de orientação neopositivista não pode, sem participação especulativa, estabelecer nenhuma ordem superior.3 Johann Christian August Heinroth nasceu em 1773 em Leipzig e morreu nessa mesma cidade em 1843. Em 1818, foi nomeado professor catedrático em Leipzig na primeira cadeira alemã para “medicina psíquica”. Em 1818, publicou seu Compêndio dos Transtornos da Vida Psíquica, que ao lado das Contribuições para o Ensino das Doenças de 1810 oferece os prin- cipais esclarecimentos sobre sua versão do conceito de melanco- lia. Heinroth é amplamente cotado como o representante dos psí- quicos, a seu nome é associado primeiramente, até hoje, a sua doutrina sumariamente recusada da essência dos transtornos mentais, tida freqüentemente como teoria moralizante de peca- dos. Seja apenas indicado que essas idéias tão mal entendidas representavam uma tentativa contemporânea apoiada em Schelling de se aproximar seriamente do inconcebível, do misté- rio do alienado, do psicótico. Na minuciosa introdução concei- tual do compêndio, Heinroth desenvolve uma antropologia da pessoa como um todo, o que viria a ser pouco notado. Assim como mais tarde, de forma tão clara praticamente apenas a feno- menologia personalística de Max Scheler (assim como a antropo- logia fenomenológica de V. E. von Gebsattel), coloca Heinroth a experiência corpóreo-mental e histórica da existência da pessoa no ponto central de todas as discussões sobre o desenvolvimento dos transtornos mentais. Estes, em muitos pontos corresponden- tes a nossas psicoses endógenas, são descritos como crises de amadurecimento malsucedido na transição das idades da vida. Nelas torna-se “alienado” “o plano criador divino” do desenvolvi- mento humano. Dá a impressão de modernidade a formulação de que os transtornos mentais decorreriam de um “perturbado pro- cesso interno de organização para o desenvolvimento da vida com- pleta, isto é, livre”. Assim, o transtorno mental é um estado de “duradoura falta de liberdade ou perda da razão”, sendo que a investigação da história de vida interior do doente se torna imprescindível. Impressionam, paralelamente a isso, seus princí- pios para delinear uma “ordem dos transtornos mentais fundada na própria natureza”. Ele reconhece que “todas essas diversas formas não são imensuráveis, anárquicas, isto é, amorfas, senão que podem ser determinadas com precisão conforme suas condições”.2 Heinroth fala em “formas de doença como plantas originadas do primeiro broto e seus graduais desdobramentos até a plena forma- ção e amadurecimento”, até apresentarem “claramente desfecho final com variados resultados”.2 A tentativa de Heinroth de ordenação dos transtornos men- tais orienta-se na tradicional doutrina, também mantida por Kant, dos poderes mentais, e distingue adoecimentos do pensa- mento (Geist), dos sentimentos (Gemüt*) e da vontade (Wille). Heinroth fala, aliás, de “energias da alma”. Essas espécies são dife- renciadas conforme os estados de exaltação ou de depressão dos poderes mentais, sob influência da doutrina contemporânea de doenças do inglês William Cullen.4 Observe-se que Heinroth uti- liza pela primeira vez o conceito de “depressão”, originalmente pretendido como neuropatológico, como referente ao tônus dos vasos cerebrais, para a designação de humor psíquico. Essa transformação psicológica do conceito de depressão ori- ginalmente considerado orgânico funda uma duradoura mudan- ça de significado, o qual, contudo, inicialmente não concorre com o conceito de melancolia. “Depressão” circunscreve apenas o sin- toma ubiqüitário da tristeza, da disforia depressiva, enquanto que “melancolia” designa uma determinada doença, ou seja, repre- senta um diagnóstico. A equiparação de ambos os conceitos e a conseqüente perda de significado da melancolia pertencem a uma época posterior. A doença melancolia aparece em Heinroth, portanto, como uma depressão dos sentimentos, como uma doença na qual os sentimentos são comovidos por uma “paixão deprimente”. Já na introdução, Heinroth retrata o quadro freqüentemente citado de “em si espantado** sentimento melancólico”, “como que corrói a si mesmo”. Essa metáfora do mal ruminante e penetrante dos depri- midos ilustra o poder de expressão fisionômica de Heinroth e lembra trabalhos analíticos existenciais de uma época posterior. O outro pólo, o de exaltação dos transtornos dos sentimentos, forma o Wahnsinn***, o Ecstasis, no qual os “sentimentos em esta- do excitado, apaixonado, como que se subtraem de si mesmos, e vivem apenas no mundo de seus sonhos”.5 A investigação do conceito heinrothiano de sentimento indi- ca um aspecto central do problema histórico da questão da melancolia. Servem-nos como guia trechos na verdade periféricos do compêndio de 1818, que em parte surgem como observações. Heinroth descreve o homem como “ser sensível, como um ser que anseia a libertação das necessidades nele inatas e na emoção dessa ânsia surge como sentimento ou coração”.5 Decisivo para nós é a identidade de significado de sentimento e coração. Logo designa sentimento novamente como aquilo “que nós habitualmente e de forma expressiva denominamos coração”.5 Em trecho posterior * Gemüt - pode ser traduzido também como afeto, além de ânimo, coração, mente, etc. Existe, porém, a palavra Affekt em alemão, assim como outras palavras além de Gemüt para designar ânimo, mente, emoção, humor, paixão, etc. Affekt possui conotação de acometimento emocioanal por curto tempo. Segundo o Dicionário de Psiquiatria e Psicologia Médica de Peters, UH (Urban & Schwarzenberg, Munique - Viena - Baltimore, 1990) não há tradução de Gemüt para o inglês, embora usualmente seja traduzido como affect. Em português, parece-nos o termo sentimento(s) o mais adequado. (Nota do tradutor) ** ou amedrontado, assustado. (Nota do tradutor) *** Designação à época, em geral, para transtornos mentais com acometimento da capacidade intelectual, com perturbação do poder de julgamento, sem che- gar a um estado propriamente demencial ou a um embotamento afetivo. (Nota do tradutor). Fonte: Peters UH. Wörterbuch der Psychiatrie und medizinischen Psychologie. Urban & Schwarzenberg, München - Wien - Baltimore, 1990). Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 50 encontramos a seguinte observação sobre o conceito de senti- mento: “É então essa expressão provincial demais ou tão vaga e abs- trata, ou de todo artificial, que não se pretende mais deixá- la servir com o mesmo significado que a representativa pala- vra coração? Portanto aflição e desgosto, assim como alegria e esperança, não devem mais ter seu lugar no sentimento? Onde mais então?”5 Melancolia como doença do sentimento, do coração. Aqui Heinroth se envolve, porém, numa velha tradição ocidental: “coração” representa um conceito antropológico fundamental para designação do centro e unidade pessoal do homem, sua base dinâmica, a partir da qual ele procura encontrar a compreensão de si mesmo. A história de idéias do conceito filosófico-teológico de coração remete-nos até Augustinus e à teologia patrística. A akedia, a inércia do coração que Cassian descreve como uma doença e tentação condicionada à solidão dos monges cristãos isolados pertence a esse contexto. Sobre o misticismo alemão, lideram essa linha notadamente Hildegard von Bigen e Meister Eckhard, passando por Paracelsus e Pascal até a depressiva comoção de Kierkegaard. No contexto contemporâneo a Heinroth o jovem Hegel mantém atual a congruência de signifi- cado de coração e sentimento; ainda na “Fenomenologia da Mente” ele contrapõe ao “Wahnsinn da presunção” a “lei do coração”. Portanto, coração e humor depressivo são essencialmen- te aparentados. A melancolia é para Heinroth a doença do âmago da pessoa humana. Ele a descreve como o contrário da perfeição, o “mais miserável estado”, no qual o sentimento seria arrancado de todo o mundo. Raramente convergem cultura e história médi- ca da melancolia tão estreitamente como na psiquiatria do médi- co romântico Heinroth. A melancolia como a doença da pessoa se encontra, assim, no centro da doutrina das doenças psiquiátricas de Heinroth, o sen- timento ou o coração representa para ele aquele centro do homem através do qual este “é direcionado à eternidade”. A inter- pretação teológica última de Heinroth do conceito de sentimen- to indica também, contudo, uma debilidade de sua concepção de melancolia. Esta não reconhece suficientemente o fenômeno clí- nico do sintoma cardinal da inibição vital da psicose depressiva. Numa observação ele chega a denominar claramente com um termo grego, thymos, a esfera vital do impulso, a psicomotricida- de, que fará parte do conceito de ciclotimia de Kahlbaum. Heinrot não pretende que caiba a ele um papel decisivo e consti- tutivo na construção da sintomatologia da melancolia.5 A “melancolia pura” é descrita como paralisia do sentimen- to, com “abatimento, ensimesmar-se em meditação sobre qual- quer objeto da perda, da tristeza, da dor, do desespero”. “Ansiosa, apressada movimentação ou imutável fixidez, com insen- sibilidade ante cada outro interesse além daquele do perturbado sentimento, entre gemidos, choro e lamúrias” podem caracterizar o quadro da melancolia pura.5 Heinroth conceitua formas agitadas e inibidas como expres- são de uma melancolia una, ambas são manifestações do “humor mental deprimido” basal. Como subformas da melancolia são descritas ao lado da forma pura a “melancolia com idiotice”, a “melancolia com abulia”, a “melancolia geral” e como varieda- des a saudade, a “nostalgia” e a “melancolia religiosa”. Todas essas formas indicam feições de nossa depressão endógena e ilus- tram especialmente o fenômeno da inibição psicomotora depres- siva. A idéia de uma psicomotricidade basal, a se considerar ainda antes da diferenciação em cada um dos poderes mentais, perma- nece remota para Heinroth. Ela encontra sua incorporação na psiquiatria apenas sob a influência do pensamento histórico do sensualismo, que favorece o surgimento de modelos neurofisioló- gicos dos transtornos mentais, através de Jessen e Griesinger. A caracterização dogmática da melancolia como doença do senti- mento impede que Heinroth considere com os mesmos direitos os transtornos do pensamento, da vontade e da atividade. Heinroth pode enfrentar esse aforismo apenas através da exposi- ção de formas separadas no âmbito de outras espécies, que, no entanto, mostram aspectos essenciais de nossa depressão endóge- na. O nome melancolia permanece o único da depressão do sen- timento. Assim descreve Heinroth5 como transtorno depressivo do pen- samento a “idiotia com melancolia”, a “anoia melancólica”. O doente sofre de uma “fraqueza da inteligência”, ele é incapaz de: “manter a ideação e formar julgamentos. Mas apesar disso ele sente seu estado, ele lamenta seu triste destino, cuja ori- gem não entende, porque não entende a si mesmo. Mas ele incorre logo a seguir em 'infatigável, inútil atividade', para ao menos mostrar que sua boa vontade de estar ativo existe. Em seqüência torna-se triste e abatido, para ocupar-se na solidão não mais que infrutiferamente consigo mesmo”.5 Nos transtornos da vontade interessa-nos uma “falta de von- tade com tristeza”, a “abulia melancólica”, na qual o doente sofre de “total inatividade, originada da incapacidade de querer”. Sua vontade estaria “atada”. A “dor de sua incapacidade de agir” torna- ria esses doentes tristes. O estado se transforma em completa melancolia, donde o desespero não raro substitui o lugar da von- tade e impulsiona o doente ao suicídio.5 A dificuldade de Heinroth de compreender os transtornos afetivos e psicomotores como constituintes em comum da melan- colia indica com grande antecedência as dificuldades de futuras gerações até as modernas, para as quais a “inibição vital” cada vez mais se torna problema central da estrutura sintomatológica depressiva, na qual a alteração do humor pode mesmo parecer secundária. Estamos, portanto, no direito de caracterizar a depressão endógena como uma psicose puramente afetiva? Talvez ofereça a história de problemas da clínica, aqui, um auxí- lio valioso e inesperado. A configuração clínica da melancolia segundo Heinroth e a nossa “depressão endógena” divergem também em vários outros sentidos. Assim, a melancolia é antes considerada de prognósti- co desfavorável. O Wahnsinn, pelo contrário, “promete a mais curta duração e o melhor desfecho”. Se como possível desfecho da melancolia temos que o “estado melancólico se torna um fardo, uma loucura que por fim se transforma em imbecilidade” ou o doente “no seu interior gradualmente naufraga em embotamento e idiotia”, então estaríamos nos movendo sobretudo no terreno das atuais psicoses esquizofrênicas. Surpreende-nos a descrição do estádio final da melancolia com idiotia, mais propriamente uma psicose esquizofrênica do nosso diagnóstico. Aqui: Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito 51 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):48-52 “reina no doente uma espécie de vida automática. Ele anda sem rumo e se deixa levar por afazeres mecânicos, mas faz tudo pela metade e causa mais estragos do que realiza, deixa logo as mãos penderem e permanece ali pueril-tolo. Nesse estado desandam furtivamente os dias restantes de sua vida, cuja fonte de energia está esgotada”.5 Um breve parêntesis é interessante para esclarecer como a intuição de Heinroth também reconhece aspectos essenciais da psicose por nós designada de esquizofrenia. Ele descreve o assim denominado “frenético Wahnwitz****”. Este representa uma exaltação da mente em que está perturbada principalmente a per- cepção do mundo externo sensorial, inclusive do próprio corpo. Heinroth escreve: “A vida mental está aqui inteiramente fragmentada em seus elementos, sendo que cada qual atua como tóxico destruti- vo. Nenhum vínculo mental, nenhum sentimento, nenhu- ma fantasia mantém juntos os elementos de toda atividade mental, pensamento e vontade, e separados aniquila-se cada eu e seu próprio ambiente: o pensamento, ordem e coesão das representações de um mundo real, a vontade, que ape- nas sempre ligação e dissolução, deixam-se atingir através de suas forças destruidoras”.5 Encontramos uma indicação para a antinomia maníaco- depressiva na descrição de uma subforma “melancolia com Narrheit*****”, uma mistura de depressão do sentimento e exal- tação do pensamento. Nela se alivia o sentimento deprimido, no fim da melancolia, “através de excitação e animação de representa- ções agradáveis”. “Uma jocosidade febril apodera-se do doente e ele tende a imaginária bem-aventurança, a fim de escapar da tortura da tristeza melancólica”. Esse estado duraria semanas ou meses, até que a alma afundasse novamente em sua escuridão. Então surgi- ria mais uma vez a melancolia, que, no entanto, através de “reite- rada tensão”, após “reunidas forças”, é de novo substituída pela tolice jocosa. Essa mudança repete-se constantemente, até que finalmente as “forças se esgotam”. O diagnóstico só poderia ser dado se fosse observada “toda a evolução da doença”, ou seja, a mudança em ambas as formas, “o parecer não deveria ser o de um estado monomaníaco do doente”.5 Encontra-se em Heinroth, portanto, uma clara descrição da loucura circular como uma forma de doença una, não como mudança de duas diferentes doenças. Em 1851, o francês Falret descreverá, sob outras condições históricas da ciência, fundamen- talmente modificadas, a unidade de doença Folie circulaire e com isso estabelece o ponto de partida para o desenvolvimento clíni- co da psicose maníaco-depressiva de Kraepelin. A correta obser- vação já encontramos no romântico Heinroth, tão freqüentemen- te rejeitado por suas especulações. Seu espírito de observação clí- nica, que muito injustamente foi esquecido em meio à problemá- tica metafísica de sua doutrina de essência, merece admiração. Finalmente, gostaria de citar sem comentários a teoria de essência da melancolia. Unicamente será referido à fala que, ao penetrá-la, deixa-nos supor algo do sofrimento da vivência melancólica: na melancolia “torna-se a pessoa uma vítima das pre- mentes forças” que invadem seu coração... “Apoderar-se de si e tornar-se novamente autônomo não é mais uma possibilidade: o coração e seu objeto estão fundi- dos. E porque nesse estado o coração não é mais da pessoa, senão que do objeto, um infindável martírio toma a pessoa, pois ela está numa infindável contradição, nesta: ela está separada de si mesma e, no entanto, não pode separar-se de si mesma. Isso é verdadeiro suplício, pois a essência desse sofrimento é a visão e a sensação daquilo que em si é um como algo separado. Nessa auto-sensação do não pertencer a si mesmo perderam-se na melancolia os sentimentos, e essa é a essência da melancolia, que se encontra na base de todos os modos de manifestação da mesma”.5 Mais de 120 anos depois falará V. E. von Gebsattel,6 em sua penetração fenomenológica da vivência melancólica de alhea- mento, de “existência tornada inalcançável”, que só permite uma “existência no vazio”. Heinroth e von Gebsattel aspiram o conhe- cimento da essência da melancolia, da qual a investigação psi- quiátrica, na verdade, julga por vezes poder prescindir, mas que sem ela não se consegue um verdadeiro encontro terapêutico com o doente mental. Summary Heinroth´s romantic cycle and his comception of melancholia are analysed in an historical perspective linking the philosophical and cul- tural mening of his own time to another periods of time and to more recent works. Descriptive, classifiable and conceptual aspects of the melancholie according to Heinroth are investigated. Heinroth’s personal excerpts enrich the text. Key-words: Melancholia; Depressive Disorder; History of Medicine Referências Bibliográficas 1. Carus CG. Natur und Seele (Auswahl). Jena: Diederichs, 1939:45. 2. Heinroth JCA. Krankheitsberichte. Nasses Z Psych Ärzte 1818; 2:231-233. **** Conceito etimologicamente mais antigo que Wahnsinn, com significado semelhante: incompreensível, vazio em razão, sem sentido. Era usado em sentido leigo e amplo para todas as formas de transtornos mentais, como loucura. (Nota do tradutor) ***** Narrheit: termo genérico para loucura ou tolice. “Narr” significa tolo, doido, disparatado, insensato. Antigamente “Narr” era empregado no sentido de brincalhão, charlatão, farsista, como em comédias no teatro ou no papel de bobo da corte, com sua vestimenta colorida peculiar. Hoje ainda existem expressões que vinculam o termo a esse aspecto hilariante. “Narr” também significa carnavalesco. (Nota do tradutor). Fonte: DUDEN - Dicionário da Língua Alemã. Volume 1 Palavras-chaves Acordares relacionados a esforços respiratórios...................45 Alopurinol....................................33 Ansiedade.....................................45 Antidepressivos............................12,45 Antipsicóticos ..............................12,33 Apnéia ..........................................45 Benzodiazepínicos .......................45 Catatonia ......................................12 Clozapina .....................................27 Conduta hipernómica..................47 Delírio de infestação....................24 Demência .....................................12,45 Dementia praecox........................59 Depressão.....................................12 Depressão psicótica .....................47 Doença auto-induzida .................42 Esquizofrenia ...............................16 Esquizofrenia de início tardio .....21 Esquizofrenia paranóide.............. 3 Estabilizadores de humor............33 Hemingway ..................................47 Hipertiroidismo ...........................24 Hiperuricemia..............................33 História da psiquiatria.................59 Insônia..........................................45 Mania............................................33 Musicoterapia ..............................16 Parafrenia ..................................... 3 Parafrenia tardia ..........................21 Patografia .....................................47 Psicose..........................................16 Psicose tardia ...............................21 Psicopatologia ..............................12 Psiquiatria geriátrica....................24 Síndrome de apnéia hipopnéia obstrutiva do sono .......................45 Síndrome de Ekbom....................24 Síndrome de Munchausen...........42 Transtorno bipolar.......................33,47 Transtorno delirante .................... 3 Transtorno factício.......................42 Transtorno de humor bipolar......27 Transtorno obsessivo-compulsivo..36 Transtorno obsessivo-compulsivo psicótico .......................................36 Transtorno obsessivo-compulsivo resistente ......................................36 Transtorno psicótico .................... 3 Key-words AD................................................43 Allopurinol...................................34 Antidepressants............................15 Antipsychotics..............................15,34 Anxiety .........................................43 Apnea ...........................................43 Artefactual disease .......................40 Benzodiazepines...........................43 Bipolar disorder......................32,34,53 Catatonia ......................................15 Clozapine .....................................32 Dementia......................................15,43 Dementia praecox........................63 Delusional disorder .....................11 Delusion of infestation ................26 Depression ...................................15,43 Ekbom’s Syndrome......................26 Emil Kraepelin.............................63 Factitious disease .........................40 Geriatric psychiatry .....................26 Hemingway ..................................53 Hipernomy...................................53 Hiperuricemia..............................34 History of psychiatry ...................63 Hyperthyroidism..........................26 Insomnia.......................................43 Late-onset schizophrenia.............23 Late-paraphrenia .........................23 Late-psychosis..............................23 Mania............................................34 Mood stabilizers...........................34 Munchausen’s syndrome .............40 Musical-therapy ...........................20 Obsessive-compulsive disorder...39 OSAHS ........................................43 Paranoid schizophrenia ...............11 Paraphrenia..................................11 Pathography.................................53 Psicotic obsessive-compulsive disorder ........................................39 Psychopathology ..........................15 Psychosis ......................................20 Psychotic depression ...................53 Psychotic disorder .......................11 RERA ...........................................43 Resistent obsessive-compulsive disorder ........................................39 Schizophrenia...............................20 Self-induced illness ......................40 Autores clássicos e títulos especiais Alzheimer .....................................13,22 Benjamin Rusch ...........................57 Bleuler ..........................................38 Bleuler, M.....................................22 Chiarugi........................................55 Conrad .........................................22 Crichton .......................................55,56 Cullen ...........................................55 Ekbom..........................................24,25 Esquirol ........................................10 Freud............................................9,10 Gebsattel ......................................38 Haslen ..........................................55 Jaspers ..........................................38 Kraepelin ...................9,10,21,22,59,66 Mesmer.........................................58 Pinel .............................................55,57 Sauvages .......................................55,57 Schneider, Kurt ............................22 Schreber .......................................9,10 Westphal.......................................38 Títulos epeciais Guimarães Rosa ...........................46 Irmã Germana..............................54-58 Revelações ....................................3-11 Index CCP Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):54-54 54 A edição anterior encontra-se na Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp 55 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):55-55 NORMAS DE PUBLICAÇÃO 1 - A Revista Casos Clínicos em Psiquiatria destina-se à publicação de casos clínicos psiquiátricos em diversas modalidades, bem como discussões e comentários sobre os mesmos. 2 - A revista tem periodicidade semestral (junho e dezembro) com a seguinte estrutura: Editorial, Auto- relato, Artigos Originais, Casos Literários, Patografia, Caso Histórico, Descrições Clásssicas/Homenagem, Seguimento e Cartas. 2.1 - Para efeito de categorização dos artigos, considera-se: a) Auto-relato: descrição pelo próprio portador de transtorno mental de sua condição, envolvendo sua vivência pessoal, a sintomatologia, as reper- cussões psicossociais, o tratamento ou outras questões que julgue pertinente, acompanhada eventualmente de complementos por membro do Corpo Editorial e sempre de comentário ou discussão por especialista em seu caso. b) Artigos Originais: trabalhos que apresentam a experiência psiquiátrica, ou de profissional que lide com portadores de transtorno mental, em função da discussão do raciocínio, lógica, ética, abordagem, tática, estratégia, modo, alerta de problemas usuais ou não, que ressaltam sua importância na atuação clínica ou psicossocial e mostrem caminho, conduta e comportamento para sua solução. c) Caso Literário: trabalhos que se relacionem a descrições literárias envolvendo transtornos mentais ou traços de personalidade. d) Patografia: casos clínicos focados na biografia de determinada personalidade de renome portadora de transtorno mental, com o objetivo de apresen- tar elementos psicopatológicos interessantes e o significado destes para sua obra. e) Caso Histórico: casos clínicos de valor histórico sob aspecto descritivo, diagnóstico, terapêutico ou outros, eventualmente acompanhados de nota introdutória, comentários ou discussão. f) Descrição Clássica/Homenagem: Divulgação de tra- balho descritivo clássico de transtorno mental ou trabalho descritivo de autor a ser homenageado. g) Seguimento: notas sobre a evolução de caso apre- sentado em edições anteriores. h) Cartas: comentários por parte do leitor sobre o conteúdo dos artigos ou sobre a revista, com possibilidade de réplica pelo autor ou pelos edi- tores. i) Index CCP: compilação por palavras-chaves e key- words, além de títulos especiais e autores clássi- cos, dos casos das edições anteriores. 3 - Os trabalhos recebidos serão analisados pelo Corpo Editorial da Casos Clínicos em Psiquiatria, que se reserva o direito de recusar trabalhos ou fazer suges- tões quanto à estruturação e redação para tornar mais prática a publicação e manter certa uniformidade. No caso de artigos muito extensos, a Revista de Casos Clínicos em Psiquiatria se reserva o direito de publi- cá-los em quantas edições julgar necessárias. 4 - Os trabalhos devem vir em duas vias, digitados em espaço duplo, impresso em papel padrão ISO A4 (210 x 297mm), com margens de 25mm, trazendo na última página o endereço e telefone do autor e a indi- cação da categoria do artigo, conforme item 2.1, acompanhado do disquete com o arquivo nos padrões Word 6.0 ou superior, fonte Arial ou Times New Roman tamanho 12. 5 - Para efeito de normatização, serão adotados os Requerimentos do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas (Estilo Vancouver) que são seguidos pelas mais conceituadas revistas científicas internacionais. Estas normas poderão ser encontra- das na íntegra nas seguintes publicações: International Committé of Medical Journal. Editors, Uniforms requeriments for manuscripts submitted to biomedical journals. Can Med Assoc J 1995; 152(9):1459-65 e em espanhol, no Bol Of Sanit Panam 1989; 107 (5): 422-31 e, em português na Revista ABP-APAL. 6 - Todo trabalho deverá ter a seguinte estrutura e ordem: a) título (com tradução para o inglês); b) nome completo do autor (ou autores), acompa- nhado(s) de seu(s) respectivos(s) título(s); c) citação da instituição onde foi realizado o trabalho; d) Endereço do autor para correspondências e) resumo do trabalho em português, sem exceder um limite de 150 palavras; f) Palavras-chave (três a dez), de acordo com a lista Medical Subject Headings (MeSH) do Index Medicus; g) Texto: Introdução, Material ou Casuística e Método ou Descrição do Caso, Resultados, Dis- cussão e/ou Comentários (quando couber) e Conclusões (quando couber); h) Summary (resumo em língua inglesa), consistindo na correta versão do resumo para aquela língua; i) Key-words (palavras-chave em língua inglesa) de acordo com a lista Medical Subject Headings (MeSH) do Index Medicus; j) Agradecimentos (opcional); k) Referências bibliográficas como especificado no item 8; 7 - As ilustrações devem ser colocadas imediatamente após a referência a elas. Dentro de cada categoria deverão ser numeradas seqüencialmente durante o texto. Exemplo: (Tabela 1, Figura 1). Cada ilustração deve ter um título e a fonte de onde foi extraída. Cabeçalhos e legendas devem ser suficientemente claros e compreensíveis sem necessidade de consulta ao texto. As referências às ilustrações no texto deve- rão ser mencionadas entre parênteses, indicando a categoria e o número da tabela ou figura. Ex: (Tabela 1). As fotografias deverão ser em preto e branco, apresentadas em envelope à parte, serem nítidas e de bom contraste, feitas em papel brilhante e trazer no verso: nome do autor, título do artigo e número com que irão figurar no texto. 8 - As referências bibliográficas são numeradas consecu- tivamente, na ordem em que são mencionadas pela primeira vez no texto. São apresentadas de acordo com as normas do Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas, citado no item 5. Os títulos das revistas são abreviados de acordo com o Index Medicus, na publicação “List of Journals Indexed in Index Medicus”, que se publica anualmente como parte do número de janeiro, em separata. As referên- cias no texto devem ser citadas mediante número ará- bico sobrescrito e após a pontuação, quando for o caso, correspondendo às referências no final do arti- go. Nas referências bibliográficas, citar como abaixo: 8.1 - PERIÓDICOS a) Artigo padrão de revista. Incluir o nome de todos os autores, quando são seis ou menos. Se são sete ou mais, anotar os três primeiros, seguidos de et al. You CH, Lee HY, Chey RY, Menguy R. Electrogastrografic study of patients with unex- plained nausea, bloating and vomiting. Gastroenteroly 1980; 79: 311-314. b) Autor corporativo: The Royal Marsden Hospital Bone-Marrow Transplantation Team. Failure os syngeneic bone- marrow graft without preconditioning in post hepatitis marrow aplasia. Lancet 1977; 2:242-244. c) Sem autoria (entrar pelo título): Coffee drinking and cancer of the pancreas (Editorial). Br Med J 1981; 283: 628. d) Suplemento de revista: Mastri AR. Neuropathy of diabetic neurogenic bladder. Ann Intern Med 1980; 92 (2 pt 2): 316- 318. Frumin AM, Nussabaum J, Esposito M. Functional asplenia: demonstration of esplenic activity by bone marrow sean (resumem). Blood 1979; 54 (supl 1): 26. e) Revistas paginadas por fascículos: Seamenn WB. The case of the pancreatic pseu- docyst. Hosp Pract 1981; 16 (sep): 24-25. 8.2 - LIVROS E OUTRAS MONOGRAFIAS a) Autor(es) - pessoa física: Eisen HN. Immunology: an introduction to molecular and cellular principles of the immune response. 5th. New York: Harper and How, 1974: 406. b) Editor, compilador, coordenador como autor: Dausset J, Colombanij D. eds. Histocompatibility testing. Copenhague: Munksgaard; 1973: 12-18. 8.2.1 - Capítulo de livro: Weinstein L, Swartz MN. Pathogenic properties of invading microorganisms. In: Sodeman WA Jr, Sodeman WA. eds. Pathologic physiology: mechanisms, of disease. Philadelphia: WB Saunders; 1974: 457-472. 8.2.2 - Trabalhos apresentados em congressos, seminários, reu- niões, etc: DuPont B. Bone marrow transplantation in seve- re combined immunodeficiency with and unrela- ted MLC complatible donor. In: Whithe HJ, Smith R. eds. Proceedings of the third annual meeting of the International Society for Experimental Hematology, 1974: 44-46. 8.2.3 - Monografia que forma parte de uma série: Hunninghake GW, Gadeck JE, Szapiel SV et al. The human alveolar macrophage. In: Harris CC. ed. Cultured human cells and tissues in biomedi- cal research. New York: Academic Press, 1980: 54-56 (Stoner GD. ed. Methods and perspectives in cell biology; vol. 1). 8.2.4 - Publicação de um organismo: Ranofsky AL. Surgical operations in short-estay hospitals: United States - 1975. Hyattsville, Maryland: National Center for Helth Statistics. 1978; Dhew publication num. (PHS) 78-1785 (Vital and Health statistics; serie 13, nm. 34). 8.3 - TESES Caims RB. Infrared spectroscopic studies of solid oxigens (Tesis doctoral). Berkeley, California: University of California; 1965; 156pp. 8.4 - ARTIGO DE JORNAL (não científico) Shaffer RA. Advances in chemistry are starting to unlock musteiries of the brain: discoveries could help cure alcoholism and isnomnia, explain mental illnes. How the messengers work. Wall Street Journal, 1977; ago. 12:1 (col. 1). 10 (cl. 1). 8.5 - ARTIGO DE REVISTA (não científica) Roueche B. Annals of Medicine: the Santa Claus culture. The New Yorker, 1971; sep. 4: 66-81. 9 - Agradecimentos devem constar de parágrafo à parte, colocado antes das referências bibliográficas, após as key-words. 10 - As medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser expressas em unidades do sistema métri- co decimal (metro, quilo, litro) ou seus múltiplos e submúltiplos. As temperaturas em graus Celsius. Os valores de pressão arterial em milímetros de mercú- rio. Abreviaturas e símbolos devem obedecer padrões internacionais. Ao empregar pela primeira vez uma abreviatura, esta deve ser precedida do termo ou expressão completos, salvo se se tratar de uma unidade de medida comum. 11 - Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Editorial. 12 - A publicação não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nos artigos. 13 - Os artigos devem ser enviados para: Casos Clínicos em Psiquiatria Av. Prof. Alfredo Balena, 190 30130-100 - Belo Horizonte - MG Tel: (31) 273 1955 Fax: (31) 226 7955
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved