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A Psicologia e as Psicologias, Notas de estudo de Psicologia

Psicologia

Tipologia: Notas de estudo

2010
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Compartilhado em 13/04/2010

Srta.Pacheco
Srta.Pacheco 🇧🇷

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Baixe A Psicologia e as Psicologias e outras Notas de estudo em PDF para Psicologia, somente na Docsity! A PSICOLOGIA E AS PSICOLOGIAS ANA MARIA BOCK SUMÁRIO PARTE 1 A CARACTERIZAÇÃO DA PSICOLOGIA CAPÍTULO 1 A PSICOLOGIA OU AS PSICOLOGIAS Ciência e senso comum 15 O senso comum: conhecimento da realidade 16 Áreas do conhecimento 18 A Psicologia científica 19 A Psicologia e o misticismo 26 Texto complementar: A psicologia dos psicólogos- Hilton Japiassu 28 CAPÍTULO 2 A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA Psicologia e história 31 A psicologia entre os gregos: os primórdios 32 A psicologia no Império Romano e na Idade Média 34 A psicologia no Renascimento 35 A origem da Psicologia científica 37 A Psicologia científica 40 As principais teorias da psicologia no século 20 43 CAPÍTULO 3 O BEHAVIORISMO O estudo do comportamento 45 À análise experimental do comportamento 46 Behaviorismo: sua aplicação 55 Texto complementar: O eu e os outros - B.F Skinner 55 filmes Indicados: Meu tio da América; Laranja mecânica 58 CAPÍTULO 4 A GESTALT A psicologia da forma 57 A teoria de campo de Kurt Lewin 65 Texto complementar: Chaves da vaguidão - Fernando Sabino 67 filmes indicados: Vida de solteiro; Rashomon 69 I CAPÍTULO 5 A PSICANÁLISE Sigmund Freud 70 A descoberta do inconsciente 73 psicanálise: aplicações e contribuições sociais 80 texto complementar: Sobre o inconsciente - Fábio Hermann 82 filme indicado - Freud, além da alma 84 CAPÍTULO 6 PSICOLOGIA EM CNSTRUÇÃO Psicologia em construção 85 Vigotski e a Psicologia Sócio -Histórica 86 Texto complementar: Pensamento e palavra - L. S. Vygotsky 94 Filmes indicados: A guerra do fogo, kids 96 CAPÍTULO 7 A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO Uma área da psicologia 97 O desenvolvimento humano 98 Aspectos do desenvolvimento humano 100 A teoria do desenvolvimento humano de Jean Piaget 101 O enfoque interacionista do desenvolvimento humano: Vigotski 107 Vigotski e Piaget 110 Texto complementar: As diferenças dos irmãos - Elias José 111 Filme indicado: Esperança e glória 113 CAPÍTULO 8: A APRENDIZAGEM COMO OBJETO DE ESTUDO CPÍTULO 9: A PSICOLOGIA SOCIAL CAPÍTULO 10: A PSCOLOGIA COMO PROFISSÃO. PARTE 2 TEMAS TEÓRICOS EM PSICOLOGIA. CAPÍTULO 11: A Multideterminação do Humano: uma visão em Psicologia CAPÍTULO 12 A inteligência CAPÍTULO 13 Vida Afetiva CAPÍTULO 14 Identidade. CAPÍTULO 15 Psicologia institucional e Processo Grupal. CAPÍTULO 16 Sexualidade PARTE 3 Psicologia: UMA LEITURA DA REALIDADE CAPÍTULO 17 Família... O que está acontecendo com ela? CAPÍTULO 18 A escola CAPÍTULO 19 Meios de comunicação de massa CAPÍTULO 20 Adolescência: Torna-se jovem CAPÍTULO 21 A escolha de uma profissão CAPÍTULO 22 As faces da violência CAPÍTULO 23 Saúde ou doença mental: A questão da normalidade CAPÍTULO 1 A PSICOLOGIA OU AS PSICOLOGIAS CIÊNCIA E SENSO COMUM Quantas vezes, no nosso dia-a-dia, ouvimos o termo psicologia? Qualquer um entende um pouco dela. Poderíamos até mesmo dizer que "de psicólogo e de louco todo mundo tem um pouco". O dito popular não é bem este ("de que médico e de louco todo mundo tem um pouco"), mas parece servir aqui perfeitamente. As pessoas em geral têm a "sua psicologia". Usamos o termo psicologia, no nosso cotidiano, com vários sentidos. Por exemplo, quando falamos do poder de persuasão do vendedor, dizemos que ele usa de "psicologia" para vender seu produto; quando nos referimos à jovem estudante que usa seu poder de deixou marcas de sua sensibilidade nas paredes das cavernas, quando desenhou a sua própria figura e a figura da caça, criando uma expressão do conhecimento que traduz a emoção e a sensibilidade. Denominamos arte a esse tipo de conhecimento. Arte, religião, filosofia, ciência e senso comum são domínios do conhecimento humano. A PSICOLOGIA CIENTÍFICA Apesar de reconhecermos a existência de uma psicologia do senso comum e, de certo modo, estarmos preocupados em defini-la, é com a outra psicologia que este livro deverá ocupar-se –a Psicologia científica. Foi preciso definir o senso comum, para que o leitor pudesse demarcar o campo de atuação de cada uma, sem confundi-las. Entretanto a tarefa de definir a Psicologia como ciência é bem mais árdua e complicada. Comecemos por definir o que entendemos por ciência (que também não é simples), para depois explicarmos por que a Psicologia é hoje considerada uma de suas áreas. O QUE É CIÊNCIA A ciência compõe-se de um conjunto de conhecimentos sobre fatos ou aspectos da realidade (objeto de estudo), expresso por meio de uma linguagem precisa e rigorosa. Esses conhecimentos devem ser obtidos de maneira programada, sistemática e controlada, para que se permita a verificação de sua validade. Assim, podemos apontar o objeto dos diversos ramos da ciência e saber exatamente como determinado conteúdo foi construído, possibilitando a reprodução da experiência. Dessa forma, o saber pode ser transmitido, verificado, utilizado e desenvolvido. Essa característica da produção científica possibilita sua continuidade: um novo conhecimento é produzido sempre a partir de algo anteriormente desenvolvido. Negam-se, reafirmam–se descobrem-se novos aspectos, e assim a ciência avança. Nesse sentido, a ciência caracteriza-se como um processo. Pense no desenvolvimento do motor movido a álcool hidratado. Ele nasceu de uma necessidade concreta (crise do petróleo) e foi planejado a partir do motor a gasolina, com a alteração de poucos componentes deste. No entanto, os primeiros automóveis movidos a álcool apresentaram muitos problemas, como o seu mau funcionamento nos dias frios. Apesar disso, esse tipo de motor foi se aprimorando. A ciência tem ainda uma característica fundamental: ela aspira à objetividade. Suas conclusões devem ser passíveis de verificação e isentas de emoção, para assim, tornarem- se válidas para todos. Objeto específico, linguagem rigorosa, métodos e técnicas específicas, processo cumulativo do conhecimento, objetividade fazem da ciência uma forma de conhecimento que supera em muito o conhecimento espontâneo do senso comum. Esse conjunto de características é o que permite que denominemos científico a um conjunto de conhecimentos. OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA Como dissemos anteriormente, um conhecimento, para ser considerado científico, requer um objeto específico de estudo. O objeto da Astronomia são os astros, e o objeto da Biologia são os seres vivos. Essa classificação bem geral demonstra que é possível tratar o objeto dessas ciências com uma certa distância, ou seja, é possível isolar o objeto de estudo. No caso da Astronomia, o cientista - observador está, por exemplo, num observatório, e o astro observado, a luz de distância de seu telescópio. Esse cientista não corre o mínimo risco de confundir-se com o fenômeno que está estudando. O mesmo não ocorre com a Psicologia, como a Antropologia, a Economia, a Sociologia e todas as ciências humanas, que estuda o homem. Certamente, esta divisão é ampla demais e apenas coloca a Psicologia entre as ciências humanas. Qual é, então, o objeto específico de estudo da Psicologia? Se dermos a palavra a um psicólogo comportamentalista, ele dirá: "O objeto de estudo da Psicologia é o comportamento humano." Se a palavra for dada a um psicólogo psicanalista ele dirá: "O objeto de estudo da psicologia é o inconsciente". Outros dirão que é a consciência humana, e outros, ainda, a personalidade. DIVERSIDADE DE OBJETOS DA PSICOLOGIA A diversidade de objetos da Psicologia é explicada pelo fato. Assim, este campo do conhecimento ter-se constituído como área de concepção de conhecimento científico só muito recentemente (final do século19), a despeito de existir há muito tempo na Filosofia enquanto preocupação humana. Esse fato é importante, já que a ciência se caracteriza pela exatidão de sua construção teórica, e, quando a ciência é muito nova, ela não teve tempo ainda de apresentar teorias acabadas e definitivas, que permitam determinar com maior precisão seu objeto de estudo. Um outro motivo que contribui para dificultar uma clara definição de objeto da psicologia é o fato de o cientista -o pesquisador - confundir-se com o objeto a ser pesquisado. No sentido mais amplo, o objeto de estudo da Psicologia é o homem, e neste caso o pesquisador está inserido na categoria a ser estudada. Assim, a concepção de homem que o pesquisador traz consigo "contamina" inevitavelmente a sua pesquisa em Psicologia. Isso ocorre porque há diferentes concepções de homem entre os cientistas (na medida em que estudos filosóficos e teológicos e mesmo doutrinas políticas acabam definindo o homem à sua maneira, e o cientista acaba necessariamente se vinculando a uma destas crenças). E o caso da concepção de homem natural, formulada pelo filósofo francês Rousseau, que imagina que o homem era puro e foi corrompido pela sociedade, e que cabe então ao filósofo reencontrar essa pureza perdida (veja CAPÍTULO 10). Outros vêem o homem como ser abstrato, com características definidas e que não mudam, a despeito das condições sociais a que esteja submetido. Nós, autores deste livro, vemos esse homem como ser datado, determinado pelas condições históricas e sociais que o cercam. Nós, autores deste livro, vemos que este é um "problema" enfrentado por todas as ciências humanas, muito discutido pelos cientistas de cada área e esse homem até agora sem perspectiva de solução. Conforme a definição de homem adotada como ser datado, teremos uma concepção de objeto que combine determinado com ela. Como, neste momento, há uma riqueza de valores sociais pelas condições históricas e que permitem várias concepções de homem, diríamos simplificando que, no caso da Psicologia, esta ciência estuda os "diversos homens" concebidos pelo conjunto social. Assim, a Psicologia hoje se caracteriza por uma diversidade de objetos de estudo. Por outro lado, essa diversidade de objetos justifica-se porque os fenômenos psicológicos são tão diversos, que não podem ser acessíveis ao mesmo nível de observação e, portanto, não podem ser sujeitos aos mesmos padrões de descrição, medida, controle e interpretação. O objeto da Psicologia deveria ser aquele que reunisse condições de aglutinar uma ampla variedade de fenômenos psicológicos. Ao estabelecer o padrão de descrição, medida, controle e interpretação, o psicólogo está também estabelecendo um determinado critério de seleção dos fenômenos psicológicos e assim definindo um objeto. Esta situação leva-nos a questionar a caracterização da Psicologia como ciência e a postular que no momento não existe uma psicologia, mas Ciências psicológicas embrionárias e em desenvolvimento. A SUBJETIVIDADE COMO OBJETO DA PSICOLOGIA Considerando toda essa dificuldade na conceituação única do objeto de estudo da Psicologia, optamos por apresentar uma definição que lhe sirva como referência para os próximos capítulos, uma vez que você irá se deparar com diversos enfoques que trazem definições específicas desse objeto (o comportamento, o inconsciente, a consciência etc.). A identidade da Psicologia é o que a diferencia dos demais ramos das ciências humanas, e pode ser obtida considerando-se que cada um desses ramos enfoca o homem de maneira particular. Assim, cada especialidade - a Economia, a Política, a História etc. trabalha essa matéria-prima de maneira particular, construindo conhecimentos distintos e específicos a respeito dela. A Psicologia colabora com o estudo da subjetividade: é essa a sua forma particular, específica de contribuição para a compreensão da totalidade da vida humana. Nossa matéria-prima, portanto, é o homem em todas as suas expressões, as visíveis (nosso comportamento) e as invisíveis (nossos sentimentos), as singulares (porque somos o que somos) e as genéricas (porque somos todos assim) - é o homem - corpo, homem afeto, homem-ação e tudo isso está sintetizado isso está no termo subjetividade. A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as experiências da vida social e cultural; é uma síntese que nos identifica, de um lado, por ser única, e nos iguala, de outro lado, na medida em que os elementos que a constituem são experienciados no campo comum da objetividade social. Esta síntese - a subjetividade - é o mundo de idéias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e comportamentais. O mundo social e cultural, conforme vai sendo experienciados por nós, possibilita-nos a construção de um mundo interior. São diversos fatores que se combinam e nos levam a uma vivência muito particular. Nós atribuímos sentido a essas experiências e vamos nos constituindo a cada dia. A subjetividade é a maneira de sentir, pensar, fantasiar, sonhar, amar e fazer de cada um. É o que constitui o nosso modo de ser: sou filho de japoneses e militante de um grupo ecológico, detesto Matemática, adoro samba e black music, pratico ioga, tenho vontade mas não consigo ter uma namorada. Meu melhor amigo é filho de descendentes de italianos, primeiro aluno da classe em Matemática, trabalha e estuda, é corinthiano fanático, adora comer sushi e navegar pela Internet. Ou seja, cada qual é o que é: sua singularidade. Entretanto, a síntese que a subjetividade representa não é inata ao indivíduo. Ele a constrói aos poucos, apropriando-se do material do mundo social e cultural, e faz isso ao mesmo tempo no mundo (externo), o que atua sobre este mundo, ou seja, é ativo na sua construção; o homem constrói e transforma a si próprio. Um mundo objetivo, em movimento, porque seres humanos o movimentam permanentemente com suas intervenções; um mundo subjetivo em movimento porque os indivíduos estão permanentemente se apropriando de novas matérias-primas para constituírem suas subjetividades. De um certo modo, podemos dizer que a subjetividade não só é fabricada, produzida, moldada, mas também é automoldável ou seja, o homem pode promover novas formas de subjetividade, recusando-se ao assujeitamento à perda de memória imposta pela fugacidade da informação; recusando a massificação que exclui e estigmatiza o diferente, a aceitação condiciona ao consumo, a medicalização do sofrimento. Nesse sentido, retomamos a utopia que cada homem pode participar na construção do seu destino e de sua coletividade. Por fim, podemos dizer que, estudar a subjetividade, nos tempos atuais, é tentar compreender a produção de novos modos de ser, isto é, as subjetividade emergentes, cuja fabricação é social e histórica. O estudo dessas novas subjetividades vai desvendando as relações do cultural, do político, do econômico e do histórico na produção do mais íntimo e do mais íntimo e do mais observável no homem - aquilo que o captura, submete-o ou mobiliza-o para pensar e agir sobre os efeitos das formas de submissão da subjetividade (como dizia o filósofo francês Michel Foucault). O movimento e a transformação são os elementos básicos de toda essa história. E A PSICOLOGIA DOS PSICÓLOGOS (...) somos obrigados a renunciar à pretensão de determinar para as múltiplas investigações psicológicas um objeto (um campo de fatos) unitário e coerente. Consequentemente, e por sólidas razões, não somente históricas mas doutrinárias, torna-se impossível à Psicologia assegurar-se uma unidade metodológica. Por isso, talvez fosse preferível falarmos, ao invés de "psicologia", em "ciências psicológicas". Porque os adjetivos que acompanham o termo "psicologia" podem especificar, ao mesmo tempo, tanto um domínio de pesquisa (psicologia diferencial), um estilo metodológico (psicologia clínica), um campo de práticas sociais (orientação, reeducação, terapia de distúrbios comportamentais etc.), quanto determinada escola de pensamento que chega a definir, para seu próprio uso, tanto sua problemática quanto seus conceitos e instrumentos de pesquisa. (...) não devemos estranhar que a unidade da Psicologia, hoje, nada mais seja que uma expressão cômoda, a expressão de um pacifismo ao mesmo tempo prático e enganador. Donde não haver nenhum inconveniente em falarmos de "psicologias" no plural. Numa época de mutação acelerada como a nossa, a Psicologia se situa no imenso domínio das ciências "exatas", biológicas, naturais e humanas. Há diversidade de domínio e diversidade de métodos. Uma coisa, porém, precisa ficar clara: os problemas psicológicos não são feitos para os métodos; os métodos é que são feitos para os problemas. (...) Interessa-nos indicar uma razão central pela qual a Psicologia se reparte em tantas tendências ou escolas: a tendência organicista, a tendência fisicalista, a tendência psico-sociológica, a tendência psicanalítica etc. Qual o obstáculo supremo impedindo que todas essas tendências continuem a constituir "escolas" cada vez mais fechadas, a ponto de desagregarem a outrora chamada "ciência psicológica"? A meu ver, esse obstáculo é devido ao fato de nenhum cientista, consequentemente, nenhum psicólogo, poder considerar-se um cientista "puro". Como qualquer cientista, todo psicólogo está comprometido com uma posição filosófica ou ideológica. Este fato tem uma importância fundamental nos problemas estudados pela Psicologia. Esta não é a mesma em todos os países. Depende dos meios culturais. Suas variações dependem da diversidade das escolas e das ideologias. Os problemas psicológicos se diversificam segundo as correntes ideológicas ou filosóficas venham reforçar esta ou aquela orientação na pesquisa, consigam ocultar ou impedir este ou aquele aspecto dos domínios a serem explorados ou consigam esterilizar esta ou aquela pesquisa, opondo-se implícita ou explicitamente a seu desenvolvimento.(...) Hilton Japiassu. A psicologia dos psicólogos. 2.ed.Rio de Janeiro, Imago, 1983.p. 24-6. 1.Qual a relação entre cotidiano e conhecimento científico? Dê um exemplo de uso cotidiano do conhecimento científico (em qualquer área). 2. Explique que é senso comum. Dê um exemplo desse tipo de conhecimento. 3. Explique o que você entendeu por visão-de-mundo. 4. Cite alguns exemplos de conhecimentos da Psicologia apropriados pelo senso comum. 5. Quais os domínios do conhecimento humano? O que cada um deles abrange? 6. Quais as características atribuídas ao conhecimento científico? 7. Quais as diferenças entre senso comum e conhecimento científico? 8. Quais são os possíveis objetos de estudo da Psicologia? 9. Quais os motivos responsáveis pela diversidade de objetos para a Psicologia? 10. Qual a matéria-prima da Psicologia? 11. O que é subjetividade? 12. Por que a subjetividade não é inata? 13. Por que as práticas místicas não compõem o campo da Psicologia científica? 1. você leu no texto, que existem a psicologia científica e a psicologia do senso comum. Supondo que o seu contato até o momento só tenha sido com a psicologia do senso comum, relacione situações do cotidiano em que você ou as pessoas com quem convive usem essa psicologia. 2. Baseando-se no texto e na leitura complementar, responda por que falamos em Ciências Psicológicas e não em uma Psicologia. 3. Discuta nossa apresentação da Psicologia científica - sua matéria-prima e seu enfoque. Para isso, retome as respostas que cada membro do grupo deu às questões 10, 11, 12 e 13. 4. Verifique quantas pessoas do grupo já procuraram práticas adivinhatórias. A partir da leitura do texto, discuta a experiência. CAPÍTULO 2 A EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA PSICOLÓGICA PSICOLOGIA E HISTÓRIA Toda e qualquer produção humana - uma cadeira, uma religião, um computador, uma obra de arte, uma teoria científica -tem por trás de si a contribuição de inúmeros homens, que, num tempo anterior ao presente, fizeram indagações, realizaram descobertas, inventaram técnicas e desenvolveram idéias, isto é, por trás de qualquer produção material ou espiritual, existe a História. Compreender, em profundidade, algo que compõe a perspectiva de futuro para entendermos quem somos e por que somos de uma determinada forma, por trás do mundo, significa recuperar sua história. O passado e o futuro sempre estão no presente, enquanto base constitutiva e enquanto projeto. Por exemplo, todos nós temos uma história pessoal e nos tornamos pouco compreensíveis se não recorremos a ela e à nossa História. Esta história pode ser mais ou menos longa para os diferentes aspectos da produção humana. No caso da Psicologia, a história tem por volta de dois milênios. Esse tempo refere-se à Psicologia no Ocidente, que começa entre os gregos, no período anterior à era cristã. Para compreender a diversidade com que a Psicologia se apresenta hoje, é indispensável recuperar sua história. A história de sua construção está ligada, em cada momento histórico, às exigências de conhecimento da humanidade, às demais áreas do conhecimento humano e aos novos desafios colocados pela realidade econômica e social e pela insaciável necessidade do homem de compreender a si mesmo. A PSICOLOGIA ENTRE OS GREGOS E OS PRIMÓRDIOS A história do pensamento humano tem um momento áureo na Antiguidade, entre os gregos, particularmente no período de 700 a.C. até a dominação romana, às vésperas da era cristã. Os gregos foram o povo mais evoluído nessa época. Uma produção minimamente planejada e bem -sucedida permitiu a construção das primeiras cidades-estados (polis). A manutenção dessas cidades implicava a necessidade de mais riquezas, as quais alimentavam, também, o poderio dos cidadãos (membros da classe dominante na Grécia Antiga). Assim, iniciaram a conquista de novos territórios (Mediterrâneo, Ásia Menor, chegando quase até a China), que geraram riquezas na forma de escravos para trabalhar nas cidades e na forma de tributos pagos pelos territórios conquistados. As riquezas geraram crescimento, e este crescimento exigia soluções práticas para a arquitetura, para a agricultura e para a organização social. Isso explica os avanços na Física, na Geometria, na política (inclusive com a criação do conceito de democracia). Tais avanços permitiram que o cidadão se ocupasse das coisas do espírito, como a Filosofia e a arte. Alguns homens, como Platão e Aristóteles, dedicaram-se a compreender esse espírito empreendedor do conquistador grego, ou seja, a Filosofia começou a especular em torno do homem e da sua interioridade. É entre os filósofos gregos que surge a primeira tentativa de sistematizar uma Psicologia. O próprio termo psicologia vem do grego psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Portanto, etimologicamente, psicologia significa "estudo da alma". A alma ou espírito era concebida como a parte imaterial do ser humano e abarcaria o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção. Os filósofos pré-socráticos (assim chamados por antecederem Sócrates, filósofo grego) preocupavam-se em definir a relação do homem com o mundo através da percepção. Discutiam se o mundo existe porque o homem o vê ou se o homem vê um mundo que já existe. Havia uma oposição entre os idealistas (a idéia forma o mundo) e os materialistas (a matéria que forma o mundo já é dada para a percepção). Mas é com Sócrates (469-399 a.C.) que a Psicologia na Antiguidade ganha consistência. Sua principal preocupação era com o limite que separa o homem dos animais. Desta forma, postulava que a principal característica humana era a razão. A razão permitia ao homem sobrepor-se aos instintos, que seriam a base da irracionalidade. Ao definir a razão como peculiaridade do homem ou como essência humana, Sócrates abre um caminho que seria muito explorado pela Psicologia. As teorias da consciência são, de certa forma, frutos dessa primeira sistematização na Filosofia. O passo seguinte é dado por Platão (427-347 a.C.), discípulo de Sócrates. Esse filósofo procurou definir um “Lugar" para a razão no nosso próprio corpo. Definiu esse lugar como sendo a cabeça, onde se encontra a alma do homem. A medula seria, portanto, o elemento de ligação da alma com o corpo. Este elemento de ligação era necessário porque Platão concebia a alma separada do corpo. Quando alguém morria, a matéria (o corpo) desaparecia, mas a alma ficava livre para ocupar outro corpo. Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, foi um dos mais importantes pensadores da história da Filosofia. Sua contribuição foi inovadora ao postular que alma e corpo não podem ser dissociados. Para Aristóteles, a psyché seria o princípio ativo da vida. Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta possui a sua psyché ou alma. Desta forma, os vegetais, os animais e o homem teriam alma. Os vegetais teriam a alma vegetativa, que se define pela função de alimentação e reprodução. Os animais teriam essa alma e a alma sensitiva, que tem a função de percepção e movimento. E o homem teria os dois níveis anteriores e a alma racional, que tem a função pensante. Esse filósofo chegou a estudar as diferenças entre a razão, a percepção e as sensações. Esse estudo está sistematizado no Da anim a, que pode ser considerado o primeiro tratado em Psicologia. Portanto, 2300 anos antes do advento da psicologia científica, os gregos já haviam formulado duas "teorias": a platônica, que postulava a imortalidade da alma e a concebia separada do corpo, e a aristotélica, que afirmava a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao corpo. A PSICOLOGIA NO IMPÉRIO ROMANO E NA IDADE MÉDIA As vésperas da era cristã, surge um novo império que iria dominar a Grécia, parte da Europa e do Oriente Médio: o império Romano. Uma das principais características desse período e o aparecimento e desenvolvimento do cristianismo -uma força que passa a força política dominante. Mesmo com as invasões bárbaras, por volta de 400 d.C., que levam à desorganização econômica e ao esfacelamento dos territórios, o cristianismo sobrevive até se fortalece, tornando-se a religião principal da Idade média período que então se inicia. 35 E falar de Psicologia nesse período é relacioná-la ao conhecimento religioso, já que, ao lado do poder econômico e político, a Igreja Católica também monopolizava o saber e, consequentemente, o estudo do psiquismo. Nesse sentido, dois grandes filósofos representam esse período: Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225- 1274). Santo Agostinho, inspirado em Platão, também fazia uma cisão entre alma e corpo. Entretanto, para ele, a alma não era somente a sede da razão, mas a prova de uma manifestação divina no homem. A alma era imortal por ser o elemento que liga o homem a Deus. E, sendo a alma também a sede do pensamento, a Igreja passa a se preocupar mecanismos e o funcionamento da máquina de pensar do homem - seu cérebro. Assim, a Psicologia começa a trilhar os caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia, da Filosofia e Neurofisiologia. Algumas descobertas são extremamente relevantes para a psicologia. Por exemplo, por volta de 1846, a Neurologia descobre que a doença mental é fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores sobre as células cerebrais. A Neuroanatomia descobre que a atividade motora nem sempre está ligada à consciência, por não estar necessariamente na dependência dos centros cerebrais superiores. Por exemplo, quando alguém queima a mão em uma chapa quente, primeiro tira-a da chapa para depois perceber o que aconteceu. Esse fenômeno chama-se reflexo, e o estímulo que chega à medula espinhal, antes de chegar aos centros cerebrais superiores, recebe uma ordem para a resposta, que é tirar a mão. O caminho natural que os fisiologistas da época seguiam, quando passavam a se interessar pelo fenômeno psicológico enquanto estudo científico, era a Psicofísica. Estudavam, por exemplo, a fisiologia do olho e a percepção das cores. As cores eram estudadas como fenômeno da Física, e a percepção, como fenômeno da Psicologia. Por volta de 1860, temos a formulação de uma importante lei no campo da Psicofísica. É a Lei de Fechner - Weber, que estabelece a relação entre estímulo e sensação, permitindo a sua mensuração. Segundo Fechner e Weber, a diferença que sentimos ao aumentarmos a intensidade de iluminação de uma lâmpada de 100 para 110 watts será a mesma sentida quando aumentamos a intensidade de iluminação de 1000 para 1100 watts, isto é, a percepção aumenta em progressão aritmética, enquanto o estímulo varia em progressão geométrica. Essa lei teve muita importância na história da Psicologia porque instaurou a possibilidade de medida do fenômeno psicológico, o que até então era considerado impossível. Dessa forma, os fenômenos psicológicos vão adquirindo status de estudo científico. Por científica, porque, para a concepção de ciência da época, o que não era mensurável não era possível. Outra contribuição muito importante nesses primórdios da Psicologia científica é a de Wilhelm Wundt (1832-1926). Wundt da Psicologia cria na Universidade de Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratório para realizar experimentos na área de Psicofisiologia. Por esse fato e por sua extensa produção teórica na área, ele é considerado o pai da Psicologia moderna ou científica. Wundt desenvolve a concepção do paralelismo psicofísico, segundo a qual aos fenômenos mentais correspondem à fenômenos orgânicos. Por exemplo, uma estimulação física, como uma picada de agulha na pele de um indivíduo, teria uma correspondência na mente deste indivíduo. Para explorar a mente ou consciência do indivíduo, Wundt cria um método que denomina introspeccionismo. Nesse método, o experimentador pergunta ao sujeito, especialmente treinado para a auto-observação, os caminhos percorridos no seu interior por uma estimulação sensorial (a picada da agulha por exemplo). A PSICOLOGIA CIENTÍFICA O berço da Psicologia moderna foi a Alemanha do final do século 19. Wundt, Weber e Fechner trabalharam juntos na Universidade de Leipzig. Seguiram para aquele país muitos estudiosos dessa nova ciência, como o inglês Edward B. Titchner e o americano William James. Seu status de ciência é obtido à medida que se "liberta" da Filosofia, que marcou sua história até aqui. A evolução da ciência psicológica atrai novos estudiosos e pesquisadores, que, sob os novos padrões de produção de conhecimento, passam a: definir seu objeto de estudo (o comportamento, a vida psíquica, a consciência); delimitar seu campo de estudo, diferenciando-o de outras áreas de conhecimento, como a Filosofia e a Fisiologia; formular métodos de estudo desse objeto; formular teorias enquanto um corpo consistente de conhecimentos na área. Essas teorias devem obedecer aos critérios básicos da metodologia científica, isto é, deve-se buscar a neutralidade do conhecimento científico, os dados devem ser passíveis de comprovação, e o conhecimento deve ser cumulativo e servir de ponto de partida para outros experimentos e pesquisas na área. Os pioneiros da Psicologia procuraram, dentro das possibilidades, atingir tais critérios e formular teorias. Entretanto os conhecimentos produzidos inicialmente caracterizaram-se, muito mais, como postura metodológica que norteava a pesquisa e a construção teórica. Embora a Psicologia científica tenha nascido na Alemanha, é nos Estados Unidos que ela encontra campo para um rápido crescimento, resultado do grande avanço econômico que colocou os Estados Unidos na vanguarda do sistema capitalista. É ali que surgem as primeiras abordagens ou escolas em Psicologia, as quais deram origem às inúmeras teorias que existem atualmente. Essas abordagens são: o Funcionalismo, de William James (1842- 1910), o Estruturalismo, de Edward Titchner (1867-1927) e o Associanismo, de Edward L. Thorndike (1874-1949). O FUNCIONALISMO O Funcionalismo é considerado como a primeira sistematização genuinamente americana de conhecimentos em Psicologia. Uma sociedade que exigia o pragmatismo para seu desenvolvimento econômico acaba por exigir dos cientistas americanos o mesmo espírito. Desse modo, para a escola funcionalista de W. James importa responder "o que fazem os homens" e "por que o fazem". Para responder a isto, W. James elege a consciência como o centro de suas preocupações e busca a compreensão de seu funcionamento, na medida em que o homem a usa para adaptar-se ao meio. O ESTRUTURALISMO O Estruturalismo está preocupado com a compreensão do mesmo fenômeno que o Funcionalismo: a consciência . Mas, diferentemente de W. James, Titchner irá estudá-la em seus aspectos estruturais, isto é, os estados elementares da consciência como estruturas do sistema nervoso central. A escola foi inaugurada por Wundt, mas foi Titchner, seguidor de Wundt, quem usou o termo Estruturalismo pela primeira vez, no sentido de diferenciá-lo do funcionalismo. O método de observação de Titchner assim como o de Wundt é o introspeccionismo e os conhecimentos psicológicos produzidos eminentemente experimentais, isto é, produzidos a partir do laboratório. O ASSOCIONISMO O principal representante do Associanismo é Edward L. Thorndike, e sua importância está em ter sido o formulador de uma primeira teoria de aprendizagem na Psicologia. Sua produção de conhecimentos pautava-se por uma visão de utilidade deste conhecimento, muito mais do que por questões filosóficas que perpassam a Psicologia. O termo Associanismo origina-se da concepção de que a aprendizagem se dá por um processo de associação das ideias - das mais simples às mais complexas. Assim, para aprender um conteúdo complexo, a pessoa precisaria primeiro aprender as mais simples, que estariam associadas àquele conteúdo. Thorndike formulou a Lei do Efeito, que seria de grande utilidade para a psicologia Comportamentalista. De acordo com essa lei, todo comportamento de um organismo vivo (um homem, um pombo, um rato etc.) tende a se repetir, se nós recompensarmos (efeito) o organismo assim que este emitir o comportamento. Por outro lado, o comportamento tenderá a não acontecer, se o organismo for castigado (efeito) após sua ocorrência. E, pela Lei do Efeito, o organismo irá associar essas situações outras semelhantes. Por exemplo, se, ao apertarmos um dos botões do rádio, formos "premiados" com música, em outras oportunidades apertaremos o mesmo botão, bem como generalizaremos essa aprendizagem para outros aparelhos, como toca-discos, gravadores etc. AS PRINCIPAIS TEORIAS DA PSICOLOGIA NO SÉCULO 20 A Psicologia enquanto um ramo da Filosofia estudava a alma. A Psicologia científica nasce quando, de acordo com os padrões de ciência do século 19, Wundt preconiza a Psicologia "sem alma". O conhecimento tido como científico passa então a ser aquele produzido em laboratórios, com o uso de instrumentos de observação e medição. Se antes a Psicologia estava subordinada à Filosofia, a partir daquele século ela passa a ligar-se a especialidades da Medicina, que assumira, antes da Psicologia, o método de investigação das ciências naturais como critério rigoroso do conhecimento. Essa Psicologia científica, que se constituiu de três escolas Associanismo, Estruturalismo e Funcionalismo -, foi substituída, no século 20, por novas teorias. As três mais importantes tendências teóricas da Psicologia neste século são consideradas por inúmeros autores como sendo o Behaviorismo ou Teoria (S-R)(do inglês Stimuli- respond-Estímulo- resposta) e a Psicanálise. O Behaviorismo que nasce com Watson e tem um desenvolvimento grande nos Estados Unidos, em função de suas aplicações práticas, tornou-se importante por ter definido o fato psicológico, de modo concreto, a partir da noção de comportamento (behavior). A Gestalt, que tem seu berço na Europa, surge como uma negação da fragmentação das ações e processos humanos, realizada pelas tendências da Psicologia científica do século 19, postulando a necessidade de se compreender o homem como uma totalidade. A Gestalt é a tendência teórica mais ligada à Filosofia. A Psicanálise, que nasce com Freud, na Áustria, a partir da prática médica, recupera para a Psicologia a importância da afetividade e postula o inconsciente como objeto de estudo, quebrando a tradição da Psicologia como ciência da consciência e da razão. Nos próximos três capítulos, desenvolveremos cada uma dessas principais tendências teóricas, a partir da apresentação de alguns de seus conceitos básicos. Em um quarto CAPÍTULO, apresentaremos a Psicologia Sócio-Histórica como uma das vertentes teóricas em construção na Psicologia atual. 1. Qual a importância de se conhecer a história da Psicologia? 2. Quais as condições econômicas e sociais da Grécia Antiga que propiciaram o início da reflexão sobre o homem? 3. Quais as contribuições fundamentais para a Psicologia apontadas nos textos de Sócrates, Platão e Aristóteles? 4.Com a hegemonia da Igreja, na Idade Média, qual a contribuição de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino para o conhecimento Psicologia? 5. Em qual período histórico situa-se a contribuição de Descartes para a Psicologia? Qual é essa contribuição? 6. Quais as contribuições da Fisiologia e da Neurofisiologia para a Psicologia? 7. Qual o papel de Wundt na história da Psicologia? 8. Quais os critérios que a Psicologia deveria satisfazer para ter status de ciência? 9. O que caracteriza o Funcionalismo, o Associanismo e o Estruturalismo? 10. Quais as principais teorias em Psicologia, no século 20? 1. Quais as diferenças entre a Psicologia como um ramo da Filosofia e a Psicologia científica? 2. Como a produção do conhecimento está relacionada com as condições materiais do momento histórico em que ela se dá? Exemplifique. 3. Construam uma linha do tempo e registrem nela os principais marcos da história da humanidade e os principais momentos da construção da Psicologia. comportamentos. Tais experimentos puderam fazer afirmações sobre o que chamaram de leis comportametais. Um ratinho, ao sentir sede em seu habitat certamente manifesta algum comportamento que lhe permita satisfazer a sua necessidade orgânica. Esse comportamento foi aprendido por ele e se mantém pelo efeito proporcionado: saciar a sede. Assim, se deixarmos um ratinho privado de água durante 24 horas, ele certamente apresentará o comportamento de beber água no momento em que tiver sede. Sabendo disso, os pesquisadores da época decidiram simular esta situação em laboratório sob condições especiais de controle, o que os levou à formulação de uma lei comportamental. Um ratinho foi colocado na "caixa de Skiner" - um recipiente fechado no qual encontrava apenas uma barra. Esta barra, ao ser pressionada por ele, acionava um mecanismo (camuflado) que lhe permtia obter uma gotinha de água, que chegava à caixa por meio de uma pequena haste. Que resposta esperava-se do ratinho? - Que pressionasse a barra. Como isso ocorreu pela primeira vez? - Por acaso. Durante a exploração da caixa, o ratinho pressionou a barra acidentalmente, o que lhe trouxe, pela primeira vez, uma gotinha de água, que devido à sede, fora rapidamente consumida. Por ter obtido água ao encostar na barra quando sentia sede, constatou-se a alta probabilidade de que, estando em situação semelhante, o ratinho a pressionasse novamente. Neste caso de comportamento operante, o que propicia a aprendizagem dos comportamentos é a ação do organismo sobre o meio e o efeito dela resultante - a satisfação de alguma necessidade, ou seja, a aprendizagem está na relação entre uma ação e seu efeito. Este comportamento operante pode ser representado da seguinte maneira: R-S, em que R é a resposta (pressionar a barra) e S (do inglês stimuli) o estímulo reforçador (a água), que tanto interessa ao organismo; a flecha significa "levar a". Esse estímulo reforçador é chamado de reforço. O termo "estímulo" foi mantido da relação R – S do comportamento respondente para designar-lhe a responsabilidade pela ação apesar de ela ocorrer após a manifestação do comportamento. O comportamento operante refere-se à interação sujeito ambiente. Nessa interação, chama-se de relação fundamental à relação entre a ação do indivíduo (a emissão da resposta) e as consequências. É considerada fundamental porque o organismo se comporta (emitindo esta ou aquela resposta), sua ação produz uma alteração ambiental (uma consequência) que, por sua vez, retroage sobre o sujeito, alterando a probabilidade futura de ocorrência. Assim, agimos ou operamos sobre o mundo em função das consequências criadas pela ação. As consequências da resposta são as variáveis de controle mais relevantes. Pense no aprendizado de um instrumento: nós para ouvir seu som harmonioso. Há outros exemplos: dançar para estar próximo do corpo do outro, mexer com uma garota para receber seu olhar, abrir uma janela para entrar luz etc. REFORÇAMENTO Chamamos de reforço a toda consequência que, uma resposta, altera a probabilidade futura de ocorrência da resposta. O reforço pode ser positivo ou negativo. O reforço positivo é todo evento que aumenta a probabilidade futura da resposta que o produz. O reforço negativo é todo evento que aumenta a probabilidade futura da resposta que o remove ou atenua. Assim, poderíamos voltar à nossa "caixa de Skinner" que, no experimento anterior, oferecia uma gota de água ao ratinho sempre que encostasse na barra. Agora, ao ser colocado na caixa, ele recebe choques do assoalho. Após várias tentativas de choques, o ratinho chega à barra e, ao pressioná-la acidentalmente, os choques cessam. Com isso, as respostas de pressão à barra tenderão a aumentar de frequência. Chama-se de reforçamento negativo ao processo de fortalecimento dessa classe de (pressão à barra), isto é, a remoção de um estímulo aversivo controla a emissão da resposta. É condicionamento por se tratar de aprendizagem, e também reforçamento porque um comportamento é apresentado e aumentado em sua frequência ao alcançar o efeito desejado. O reforçamento positivo oferece alguma coisa ao organismo (gotas de água com a pressão da barra, por exemplo); o negativo um evento como permite a retirada de algo desejável (os choques do último exemplo). Não se pode, a priori definir um evento como reforçador. A função reforçadora de um evento ambiental qualquer só é definida por sua função sobre o comportamento do indivíduo. Entretanto, alguns eventos tendem a ser reforçadores para toda uma espécie, como, por exemplo, água, alimento e afeto. Esses são denominados reforços primários. Os reforços secundários, ao contrário, são aqueles que adquiriram a função quando pareados temporalmente com os primários. Alguns destes reforçadores secundários, quando emparelhados com muitos outros, tornam-se reforçadores generalizados, como o dinheiro e a aprovação social. No reforçamento negativo, dois processos importantes merecem destaque: a esquiva e a fuga. A esquiva é um processo no qual os estímulos aversivos condicionados e incondicionados estão separados por um intervalo de tempo apreciável, permitindo que o indivíduo execute um comportamento que previna a ocorrência ou reduza a magnitude do segundo estímulo. Você, com certeza, sabe que o raio (primeiro estímulo) o precede à trovoada (segundo estímulo), que o chiado precede ao estouro dos rojões, que o som do "motorzinho" usado pelo dentista precede à dor no dente. Estes estímulos são aversivos, mas os primeiros nos possibilitam evitar ou reduzir a magnitude dos seguintes, ou seja, tapamos os ouvidos para evitar o estouro dos trovões ou desviamos o rosto da broca usada pelo dentista. Por que isso acontece? Quando os estímulos ocorrem nessa ordem, o primeiro torna-se um reforçador negativo condicionado (aprendido) e a ação que o reduz é reforçada pelo condicionamento operante. As ocorrências passadas de reforçadores negativos condicionados são responsáveis pela probabilidade da resposta de esquiva. No processo de esquiva, após o estímulo condicionado, o indivíduo apresenta um comportamento que é reforçado pela necessidade de reduzir ou evitar o segundo estímulo, que também é aversivo, ou seja, após a visão do raio, o indivíduo manifesta um comportamento (tapar os ouvidos), que é reforçado pela necessidade de reduzir o segundo estímulo (o barulho do trovão) - igualmente aversivo. Outro processo semelhante é o de fuga. Neste caso, o comportamento reforçado é aquele que termina com um estímulo aversivo já em andamento. A diferença é sutil. Se posso colocar as mãos nos ouvidos para não escutar o estrondo do rojão, este comportamento é de esquiva, pois estou evitando o segundo estímulo antes que ele aconteça. Mas, se os rojões começam a pipocar e só depois apresento um comportamento para evitar o barulho que incomoda, seja fechando a porta, seja indo embora ou mesmo tapando os ouvidos, pode-se falar em fuga. Ambos reduzem ou evitam os estímulos aversivos, mas em processos diferentes. No caso da esquiva, há um estímulo condicionado que antecede o estímulo incondicionado e me possibilita a emissão do comportamento de esquiva. Uma esquiva bem-sucedida impede a ocorrência do estímulo incondicionado. No caso da fuga, só há um estímulo aversivo incondicionado que, quando apresentado, será evitado pelo comportamento de fuga. Neste segundo caso, não se evita o estímulo aversivo, mas se foge dele depois de iniciado. EXTINÇÃO Outros processos foram sendo formulados pela Análise Experimental do Comportamento. Um deles é o da Extinção. A Extinção é um procedimento no qual uma resposta deixa abruptamente de ser reforçada. Como consequência, a resposta diminuirá de frequência e até mesmo poderá deixar de ser emitida. O tempo necessário para que a resposta deixe de ser emitida dependerá da história e do valor do reforço envolvido. Assim, quando uma menina, que estávamos paquerando, deixa de nos olhar e passa a nos ignorar, nossas "investidas" tenderão a desaparecer. PUNIÇÃO A punição é outro procedimento importante que envolve consequência à ação de uma resposta quando há apresentação de estímulo aversivo ou remoção de um reforçador positivo presente. Os dados de pesquisas mostram que a supressão do comportamento punido só é definitiva se a punição for extremamente tensa, isto porque as razões que levaram à ação- que se pune - não são alteradas com a punição. Punir ações leva à supressão temporária da resposta sem, contudo, alterar a motivação. Por causa de resultados como estes, os behavioristas têm debatido a validade do procedimetno da punição como forma de reduzir a freqüência de certas respostas. As práticas punitivas correntes na Educação foram questionadas pelo Behaviorismo obrigava-se o aluno: a ajoelhar-se no milho, a fazer inúmeras cópias de um mesmo; a receber "reguadas", a ficar isolado etc. Os behavioristas, respaldados por crítica feita por Skinner e outros autores, propuseram a substituição definitiva das práticas punitivas por procedimentos de instalação de comportamentos desejáveis. Esse princípio pode ser aplicado no cotidiano e em todos os espaços em que se trabalhe para instalar comportamentos desejados. O trânsito é um excelente exemplo. Apesar das punições aplicadas a motoristas e pedestres na maior parte das infrações cometidas no trânsito, tais punições não os têm motivado a adotar um comportamento considerado adequado para o trânsito. Em vez de adotarem novos comportamentos, tornaram-se especialistas na esquiva e na fuga. CONTROLE DE ESTÍMULOS Tem sido polêmica a discussão sobre a natureza ou a extensão do controle que o ambiente exerce sobre nós, mas não há como negar que há algum controle. Assumir a existência desse controle e estudá-la permite maior entendimento dos meios pelos quais os estímulos agem. Assim, quando a freqüência ou a forma da resposta é diferente sob estímulos diferentes, diz-se que o comportamento está sob o controle de estímulos. Se o motorista pára ou acelera o ônibus no cruzamento de rua, onde há semáforo que ora está verde, ora vermelho, sabemos que comportamento de dirigir está sob o controle de estímulos. Dois importantes processos devem ser apresentados: discriminaçao e generalização. DISCRIMINAÇÃO Diz-se que se desenvolveu uma discriminação de estímulos quando uma resposta se mantém na presença de um estímulo, mas sofre certo grau de extinção na presença de outro. Isto é, um estímulo adquire a possibilidade de ser conhecido como discriminativo da situação reforçadora. Sempre que ele for apresentado e a resposta emitida, haverá reforço. Assim, nosso motorista de ônibus vai parar o veículo quando o semáforo estiver vermelho, ou melhor, esperamos que, para ele, o semáforo vermelho tenha se tornado um estímulo discriminativo para a emissão do comportamento de parar. Poderíamos refletir, também, sobre o aprendizado social. Por exemplo: existem normas e regras de conduta para festas - cumprimentar os presentes, ser gentil, procurar manter diálogo com as pessoas, agradecer e elogiar a dona da casa etc. No entanto, as festas podem ser diferentes: informais ou pomposas, dependendo de onde, de como e de quem as organiza. Somos, então, capazes de discriminar esses diferentes estímulos e de nos 4. Qual o mais importante teórico do Behaviorismo? 5. O que é comportamento reflexo ou respondente? Dê exemplos. 6. Como o comportamento respondente pode ser condicionado? Dê exemplo. 7. O que é comportamento operante? Dê exemplos. 8. Como se condiciona o comportamento operante? Dê exemplo. 9. O que é reforço? O que é reforço negativo e positivo? Dê um exemplo para cada caso. 10. Explique os processos de esquiva e fuga com os reforçamentos negativos. 11. O que é extinção e punição? Dê um exemplo para cada caso. 12. O que é generalização e discriminação? Dê exemplos. Atividades em grupo: 1. A partir do CAPÍTULO estudado e do texto complementar apresentado, discutam: *Como a análise comportamental vê o homem, a pessoa? *Pela proposta da análise comportamental, o que é preciso fazer para se conhecer e para conhecer os outros? *Como se dá a questão do controle e do contracontrole dos comportamentos? 2. Escolham uma situação social cotidiana e, a partir da perspectiva do Behaviorismo, procurem entender o que está acontecendo com o comportamento das pessoas, esforçando- se em conhecer as contingências ambientais que as levam a se comportarem daquela maneira. 3. Assistam ao filme Trum an: o show da vida e debatam sobre o controle social do comportamento. Somos mais livres do que Truman? Nossa vida é menos controlada do que a dele? CAPÍTULO 4 A GESTALT A PSICOLOGIA DA FORMA A Psicologia da Gestalt é uma das tendências teóricas mais coerentes e coesas da história da Psicologia. Seus articuladores preocuparam-se em construir não só uma teoria consistente, mas também uma base metodológica forte, que garantisse a consistência teórica. Gestalt é um termo alemão de difícil tradução. O termo mais próximo em português seria form a ou configuração, que não é utilizado, por não corresponder exatamente ao seu real significado em Psicologia. Como já vimos no CAPÍTULO 2, no final do século passado muitos estudiosos procuravam compreender o fenômeno psicológico em seus aspectos naturais (principalmente no sentido da mensurabilidade). A Psicofísica estava em voga. Errist Mack (1838-1916), físico, e Christian von Ehrenfels (1859-1932), filósofo e psicólogo, desenvolviam uma psicofísica com estudos sobre as sensações (o dado psicológico) de espaço-forma e tempo-forma (o dado físico) e podem ser considerados como os mais diretos antecessores da Psicologia da Gestalt. Max Wertheimer (1880-1943), Wolfgang Kõhler (1887-1967) e Kurt Koffka (1886- 1941), baseados nos estudos psicofísicos que relacionaram a forma e sua percepção, construíram a base de uma teoria eminentemente psicológica. Eles iniciaram seus estudos pela percepção e sensação do movimento. Os gestaltistas estavam preocupados em compreender quais os processos psicológicos envolvidos na ilusão de ótica, quando o estímulo físico é percebido pelo sujeito como uma forma diferente da que ele tem na realidade. É o caso do cinema. Quem já viu uma fita cinematográfica sabe que ela é composta de fotogramas estáticos. O movimento que vemos na tela é uma ilusão de ótica causada pela pós-imagem retiana (a imagem demora um pouco para se "apagar" em nossa retina). Como a ótica causada pelas imagens vão -se sobrepondo em nossa retina, temos a sensação de movimento. Mas o que de fato está na tela é uma fotografia estática, retiniana. A PERCEPÇÃO A percepção é o ponto de partida e também um dos temas centrais dessa teoria. Os experimentos com a percepção levaram os teóricos da Gestalt ao questionamento de um princípio implícito na teoria behaviorista - que há relação de causa e efeito entre o estímulo e a resposta - porque, para os gestaltistas, entre o estímulo que o meio fornece e a resposta do indivíduo, encontra-se o processo de percepção. O que o indivíduo percebe e como percebe dos importantes para a compreensão do comportamento. O confronto Gestalt/Behaviorismo pode ser resumido na ação que cada uma das teorias que assume diante do objeto da psicologia - o comportamento, pois tanto a Gestalt quanto a Psicologia definem como a ciência que estuda o comportamento. O Behaviorismo, dentro de sua preocupação com a objetividade, estuda o comportamento através da relação Mista, procurando isolar o estímulo que corresponderia à resposta esperada e desprezando os “conteúdos de consciência", pela impossibilidade de controlar cientificamente essas variáveis. A Gestalt irá criticar essa abordagem, por considerar o comportamento, quando estudado de maneira isolada de um texto mais amplo, pode perder seu significado (o seu entendimento) para o psicólogo. Na visão dos gestaltistas, o comportamento deriva parte do todo nos seus aspectos mais globais, levando em considerações que alteram a percepção do estímulo. Para justificar, essa postura eles se baseavam na teoria do isomorfismo, que suponha uma unidade no universo, onde a parte está sempre relacionada ao todo. Quando eu vejo uma parte de um objeto, ocorre uma tendência à restauração do equilíbrio da forma, garantindo o entendimento do que estou percebendo. Esse fenômeno da percepção é norteado pela busca do fechamento, simetria e regularidade dos pontos que compõem uma figura (objeto). Rudolf Arnheim dá um bom exemplo da tendência à restauração do equilíbrio na relação parte-todo: "De que modo o sentido da visão se apodera da forma? Nenhuma pessoa dotada de um sistema nervoso perfeito apreende a forma alinhavando os retalhos da cópia de suas partes o sentido normal da visão apreende um padrão global". A BOA- FORMA A Gestalt encontra nesses fenômenos da percepção as condições para a compreensão do comportamento humano. A maneira como percebemos um determinado estímulo irá desencadear nosso comportamento. Muitas vezes, os nossos comportamentos guardam relação estreita com os estímulos físicos, e outras, eles são completamente diferentes do esperado porque "entendemos" o ambiente de uma maneira diferente da sua realidade. Quantas vezes já nos aconteceu de cumprimentarmos a distância uma pessoa conhecida e, ao chegarmos mais perto, depararmos com um atônito desconhecido. Um "erro" de percepção nos levou ao comportamento de cumprimentar o desconhecido. Ora, ocorre que, no momento em que confundimos a pessoa, estávamos "de fato" cumprimentando nosso amigo. Esta pequena confusão demonstra que a nossa percepção do estímulo (a pessoa desconhecida) naquelas condições ambientais dadas é mediatizada pela forma como interpretamos o conteúdo percebido. Se nos elementos percebidos não há equilíbrio, simplicidade, não alcançaremos a boa-forma. O elemento que objetivamos compreender deve ser apresentado em aspectos básicos, que permitam a sua decodificação, ou seja, a percepção da boa-forma. O exemplo da figura 5 ilustra a noção de boa-forma. Geralmente percebemos o segmento de reta A maior que o segmento de reta B, mas, na realidade, isso é uma ilusão de ótica, já que ambos são idênticos. A maneira como se distribuem os elementos que compõem as duas figuras não apresenta equilíbrio, simetria, estabilidade e simplicidade suficientes para garantir a boa-forma, isto é, para superar a ilusão de ótica. A tendência da nossa percepção em buscar a boa-forma permitirá a relação figura-fundo. Quanto mais clara estiver a forma (boa-forma), mais clara será a separação entre a figura e o fundo. Quando isso não ocorre, torna-se difícil distinguir o que é figura e o que é fundo, como é o caso da figura 6. Nessa figura ambígua, fundo e figura substituem-se, dependendo da percepção de quem os olha. Faça o teste: possível ver a taça e os perfis ao mesmo tempo? MEIO GEOGRÁFICO E MEIO COMPORTAMENTAL O comportamento é determinado pela percepção do estímulo e, portanto, estará submetido à lei da boa-forma. O conjunto de estímulos determinantes do comportamento (lembre-se da visão global dos gestaltistas) é denominado meio ou meio ambiental. São conhecidos dois tipos de meio: o geográfico e o comportamental. O meio geográfico é o meio enquanto tal, o meio físico em termos objetivos. O meio comportamental é o meio resultante da interação do indivíduo com o meio físico e implica a interpretação desse meio através das forças que regem a percepção (equilíbrio, simetria, estabilidade e simplicidade). No exemplo, a pessoa que cumprimentamos era um desconhecido - esse deveria ser o dado percebido, se só tivéssemos acesso ao meio geográfico. Ocorre que, no momento em que vimos a pessoa, a situação (encontro casual no trânsito em movimento, por exemplo) levou-nos a uma interpretação diferente da realidade, e acabamos por confundi-la com uma pessoa conhecida. Esta particular interpretação do meio, onde o que percebemos agora é uma realidade subjetiva, particular, criada pela nossa mente, é o meio comportamental. Naturalmente, o comportamento é desencadeado pela percepção do meio comportamental. Certamente, a semelhança entre as duas pessoas (a que vimos e a que conhecemos) foi a causa do engano. Nesse é desencadeado caso, houve uma tendência a estabelecer a unidade das semelhanças entre as duas pessoas, mais que as suas diferenças. Essa tendência a ''juntar" os elementos é o que a Gestalt denomina de força do campo psicológico. CAMPO PSICOLÓGICO O campo psicológico é entendido como um campo de força que nos leva a procurar a boa-forma. Funciona figurativamente como um campo eletromagnético criado por um imã (a força de atração e repulsão). Esse campo de força psicológico tem uma tendência que garante a busca da melhor forma possível em situações que não estão muito estruturadas. Esse processo ocorre de acordo com os seguintes princípios: 1 Proximidade - os elementos mais próximos tendem a ser agrupados. Vemos três colunas e não três linhas na figura. 2 Semelhança - os elementos semelhantes são agrupados: Vemos três linhas e não quatro colunas. 3 Fechamento - ocorre uma tendência de completar os elementos faltantes da figura para garantir sua compreensão. Vemos um triângulo e não alguns traços. INSIGHT A Psicologia da Gestalt, diferentemente do (CAPÍTULO 2), vê a aprendizagem como a relação entre o todo e uma parte, onde o todo tem papel fundamental na compreensão do objeto percebido, enquanto as teorias de S – R (Associacionismo, M-M Behaviorismo) 1. Qual o ponto de partida da teoria da Gestalt? 2. Qual a crítica que a Gestalt faz ao Behaviorismo? 3. Qual a importância da percepção do estímulo para a compreensão do comportamento humano, na teoria da Gestalt? 4. Cite um exemplo que mostre uma percepção do ambiente diferente de sua realidade física. 5. O que é necessário para alcançarmos a boa-forma? 6. Qual a importância da relação figura-fundo na percepção? 7. Como é denominado o conjunto de estímulos determinantes do comportamento? 8. Explique, através de um exemplo, o meio geográfico e o meio comportamental. 9. O que é campo psicológico? 10.Quais princípios regem o campo psicológico na busca da boa-forma? 11. O que é insight? Dê um exemplo. 12. Baseado na teoria de Lewin, explique os conceitos de espaço vital e de campo psicológico. 13. Segundo Lewin, qual a característica definidora do grupo? 1. Discutam a importância da percepção na compreensão do comportamento humano que a teoria da Gestalt postula. 2. A partir do texto complementar, discutam a interpretação da situação pelo seu aspecto fenomênico, determinando suas linhas de força e seu espaço vital. 3. Três ou quatro alunos devem ser escolhidos pela classe para dar uma volta na escola por um mesmo trajeto. Eles não podem se comunicar durante a caminhada. Ao retomarem para a classe, cada um deverá relatar o que percebeu durante o passeio. Importante: os relatos não podem ser ouvidos pelos alunos que ainda não depuseram. Terminada a apresentação, discutam as diferenças presentes nos relatos e suas possíveis explicações. 4. A partir da leitura de um livro policial de suspense (por exemplo, os de Agatha Christie), relatem as diferentes hipóteses sobre quem é o assassino. CAPÍTULO 5 A PSICANÁLISE "Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente inconsciente". SIGMUND FREUD As teorias científicas surgem influenciadas pelas condições da vida social, nos seus aspectos econômicos, políticos, culturais etc. São produtos históricos criados por homens concretos, que vivem o seu tempo e contribuem ou alteram, radicalmente, o desenvolvimento do conhecimento. Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico vienense que alterou, radicalmente, o modo de pensar a vida psíquica. Sua contribuição é comparável à de Karl Marx na compreensão dos processos históricos e sociais. Freud ousou colocar os "processos misteriosos" do psiquismo, suas "regiões obscuras", isto é, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos a interioridade do homem, como problemas, mas científicos. A investigação sistemática desses problemas levou Freud à criação da Psicanálise. O termo psicanálise é usado para se referir a uma teoria, a um método de investigação e a uma prática profissional. Enquanto teoria, caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. Freud publicou uma extensa obra, durante toda a sua vida, relatando suas descobertas e formulando leis gerais sobre a estrutura e o funcionamento da psique humana. A Psicanálise, enquanto método de investigação, caracteriza-se pelo método interpretativo, que busca o significado oculto daquilo que é manifesto por meio de ações e palavras ou pelas produções imaginárias, como os sonhos, os delírios, as associações livres, os atos falhos. A prática profissional refere-se à forma de tratamento – a Análise - que busca o autoconhecimeto ou a cura, que ocorre através desse autoconhecimeto. Atualmente, o exercício da Psicanálise ocorre de muitas outras formas. Ou seja, é usada como base para psicoterapias, aconselhamento, orientação; é aplicada no trabalho com grupos, instituições. A Psicanálise também é um instrumento importante para a análise e compreensão de fenômenos sociais relevantes: as novas formas de sofrimento psíquico, o excesso de individualismo no mundo contemporâneo, a exacerbação da violência etc. Compreender a Psicanálise significa percorrer novamente o trajeto pessoal de Freud, desde a origem dessa ciência e durante grande parte de seu desenvolvimento. A relação entre autor e obra torna-se mais significativa quando descobrimos que grande parte de sua produção foi baseada em experiências pessoais, transcritas com rigor em várias de suas obras, como A interpretação dos sonhos e A psicopatologia da vida cotidiana, dentre outras. Compreender a Psicanálise significa, também, percorrer, no nível pessoal, a experiência inaugural de Freud e buscar "descobrir" as regiões obscuras da vida psíquica, vencendo as resistências interiores, pois se ela foi realizada por Freud, "não é uma aquisição definitiva da humanidade, mas tem que ser realizada de novo por cada paciente e por cada psicanalista". A GESTAÇÃO DA PSICANÁLISE Freud formou-se em Medicina na Universidade de Viena, em 1881, e especializou-se em Psiquiatria. Trabalhou algum tempo em um laboratório de Fisiologia e deu aulas de Neuropatologia no instituto onde trabalhava. Por dificuldades financeiras, não pôde dedicar- se integralmente à vida acadêmica e de pesquisador. Começou, então, a clinicar, atendendo pessoas acometidas de "problemas nervosos". Obteve, ao final da residência médica, uma bolsa de estudo para Paris, onde trabalhou com Jean Charcot, psiquiatra francês que tratava as histerias com hipnose. Em 1886, retornou à Viena e voltou a clinicar, e seu principal instrumento de trabalho na eliminação dos sintomas dos distúrbios nervosos passou a ser a sugestão hipnótica. Em Viena, o contato de Freud com Josef Breuer, médico e cientista, também foi importante para a continuidade das investigações. Nesse sentido, o caso de uma paciente de Breuer foi significativo. Ana O. apresentava um conjunto de sintomas que a fazia sofrer: paralisia com contratura muscular, inibições e dificuldades de pensamento. Esses sintomas tiveram origem na época em que ela cuidara do pai enfermo. No período em que cumprira essa tarefa, ela havia tido pensamentos e afetos que se referiam a um desejo de que o pai morresse. Estas idéias e sentimentos foram reprimidos e substituídos pelos sintomas. Em seu estado de vigília, Ana O. não era capaz de indicar a origem de seus sintomas, mas, sob o efeito da hipnose, relatava a origem de cada um deles, que estavam ligados a vivências anteriores da paciente, relacionadas com o episódio da doença do pai. Com a rememoração destas cenas e vivências, os sintomas desapareciam. Este desaparecimento não ocorria de forma "mágica", mas devido à liberação das reações emotivas associadas ao evento traumático - a doença do pai, o desejo inconsciente da morte do pai enfermo. Breuer denominou método catártico o tratamento que possibilita a liberação de afetos e emoções ligadas a acontecimentos traumáticos que não puderam ser expressos na ocasião da vivência desagradável ou dolorosa. Esta liberação de afetos leva à eliminação dos sintomas. Freud, em sua Autobiografia, afirma que desde o início de sua prática médica usara a hipnose, não só com objetivos de sugestão, mas também, para obter a história da origem dos sintomas. Posteriormente, passou a utilizar o método catártico e, aos poucos, foi modificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose, porque nem todos os pacientes se prestavam a ser hipnotizados; desenvolveu a técnica de 'concentração', na qual a rememoração sistemática era feita por meio da conversação normal; e por fim, acatando a sugestão (de uma jovem) anônima, abandonou as perguntas - e com elas a direção da sessão para se confiar por completo à fala desordenada do paciente. A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE ("Qual poderia ser a causa de os pacientes esquecerem tantos fatos de sua vida interior e exterior..)", perguntava-se Freud. O esquecido era sempre algo penoso para o indivíduo, e era exatamente por isso que havia sido esquecido e o penoso não significava, necessariamente, sempre algo ruim, mas podia se referir a algo bom que se perdera ou que fora intensamente desejado. Quando Freud abandonou as perguntas no trabalho terapêutico com os pacientes e os deixou dar livre curso às suas idéias, observou que, muitas vezes, eles ficavam embaraçados, envergonhados com algumas idéias ou imagens que lhes ocorriam. A esta força psíquica que se opunha a tornar consciente, a revelar um pensamento, Freud denominou resistência. E chamou de repressão o processo psíquico que visa encobrir, fazer desaparecer da consciência, uma idéia ou representação insuportável e dolorosa que está na origem do sintoma. Estes conteúdos psíquicos "localizam-se" no inconsciente. Tais descobertas"(...) constituíram a base principal da compreensão das neuroses e impuseram uma modificação do trabalho terapêutico. Seu objetivo (...) era descobrir as repressões e suprimi-las através de um juízo que aceitasse ou condenasse definitivamente o excluído pela repressão. Considerando este novo estado de coisas, dei ao método de investigação e cura resultante o nome de psicanálise em substituição ao de catártico". A PRIMEIRA TEORIA SOBRE A ESTRUTURA DO APARELHO PSIQUICO Em 1900, no livro A interpretação dos sonhos, Freud apresenta a primeira concepção sobre a estrutura e o funcionamento da personalidade. Essa teoria refere-se à existência de três sistemas ou instâncias psíquicas: inconsciente, pré-consciente e consciente. * O inconsciente exprime o "conjunto dos conteúdos não presentes no campo atual da consciência". É constituído por conteúdos reprimidos, que não têm acesso aos sistemas pré- consciente/consciente, pela ação de censuras internas. Estes conteúdos podem ter sido conscientes, em algum momento, e ter sido reprimidos, isto é, "foram" para o inconsciente, ou podem ser genuinamente inconscientes. O inconsciente é um sistema do aparelho psíquico regido por leis próprias de funcionamento. Por exemplo, é atemporal, não existem as noções de passado e presente. * O pré-consciente refere-se ao sistema onde permanecem aqueles conteúdos acessíveis à consciência. É aquilo que não está na consciência, neste momento, e no momento seguinte pode estar. * O consciente é o sistema do aparelho psíquico que recebe ao mesmo tempo as informações do mundo exterior e as do mundo interior. Na consciência, destaca-se o fenômeno da percepção, principalmente a percepção do mundo exterior, a atenção, o raciocínio A DESCOBERTA DA SEXUALIDADE INFANTIL Freud, em suas investigações na prática clínica sobre as causas e o funcionamento das neuroses, descobriu que a maioria de pensamentos e desejos reprimidos referiam-se a conflitos de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos, isto é, que na vida infantil estavam as experiências de caráter traumático, reprimidas, que se refere-se ao inconsciente, mas o ego e o superego têm, também, aspectos ou "partes" inconscientes. É importante considerar que estes sistemas não existem enquanto uma estrutura vazia, mas são sempre habitados pelo conjunto de experiências pessoais e particulares de cada um, que se constitui como sujeito em sua relação com o outro e em determinadas circunstâncias sociais. Isto significa que, para compreender alguém, é necessário resgatar sua história pessoal, que está ligada à história de seus grupos e da sociedade em que vive. OS MECANISMOS DE DEFESA, OU A REALIDADE COMO ELA NAO É A percepção de um acontecimento, do mundo externo ou do mundo interno, pode ser algo muito constrangedor, doloroso, desorganizador. Para evitar este desprazer, a pessoa "deforma" ou suprime a realidade - deixa de registrar percepções externas, afasta determinados conteúdos psíquicos, interfere no pensamento. São vários os mecanismos que o indivíduo pode usar para realizar esta deformação da realidade, chamados de mecanismos de defesa. São processos realizados pelo ego e são inconscientes, isto é, ocorrem independentemente da vontade do indivíduo. Para Freud, defesa é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma, o aparelho psíquico. O ego - uma instância a serviço da realidade externa e sede dos processos defensivos - mobiliza estes mecanismos, que suprimem ou dissimulam a percepção do perigo interno, em função de perigos reais ou imaginários localizados no mundo exterior. Estes mecanismos são: * Recalque: o indivíduo "não vê", "não ouve" o que ocorre. Existe a supressão de uma parte da realidade. Este aspecto que não é percebido pelo indivíduo faz parte de um todo e, ao ficar invisível, altera, deforma o sentido do todo. É como se, ao ler esta página, uma palavra ou uma das linhas não estivesse impressa, e isto impedisse a compreensão da frase ou desse outro sentido ao que o mais radical está escrito. Um exemplo é quando entendemos uma proibição como permissão porque não "ouvimos o não”. O recalque, ao suprimir a percepção do que está acontecendo, é o mais radical dos mecanismos de defesa. Os demais se referem a deformações da realidade. * Formação reativa: o ego procura afastar o desejo que vai em determinada direção, e, para isto, o indivíduo adota uma atitude oposta a este desejo. Um bom exemplo são as atitudes exageradas - ternura excessiva, superproteção - que escondem o seu oposto, no caso, um desejo agressivo intenso. Aquilo que aparece (a atitude) visa esconder do próprio indivíduo suas verdadeiras motivações (o desejo), para preservá-lo de uma descoberta acerca de si mesmo que poderia ser bastante dolorosa. E o caso da mãe que superprotege o filho, do qual tem muita raiva porque atribui a ele muitas de suas dificuldades pessoais. Para muitas destas mães, pode ser aterrador admitir essa agressividade em relação ao filho. * Regressão: o indivíduo retorna a etapas anteriores de seu desenvolvimento; é uma passagem para modos de expressão mais primitivos. Um exemplo é o da pessoa que enfrenta situações difíceis com bastante ponderação e, ao ver uma barata, sobe na mesa, aos berros. Com certeza, não é só a barata que ela vê na barata. * Projeção: é uma confluência de distorções do mundo externo e interno. O indivíduo localiza (projeta) algo de si no mundo externo e não percebe aquilo que foi projetado como algo seu que considera indesejável. É um mecanismo de uso freqüente e observável na vida cotidiana. Um exemplo é o jovem que critica os colegas por serem extremamente competitivos e não se dá conta de que também o é, às vezes até mais que os colegas. * Racionalização: o indivíduo constrói uma argumentação intelectualmente convincente e aceitável, que justifica os estados "deformados" da consciência. Isto é, uma defesa que justifica as outras. Portanto, na racionalização, o ego coloca a razão a serviço do irracional e utiliza para isto o material fornecido pela cultura, ou mesmo pelo saber científico. Dois exemplos: o pudor excessivo (formação reativa), justificado com argumentos morais; e as justificativas ideológicas para os impulsos destrutivos que eclodem na guerra, no preconceito e na defesa da pena de morte. Além destes mecanismos de defesa do ego, existem outros: denegação, identificação, isolamento, anulação retroativa, inversão e retorno sobre si mesmo. Todos nós os utilizamos em nossa vida cotidiana, isto é, deformamos a realidade para nos defender de perigos internos ou externos, reais ou imaginários. O uso destes mecanismos não é, em si, patológico, contudo distorce a realidade, e só o seu desvendamento pode nos fazer superar essa falsa consciência, ou melhor, ver a realidade como ela é. PSICANÁLISE: APLICAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS A característica essencial do trabalho psicanalítico é o deciframento do inconsciente e a integração de seus conteúdos na consciência. Isto porque são estes conteúdos desconhecidos e inconscientes que determinam, em grande parte, a conduta dos homens e dos grupos - as dificuldades para viver, o mal-estar, o sofrimento. A finalidade deste trabalho investigativo é o autoconhecimento, que possibilita lidar com o sofrimento, criar mecanismos de superação das dificuldades, dos conflitos e dos submetimentos em direção a uma produção humana mais autônoma, criativa e gratificante de cada indivíduo, dos grupos, das instituições. Nesta tarefa, muitas vezes bastante desejada pelo paciente, é necessário que o psicanalista ajude a desmontar, pacientemente, as resistências inconscientes que obstaculizam a passagem dos conteúdos inconscientes para a consciência. A representação social (a idéia) da Psicanálise ainda é bastante estereotipada em nosso meio. Associamos a Psicanálise com o divã, com o trabalho de consultório excessivamente longo e só possível para as pessoas de alto poder aquisitivo. Esta idéia correspondeu, durante muito tempo, à prática nesta área que se restringia, exclusivamente, ao consultório. Contudo, há várias décadas é possível constatar a contribuição da Psicanálise e dos psicanalistas em várias áreas da saúde mental. Historicamente, é importante lembrar a contribuição do psiquiatra e psicanalista D. W. Winnicott, cujos programas radiofônicos transmitidos na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, orientavam os pais na criação dos filhos, ou a contribuição de Ana Freud para a Educação e, mais recentemente, as contribuições de Françoise Dolto e Maud Mannoni para o trabalho de expressões com crianças e adolescentes em instituições - hospitais, creches, abrigos. Atualmente, e inclusive no Brasil, os psicanalistas estão debatendo o alcance social da prática clínica visando torna-la acessível a amplos setores da sociedade. Eles também estão voltados para a pesquisa e produção de conhecimentos que possam ser úteis na compreensão de fenômenos sociais graves, como o aumento do envolvimento do adolescente com a criminalidade, o surgimento de novas (antigas?) formas de sofrimento produzidas pelo modo de existência no mundo contemporâneo - as drogadições, a anorexia, a síndrome do pânico, a excessiva rnedicalização do sofrimento, a sexualização da infância. Enfim, eles procuram compreender os novos modos de subjetivação e de existir, as novas expressões que o sofrimento psíquico assume. A partir desta compreensão e de suas observações, os psicanalistas tentam criar modalidades de intervenção no social que visam superar o mal-estar na civilização. Aliás, o próprio Freud, em várias de suas obras - O m al- estar supera o m al-estar na civilização, Reflexões para o tem po de guerra e morte - coloca questões sociais, e ainda atuais, como objeto de reflexão, ou seja, nos faz pensar e ver o que mais incomoda: a possibilidade constante de dissociação dos vínculos sociais. O método psicanalítico usado para desvendar o real, compreender o sintoma individual ou social e suas determinações, é o interpretativo. No caso da análise individual, o material de trabalho do analista são os sonhos, as associações livres, os atos falhos (os esquecimentos, as substituições de palavras etc.). Em cada um desses caminhos de acesso ao inconsciente, o que vale é a história pessoal. Cada palavra, cada símbolo tem um significado particular para cada indivíduo, o qual só pode ser apreendido a partir de sua história, que é absolutamente única e singular. Por isso é que se diz que, a cada nova situação, realiza-se novamente a experiência inaugurada por Freud, no início do século 20 - a experiência de tentar descobrir as regiões obscuras da vida psíquica. SOBRE O INCONSCIENTE Que significa haver o inconsciente? Em primeiro lugar (...) uma certa forma de descobrir sentidos, típica da interpretação psicanalítica. Ou seja, tendo descoberto uma espécie de ordem nas emoções das pessoas, os psicanalistas afirmam que há um lugar hipotético donde elas provêm. É como se supuséssemos que existe um lugar na mente das pessoas que funciona à semelhança da interpretação que fazemos; só que ao contrário: lá se cifra o que aqui deciframos, os sonhos, por exemplo. Dormindo, produzimos estranhas histórias, que parecem fazer sentido, sem que saibamos qual. Chegamos a pensar que nos anunciam o futuro, simplesmente porque parecem anunciar algo, querer comunicar algum sentido. Freud, tratando dos sonhos, partia do princípio de que eles diziam algo e com bastante sentido. Não, porém, o futuro. Decidiu interpretá-los. Sua técnica interpretativa era mais ou menos assim. Tomava as várias partes de um sonho, seu ou alheio, e fazia com que o sonhador associasse idéias e lembranças a cada uma delas. Foi possível descobrir assim que os sonhos diziam respeito, em parte, aos acontecimentos do dia anterior, embora se relacionassem também com modos de ser infantis do sujeito. Igualmente, ele descobriu algumas regras da lógica das emoções que produz os sonhos. Vejamos as mais conhecidas. Com freqüência, uma figura que aparece nos sonhos, uma pessoa, uma situação, representa várias figuras fundidas, significa isso e aquilo ao mesmo tempo. Chama-se este processo condensação, e ele explica o porquê de qualquer interpretação ser sempre muito mais extensa do que o sonho interpretado. Outro processo, chamado deslocamento, é o de dar o sonho uma importância emocional maior a certos elementos que, quando da interpretação, se revelarão secundários, negando-se àqueles que se mostrarão realmente importantes. Um detalhezinho do sonho aparece, na interpretação, como o elo fundamental. Digamos que o sonho, como um estudante desatento, coloca erradamente o acento tônico (emocional, é claro), criando um drama diverso do que deveria narrar; como se dissesse Ésquilo por esquilo... Um terceiro processo de formação do sonho consiste em que tudo é representado por meio de símbolos e, um quarto, reside na forma final do sonho que, ao contrário da interpretação, não é uma história contada com palavras, porém uma cena visual. (...) Do conjunto de associações que partem do sonho, o intérprete retira um sentido que lhe parece razoável. Para Freud, e para nós, todo sonho é uma tentativa de realização do desejo. (...) Será tudo apenas um brinquedo, uma charada que se inventa para resolver? Não, por certo (...). Apenas você deve compreender que o inconsciente psicanalítico não é uma coisa embutida no fundo da cabeça dos homens, uma fonte de motivos que explicam o que de outra forma ficaria pouco razoável - como o medo de baratas ou a necessidade de autopunição. Inconsciente é o nome que se dá a um sistema lógico que, por necessidade teórica, supomos que opere na mente das pessoas, sem no entanto afirmar que, em si mesmo, seja assim ou assado. Dele só sabemos pela interpretação. 1.Quais os três usos do termo Psicanálise? 2.Quais são as práticas de Freud que antecederam a formulação da teoria psicanalítica? 3.Quais foram às descobertas finais que configuraram a criação da Psicanálise? 4.Como se caracteriza a primeira teoria sobre a estrutura do aparelho psíquico? 5.O que Freud descobriu de importante sobre a sexualidade? 6.Como se caracterizam as fases do desenvolvimento sexual? 7.Caracterize o complexo de Édipo. 8.O que é realidade psíquica? 9.Como se caracterizam os modelos econômico, tópico e dinâmico do funcionamento permitindo que, ao se pensar o psiquismo humano, se falasse das condições sociais que são constitutivas deste mundo psicológico. Hoje, Vigotski é um autor conhecido e seu pensamento é fundamento da corrente denominada Psicologia Sócio-Histórica ou Psicologia de Orientação Sócio-Cultural. AS NOÇÕES BÁSICAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA NO BRASIL A Psicologia Sócio-Histórica, no Brasil, tem se constituído, fundamentalmente, pela crítica à visão liberal de homem, na qual encontramos idéias como: * O homem visto como ser autônomo, responsável pelo seu próprio processo de individuação. * Uma relação de antagonismo entre o homem e a sociedade, em que esta faz eterna oposição aos anseios que seriam naturais do homem. * Uma visão de fenômeno psicológico, na qual este é tomado como uma entidade abstrata que tem, por natureza, características positivas que só não se manifestam se sofrerem impedimentos do mundo material e social. O fenômeno psicológico, visto como enclausurado no homem, é concebido como um verdadeiro eu. A Psicologia Sócio-Histórica entende que essas concepções liberais construíram uma ciência na qual o mundo psicológico foi completamente deslocado do campo social e material. Esse mundo psicológico passou, então, a ser definido de maneira abstrata, como algo que já estivesse dentro do homem, pronto para se desenvolver - semelhante à mente que germina. Esta visão liberal naturalizou o mundo psicológico, abolindo, da Psicologia, as reflexões sobre o mundo social. No Brasil, os teóricos da Psicologia Sócio-Histórica buscam construir uma concepção alternativa à liberal. Retomaremos um pouco essas reflexões a partir de algumas idéias fundamentais. * Não existe natureza humana. Não existe uma essência eterna e universal do homem, que no decorrer de sua vida se atualiza, gerando suas potencialidades e faculdades. Tal idéia de natureza humana tem sido utilizada como fundamento da maioria das correntes psicológicas e faz, na verdade, um trabalho de ocultamento das condições sociais, que são determinantes das individualidades. Esta idéia está ligada à visão de indivíduo autônomo, que também não é aceita na Psicologia Sócio-Histórica. O indivíduo é construído ao longo de sua vida a partir de sua intervenção no meio (sua atividade instrumental) e da relação com os outros homens. Somos únicos, mas não autônomos no sentido de termos um desenvolvimento independente ou já previsto pela semente de homem que carregamos. * Existe a condição humana. A concepção de homem da Psicologia Sócio-Histórica pode ser assim sintetizada: o homem é um ser ativo, social e histórico. É essa sua condição humana. O homem constrói sua existência a partir de uma ação sobre a realidade, que tem, por objetivo, satisfazer suas necessidades. Mas essa ação e essas necessidades têm uma característica fundamental: são sociais e produzidas historicamente em sociedade. As necessidades básicas do homem não são apenas biológicas; elas, ao surgirem, são imediatamente socializadas. Por exemplo, os hábitos alimentares e o comportamento sexual do homem são formas sociais e não naturais de satisfazer necessidades biológicas. Através da atividade, o homem produz o necessário para satisfazer essas necessidades. A atividade de cada indivíduo, ou seja, sua ação particular, é determinada e definida pela forma como a sociedade se organiza para o trabalho. Entendido como a transformação da natureza para a produção da existência humana, o trabalho só é possível em sociedade. É um processo pelo qual o homem estabelece, ao mesmo tempo, relação com a natureza e com os outros homens; essas relações determinam-se reciprocamente. Portanto, o trabalho só pode ser entendido dentro de relações sociais determinadas. São essas relações que definem o lugar de cada indivíduo e a sua atividade. Por isso, quando se diz que o homem é um ser ativo, diz-se, ao mesmo tempo, que ele é um ser social. A ação do homem sobre a realidade que, obrigatoriamente, ocorre em sociedade, é um processo histórico. É uma ação de transformação da natureza que leva à transformação do próprio homem. Quando produz os bens necessários à satisfação de suas necessidades, o homem estabelece novos parâmetros na sua relação com a natureza, o que gera novas necessidades, que também, por sua vez, deverão ser satisfeitas. As relações sociais, nas quais ocorre esse processo, modificam-se à medida que se desenvolvem as necessidades humanas e a produção que visa satisfazê-las. É um processo de transformação constante das necessidades e da atividade dos homens e das relações que estes estabelecem entre si para a produção de sua existência. Esse movimento tem por base a contradição: o desenvolvimento das necessidades humanas e das formas de satisfazê-las, ao mesmo tempo em que só são possíveis diante de determinadas relações sociais, provocam a necessidade de transformação dessas mesmas relações e condicionam o aparecimento de novas relações sociais. Esse processo histórico é construído pelo homem e é esse processo histórico que constrói o homem. Assim, o homem é um ser ativo, social e histórico. * O homem é criado pelo homem. Não há uma natureza humana pronta, nem mesmo aptidões prontas. A "aptidão" do homem está, justamente, no fato de poder desenvolver várias aptidões. Esse desenvolvimento se dá na relação com os outros homens através do contato com a cultura já constituída e das atividades que realiza neste meio. Os objetos produzidos pelos homens materializam a história e cristalizam as "aptidões" desenvolvidas pelas gerações anteriores. Quando os manuseia e deles se apropria, o homem desenvolve atividades que reproduzem os traços essenciais das atividades acumuladas e cristalizadas nos objetos. A criança que aprende a manusear um lápis, está de alguma forma submetida à forma, à consistência, às possibilidades e aos limites do lápis. Isso envolve não apenas uma questão "física", material, mas, necessariamente, uma condição social e histórica do uso e significado do lápis. As habilidades humanas, que utilizam o lápis como seu instrumento, estão cristalizadas na forma, na consistência e nas possibilidades do lápis, bem como nos seus limites e significados. Nas relações com os outros homens ocorre a "descristalização" destas possibilidades - a "mágica" acontece - e, do lápis, o pequeno homem retira suas habilidades de rabiscar, escrever e desenhar, colocando-se, assim, no "patamar" da história, tornando- se capaz de recuperá-la e transformá-la. Portanto, é do instrumento e das relações sociais, nas quais esse instrumento é utilizado, que o homem retira suas possibilidades humanas. Esse processo acontece com todas as suas aptidões. O homem, ao nascer, é candidato à humanidade e a adquire no processo de apropriação do mundo. Nesse processo, converte o mundo externo em um mundo interno e desenvolve, de forma singular, sua individualidade. Assim, através da mediação das relações sociais e das atividades que desenvolve, o homem se individualiza, torna-se homem, desenvolve suas possibilidades e significa seu mundo. A linguagem é instrumento fundamental nesse processo e, como instrumento, também é produzida social e historicamente, e dela também o homem deve se apropriar. A linguagem materializa e dá forma a uma das aptidões humanas: a capacidade de representar a realidade. Juntamente com a atividade, o homem desenvolve o pensamento. Através da linguagem, o pensamento objetiva-se, permitindo a comunicação das significações e o seu desenvolvimento. Mas o pensamento humano, historicamente transforma-se em algo mais complexo, justamente por representar, cada vez melhor, a complexidade da vida humana em sociedade. Transforma-se em consciência. A linguagem é instrumento essencial na construção da consciência, na construção de um mundo interno, psicológico. Permite a representação não só da realidade imediata, mas das mediações que ocorrem na relação do homem com essa realidade. Assim, a linguagem apreende e materializa o mundo de significações, que é construído no processo social e histórico. Quando se apropria da linguagem enquanto instrumento, o indivíduo tem acesso a um mundo de significações historicamente produzido. Além disso, a linguagem também é instrumento de mediação na apropriação de outros instrumentos. Por isso, quando se torna indivíduo - o que só ocorre socialmente - o homem apropria-se de todos os significados sociais. Mas, por ser ativo, também atribui significado, ou seja, apropria-se da história, apreende o mundo, atribuindo-lhe um sentido pessoal construído a partir de sua atividade, de suas relações e dos significados aprendidos. Esse processo de apropriação do mundo social permite o desenvolvimento da consciência no homem. * O homem concreto é objeto de estudo da Psicologia. A Psicologia deve buscar compreender o indivíduo como ser determinado histórica e socialmente. Esse indivíduo jamais poderá ser compreendido senão por suas relações e vínculos sociais, pela sua inserção em uma determinada sociedade, em um momento histórico específico. O homem existe, age e pensa de certa maneira porque existe em um dado momento e local, vivendo determinadas relações. A consciência humana revela as determinações sociais e históricas do homem - não diretamente, de maneira imediata, porque não é assim, mecanicamente, que se processa a consciência. As mediações devem ser desvendadas, pois passam pelas formas de atividade e relações sociais, pelos significados atribuídos nesse processo a toda realidade na qual vivem os homens. É necessário conhecer além da aparência, buscando a essência deste processo, que revela o movimento de transformação constante a partir da contradição, entendida como princípio fundamental do movimento da realidade. Assim, para conhecer o homem é preciso situá-lo em um momento histórico, identificar as determinações e desvendá-las. Para entender o movimento contraditório da totalidade na qual se encontram os indivíduos, deve-se partir do geral para o particular - para o processo individual de relação entre atividade e consciência. É necessário perceber o singular e seu movimento como parte do movimento geral e, ao revelar essas mediações, compreender não só o geral, mas o particular. É dessa forma que o indivíduo deve ser entendido pela Psicologia fundamentada no materialismo histórico e dialético. Subjetividade social e subjetividade individual. Nesta teoria, os fenômenos sociais não são externos aos indivíduos nem são fenômenos que acontecem na sociedade e pouco têm que ver com cada um de nós. Os fenômenos sociais estão, de forma simultânea, dentro e fora dos indivíduos, isto é, estão na subjetividade individual e na subjetividade social. A subjetividade deve ser compreendida como "um sistema integrador do interno e do externo, tanto em sua dimensão social, como individual, que por sua gênese é também social... A subjetividade não é interna nem externa: ela supõe outra representação teórica na qual o interno e o externo deixam de ser dimensões excludentes", e se convertem em dimensões constitutivas de uma nova qualidade do ser: o subjetivo. Como dimensões da subjetividade ambos (o interno e o externo) se integram e desintegram de múltiplas formas no curso de seu desenvolvimento, no processo dentro do qual o que era interno pode converter-se em externo e vice-versa. A subjetividade individual representa a constituição da história de relações sociais do sujeito concreto dentro de um sistema individual. O indivíduo, ao viver relações sociais determinadas e experiências determinadas em uma cultura que tem idéias e valores próprios, vai se constituindo, ou seja, vai construindo sentido para as experiências que vivencia. Este espaço pessoal dos sentidos que atribuímos ao mundo se configura como a subjetividade individual. A subjetividade social é exatamente a aresta subjetiva da constituição da sociedade. Refere-se "ao sistema integral de configurações subjetivas (grupais ou individuais), que se articulam nos distintos níveis da vida social..." Assim, para a Psicologia Sócio-Histórica, não há como se saber de um indivíduo sem que se conheça seu mundo. Para compreender o que CAPÍTULO 7 A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO UMA ÁREA DA PSICOLOGIA Esta área de conhecimento da Psicologia estuda o desenvolvimento do ser humano em todos os seus aspectos: físico-motor, intelectual, afetivo-emocional e social - desde o nascimento até a idade adulta, isto é, a idade em que todos estes aspectos atingem o seu mais completo grau de maturidade e estabilidade. Existem várias teorias do desenvolvimento humano em Psicologia. Elas foram construídas a partir de observações, pesquisas com grupos de indivíduos em diferentes faixas etárias ou em diferentes culturas, estudos de casos clínicos, acompanhamento de indivíduos desde o nascimento até a idade adulta. Dentre essas teorias, destaca-se a do psicólogo e biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), pela sua produção contínua de pesquisas, pelo rigor científico de sua produção teórica e pelas implicações práticas de sua teoria, principalmente no campo da Educação. A teoria deste cientista será a referência, neste CAPÍTULO, para compreendermos o desenvolvimento humano, para respondermos às perguntas como e por que o indivíduo se comporta de determinada forma, em determinada situação, neste momento de sua vida. O desenvolvimento humano refere-se ao desenvolvimento mental e ao crescimento orgânico. O desenvolvimento mental é uma construção contínua, que se caracteriza pelo aparecimento gradativo de estruturas mentais. Estas são formas de organização da atividade mental que se vão aperfeiçoando e solidificando até o momento em que todas elas, estando plenamente desenvolvidas, caracterizarão um estado de equilíbrio superior quanto aos aspectos da inteligência, vida afetiva e relações sociais. Algumas dessas estruturas mentais permanecem ao longo de toda a vida. Por exemplo, a motivação está sempre presente como desencadeadora da ação, seja por necessidades fisiológicas, seja por necessidades afetivas ou intelectuais. Essas estruturas mentais que permanecem garantem a continuidade do desenvolvimento. Outras estruturas são substituídas a cada nova fase da vida do indivíduo. Por exemplo, a moral da obediência da criança pequena é substituída pela autonomia moral do adolescente ou, outro exemplo, a noção de que o objeto existe só quando a criança o vê (antes dos 2 anos) é substituída, posteriormente, pela capacidade de atribuir ao objeto sua conservação, mesmo quando ele não está presente no seu campo visual. A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO A criança não é um adulto em miniatura. Ao contrário, apresenta características próprias de sua idade. Compreender isso é compreender a importância do estudo do desenvolvimento humano. Estudos e pesquisas de Piaget demonstraram que existem formas de perceber, compreender e se comportar diante do mundo, próprias de cada faixa etária, isto é, existe uma assimilação progressiva do meio ambiente, que implica uma acomodação das estruturas mentais a este novo dado do mundo exterior. Estudar o desenvolvimento humano significa conhecer as características comuns de uma faixa etária, permitindo-nos reconhecer as individualidades, o que nos torna mais aptos para a observação e interpretação dos comportamentos. Todos esses aspectos levantados têm importância para a Educação. Planejar o que e como ensinar implica saber quem é o educando. Por exemplo, a linguagem que usamos com a criança de 4 anos não é a mesma que usamos com um jovem de 14 anos. E, finalmente, estudar o desenvolvimento humano significa descobrir que ele é determinado pela interação de vários fatores. OS FATORES QUE INFLUENCIAM O DESENVOLVIMENTO HUMANO Vários fatores indissociados e em permanente interação afetam todos os aspectos do desenvolvimento. São eles: * Hereditariedade - a carga genética estabelece o potencial do indivíduo, que pode ou não se desenvolver. Existem pesquisas que comprovam os aspectos genéticos da inteligência. No entanto, a inteligência pode desenvolver-se aquém ou além do seu potencial, dependendo das condições do meio que encontra. * Crescimento orgânico - refere-se ao aspecto físico. O aumento de altura e a estabilização do esqueleto permitem ao indivíduo comportamentos e um domínio do mundo que antes não existiam. Pense nas possibilidades de descobertas de uma criança, quando começa a engatinhar e depois a andar, em relação a quando esta criança estava no berço com alguns dias de vida. * Maturação neurofisiológica - é o que torna possível determinado padrão de comportamento. A alfabetização das crianças, por exemplo, depende dessa maturação. Para segurar o lápis e manejá-lo como nós, é necessário um desenvolvimento neurológico que a criança de 2, 3 anos não tem. Observe como ela segura o lápis. * Meio - o conjunto de influências e estimulações ambientais altera os padrões de comportamento do indivíduo. Por exemplo, se a estimulação verbal for muito intensa, uma criança de 3 anos pode ter um repertório verbal muito maior do que a média das crianças de sua idade, mas, ao mesmo tempo, pode não subir e descer com facilidade uma escada, porque esta situação pode não ter feito parte de sua experiência de vida. ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO O desenvolvimento humano deve ser entendido como uma globalidade, mas, para efeito de estudo, tem sido abordado a partir de quatro aspectos básicos: * Aspecto físico-motor - refere-se ao crescimento orgânico, à maturação neurofisiológica, à capacidade de manipulação de objetos e de exercício do próprio corpo. Exemplo: a criança leva a chupeta à boca ou consegue tomar a mamadeira sozinha, por volta dos 7 meses, porque já coordena os movimentos das mãos. * Aspecto intelectual - é a capacidade de pensamento, raciocínio. Por exemplo, a criança de 2 anos que usa um cabo de vassoura para puxar um brinquedo que está embaixo de um móvel ou o jovem que planeja seus gastos a partir de sua mesada ou salário. * Aspecto afetivo-emocional - é o modo particular de o indivíduo integrar as suas experiências. É o sentir. A sexualidade faz parte desse aspecto. Exemplos: a vergonha que sentimos em algumas situações, o medo em outras, a alegria de rever um amigo querido. * Aspecto social - é a maneira como o indivíduo reage diante das situações que envolvem outras pessoas. Por exemplo, em um grupo de crianças, no parque, é possíveis observar algumas que espontaneamente buscam outras para brincar, e algumas que permanecem sozinhas. Se analisarmos melhor cada um desses exemplos, vamos descobrir que todos os outros aspectos estão presentes em cada um dos casos. E é sempre assim. Não é possível encontrar um exemplo "puro", porque todos estes aspectos relacionam-se permanentemente. Por exemplo, uma criança tem dificuldades de aprendizagem, repete o ano, vai-se tornando cada vez mais "tímida" ou "agressiva", com poucos amigos e, um dia, descobre-se que as dificuldades tinham origem em uma deficiência auditiva. Quando isso é corrigido, todo o quadro reverte-se. A história pode, também, não ter um final feliz, se os danos forem graves. Todas as teorias do desenvolvimento humano partem do pressuposto de que esses quatro aspectos são indissociados, mas elas podem enfatizar aspectos diferentes, isto é, estudar o desenvolvimento global a partir da ênfase em um dos aspectos. A Psicanálise, por exemplo, estuda o desenvolvimento a partir do aspecto afetivo-emocional, isto é, do desenvolvimento da sexualidade. Jean Piaget enfatiza o desenvolvimento intelectual. A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO DE JEAN PIAGET Este autor divide os períodos do desenvolvimento humano de acordo com o aparecimento de novas qualidades do pensamento, o que, por sua vez, interfere no desenvolvimento global. 1 período: Sensório-motor (0 a 2 anos) 2 período: Pré-operatório (2 a 7 anos) 3 período: Operações concretas (7 a 11 ou 12 anos) 4 período: Operações formais (11 ou 12 anos em diante) Segundo Piaget, cada período é caracterizado por aquilo que, de melhor o indivíduo consegue fazer nessas faixas etárias. Todos os indivíduos passam por todas essas fases ou períodos, nessa seqüência, porém o início e o término de cada uma delas dependem das características biológicas do indivíduo e de fatores educacionais, sociais. Portanto, a divisão nessas faixas etárias é uma referência, e não uma norma rígida. PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR (o recém-nascido e o lactente - 0 a 2 anos) Neste período, a criança conquista, através da percepção e dos movimentos, todo o universo que a cerca. No recém-nascido, a vida mental reduz-se ao exercício dos aparelhos reflexos, de fundo hereditário, como a sucção. Esses reflexos melhoram com o treino. Por exemplo, o bebê mama melhor no décimo primeiro dia de vida do que no dia. Por volta dos cinco meses, a criança consegue coordenar os movimentos das mãos e olhos e pegar objetos, aumentando sua capacidade de adquirir hábitos novos. No final do período, a criança é capaz de usar um instrumento como meio para atingir um objeto. Por exemplo, descobre que, se puxar a toalha, a lata de bolacha ficará mais perto dela. Neste caso, ela utiliza a inteligência prática ou sensorio-motora, que envolve as percepções e os movimentos. Neste período, fica evidente que o desenvolvimento físico acelerado é o suporte para o aparecimento de novas habilidades. Isto e, o desenvolvimento ósseo, muscular e neurológico permite a emergência de novos comportamentos, como se sentar, andar, o que propiciará um domínio maior do ambiente. Ao longo deste período, irá ocorrer na criança uma diferenciação progressiva entre o seu eu e o mundo exterior. Se no início o mundo era uma continuação do próprio corpo, os progressos da inteligência levam-na a situar-se como um elemento entre outros no mundo. Isso permite que a criança, por volta de 1 ano, admita que um objeto continue a existir mesmo quando ela não o percebe, isto é, o objeto não está presente no seu campo visual, mas ela continua a procurar ou a pedir o brinquedo que perdeu, porque sabe que ele continua a existir. Esta diferenciação também ocorre no aspecto afetivo, pois o bebê passa das emoções primárias (os primeiros medos, quando, por exemplo, ele se enrijece ao ouvir um barulho muito forte) para uma escolha afetiva de objetos (no final do período), quando já manifesta preferências por brinquedos, objetos, pessoas etc. No curto espaço de tempo deste período, por volta de 2 anos, a criança evolui de uma atitude passiva em relação ao ambiente e pessoas de seu mundo para uma atitude ativa e participativa. Sua integração no ambiente dá-se, também, pela imitação das regras. E, embora compreenda algumas palavras, mesmo no final do período só é capaz de fala imitativa. ficar claro que a função da reflexão não é contradizer, mas se adiantar e interpretar a experiência. Do ponto de vista de suas relações sociais, também ocorre o processo de caracterizar-se, inicialmente, por uma fase de interiorização, em que, aparentemente, é anti-social. Ele se afasta da família, não aceita conselhos dos adultos; mas, na realidade, o alvo de sua reflexão é a sociedade, sempre analisada como passível de ser reformada e transformada. Posteriormente, atinge o equilíbrio entre pensamento e realidade, quando compreende a importância da reflexão para a sua ação sobre o mundo real. Por exemplo, no início do período, o adolescente que tem dificuldades na disciplina de Matemática pode propor sua retirada do currículo e, posteriormente, pode propor soluções mais viáveis e adequadas, que considerem as exigências sociais. No aspecto afetivo, o adolescente vive conflitos. Deseja libertar-se do adulto, mas ainda depende dele. Deseja ser aceito pelos amigos e pelos adultos. O grupo de amigos é um importante referencial para o jovem, determinando o vocabulário, as vestimentas e outros aspectos de seu comportamento. Começa a estabelecer sua moral individual, que é referenciada à moral do grupo. Os interesses do adolescente são diversos e mutáveis, sendo que a estabilidade chega com a proximidade da idade adulta. JUVENTUDE: PROJETO DE VIDA Conforme Piaget, a personalidade começa a se formar no final da infância, entre 8 e 12 anos, com a organização autônoma das regras, dos valores, a afirmação da vontade. Esses aspectos subordinam-se num sistema único e pessoal e vão-se exteriorizar na construção de um projeto de vida. Esse projeto é que vai nortear o indivíduo em sua adaptação ativa à realidade, que ocorre através de sua inserção no mundo do trabalho ou na preparação para ele, quando ocorre um equilíbrio entre o real e os ideais do indivíduo, isto é, de revolucionário no plano das idéias, ele se torna transformador, no plano da ação. É importante lembrar que na nossa cultura, em determinadas classes sociais que "protegem" a infância e a juventude, a prorrogação do período da adolescência é cada vez maior, caracterizando-se por uma dependência em relação aos pais e uma postergação do período em que o indivíduo vai se tornar socialmente produtivo e, portanto, entrará na idade adulta. Na idade adulta não surge nenhuma nova estrutura mental, e o indivíduo caminha então para um aumento gradual do desenvolvimento cognitivo, em profundidade, e uma maior compreensão dos problemas e das realidades significativas que o atingem. Isto influencia os conteúdos afetivo-emocionais e sua forma de estar no mundo. O ENFOQUE INTERACIONISTA DESENVOLVIMENTO HUMANO: VIGOTSKI Ao falarmos de desenvolvimento humano, hoje, não podemos deixar de citar o autor soviético Vigotski. Lev Semenovich Vigotski nasceu em 1896, na Bielo-Rus, e faleceu prematuramente aos 37 anos de idade. Vigotski foi um dos teóricos que buscou uma alternativa dentro do materialismo dialético para o conflito entre as concepções idealista e mecanicista na Psicologia. Ao lado de Luria e Leontiev, construiu propostas teóricas inovadoras sobre temas como relação pensamento e linguagem, natureza do processo de desenvolvimento da criança e o papel da instrução no desenvolvimento. Vigotski foi ignorado no Ocidente, e mesmo na ex-União Soviética a publicação de suas obras foi suspensa entre 1936 e 1956. Atualmente, no entanto, seu trabalho vem sendo estudado e valorizado no mundo todo. Um pressuposto básico da obra de Vigotski é que as origens das formas superiores de comportamento consciente - pensamento, memória, atenção voluntária etc. -, formas essas que diferenciam o homem dos outros animais, devem ser achadas nas relações sociais que o homem mantém. Mas Vigotski não via o homem como um ser passivo, conseqüência dessas relações. Entendia o homem como ser ativo, que age sobre o mundo, sempre em relações sociais, e transforma essas ações para que constituam o funcionamento de um plano interno. A VISÃO DO SESENVOLVIMENTO INFATIL O desenvolvimento infantil é visto a partir de três aspectos: instrumental, cultural e histórico. E é Luria que nos ajuda a compreendê-los. * O aspecto instrumental refere-se à natureza basicamente mediadora das funções psicológicas complexas. Não apenas respondemos aos estímulos apresentados no ambiente, mas os alteramos e usamos suas modificações como um instrumento de nosso comportamento. Exemplo disso é o costume popular de amarrar um barbante no dedo para lembrar algo. O estímulo - o laço no dedo - objetivamente significa apenas que o dedo está amarrado. Ele adquire sentido, por sua função mediadora, fazendo-nos lembrar algo importante. * O aspecto cultural da teoria envolve os meios socialmente estruturados pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em crescimento enfrenta, e os tipos de instrumento, tanto mentais como físicos, de que a criança pequena dispõe para dominar aquelas tarefas. Um dos instrumentos básicos criados pela humanidade é a linguagem. Por isso, Vigotski deu ênfase, em toda sua obra, à linguagem e sua relação com o pensamento. * O aspecto histórico, como afirma Luria, funde-se com o cultural, pois os instrumentos que o homem usa para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento, foram criados e modificados ao longo da história social da civilização. Os instrumentos culturais expandiram os poderes do homem e estruturaram seu pensamento, de maneira que, se não tivéssemos desenvolvido a linguagem escrita e a aritmética, por exemplo, não possuiríamos hoje a organização dos processos superiores que possuímos. Assim, para Vigotski, a história da sociedade e o desenvolvimento do homem caminham juntos e, mais do que isso, estão de tal forma intrincados, que um não seria o que é sem o outro. Com essa perspectiva, é que Vigotski estudou o desenvolvimento infantil. As crianças, desde o nascimento, estão em constante interação com os adultos, que ativamente procuram incorporá-las a suas relações e a sua cultura. No início, as respostas das crianças são dominadas por processos naturais, especialmente aqueles proporcionados pela herança biológica. É através da mediação dos adultos que os processos psicológicos mais complexos tomam forma. Inicialmente, esses processos são interpsíquicos (partilhados entre pessoas), isto é, só podem funcionar durante a interação das crianças com os adultos. Á medida que a criança cresce, os processos acabam por ser executados dentro das próprias crianças – intrapsíquicos. É através desta interiorização dos meios de operação das informações, meios estes historicamente determinados e culturalmente organizados, que a natureza social das pessoas tornou-se igualmente sua natureza psicológica. No estudo feito por Vigotski, sobre o desenvolvimento da fala, sua visão fica bastante clara: inicialmente, os aspectos motores e verbais do comportamento estão misturados. A fala envolve os elementos referenciais, a conversação orientada pelo objeto, as expressões emocionais e outros tipos de fala social. Como a criança está cercada por adultos na família, a fala começa a adquirir traços demonstrativos, e ela começa a indicar o que está fazendo e de que está precisando. Após algum tempo, a criança, fazendo distinções para os outros com o auxílio da fala, começa a fazer distinções para si mesma. E a fala vai deixando de ser um meio para dirigir o comportamento dos outros e vai adquirindo a função de autodireção. Fala e ação, que se desenvolvem independentes uma da outra, em determinado momento do desenvolvimento convergem, e esse é o momento de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de inteligência. Forma-se, então, um amálgama entre fala e ação; inicialmente a fala acompanha as ações e, posteriormente, dirige, determina e domina o curso da ação, com sua função planejadora. O desenvolvimento está, pois, alicerçado sobre o plano das interações. O sujeito faz sua uma ação que tem, inicialmente, um significado partilhado. Assim, a criança que deseja um objeto inacessível apresenta movimentos de alcançá-lo, e esses movimentos são interpretados pelo adulto como "desejo de obtê-lo", e então lhe dá o objeto. Os movimentos da criança afetam o adulto e não o objeto diretamente; e a interpretação do movimento pelo adulto permite que a criança transforme o movimento de agarrar em gesto de apontar. O gesto é criado na interação, e a criança passa a ter controle de uma forma de sinal, a partir das relações sociais. Todos os movimentos e expressões verbais da criança, no início de sua vida, são importantes, pois afetam o adulto, que os interpreta e os devolve à criança com ação e/ou com fala. A fala egocêntrica, por exemplo, foi vista por Vigotski como uma forma de transição entre a fala exterior e a interior. A fala inicial da criança tem, portanto, um papel fundamental no desenvolvimento de suas funções psicológicas. Para Vigotski, as funções psicológicas emergem, consolidam-se o plano da ação entre pessoas e tornam-se internalizadas, isto é, transformam-se para constituir o funcionamento interno. O plano interno não é a reprodução do plano externo, pois ocorrem transformações ao longo do processo de internalização. Do plano interpsíquico, as ações passam para o plano intrapsíquico. Considera, portanto, as relações sociais como constitutivas das funções psicológicas do homem. Essa visão de Vigotski deu o caráter interacionista à sua teoria. Vigotski deu ênfase ao processo de internalização como mecanismo que intervém no desenvolvimento das funções psicológicas complexas. Esta é reconstrução interna de uma operação externa e tem como base a linguagem. O plano interno, para Vigotski, não preexiste, mas é constituído pelo processo de internalização, fundado nas ações, nas interações sociais e na linguagem. VIGOTSKI E PIAGET Se compararmos os dois maiores teóricos do desenvolvimento humano, podemos dizer, correndo algum risco de sermos simplistas, que Piaget apresenta uma tendência hiperconstrutivista em sua teoria, com ênfase no papel estruturante do sujeito. Maturação, experiências físicas, transmissões sociais e culturais e equilibração são fatores desenvolvidos na teoria de Piaget. Vigotski, por outro lado, enfatiza o aspecto interacionista, pois considera que é no plano intersubjetivo, isto é, na troca entre as pessoas, que têm origem as funções mentais superiores. A teoria de Piaget apresenta também a dimensão interacionista, mas sua ênfase é colocada na interação do sujeito com o objeto físico; e, além disso, não está clara em sua teoria a função da interação social no processo de conhecimento. A teoria de Vigotski, por outro lado, também apresenta um aspecto construtivista, na medida em que busca explicar o aparecimento de inovações e mudanças no desenvolvimento a partir do mecanismo de internalização. No entanto, temos na teoria sócio-interacionista apenas um quadro esboçado, que apresenta sugestões e caminhos, mas necessita de estudos e pesquisas que explicitem os mecanismos característicos dos processos de desenvolvimento. Se tivéssemos agora que apontar um desacordo entre essas teorias, resgataríamos as palavras de Luria: "Quando a obra de Piaget, A linguagem e o pensam ento da cr iança, chegou a nosso conhecimento, nós a estudamos cuidadosamente. Um desacordo fundamental da interpretação da relação entre a linguagem e o pensamento distinguia nosso trabalho da obra desse grande psicólogo suíço... discordamos fundamentalmente da idéia de que a fala inicial da criança não apresenta um papel importante no pensamento".(1) CONTROVÉRSIAS BÁSICAS ENTRE ESTAS CONCEPÇÕES De maneira geral, poderíamos apontar três controvérsias. A primeira refere-se à questão do que é aprendido e como. Para os teóricos do condicionamento aprendemos hábitos, isto é, aprendemos a associação entre um estímulo e uma resposta e aprendemos praticando; para os cognitivistas, aprendemos a relação entre idéias (conceitos) e aprendemos abstraindo de nossa experiência. A segunda controvérsia refere-se à questão do que mantém o comportamento que foi aprendido. Para os teóricos do condicionamento, o comportamento e mantido pelo seqüenciamento de respostas. Explicando melhor: uma resposta é, na realidade, um conjunto de respostas. Quando falamos no comportamento de abrir uma porta, é fácil perceber que ele é composto de diversas respostas intermediárias: pegar a chave na posição certa para que entre na fechadura, encaixá-la na fechadura, virar corretamente e abaixar então a maçaneta. São essas diversas respostas que, reforçadas (bem-sucedidas), preparam a etapa seguinte e mantêm a cadeia de respostas até que o objetivo do comportamento seja atingido. Para os cognitivistas, o que mantém um comportamento são os processos cerebrais centrais, tais como a atenção e a memória, que são integradores dos comportamentos. A terceira controvérsia refere-se à maneira como solucionamos uma nova situação- problema (transferência da aprendizagem). Para os teóricos do condicionamento, evocamos hábitos passados apropriados para o novo problema e respondemos, quer de acordo com os elementos que o problema novo tem em comum com outros já aprendidos, quer de acordo com aspectos da nova situação, que são semelhantes à situação já encontrada. Por exemplo, quando a criança aprende a dar laço nos sapatos, saberá dar laço em presentes, no vestido ou na fita do cabelo. Os cognitivistas acreditam que, mesmo no caso de haver toda a experiência possível com as diversas partes do problema, como saber todas as etapas para dar um laço, isso não garante que a solução do problema seja alcançada. Seremos capazes de solucionar um problema, se este for apresentado de uma forma, mas não de outra, mesmo que ambas as formas requeiram as mesmas experiências passadas para serem solucionadas. De acordo com os cognitivistas, o método de apresentação do problema permite uma estrutura perceptual que leva ao insight, isto é, à compreensão interna das relações essenciais do caso em questão. Por exemplo, quando montamos um quebra-cabeça e sacamos o lugar de uma peça sem termos feitos tentativos anteriormente. A TEORIA COGNITIVISTA DA APRENDIZAGEM Desenvolveremos alguns conceitos básicos dessa abordagem através da teoria de David Ausubel. COGNIÇÃO Inicialmente, vale a pena esclarecer o conceito de cognição. Cognição é o "processo através do qual o mundo de significados tem origem. À medida que o ser se situa no mundo, estabelece relações de significação, isto é, atribui significados à realidade em que se encontra. Esses significados não são entidades estáticas, mas pontos de partida para a atribuição de outros significados. Tem origem, então, a estrutura cognitiva (os primeiros significados), constituindo-se nos 'pontos básicos de ancoragem' dos quais derivam outros significados" (2). Por exemplo, quando precisamos ensinar à criança a noção de sociedade, podemos levá-la a dar uma volta no quarteirão e observar com ela tudo o que lá existe. A criança atribuirá significados aos elementos dessa experiência e poderá, posteriormente, compreender a sociedade. O cognitivismo está, pois, preocupado com o processo de compreensão, transformação, armazenamento e utilização das informações, no plano da cognição. APRENDIZAGEM O processo de organização das informações e de integração do material à estrutura cognitiva é o que os cognitivistas denominam aprendizagem. A abordagem cognitivista diferencia a aprendizagem mecânica da aprendizagem significativa. a. Aprendizagem mecânica - refere-se à aprendizagem de novas informações com pouca ou nenhuma associação com conceitos já existentes na estrutura cognitiva. Você se lembra da nossa amiga que decorou a poesia em francês? É um exemplo deste tipo de aprendizagem, pois o conteúdo não se relacionava com nada que ela já possuísse em sua estrutura cognitiva (por isso ela não entendia o que dizia, apenas sabia a poesia de cor). O conhecimento assim adquirido fica arbitrariamente distribuído na estrutura cognitiva, sem se ligar a conceitos específicos. b. Aprendizagem significativa - processa-se quando um novo conteúdo (idéias ou informações) relaciona-se com conceitos relevantes, claros e disponíveis na estrutura cognitiva, sendo assim assimilado por ela. Estes conceitos disponíveis são os pontos de ancoragem para a aprendizagem. Por exemplo, nós estamos aqui apresentando a você um novo conceito - o de aprendizagem significativa. Para que este conceito seja assimilado por sua estrutura cognitiva, é necessário que a noção de aprendizagem apresentada pelos cognitivistas já esteja lá, como ponto de ancoragem. E esta nova noção de aprendizagem significativa, sendo assimilada, servirá de ponto de ancoragem para o conteúdo que se seguirá. PONTOS DE ANCORAGEM Os pontos de ancoragem são formados com a incorporação, à estrutura cognitiva, de elementos (informações ou idéias) relevantes para a aquisição de novos conhecimentos e com a organização destes, de forma a, progressivamente, generalizarem-se, formando conceitos. Por exemplo, crianças pequenas podem, inicialmente, ter contato com sementinhas, que, plantadas num canteiro, surgem como folhinhas; ter contato com animais, que geram novos animais; e ainda ter contato com as pedras e a areia da rua. Estes contatos podem ser explorados até que as crianças tenham condições cognitivas de perceber as diferenças entre os seres e, assim, adquirir as noções de seres vivos -vegetais e animais - e seres inanimados. A partir da aquisição destas noções básicas, as crianças estarão aptas a aprender outros conteúdos e a diferenciar e categorizar os diferentes seres. Podemos, então, dizer que as noções de seres vivos e não-vivos são pontos de ancoragem para outros conhecimentos. O exemplo acima poderá dar a impressão de que falamos de pontos de ancoragem apenas na aprendizagem realizada por crianças. Não, falamos de aprendizagem significativa e de pontos de ancoragem sempre que algum conteúdo novo deva ser aprendido. Assim, na disciplina de Física, com certeza seu professor trabalha inicialmente a noção de energia e/ou eletricidade, para desenvolver s outros conteúdos que supõem compreensão desses conceitos. E, indo um pouco mais além, podemos dizer que não estamos falando apenas da aprendizagem que se dá na escola. Pense em alguém que nunca tenha visto, nem ouvido falar do jogo de futebol, isto é, não tenha pontos de ancoragem para as informações que lhe chegam através da televisão na transmissão de uma partida. Com certeza, não entenderá nada ou, aos poucos, com base em informações que possua de outros jogos, começará a organizar as informações recebidas, vindo mesmo a entender o que se passa. UMA TEORIA DE ENSINO: BRUNER A partir de concepções, como esta de Ausubel, sobre o processo de aprendizagem, alguns pesquisadores desenvolveram teorias sobre o ensino, procurando discutir e sistematizar o processo de organização das condições para a aprendizagem. Entre esses teóricos, ressaltaremos a contribuição de Jerome Bruner. Bruner concebeu o processo de aprendizagem como "captar as relações entre os fatos", adquirindo novas informações, transformando-as e transferindo-as para novas situações. Partindo daí, ele formulou uma teoria de ensino. O ensino, para Bruner, envolve a organização da matéria de maneira eficiente e significativa para o aprendiz. Assim, o professor deve preocupar-se não só com a extensão da matéria, mas, principalmente, com sua estrutura. A ESTRUTURA DA MATÉRIA A aprendizagem, que deve ser sempre capaz de nos levar adiante, está na dependência de como se domina a estrutura da matéria estudada, isto é, a natureza geral do fenômeno; as idéias mais gerais, elementares e essenciais da matéria. Para se garantir este "ir adiante", é necessário ainda o desenvolvimento de uma atitude de investigação. Para se dar conta do primeiro aspecto (estrutura da matéria), Bruner propõe que os especialistas nas disciplinas auxiliem a estruturar o conteúdo de ensino a partir dos conceitos mais gerais e essenciais da matéria e, a partir daí, desenvolvam-no como uma espiral - sempre dos conceitos mais gerais para os particulares, aumentando gradativamente a complexidade das informações. Por exemplo, em Física é necessário começarmos pela noção de energia, em Psicologia pela noção da vida psíquica e em História pelas noções de Homem, Natureza e Cultura. Quanto à atitude de investigação, Bruner sugere que se utilize o método da descoberta como método básico do trabalho educacional. O aprendiz tem plenas condições de percorrer o caminho da descoberta científica, investigando, fazendo perguntas, experimentando e descobrindo. O ensino, para Bruner, deve estar voltado para a compreensão. Compreensão das relações entre os fatos e entre as idéias, única forma de se garantir a transferência do conteúdo aprendido para novas situações. Este princípio geral norteia a proposta de Bruner até no que diz respeito ao trabalho com o erro do aprendiz. O erro deve ser instrutivo, diz Bruner. O professor deverá reconstituir com o aprendiz o caminho de seu raciocínio, para encontrar o momento do erro e, a partir daí, reconduzi-lo ao raciocínio correto. Bruner ainda postula que "qualquer assunto pode ser ensinado com eficiência, de alguma forma intelectualmente honesta, a qualquer criança, em qualquer estágio de desenvolvimento" Para que isto seja possível, é necessário que o professor apresente a matéria à criança em termos da visualização que ela tem das coisas. Isto é, a criança poderá aprender qualquer coisa, se a linguagem do professor lhe for acessível e se seus conhecimentos anteriores lhe possibilitarem a compreensão do novo conteúdo. O trabalho do professor é um verdadeiro trabalho de tradução: da linguagem da ciência para a linguagem da criança. Para isto, Bruner propõe que o professor se utilize da teoria de Piaget, onde as possibilidades e limites da criança em cada fase do desenvolvimento estão claramente definidos. Bruner e Piaget podem auxiliar muito o professor na organização do seu ensino, mas será sempre necessário que o professor conheça a realidade de vida de seu aluno - sua classe social, suas experiências de vida, suas dificuldades, a realidade de sua família etc. - para que o programa possa ter algum significado e importância para ele; isto é, não basta conhecer teoricamente o educando, é preciso conhecê-lo concretamente. Vigotski tem parte de sua obra dedicada às questões escolares e é por isso que, neste CAPÍTULO, vamos reunir algumas considerações importantes feitas por ele e que podem contribuir para olharmos os chamados "problemas de aprendizagem" sob uma nova perspectiva: a das relações sociais que caracterizam o processo de ensino-aprendizagem. Para Vigotski, a aprendizagem sempre inclui relações entre as pessoas. A relação do indivíduo com o mundo está sempre mediada pelo outro. Não há como aprender e apreender o mundo se não tivermos o outro, aquele que nos fornece os significados que permitem pensar o mundo a nossa volta. Veja bem, Vigotski defende a idéia de que não há um desenvolvimento pronto e previsto dentro de nós que vai se atualizando conforme o tempo passa ou recebemos influencia externa. O desenvolvimento não é pensado como algo natural nem mesmo como produto exclusivo da maturação do organismo, mas como um processo em que estão presentes a maturação do organismo, o contato com a cultura produzida pela humanidade e as relações sociais que permitem a aprendizagem. E aí aparece o "outro" como alguém fundamental, pois este outro é quem nos orienta no processo de apropriação da cultura. Para Vigotski, o desenvolvimento é um processo que se dá de fora para dentro. É no processo de ensino-aprendizagem que ocorre a apropriação da cultura e o conseqüente desenvolvimento do indivíduo. A aprendizagem da criança inicia-se muito antes de sua entrada na escola, isto porque desde o primeiro dia de vida, ela já está exposta aos elementos da cultura e à presença do outro, que se torna o mediador entre ela e a cultura. A criança vai aprendendo a falar e a gesticular, a nomear objetos, a adquirir informações a respeito do mundo que a rodeia, a manusear objetos da cultura; ela vai se comportando de acordo com as necessidades e as possibilidades. Em todas essas atividades está o "outro". Parceiro de todas as horas, é ele que lhe diz o nome das coisas, a forma certa de se comportar; é ele que lhe explica o mundo, que lhe responde aos "porquês", enfim, é o seu grande intérprete do mundo. São esses elementos apropriados do mundo exterior que possibilitam o desenvolvimento do organismo e a aquisição das capacidades superiores que caracterizam o psiquismo humano. A escola surgirá, então, como lugar privilegiado para este desenvolvimento, pois é o espaço em que o contato com a cultura é feito de forma sistemática, intencional e planejada. O desenvolvimento - que só ocorre quando situações de aprendizagem o provocam - tem seu ritmo acelerado no ambiente escolar. O professor e os colegas formam um conjunto de mediadores da cultura que possibilita um grande avanço no desenvolvimento da criança. A criança não possui instrumentos endógenos para o seu desenvolvimento. Os mecanismos de desenvolvimento são dependentes dos processos de aprendizagem, estes, sim, responsáveis pela emergência de características psicológicas tipicamente humanas, que transcendem à programação biológica da espécie. O contato e o aprendizado da escrita e das operações matemáticas fornecem a base para o desenvolvimento de processos internos altamente complexos no pensamento da criança. O aprendizado, quando adequadamente organizado, resulta em desenvolvimento mental, pondo em movimento processos que seriam impossíveis de acontecer. Esses princípios diferenciam-se de visões que pensam o desenvolvimento como um processo que antecede à aprendizagem, ou como um processo já completo, que a viabiliza. A partir destas concepções, Vigotski construiu o conceito de zona de desenvolvimento proximal, referindo-se às potencialidades da criança que podem ser desenvolvidas a partir do ensino sistemático. A zona de desenvolvimento proximal é à distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas pela criança, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros. Este conceito é importante porque nos possibilita delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de desenvolvimento. Além disso, permite ao professor olhar seu educando de outra perspectiva, bem como o trabalho conjunto entre colegas. Aliás, Vigotski acreditava que a noção de zona de desenvolvimento proximal já estava presente no bom senso do professor, quando este planejava seu trabalho. Assim, Vigotski insistia na importância de a Educação pensar o desenvolvimento da criança de forma prospectiva, e não retrospectiva, como era feito. Sua crítica foi contundente. Segundo Vigotski, a escola pensa a criança e planeja o ensino de forma retrospectiva por considerar, como condição para a aprendizagem, o nível de desenvolvimento já conquistado pela criança. No seu entender, a escola deveria inverter esse raciocínio e pensar o ensino das possibilidades que o aprendizado já obtido traz. O bom ensino é aquele que se volta para as funções psicológicas emergentes, potenciais, e pode ser facilmente estimulado pelo contato com os colegas que já aprenderam determinado conteúdo. A aprendizagem é, portanto, um processo essencialmente social, que ocorre na interação com os adultos e os colegas. O desenvolvimento é resultado desse processo, e a escola, o lugar privilegiado para essa estimulação. A Educação passa, então, a ser vista como processo social sistemático de construção da humanidade. Sintetizando, poderíamos dizer que, para Vigotski, as relações entre aprendizagem e desenvolvimento são indissociáveis. O indivíduo, imerso em um contexto cultural, tem seu desenvolvimento movido por mecanismos de aprendizagem acionados externamente. A matéria-prima deste desenvolvimento encontra-se, fundamentalmente, no mundo externo, nos instrumentos culturais construídos pela humanidade. Assim, o homem, ao buscar respostas para as necessidades de seu tempo histórico, cria, junto com outros homens, instrumentos que consolidam o desenvolvimento psicológico e fisiológico obtido até então. Os homens de outra geração, ao manusearem estes instrumentos, apropriam-se do desenvolvimento ali consolidado. Eles aprendem e se desenvolvem ao mesmo tempo, adquirindo possibilidades de responder a novas necessidades com a construção de novos instrumentos. E assim caminha a humanidade... A partir destas concepções de Vigotski, a escola torna-se um novo lugar - um espaço que deve privilegiar o contato social entre seus membros e torná-los mediadores da cultura. Alunos e professores devem ser considerados parceiros nesta tarefa social. O aluno jamais poderá ser visto como alguém que não aprende, possuidor de algo interno que lhe dificulta a aprendizagem. O desafio está colocado. Todos são responsáveis no processo. Não há aprendizagem que não gere desenvolvimento; não há desenvolvimento que prescinda da aprendizagem. Aprender é estar com o outro, que é mediador da cultura. Qualquer dificuldade neste processo deverá ser analisada como uma responsabilidade de todos os envolvidos. O professor torna-se figura fundamental; o colega de classe, um parceiro importante; o planejamento das atividades torna-se tarefa essencial e a escola, o lugar de construção humana. JEAN PIAGET Produziu uma extensa obra entre 1918 e 1980. Procurou explicar o aparecimento de inovações, mudanças e transformações no percurso do desenvolvimento intelectual, assim como dos mecanismos responsáveis por estas transformações. Por tais atributos, sua teoria é classificada como construtivista. Este caráter da obra de Piaget torna-se marcante a partir da década de 70, quando passa a trabalhar, exclusivamente, com investigações sobre os mecanismos de transição que explicam a evolução do desenvolvimento cognitivo. Para Piaget, a formação das operações cognitivas no homem está subordinada a um processo geral de equilibração para o qual tende o desenvolvimento cognitivo, como um todo. É preciso lembrar que, naquela época, as teorias associacionistas e empiristas enfatizavam o papel da experiência com os estímulos do ambiente. Sem deixar de reconhecer este papel, Piaget assentou, em sua obra, a existência de uma organização própria dos sujeitos da experiência sensível, organização que submete os estímulos do meio à atividade interna do sujeito. O homem, dotado de estruturas biológicas, herda uma forma de funcionamento intelectual, ou seja, uma maneira de interagir com o ambiente que o leva à construção de um conjunto de significados. A interação deste sujeito com o ambiente permitirá a organização desses significados em estruturas cognitivas. Durante a vida, serão vários os modos de organização dos significados, marcando, assim, diferentes estágios de desenvolvimento. A cada estágio corresponderá um tipo de estrutura cognitiva que permitirá formas diferentes de interação com o meio. São as diferentes estruturas cognitivas que permitem prever o que se pode conhecer naquele momento da evolução. Piaget utilizou, para a construção de suas idéias, o modelo biológico: o homem é guiado pela busca do equilíbrio entre as necessidades biológicas fundamentais de sobrevivência e as agressões ou restrições colocadas pelo meio para a satisfação destas necessidades. Nesta relação, a organização - enquanto capacidade do indivíduo de condutas seletivas - é o mecanismo que permite ao homem ter condutas eficientes para atender às suas necessidades, isto é, à sua demanda de adaptação. A adaptação - que envolve a assimilação e a acomodação numa relação indissociável - é o mecanismo que permite ao homem não só transformar os elementos assimilados, tornando-os parte da estrutura do organismo, como possibilitar o ajuste e a acomodação deste organismo aos elementos incorporados. Neste sentido, a inteligência é uma adaptação - é assimilação, pois incorpora dados da experiência do indivíduo e, ao mesmo tempo, acomodação, uma vez que o sujeito modifica suas estruturas mentais para incorporar os novos elementos da experiência. O desenvolvimento intelectual resulta da construção de um equilíbrio progressivo entre assimilação e acomodação, o que propicia o aparecimento de novas estruturas mentais. Isso é um processo em evolução. No decorrer de sua evolução, a inteligência apresenta formas diversas (estágios) e essas formas vão caracterizando as possibilidades de relação com seu meio ambiente. Assim, o homem aprende o mundo de maneira diversa a cada momento de seu desenvolvimento. Piaget não desenvolveu uma teoria do processo de ensino-aprendizagem, mas formulou referências claras que, na década de 80, seriam utilizadas por Emilia Ferreiro na elaboração da sua teoria sobre a aprendizagem da escrita. Piaget, na verdade, foi e é referência para muitos teóricos na Psicologia, mas dada a importância atual do trabalho de Ferreiro, vamos destacá-lo aqui. EMILIA FERREIRO Esta autora tem suas idéias publicadas a partir dos anos 80. Argentina de nascimento, psicopedagoga de formação, doutorou-se em Genebra, orientada por Jean Piaget. Na década de 80, estabeleceu-se na cidade do México, aonde vem trabalhando até hoje. Seus trabalhos de pesquisa demonstram uma preocupação em integrar os objetivos científicos a um compromisso com a realidade social e cultural da América Latina. Suas análises sobre o fracasso escolar das populações marginalizadas - atribuído a um problema social - demonstram este compromisso. Ferreiro contribuiu significativamente para a compreensão do processo de aprendizagem, demonstrando a existência de mecanismos no sujeito que aprende, mecanismos estes que surgem da interação com a linguagem escrita, e que emergem de uma forma muito particular em cada um dos sujeitos. Assim, as crianças interpretam o ensino que recebem, transformando a escrita convencional e produzindo escritas estranhas ao adulto. São, na verdade, do ponto de vista de Ferreiro, aplicações de esquemas de assimilação ao objeto de aprendizagem; são formas de interpretar e compreender o mundo das coisas. Para Ferreiro, existe um sujeito que conhece e que, para conhecer, emprega mecanismos de aprendizagem. Há, na sua concepção, um papel ativo do sujeito na Gargalhada geral e eu registrei o meu primeiro gol. - Agora cabe a vocês fazer a pergunta a mim - disse. Houve uns cochichos e um deles lançou a questão: - Que é curva de nível? Não soube responder. Registrei um a um. - Qual a importância de Hegel no pensamento de Marx? Dois a um. - Para que serve a calagem do solo? Dois a dois. - Que é um verbo intransitivo? Três a dois. - Que relação há entre curva de nível e erosão? Três a três. - Que significa epistemologia? Quatro a três. - O que é adubação verde? Quatro a quatro. Assim, sucessivamente, até chegarmos a dez a dez. Ao me despedir deles lhes fiz uma sugestão: "Pensem no que houve esta tarde aqui. Vocês começaram discutindo muito bem comigo. Em certo momento ficaram silenciosos e disseram que só eu poderia falar porque só eu sabia e vocês não. Fizemos um jogo sobre saberes e empatamos dez a dez. Eu sabia dez coisas que vocês não sabiam e vocês sabiam dez coisas que eu não sabia. Pensem sobre isto". Paulo Freire. Pedagogia da esperança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. p. 47-9. 1. Quais são os dois grupos em que poderíamos dividir as teorias da aprendizagem? 2. Quais as principais controvérsias entre as duas concepções de aprendizagem. 3. O que é cognição? 4. O que é aprendizagem, para os cognitivistas? 5. O que é aprendizagem mecânica? E aprendizagem significativa? 6. O que é fundamental para que a aprendizagem seja significativa? 7. Qual a concepção de aprendizagem, segundo Bruner? 8. Com o que o professor deve se preocupar ao organizar a matéria de ensino? 9. O que Bruner propõe para organizar a estrutura da matéria? 10. E quanto à atitude de investigação? 11. Qual o princípio geral que norteia a proposta de Bruner? 12. Explique a frase: qualquer assunto pode ser ensinado com eficiência a qualquer criança. 13. Quais os tipos de variáveis consideradas no estudo da motivação? 14. Cite duas formas de se criar interesse. 15. Quais as três maneiras de se ver a relação desenvolvimento-aprendizado apontadas por Vigotski e como ele vê essa relação? 16. O que é zona de desenvolvimento proximal, e quais as conseqüências desse conceito para o ensino? 17. Qual a contribuição de Emília Ferreiro para o trabalho de alfabetização de crianças? 1. O texto complementar é uma poesia crítica sobre a escola americana. Discuta com seus colegas o que a poesia critica na escola. 2. Agora, com a ajuda de todo o conteúdo do texto e da discussão que a equipe fez sobre a poesia do texto complementar, façam uma reflexão sobre o processo ensino-aprendizagem que nossas escolas têm-nos propiciado. 3. Há um texto de teatro de Roberto Athayde intitulado "Apareceu a Margarida", que pode gerar debates muito interessantes. O texto é um monólogo no qual uma professora conversa com seus alunos emitindo opiniões sobre o que é a escola - sua importância na vida das pessoas, o que deve ensinar aos alunos etc. - e tudo é dito de forma muito rica e motivadora. Vale a pena buscar o texto para que seja lido e debatido. Sugerimos os temas: O que deve ser ensinado na escola? Que relação os conteúdos escolares devem manter com a vida? 4. Exercício de simulação: formem grupos de trabalho para definir o que deve ser ensinado nesta escola, a partir do ano que vem. Quais conteúdos vocês indicariam? Justifiquem as escolhas feitas. 5. O texto de Paulo Freire nos mostra como esse brilhante educador aprendeu com o povo. A partir do texto, identifiquem e expliquem o principal aprendizado que Paulo Freire nos revela. CAPÍTULO 9 A PSICOLOGIA SOCIAL O ENCONTRO SOCIAL Psicologia social é a área da Psicologia que procura estudar a interação social. É assim que Aroldo Rodrigues, psicólogo brasileiro, define essa área. Diz ele que a Psicologia social é o estudo das "manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas, ou pela mera expectativa de tal interação''. A interação social, a interdependência entre os indivíduos, o encontro social são os objetos investigados por essa área da Psicologia. Assim, vamos falar dos principais conceitos da Psicologia social a partir do ponto de vista do encontro social. Dessa perspectiva, os principais conceitos são: a percepção social e a comunicação; as atitudes; a mudança de atitudes; o processo de socialização; os grupos sociais e os papéis sociais. PERCEPÇÃO SOCIAL Nós, autores deste livro, encontramo-nos com você. Percebemo-nos nossa suposição e nosso ponto de partida. O primeiro processo um ao outro desencadeado é o da percepção social. Percebemo-nos um ao outro. E percebemos não só a presença do outro, mas o conjunto de características que apresenta, o que nos possibilita "ter uma impressão" dele. Essa impressão é possível porque, a partir de nossos contatos com o mundo, vamos organizando estas informações em nossa cognição (organização do conhecimento no nível da consciência), e é esta organização que nos permitirá compreender ou categorizar um novo fato. Assim, se você estiver vestido de calça jeans, camiseta, tênis e com cadernos e livros nas mãos, a sua aparência nos permitirá percebê-lo como um estudante. E nós, com o dobro de sua idade e um estilo semelhante de vestir, seremos categorizados como professores. A percepção é, pois, um processo que vai desde a recepção do estímulo pelos órgãos dos sentidos até a atribuição de significado ao estímulo. COMUNICAÇÃO Quando percebemos (condição para o encontro), podemos dizer que já teve início a comunicação. A comunicação é um processo que envolve codificação (formação de um sistema de códigos) e decodificação (a forma de procurar entender a codificação) de mensagens. Essas mensagens permitem a troca de informações entre os indivíduos. Muito prazer, dizemos nós a você. Esta é a mensagem que lhe enviamos. Para isso utilizamos o código que é comum entre nós. Você recebe esta mensagem, decodifica-a e então tem condições de nos responder: - Eu também tenho prazer em conhecê-los (nova mensagem, no mesmo código, e que, por sua vez, será decodificada por nós). A comunicação não é constituída apenas de código verbal. Também utilizamos para a comunicação expressões de rosto, gestos, movimentos, desenhos e sinais. A partir deste esquema básico da comunicação: transmissor (aquele que codifica), mensagem (transmitida utilizando um código), receptor (aquele que decodifica), a Psicologia social estudou o processo de interdependência e de influência entre as pessoas que se comunicam, respondendo a questões do tipo: como se dá a influência, quais as características da mensagem, como aumentar nosso poder de persuasão através da comunicação e quais os processos psicológicos envolvidos na comunicação? ATITUDES A partir da percepção do meio social e dos outros, o indivíduo vai organizando estas informações, relacionando-as com afetos (positivos ou negativos) e desenvolvendo uma predisposição para agir (favorável ou desfavoravelmente) em relação às pessoas e aos objetos presentes no meio social. À essas informações com forte carga afetiva, que predispõem o indivíduo para uma determinada ação (comportamento), damos o nome de atitudes. Portanto, para a Psicologia social, diferentemente do senso comum, nós não tomamos atitudes (comportamento, ação), nós desenvolvemos atitudes (crenças, valores, opiniões) em relação aos objetos do meio social. As atitudes possibilitam-nos uma certa regularidade na relação com o meio. Temos atitudes positivas em relação a determinados objetos ou pessoas, o que nos predispõe a uma ação favorável em relação a eles. Isto porque os componentes da atitude - informações, afeto e predisposição para a ação - tendem a ser congruentes. Assim, se você se apresenta como estudante e traz em suas mãos este livro escrito por nós, a possibilidade de desenvolvermos uma atitude positiva em relação a você é muito grande, pois já temos anteriormente informações e afetos positivos em relação a estudantes, principalmente aos que estão lendo nosso livro. Dessa forma, é de se esperar que nosso comportamento em relação a você seja "favorável": iremos cumprimentá-lo, convidá-lo para tomar um café na cantina etc. As atitudes são, assim, bons preditores de comportamentos. No entanto, não é com tanta facilidade que conseguimos prever o comportamento de alguém a partir do conhecimento de sua atitude, pois nosso comportamento é resultante também da situação dada e de várias atitudes mobilizadas em determinada situação. Então, por exemplo, se estamos atrasados para um compromisso no momento em que encontramos você, é possível que nossa previsão de comportamento favorável não se concretize, pois a situação dada apresenta outros elementos que modificam o comportamento esperado. MUDANÇA DE ATITUDES Nossas atitudes podem ser modificadas a partir de novas informações, novos afetos ou novos comportamentos ou situações. Assim, podemos mudar nossa atitude em relação a um determinado objeto porque descobrimos que ele faz bem à saúde ou nos ajuda de alguma forma. Por exemplo, se você desenvolveu uma atitude negativa em relação ao nosso livro porque não gostou da capa, esperamos que após sua leitura você possa modificá-la pela constatação de que ele o ajuda, de alguma forma, a compreender melhor o mundo. Podemos ainda mudar uma atitude quando somos obrigados a nos comportar em desacordo com ela. Exemplo: você não gosta dos rapazes que moram no seu prédio (atitude negativa), mas será obrigado a conviver com eles, porque passaram a estudar na mesma classe. Para evitar uma tensão constante, que o levaria a um conflito, você tentará descobrir aspectos positivos neles (como o fato de serem bons alunos ou muito requisitados pelas garotas), que permitam uma aproximação e a mudança de atitude (atitude positiva). Existe uma forte tendência a manter os componentes das atitudes em consonância. Informações positivas sobre os rapazes, por exemplo, levarão a afeto positivo. Informação positiva e afeto positivo levam a um comportamento favorável na direção do objeto. PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO Nesse nosso encontro, vimos que nossas atitudes são importantes, pois, em certo seja, além do comportamento, buscando compreender o mundo invisível do homem. Além disso, essa Psicologia social abandona por completo a diferença entre comportamento em situação de interação ou não-interação. O homem é um ser social por natureza. Entende-se aqui que cada indivíduo aprende a ser um homem nas relações com os outros homens, quando se apropria da realidade criada pelas gerações anteriores, apropriação que se dá pelo manuseio dos instrumentos e pelo aprendizado da cultura humana. O homem como um ser social, como um ser de relações sociais, está em permanente movimento. Estamos sempre nos transformando, apesar de aparentemente nos mantermos iguais. Isso porque nosso mundo interno se alimenta dos conteúdos que vêm do mundo externo e, como nossa relação com esse mundo externo não cessa, estamos sempre como que fazendo a "digestão" desses alimentos e, portanto, sempre em movimento, em processo de transformação. Ora, se estamos em permanente movimento, não podemos ter um conjunto teórico onde os conceitos paralisam nosso objeto de estudo. Se nos limitarmos a falar das atitudes, da percepção, dos papéis sociais e acreditarmos que com isso compreendemos o homem, não estaremos percebendo que, ao desempenhar esse papel, ao perceber o outro e ao desenvolver ou falar sobre sua atitude, o homem estará em movimento. Por isso, nossa metodologia e nosso corpo teórico devem ser capazes de captar esse homem em movimento. E, superando esse conceitual da antiga Psicologia social, a nova irá propor, como conceitos básicos de análise, a atividade, a consciência e a identidade, que são as propriedades ou características essenciais do homem e expressam o movimento humano. Esses conceitos e concepções foram e vêm sendo desenvolvidos por vários autores. Citamos, entre eles: Vigotski, Alexis Leontiev e Luria, autores soviéticos que produziram até a década de 60; Silvia Lane e Antônio Ciampa, que são brasileiros e trabalham ativamente na PUC-SP. ATIVIDADE É a unidade básica fundamental da vida do sujeito material. É através da atividade que o homem se apropria do mundo, ou seja, é a atividade que propicia a transição daquilo que está fora do homem para dentro dele. Pense na criança, onde isso tudo fica mais evidente. Ela se apropria do mundo engatinhando, andando ou percorrendo com os olhos o mundo circundante. Ela manuseia os objetos, desmonta-os (infelizmente, nós compreendemos isso, às vezes, como destruição), monta-os, balança, lambe, ouve, vê, enfim, do ponto de vista da Psicologia social, coloca-os para dentro de si, transforma-os em imagens e em idéias que passam a habitar seu mundo interno. A prática humana, ou, como estamos chamando aqui, a atividade humana, é a base do conhecimento e do pensamento do homem. Estamos considerando que os indivíduos apresentam uma necessidade de manter uma relação ativa com o mundo externo. Para existirmos, precisamos atuar sobre o mundo, transformando-o de acordo com nossas necessidades. Ao fazer isso, estamos construindo a nós mesmos. Esperamos que você tenha notado que o homem constrói o seu mundo interno na medida em que atua e transforma o mundo externo. Mundos externo e interno são, portanto, imbricados, pois são construídos num mesmo processo, e a existência de um depende da do outro. Atuar no mundo é uma propriedade do homem, isto é, a atividade é uma das suas determinações e do pensamento do homem. CONSCIÊNCIA A consciência humana expressa a forma como o homem se relaciona com o mundo objetivo. As aranhas constroem suas teias e reagem à vibração nelas produzida por insetos que ali ficam presos. Essa é a forma como as aranhas reagem ao mundo externo. As abelhas, os pássaros, os peixes e todos os animais apresentam uma maneira específica de relação com o mundo. O homem também apresenta o seu modo de reagir ao mundo objetivo: ele o compreende, isto é, transforma-o em idéias e imagens e estabelece relações entre essas informações, de modo a compreender o que se produz na realidade ambiente. A consciência é, assim, um certo saber. Nós reagimos ao mundo compreendendo-o, sabendo- o". A consciência não se limita apenas ao saber lógico. Ela inclui o saber das emoções e sentimentos do homem, o saber dos desejos, o saber do inconsciente. Como maneira de reagir ao mundo, a consciência está em permanente movimento. E como será que ela surge? A consciência não é manifestação de alguma capacidade mística no cérebro humano. A consciência do homem é produto das relações sociais que os homens estabelecem. Sem dúvida, foi necessário um aperfeiçoamento do cérebro humano para que se tornasse capaz de pensar o mundo através de imagens, símbolos e de estabelecer relações entre os objetos desse mundo, tornando-se mesmo capaz de antecipar a realidade. Mas acredita-se que somente o aperfeiçoamento do cérebro não seria suficiente para propiciar o surgimento da consciência humana, ou melhor, que esse aperfeiçoamento não teria lugar, se não houvesse condições externas ao homem que o estimulassem. Essas condições externas estão hoje pensadas como o trabalho, a vida social e a linguagem. A consciência, como produto subjetivo, como apropriação pelo homem do mundo objetivo, produz-se em um processo ativo, que tem como base a atividade sobre o mundo, a linguagem e as relações sociais. O homem encontra um mundo de objetos e significados já construídos pelos outros homens. Nas relações sociais, ele se apropria desse mundo cultural e desenvolve o "sentido pessoal". Produz, assim, uma compreensão sobre o mundo, sobre si mesmo e os outros, compreensão construída no processo de produção da existência, compreensão que tem sua matéria-prima na realidade objetiva e na realidade social, mas que é própria do indivíduo, pois é resultado de um trabalho seu. E você agora deve estar perguntando: e como eu posso estudar a consciência dos indivíduos, se ela é invisível, dado que é mundo interno não tem uma forma corpórea, física? Estuda-se a consciência através de suas mediações. No mundo observável, vamos encontrar, por exemplo, as representações sociais, veiculadas pela linguagem, que são expressões da consciência. Quando alguém discursa ou simplesmente fala sobre algum assunto, está se referindo ao mundo real e expressa sua consciência através das representações sociais. A representação social é a denominação dada ao conjunto de idéias que articula os significados sociais, isto é, o sentido construído coletivamente para o objeto com o sentido pessoal. Envolve crenças, valores e imagens que os indivíduos constroem, no decorrer de suas vidas, a partir da vivência na sociedade. IDENTIDADE Outro conceito importante nessa nova Psicologia social é o de identidade (veja CAPÍTULO 14). Se a consciência está em movimento, se o homem, conseqüentemente, está em movimento, a consciência que desenvolve sobre o eu mesmo não poderia estar parada. Ela também está em movimento. O indivíduo, nessa concepção, é um eterno transformar-se, mesmo que aparentemente continue com os mesmos olhos, cabelos e até consiga manter seu peso. Isso é só aparência. Estamos nos transformando a cada momento, a cada nova relação com o mundo social e sabemos disso. A consciência que desenvolvemos sobre "quem sou eu" acompanha esse movimento do real, às vezes com mais facilidade, às vezes com menos, mas acompanha. Identidade é a denominação dada às representações e sentimentos que o indivíduo desenvolve a respeito de si próprio, a partir do conjunto de suas vivências. A identidade é a síntese pessoal sobre o si mesmo, incluindo dados pessoais (cor, sexo, idade), biografia (trajetória pessoal), atributos que os outros lhe conferem, permitindo uma representação a respeito de si expressa. Este conceito supera a compreensão do homem enquanto conjunto de papéis de valores, de atitudes etc., pois compreende todos estes aspectos integrados - o homem como totalidade - e busca captar a singularidade do indivíduo, produzida no confronto como o outro. A mudança nas situações sociais, a mudança na história de vida e nas relações sociais determinam um processar contínuo na definição de si mesmo. Neste sentido, a identidade do indivíduo deixa de ser algo estático e acabado, para ser um processo contínuo de representações de seu "estar sendo" no mundo. UMA ÚLTIMA QUESTÃO Que diferença há entre essa nova Psicologia social e aquela do início do CAPÍTULO? Há muitas diferenças. A do início do CAPÍTULO é uma Psicologia descritiva. Procura organizar e dar nome aos processos observáveis que ocorrem nas interações sociais. A nova proposta busca ser explicativa ou compreensiva. Deseja-se explicar/compreender a relação que o indivíduo mantém com a sociedade e os processos subjetivos que vão ocorrendo nessa relação. O homem é um outro aspecto bastante significativo, que merece destaque nessa diferenciação, é a maneira de conceber o homem. A Psicologia tradicional pensa o homem como um ser que reage estimulações externas atribui-lhes significado e se comporta. O homem é um ser no espaço social. A nova Psicologia social o concebe como um ser de natureza social. O homem é um ser social, que constrói a si próprio, ao mesmo tempo que a história a sua sociedade. A nova Psicologia social desvincula-se da tradição norte-americana de ciência pragmática, com intenções de prever o comportamento e manipulá-lo, optando por uma ciência que, ao melhorar a compreensão que se tem da realidade social e humana, permita ao homem transformá-la. Assim, é um conhecimento que se busca produzir para ser divulgado, distribuído, discutido por um número maior de pessoas, extrapolando os muros das universidades. Esses aspectos são muito importantes, porque abrem a possibilidade para uma ciência comprometida com a transformação, abandonando de vez os modelos de ciência que servem para justificar a desumanidade existente em nossa sociedade, por considerar naturais todas as desigualdades e formas de exploração. Essa nova Psicologia social permite que se compreenda o que acontece conosco na sociedade brasileira, pois ela parte desta realidade para compreender os elementos do mundo interno que estão sendo construídos: como estamos representando a juventude ou a infância? como estamos representando a nossa sexualidade? nosso trabalho? quem somos nós, os brasileiros? Para responder a questões como essas, a Psicologia social vai recorrer aos conceitos de atividade, consciência e identidade, promovendo um estudo sobre o fazer, o pensar e o agir dos homens em nossa sociedade, e será a articulação entre esses elementos que permitirá a resposta à questão. Esta afirmação não significa reduzir as áreas especificas da Psicologia à Psicologia social, mas sim cada uma assumir dentro da sua especificidade a natureza histórico-social do ser humano. Desde o desenvolvimento infantil até as patologias e as técnicas de intervenção, características do psicólogo, devem ser analisadas criticamente à luz desta concepção do ser humano - é a clareza de que não se pode conhecer qualquer comportamento humano isolando-o ou fragmentando-o, como se este existisse em si e por si. Também com esta afirmativa não negamos a especificidade da Psicologia social - ela continua tendo por objetivo conhecer o indivíduo no conjunto de suas relações sociais, tanto naquilo que lhe é específico como naquilo em que ele é manifestação grupal e social. Porém, agora a Psicologia social poderá responder à questão de como o homem é sujeito da História e transformador de sua própria vida e da sua sociedade, assim como qualquer outra área da Psicologia. Poderíamos dizer, de uma forma talvez um pouco exagerada, que as pessoas sabem muito sobre si mesmas; no entanto, o psicólogo possui instrumentos adequados para auxiliar o indivíduo a compreender, organizar e aplicar esse saber, permitindo a sua transformação e a mudança da sua ação sobre o meio. A PSICOLOGIA AJUDA AS PESSOAS A SE CONHECEREM MELHOR A Psicologia, como ciência humana, permitiu-nos ter um conhecimento abrangente sobre o homem. Sabemos mais sobre suas emoções, seus sentimentos, seus comportamentos; sabemos sobre seu desenvolvimento e suas formas de aprender; conhecemos suas inquietações, vivências, angústias, alegrias. Apesar do grande desenvolvimento alcançado pela Psicologia, ainda há muito o que pesquisar sobre o psiquismo humano e, tentar conhecê-lo melhor, é sempre uma forma de tentar conhecer-se melhor. Mas é importante fazermos aqui alguns esclarecimentos sobre isso... Os conhecimentos científicos, construídos pelo homem, estão todos voltados para ele. Mesmo aqueles que lhe parecem mais distantes foram construídos para permitir ao homem uma compreensão maior sobre o mundo que o cerca, e isso significa saber mais sobre si mesmo. O que estamos querendo dividir com você é a idéia de que o aprendizado dos conhecimentos científicos possibilita sempre um melhor conhecimento sobre a vida humana. A Biologia, por exemplo, permite-nos um tipo de conhecimento sobre o homem: seu corpo, sua constituição e sua origem. A História possibilita-nos compreender o homem enquanto parte da humanidade, isto é, o homem que, no decorrer do tempo, foi construindo formas de vida e, portanto, formas de ser. A Economia abrange outro conhecimento sobre o homem, na medida em que nos ajuda a compreender as formas de construção da sobrevivência. Não há dúvida: todos os conhecimentos permitem um saber sobre o mundo e, portanto, aumentam seu conhecimento sobre você mesmo. O PSICÓLOGO É DIFERENTE DE UM BOM AMIGO O apoio de qualquer pessoa pode, sem dúvida alguma, ter uma função de ajuda para a superação de dificuldades - assim como fazer ginástica, ouvir música, dançar, tomar uma cervejinha no bar com os amigos. No entanto, o psicólogo, em seu trabalho, utiliza o conhecimento científico na intervenção técnica. A Psicologia dispõe de técnicas e de instrumentos apropriados e cientificamente elaborados, que lhe possibilitam diagnosticar os problemas; possui, também, um modelo de interpretação e de intervenção. A intervenção do psicólogo é intencional, planejada e feita com a utilização de conhecimentos específicos do campo da Ciência. Portanto, difere do amigo que não planeja sua intervenção, não usa conhecimentos específicos nem pretende diagnosticar ou intervir em algum aspecto percebido como crucial. Mesmo quando os psicólogos não atuam para curar, mas para promover a saúde já existente, eles o fazem a partir de um planejamento e da perspectiva da Ciência. Fazer ginástica pode ser algo muito prazeroso e pode também ajudá-lo a aliviar tensões e preocupações do seu dia-a-dia. Mas não é uma atividade psicoterapêutica porque não está sendo feita a partir de um planejamento terapêutico nem foi iniciada com um psicodiagnóstico. Claro que, se o psicólogo utilizar a ginástica como instrumento de intervenção psicoterapêutica, aí sim, a ginástica passa a fazer parte de uma atividade com essa finalidade. Vale aqui lembrar que, se a ginástica for utilizada com outra finalidade terapêutica que não a de intervenção no processo psicológico do sujeito, ela deixa de ser psicoterapêutica e passa a ser, de acordo com a nova finalidade, fisioterapêutica, por exemplo. No entanto, podemos não ser tão rigorosos e dizer que os homens construíram, ao longo de sua história, formas de ajudarem uns aos outros na busca de uma vida melhor e mais feliz. Amigos são, sem dúvida, uma "invenção" muito boa (já dizia o poema: "Amigo é coisa pra se guardar, do lado esquerdo do peito..."). As religiões e as ciências também são tentativas humanas de melhorar a vida. Não devemos, contudo, confundir estas tentativas com a atuação especializada do psicólogo. O psicólogo é um profissional que desenvolve uma intervenção no processo psicológico do homem, uma intervenção que tem a finalidade de torná-lo saudável, isto é, capaz de enfrentar as dificuldades do cotidiano; e faz isso a partir de conhecimentos acumulados pelas pesquisas científicas na área da Psicologia. A Psicologia, em seu desenvolvimento histórico como ciência, criou teorias explicativas da realidade psicológica (por exemplo, a Psicanálise), ou descritivas do comportamento (por exemplo, o Behaviorismo), bem como métodos e técnicas próprias de investigação da vida psicológica e do comportamento humano. Hoje, a Psicologia possui instrumentos próprios para obter dados sobre a vida psíquica, como os testes psicológicos (de personalidade, de atenção, de inteligência, de interesses etc.); as técnicas de entrevista (individual ou grupal); as técnicas aprimoradas de observação e registro de dados do comportamento humano. Os dados coletados por meio de testes, entrevistas ou observações devem ser compreendidos a partir de modelos psicológicos, isto é, cada teoria em Psicologia tem ou se constitui em um modelo de análise dos dados coletados. Por exemplo, numa abordagem psicanalítica, a análise dos sonhos poderá ser feita a partir da associação livre do paciente com cada um dos elementos presentes no sonho que relata, e estes dados analisados a partir da teoria do aparelho psíquico postulada por Freud. Com a coleta e análise dos dados, o psicólogo pensará sua intervenção, que pode ser uma terapia (existem inúmeras: a rogeriana, a psicanalítica, a comportamental, o psicodrama etc.), um treinamento, um trabalho de orientação de grupo ou qualquer outro tipo de intervenção individual, grupal ou institucional, no sentido da promoção da saúde. PSICÓLOGOS E PSIQUIATRAS APROXIMAM-SE EM SUAS PRÁTICAS A Psicologia e a Psiquiatria são áreas do saber fundadas em campos de preocupações diferentes. Desde Wundt, a Psicologia tem seu objeto de estudo marcado pela busca da compreensão do funcionamento da consciência, enquanto a Psiquiatria tem trabalhado para construir e catalogar um saber sobre a loucura, sobre a doença mental. Os conhecimentos alcançados pela Psicologia permitiram realçar a existência de uma "normalidade", bem como compreender os processos e o funcionamento psicológicos, não assumindo compromisso com o patológico. A Psiquiatria, por sua vez, desenvolveu uma sistematização do conhecimento e, mais precisamente, dos aspectos e do funcionamento psicológicos que se desviavam de uma normalidade, sendo entendidos e significados socialmente como patológicos, como doenças. De certa forma, poderíamos dizer, correndo o risco de um certo exagero ou reducionismo, que, enquanto a Psiquiatria se constitui como um saber da doença mental ou psicológica, a Psicologia tornou-se um saber sobre o funcionamento mental ou psicológico. O médico Sigmund Freud, com suas teorizações, foi responsável pela aproximação entre essas duas áreas por ter dado continuidade ao funcionamento normal e patológico. Freud postulou que o patológico não era mais do que uma exacerbação do funcionamento normal, ou seja, uma exacerbação entre o que era normal e doentio no mundo psíquico, ocorrendo apenas uma diferença de grau. Com isso, as duas áreas estavam articuladas e as respectivas práticas se assemelharam e se aproximaram muito, a ponto de estarmos aqui ocupando este espaço para esclarecermos a você as diferenças entre elas. Mas se Freud aproximou esses saberes em suas preocupações, a década de 50, no século 20, traria o desenvolvimento da psicofarmacologia, o qual foi responsável por uma retomada das bases biológicas e orgânicas da Psiquiatria, tributária dos métodos e das técnicas da Medicina. Assim, ocorreu um novo distanciamento entre a Psicologia e a Psiquiatria, sobretudo em relação aos métodos e técnicas de intervenção utilizados por estas duas especialidades profissionais. A Psicologia deu continuidade à expansão de seus conhecimentos por outros campos, sempre marcada pela busca da compreensão dos processos de funcionamento do mundo psicológico, dedicando-se a processos, como o da aprendizagem, o dos condicionamentos, o da relação entre os comportamentos e as relações sociais, ou entre os comportamentos e o meio ambiente, o do mundo afetivo, o das diversas possibilidades humanas; enfim, centrou-se nos variados aspectos que foram sendo apontados como constitutivos do mundo subjetivo, do mundo psicológico do homem. As fronteiras entre a Psicologia e a Psiquiatria, excetuando-se as práticas profissionais farmacológicas, tendem a diminuir no campo profissional no que diz respeito às intervenções nos processos patológicos da subjetividade humana. Os afazeres desses profissionais realmente se aproximam muito. Os psiquiatras têm buscado muitos conhecimentos e técnicas na Psicologia, e os psicólogos têm se dedicado mais à compreensão das patologias para qualificar seus afazeres profissionais. Quando se toma, especificamente, a patologia, a loucura, a doença mental ou os distúrbios psicológicos como temas ou objetos de trabalho, os pontos de contato dessas áreas são muitos e o desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar tem sido a meta de ambos os profissionais. Mas, se sairmos desse campo e entrarmos no campo da "normalidade", da saúde, do desenvolvimento, os psicólogos aparecerão acompanhados de outros profissionais, como os assistentes sociais, os pedagogos, os administradores, os sociólogos, os antropólogos e outros mais. Neste campo, as possibilidades teóricas e técnicas da Psicologia são outras: intervenções nas relações sociais e nas relações institucionais; desenvolvimento de trabalhos em Educação e de programas de intervenção no trânsito, nos esportes, nas questões jurídicas, em projetos de urbanização, nas artes; enfim, a Psicologia pretende contribuir com a promoção da saúde. A FINALIDADE DO TRABALHO DO PSICÓLOGO Uma das concepções que vêm ganhando espaço é a do psicólogo como profissional de saúde. Um profissional que, ao lado de muitos outros, aplica conhecimentos e técnicas da Psicologia para promover a saúde. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), saúde é o "estado de bem-estar físico, mental e social". Ampliando um pouco essa concepção, ao falarmos de saúde, estamos fazendo referência a um conjunto de condições, criadas coletivamente, que permitem a continuidade da própria sociedade. Estamos falando, portanto, das condições (de alimentação, de educação, de lazer, de participação na vida social etc.) que permitem a um conjunto social produzir e reproduzir-se de modo saudável. Nessa perspectiva, o psicólogo, como profissional de saúde, deve empregar seus conhecimentos de Psicologia na promoção de condições satisfatórias de vida, na sociedade em que vive e trabalha, isto é, em que esta comprometido como cidadão e como profissional. Assim, o psicólogo tem seu trabalho relacionado às condições gerais de vida de uma sociedade, embora atue enfocando a subjetividade dos indivíduos e/ou suas manifestações comportamentais. Pensar a saúde dos indivíduos significa pensar as condições objetivas e subjetivas de vida, de modo indissociado. Reafirmamos que a profissão do psicólogo deve-se caracterizar pela aplicação dos conhecimentos e técnicas da Psicologia na promoção da saúde. Este trabalho pode estar sendo realizado nos mais diversos locais: consultórios, escolas, hospitais, creches e orfanatos, empresas e sindicatos de trabalhadores, bairros, presídios, instituições de reabilitação de deficientes físicos e mentais, ambulatórios, postos e centros de saúde e outros. Neste ponto, é importante lembrar que o compromisso do psicólogo com a promoção da saúde não o impedirá de intervir quando se defrontar com a doença e a necessidade da cura. Isto é, deparando-se com indivíduos que apresentem certa ordem de distúrbios e sofrimentos psíquicos, que necessitem de uma intervenção curativa, poderá buscar a cura através de terapias verbais ou corporais (o psicólogo não pode valer-se de medicamentos, conhecimento específico, procura integrar suas análises e ter, assim, uma compreensão globalizante do fenômeno estudado e uma prática integrada. USOS E ABUSOS DA PSICOLOGIA A Psicologia, além de usada pelos psicólogos, tem sido também "abusada" por eles. O sentido do abuso, ou melhor, o critério do abuso da Psicologia pode ser dado pelo fato de não estar sendo usado o conhecimento para a promoção da saúde da coletividade. Não gostaríamos aqui de apontar locais ou processos onde esse fato estaria ocorrendo, pois ele poderá acontecer em qualquer prática de qualquer psicólogo - na clínica, na escola, no hospital psiquiátrico ou na empresa. No entanto, um deles não deve deixar de ser citado: a utilização da Psicologia para práticas repressivas, que podem existir nas escolas, presídios, instituições educacionais e/ou de reabilitação, hospitais psiquiátricos etc. Isto se torna possível porque o conhecimento da Psicologia, ao permitir que saibamos promover a saúde mental, permite também que saibamos promover a loucura, o medo, a insegurança, com o objetivo de coagir o indivíduo. Texto Complementar: O psicólogo, como profissional de saúde, promotor de saúde, é um profissional que deve empregar seus conhecimentos de Psicologia para que sua sociedade tenha condições necessárias e adequadas para existir, para produzir e se reproduzir, para que impere neste conjunto social o bem-estar físico mental e social. Enfim, atua para que haja saúde em sua sociedade. Mas nem sempre as coisas acontecem desta maneira... 1. O HOMEM QUE FOI COLOCADO NUMA GAIOLA Certa noite, o soberano de um país distante estava de pé à janela, ouvindo vagamente a música que vinha da sala de recepção, do outro lado do palácio. Estava cansado da recepção diplomática a que acabara de comparecer e olhava pela janela, cogitando sobre o mundo em geral e nada em particular. Seu olhar pousou num homem que se encontrava na praça, lá embaixo – aparentemente um elemento da classe média, encaminhando-se para a esquina, a fim de tomar um bonde para casa, percurso que fazia cinco noites por semana, há muitos anos. O rei acompanhou o homem em imaginação - fantasiou-o chegando a casa, beijando distraidamente a mulher, fazendo sua refeição, indagando se tudo estava bem com as crianças, lendo o jornal, indo para a cama, talvez se entregando ao ato do amor com a mulher, ou talvez não, dormindo, e levantando-se para sair novamente para o trabalho no dia seguinte. E uma súbita curiosidade assaltou o rei, que por um momento esqueceu o cansaço. "Que aconteceria se conservassem uma pessoa numa gaiola, como os animais do zoológico?" No dia seguinte, o rei chamou um psicólogo, falou-lhe de sua idéia e convidou-o a observar a experiência. Em seguida, mandou trazer uma gaiola do zoológico e o homem de classe média foi nela colocado. A princípio ficou apenas confuso, repetindo para o psicólogo que o observava do lado de fora: "Preciso pegar o trem, preciso ir para o trabalho, veja que horas são, chegarei atrasado!" À tarde começou a perceber o que estava acontecendo e protestou, veemente: "O rei não pode fazer isso comigo! É injusto, é contra a lei!" Falava com voz forte e olhos faiscantes de raiva. Durante a semana continuou a reclamar com veemência. Quando o rei passava pela gaiola, o que acontecia diariamente, protestava direto ao monarca. Mas este respondia: "Você está bem alimentado, tem uma boa cama, não precisa trabalhar. Estamos cuidando de você. Por que reclama?" Após alguns dias, as objeções do homem começaram a diminuir e acabaram por cessar totalmente. Ficava sorumbático na gaiola, recusando-se em geral a falar, mas o psicólogo via que seus olhos brilhavam de ódio. Após várias semanas, o psicólogo notou que havia uma pausa cada vez mais prolongada depois que o rei lhe lembrava diariamente que estavam cuidando bem dele - durante um segundo o ódio era afastado, para depois voltar - como se o homem perguntasse a si mesmo se seria verdade o que o rei havia dito. Mais algumas semanas passaram-se e o prisioneiro começou a discutir com o psicólogo se seria útil dar a alguém alimento e abrigo, a afirmar que o homem tinha que viver seu destino de qualquer maneira e que era sensato aceitá-lo. Assim, quando um grupo de professores e alunos veio um dia observá-lo na gaiola, tratou-os cordialmente, explicando que escolhera aquela maneira de viver; que havia grandes vantagens em estar protegido; que eles veriam com certeza o quanto era sensata a sua maneira de agir etc. Que coisa estranha e patética, pensou o psicólogo. Por que insiste tanto em que aprovem sua maneira de viver? Nos dias seguintes, quando o rei passava pelo pátio, o homem inclinava-se por detrás das barras da gaiola, agradecendo-lhe o alimento e o abrigo. Mas quando o monarca não estava presente o homem não percebia estar sendo observado pelo psicólogo, sua expressão era inteiramente diversa - impertinente e mal-humorada. Quando lhe entregavam o alimento pelas grades, às vezes deixava cair os pratos, ou derramava a água, e depois ficava embaraçado por ter sido desajeitado. Sua conversação passou a ter um único sentido: em vez de complicadas teorias filosóficas sobre as vantagens de ser bem tratado, limitava-se a frases simples como: "É o destino", que repetia infinitamente. Ou então murmurava apenas: "É". Difícil dizer quando se estabeleceu a última fase, mas o psicólogo percebeu um dia que o rosto do homem não tinha expressão alguma: o sorriso deixara de ser subserviente, tornara-se vazio, sem sentido, como a careta de um bebê aflito com gases. O homem comia, trocava algumas frases com o psicólogo, de vez em quando. Tinha o olhar vago e distante e, embora fitasse o psicólogo, parecia não vê-lo de verdade. Em suas raras conversas deixou de usar a palavra "eu". Aceitara a gaiola. Não sentia ira, zanga, não racionalizava. Estava louco. Naquela noite, o psicólogo instalou-se em seu gabinete, procurando escrever o relatório final, mas achando dificuldade em encontrar os termos corretos, pois sentia um grande vazio interior. Procurava tranqüilizar-se com as palavras: "Dizem que nada se perde, que a matéria simplesmente se transforma em energia e é assim recuperada". Contudo, não podia afastar a idéia de que algo se perdera, algo fora roubado ao universo naquela experiência. E o que restava era o vazio. Rollo May. O hom em à procura de si m esm o 9. ed. Petrópolis, Vozes, 1982. p. 121-3 (Coleção Psicanálise v. II). 2. CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO Princípios Fundamentais: I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito à dignidade e integridade do ser humano. II. O psicólogo trabalhará visando promover o bem-estar do indivíduo e da comunidade, bem como a descoberta de métodos e práticas que possibilitem a consecução desse objetivo. III. O psicólogo, em seu trabalho, procurará sempre desenvolver o sentido de sua responsabilidade profissional através de um constante desenvolvimento pessoal, científico, técnico e ético. IV. A atuação profissional do psicólogo compreenderá uma análise crítica da realidade política e social. V. O psicólogo estará a par dos estudos e pesquisas mais atuais de sua área, contribuirá pessoalmente para o progresso da ciência psicológica e será um estudioso das ciências afins. VI. O psicólogo colaborará na criação de condições que visem a eliminar a opressão e a marginalização do ser humano. VII. O psicólogo, no exercício de sua profissão, completará a definição de suas responsabilidades, direitos e deveres, de acordo com os princípios estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 10/12/1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Conselho Federal de Psicologia. Psicologia-Legislação. Brasília, 1995. nº 7. p. 100. 3. O PAPEL DO PSICÓLOGO O trabalho profissional do psicólogo deve ser definido em função das circunstâncias concretas da população a que deve atender. A situação atual dos povos centro-americanos pode ser caracterizada por: a) a injustiça estrutural, b) as guerras ou quase-guerras revolucionárias, e c) a perda da soberania nacional. Ainda que o psicólogo não seja chamado para resolver tais problemas, ele deve contribuir, a partir de sua especificidade, para buscar uma resposta. Propõe-se como horizonte do seu que fazer a conscientização, isto é, ele deve ajudar as pessoas a superarem sua identidade alienada, pessoal e social, ao transformar as condições opressivas do seu contexto. Aceitar a conscientização como horizonte não exige tanto mudar o campo de trabalho, mas a perspectiva teórica e prática a partir da qual se trabalha. Pressupõe que o psicólogo centro-americano recoloque seu conhecimento e sua práxis, assuma a perspectiva das maiorias populares e opte por acompanhá-las no seu caminho histórico em direção à libertação. Ignácio Martin-Baró. in: Estudos de Psicologia. 1997. 1. O psicólogo adivinha o que os outros pensam? 2. O curso de Psicologia auxilia as pessoas a conhecerem-se melhor? Existem outras formas de se obter esse conhecimento? 3. Que diferença há entre a ajuda prestada por um psicólogo e por um bom amigo? 4. Em que se diferenciam a prática do psicólogo e do psiquiatra? 5. Qual a finalidade do trabalho do psicólogo? Quais as áreas e os locais em que atua? 6. Há abusos no uso da Psicologia? Quais? Atividades em grupo: 1. Discuta com seus colegas o conceito global de saúde. 2. Usando o texto complementar nº 1 como referência, discutam a fabricação da loucura e procurem encontrar, em nosso meio social, situações em que a loucura estaria sendo produzida. 3. O que é ser psicólogo? Discutam em grupo esta questão e, posteriormente, façam um painel com os resultados das discussões dos diversos grupos, enfocando a questão: qual a importância do psicólogo em nossa sociedade? 4. Em que a disciplina de Psicologia tem contribuído para sua formação como ser humano? 5. Convidem um psicólogo para conversar com a classe, respondendo a questões e esclarecendo dúvidas sobre a profissão. 6. A partir dos textos complementares números 2 e 3, discutam as responsabilidades do psicólogo no exercício de sua profissão. O HOMEM APRENDE A SER HOMEM Não queremos dizer com isso que o homem esteja subtraído do campo de ação das leis biológicas, mas que as modificações biológicas hereditárias não determinam o desenvolvimento sócio-histórico do homem e da humanidade: dão-lhe sustentação. As condições biológicas permitem ao homem apropriar-se da cultura e formar as capacidades e funções psíquicas. A única aptidão inata no homem é a aptidão para a formação de outras aptidões. Essas aptidões se formarão a partir do contato com o mundo dos objetos e com fenômenos da realidade objetiva, resultado da experiência sócio-histórica da humanidade. É o mundo da ciência, da arte, dos instrumentos, da tecnologia, dos conceitos e idéias. Para se apropriar desse mundo, o homem desenvolve atividades que reproduzem os traços essenciais da atividade acumulada e cristalizada nesses produtos da cultura. São exemplos esclarecedores a aprendizagem do manuseio de instrumentos e a da linguagem. Os instrumentos humanos levam em si os traços característicos da criação humana. Estão neles fixadas as operações de trabalho historicamente elaboradas. Pense numa enxada ou em um lápis. A mão humana, que produziu esses objetos, subordina-se a eles, reorganizando os movimentos naturais do homem e formando capacidades motoras novas, capacidades que ficaram incorporadas nesses instrumentos. Também o domínio da linguagem não é outra coisa senão o processo de apropriação das significações e das operações fonéticas fixadas na língua. Assim, a assimilação pelo homem de sua cultura é um processo de reprodução no indivíduo das propriedades e aptidões historicamente formadas pela espécie humana. A criança, colocada diante do mundo dos objetos humanos, deve agir adequadamente nesse mundo para se apropriar da cultura, isto é, deve aprender a utilizar os objetos. Torna-se, então, condição fundamental para que isso ocorra, que as relações do indivíduo com o mundo dos objetos sejam mediadas pelas relações com os outros indivíduos. A criança é introduzida no mundo da cultura por outros indivíduos, que a guiam nesse mundo. H. Piéron resume esse pensamento em uma frase bastante interessante: "A criança, no momento do nascimento, não passa de um candidato à humanidade, mas não a pode alcançar no isolamento: deve aprender a ser um homem na relação com os outros homens". Duas imagens são interessantes aqui: ainda que coloquemos os objetos da cultura humana na gaiola de um animal, isso não torna possível a manifestação das propriedades específicas que estes objetos têm para o homem. O animal não se apropria desses objetos e das aptidões cristalizadas neles. Pode manuseá-los, mas eles não passarão de elementos do meio natural. O homem, ao contrário, aprenderá com os outros indivíduos a utilizá-los, extraindo do objeto aptidões motoras. Outra imagem é a de uma catástrofe no planeta que eliminasse todos os adultos e preservasse as crianças pequenas. A história seria interrompida, como afirma Leontiev: "Os tesouros da cultura continuariam a existir fisicamente, mas não existiria ninguém capaz de revelar às novas gerações o seu uso. As máquinas deixariam de funcionar, os livros ficariam sem leitores, as obras de arte perderiam a sua função estética. A história da humanidade teria de recomeçar." Se retomarmos agora a formação biológica de cada indivíduo, com cargas genéticas diferentes, poderemos postular aqui que as disposições inatas que individualizam cada homem, deixando marcas no seu desenvolvimento, não interferem no conteúdo ou na qualidade das possibilidades de desenvolvimento, mas apenas em alguns traços particulares da sua atividade. Assim, a partir do aprendizado ou da apropriação de uma língua tonal, os indivíduos, independentemente de suas cargas hereditárias, formarão o ouvido tonal (capaz de discernir a altura de um complexo sonoro e distinguir as relações tonais). No entanto, nessa população, alguém poderá ter herdado de seus pais ouvido absoluto, o que lhe dará uma acuidade auditiva diferenciada, possibilitando-lhe tornar-se um músico brilhante. Essas diferenças entre os indivíduos existem, mas não são elas que justificam as grandes diferenças que temos em nossa sociedade. Pois, repetindo, essas diferenças biológicas geram apenas alguns traços particulares na atividade dos indivíduos. Ou seja, todos aprendem a fazer, só que cobrem seu fazer com alguns traços particulares, singulares, individuais. As nossas diferenças sociais são muito maiores - temos crianças que sabem fazer e outras que não aprenderam e, portanto, não desenvolveram certas aptidões. Essas diferenças estão fundadas no acesso à cultura, que em nossa sociedade se dá de forma desigual. Existem crianças que não têm brinquedos sofisticados, e até aquelas que não têm os mais comuns; crianças que não manuseiam talheres ou lápis; crianças que não andam de bicicleta, ou que nunca viajaram. Temos até muitos adultos que não aprenderam a ler e escrever e, portanto, nunca leram um livro; que nunca saíram do local onde nasceram e não sabem que o homem já vai à Lua; nunca viram um avião, nem imaginam o que seja um computador. Esses são alguns exemplos. Não precisamos nos alongar, porque você, com certeza, já percebeu essas diferenças. Ora, se desenvolvemos nossa humanidade a partir da apropriação das realizações do progresso histórico, é claro que, numa sociedade onde essa igualdade não ocorre, fica excluída a possibilidade de igualdade entre os indivíduos. "É por isso que a questão das perspectivas de desenvolvimento psíquico do homem e da humanidade põe antes de mais nada o problema de uma organização equitativa e sensata da vida da sociedade humana - de uma organização que dê a cada um a possibilidade prática de se apropriar das realizações do progresso histórico e participar enquanto criador no crescimento destas realizações", podendo cada um desenvolver seu potencial para que se expressem suas particularidades. O QUE CARACTERIZA O HUMANO? Quando nos colocamos essa questão, estamos querendo explicitar as propriedades ou características que fazem do animal homem um ser humano. O que nos distingue dos outros seres? Quais são nossas particularidades enquanto seres humanos? O HOMEM TRABALHA E UTILIZA INSTRUMENTOS Inicialmente, salientamos como característica humana o trabalho e o uso de instrumentos. Alguns animais, talvez a maioria deles, executam atividades que se assemelham ao trabalho humano: a aranha que tece a teia, a abelha que fabrica a colméia e as formigas que incessantemente carregam folhas e restos de animais para sua "cidadela". E poderíamos dizer que as operações desses animais se assemelham às de trabalhadores humanos - tecelões, arquitetos e operários. Mas o mais inábil trabalhador humano difere do mais "habilidoso" animal, pois, antes de iniciar seu trabalho, já o planejou em sua cabeça. No término do processo de trabalho, o homem obtém como resultado algo que já existia em sua mente. O trabalho humano está subordinado à vontade e ao pensamento conceitual. O uso de instrumentos também não é exatamente uma novidade no mundo animal. O castor, o macaco, algumas espécies de aves também fazem uso de instrumentos. Mas esse uso está marcado pelo fato de o animal não ter consciência disso. Se um macaco vê à sua frente um pedaço de pau, poderá com ele tentar apanhar uma fruta em local pouco acessível, mas, senão há nenhum instrumento à vista, ele fica sem a fruta. O macaco não tem condições de raciocinar: "Poxa, e aquele pauzinho que eu usei ontem, onde será que eu deixei?". O macaco tem a imagem do instrumento, mas não tem o conceito de instrumento. Ele aprende a utilizá-lo, mas não pode dizer ou pensar para que serve. Uma breve história de um experimento poderá ajudar a entendermos esta afirmação de que o macaco aprende mas não conceitua. Numa oportunidade, exatamente para testar este ponto, alguns psicólogos treinaram um macaco de laboratório para apagar fogo - um macaco bombeiro. Primeiro, sabendo que o macaco gostava muito de maçã, eles o treinaram para apanhar uma maçã em uma plataforma um pouco distante de sua gaiola. Sempre que tocava um sinal, o macaco corria em direção à maçã. O próximo passo, sabendo do verdadeiro pavor que os macacos têm do fogo, foi colocar em volta da maçã um pequeno círculo de fogo. Naturalmente, o macaco desistiu da maçã. Em seguida, por meio de condicionamento, ensinaram o pequeno animal a usar um balde com água para apagar o fogo. Depois de bem treinado, veio o passo final. Colocaram a plataforma com a maçã e o círculo de fogo no meio de um tanque com água com altura suficiente para o macaco atravessá-lo. Resultado: o macaco foi até o lugar onde estava a maçã, viu o fogo, saiu do tanque e foi apanhar o balde com água para apagá-lo. Veja só, o macaco aprendeu a usar o conteúdo do balde para apagar o fogo, mas não foi capaz de conceitualizá-lo, já que não percebeu que o conteúdo do balde era o mesmo do tanque. Entretanto, se estivesse com sede, ele beberia indistintamente tanto o conteúdo do tanque como o do balde. Então, para que o instrumento seja considerado um instrumento de trabalho, é necessário que a sua representação na mente seja conceitualizada e, desta maneira, transforme-se em um primeiro dado de consciência. O HOMEM CRIA E UTILIZA A LINGUAGEM Para o psicólogo Alexis Leontiev, a linguagem é o elemento concreto que permite ao homem ter consciência das coisas. Mas, para chegar até a linguagem, houve alguns antecedentes. Se raciocinarmos em termos evolutivos (teoria evolucionista de Darwin), o homem teve sua origem a partir de um antropóide. As condições para que o homem chegasse até a linguagem foram as seguintes: 1. esse antropóide aprendeu a andar sem usar as mãos, ficou ereto e com as mãos livres; 2. esse antropóide vivia em grupo (como ocorreu com muitas espécies de macacos); 3. esse grupo de antropóides tinha dedo opositor, o que permitia a utilização de instrumentos (por exemplo, um pedaço de pau para apanhar alimentos); 4. o sistema nervoso dispunha de suporte mínimo para o desenvolvimento da linguagem. No decorrer da evolução do homem atual (são cerca de 5 milhões de anos desde o aparecimento do aust ralopithecus aferensis, primeiro antropóide ou macaco com características humanóides, até o hom o neanderthalensi e o homo sapiens primitivos - nossos antepassados diretos, que provavelmente surgiram há 30 mil anos), aprendemos a transformar o instrumento em instrumento de trabalho (instrumento com objetivo determinado), a registrá-lo simbolicamente em nosso sistema nervoso central (aparecimento da consciência) e a denominá-lo (aparecimento da linguagem). Este desenvolvimento foi, evidentemente, muito lento (5 milhões de anos representam muito, mas muito tempo mesmo...). Cada avanço representou uma enorme conquista para o desenvolvimento da humanidade. A descoberta de que a vocalização (transformação de um grunhido em som com significado) poderia ser usada na comunicação equivale, nos tempos atuais, à descoberta dos chips eletrônicos. O fato é que o instrumento de trabalho induz o aparecimento da consciência (isso ocorre de forma concomitante) e cria as condições para o surgimento da linguagem - três condições que impulsionam o desenvolvimento humano. O HOMEM COMPREENDE O MUNDO AO SEU REDOR Todos nós já observamos o comportamento de uma pequena aranha na sua teia. A teia é tecida para garantir sua alimentação e, quando um desavisado inseto bate nessa teia, fica preso a ela. Pronto, o almoço está garantido! O inseto, que também luta pela sobrevivência, debate-se tentando escapar da armadilha. Esta vibração é uma espécie de aviso para a aranha, que dispara em direção a ela e envolve o inseto, aplicando-lhe seu veneno. Se nós pegarmos um diapasão e vibrarmos esse instrumento junto à teia da aranha, estaremos simulando uma situação parecida com a vibração causada pelo inseto. O resultado é que a aranha irá ao encontro do ponto de vibração e envolverá com seu fio aquele ponto vibrante sem nenhum inseto. Esta simples experiência demonstra que o comportamento da aranha é predeterminado, geneticamente marcado. ciência é estudar aquilo que é observável (positivo) e mensurável. Portanto, a inteligência, para ser estudada, deve-se tomar observável. Esta capacidade humana foi, então, decomposta em inúmeros aspectos e manifestações. Nós não observamos diretamente a inteligência, mas podemos medi-la através dos comportamentos humanos, que são expressões da capacidade cognitiva. Assim, "vemos" e medimos a inteligência das pessoas através de sua capacidade de verbalizar idéias, compreender instruções, perceber a organização espacial de um desenho, resolver problemas, adaptar-se a situações novas, comportar-se criativamente frente a uma situação. A inteligência, nesta abordagem, seria um composto de habilidades e poderia ser medida por meio dos conhecidos testes psicológicos de inteligência. OS TESTES DE INTELIGÊNCIA Em 1904, na França, Alfred Binet (1857-1911) criou os primeiros testes de inteligência, que tinham como objetivo verificar os progressos de crianças deficientes do ponto de vista intelectual. Programas especiais eram realizados para o progresso dessas crianças, e os testes tornaram-se necessários para que se pudesse avaliar a eficiência desses programas, isto é, o progresso obtido. Binet partiu daquilo que as crianças poderiam realizar em cada idade. Vários itens ou problemas eram colocados para as crianças, e, se a maioria delas, numa certa idade, conseguisse realizá-los e a maioria das crianças de uma faixa de idade inferior não conseguisse, esses itens eram considerados como discriminatórios, isto é, estava caracterizada a realização normal de crianças daquela idade. Ao se examinar uma criança, tornava-se possível avaliar se seu desenvolvimento intelectual acompanhava ou não o das crianças de sua idade. Os resultados de quase todos os testes de inteligência são apresentados pelo que se denominou Quociente Intelectual (Q.I.). Este quociente é obtido relacionando a idade da criança com o seu desempenho no teste, ou seja, verifica-se se ela está no nível de desenvolvimento intelectual considerado normal para sua idade. Sabemos que uma das curiosidades mais comuns entre os leigos é saber se o quociente intelectual modifica-se ou não no decorrer de nossas vidas. Moreira Leite responde a esta curiosidade afirmando que "nada existe, teoricamente, que impeça a modificação do Q. I. para mais ou para menos. Para entender esse processo, podemos pensar no que ocorre com o desenvolvimento do corpo: uma criança pode nascer com muita saúde e ter possibilidades de bom desenvolvimento físico; no entanto, se for subalimentada durante vários anos, é provável que apresente um desenvolvimento físico pior do que uma criança que nasceu mais fraca, mas teve melhores condições de alimentação e higiene. Está claro que, nos casos extremos, essas diferenças de ambiente não chegam a eliminar as diferenças de constituição. Por exemplo, se uma criança nasce com graves defeitos físicos, pode continuar deficiente, apesar de condições muito favoráveis para seu desenvolvimento. Não existe razão para que o mesmo não ocorra com o desenvolvimento da inteligência. (...) Concluindo, pode-se dizer que o Q.I. tende a ser estável quando as condições de desenvolvimento da criança também o são: se tais condições se modificarem para melhor ou pior, o mesmo acontecerá com o Q.I. ". PROBLEMAS DOS TESTES DE INTELIGÊNCIA Com a utilização dos testes de inteligência, alguns questionamentos foram surgindo: a. O termo inteligência era compreendido de diferentes maneiras pelos psicólogos construtores dos testes e os testes refletiam essas diferenças. E, apesar de diferentes testes serem considerados como avaliadores da inteligência, o que se viu na prática é que estavam medindo fatores parecidos ou completamente diferentes. Alguns testes avaliavam, fundamentalmente, o aspecto ou fator verbal, enquanto outros, o fator percepção espacial. Assim, um mesmo indivíduo poderia ter um alto quociente intelectual aqui e um baixo ali. b. A utilização freqüente dos testes levantou um outro questionamento - a rotulação ou classificação das crianças. Avaliadas pelos testes de inteligência e classificadas como deficientes, normais ou superdotadas, as crianças eram fechadas dentro destas classificações, os pais e professores passavam a agir em função das expectativas que as classificações geravam, e a criança era induzida a corresponder às expectativas, comportando-se de acordo com o novo papel imposto. c. Os testes sofreram também sérios questionamentos pela tendenciosidade que apresentavam, pois eram construídos em função de fatores valorizados pela sociedade, ou seja, fatores que os grupos dominantes apresentavam e que eram considerados como desejáveis. Falar bem, resolver problemas com facilidade, apresentar facilidade para aprender. A ABORDAGEM DINÂMICA A abordagem clínica da personalidade, que questionou fundamentalmente a decomposição da totalidade humana em diversos aspectos ou fatores, introduziu, na Psicologia, uma nova forma de interpretar os dados obtidos por meio dos testes psicológicos. "Os dados obtidos nos testes deixaram de ser considerados como medidas da inteligência. Passaram a ser vistos como medidas apenas de eficiência do sujeito e as alterações dessa eficiência encaradas como sintomas de perturbações globais e não como indicadores de potencial intelectual deficiente". Assim, nesta abordagem, o termo inteligência é questionado, porque supõe uma existência distinta do organismo na sua totalidade. A inteligência existiria como algo, ou algum fator no indivíduo, que poderia ser medido e avaliado. Nesta abordagem dinâmica, a inteligência passa a ser um adjetivo - inteligente - que qualifica a produção cognitiva e intelectual do homem. Por isso, nesta abordagem, os dados obtidos nos testes não são medidas da inteligência, mas medidas da eficiência intelectual do indivíduo. Cabe ressaltar ainda que os níveis baixos nos testes não implicam pouca inteligência, pois nesta abordagem o indivíduo é visto na sua globalidade. A criança que apresenta dificuldades de verbalizar, de resolver problemas, ou de aprender o que lhe é ensinado deve ser compreendida, não como uma criança deficiente intelectual ou pouco inteligente, mas como uma criança que, provavelmente, vive, naquele momento, dificuldades psicológicas, conflitos relacionados ao seu desenvolvimento, sendo um de seus sintomas um rebaixamento da produção intelectual. Esta criança deve ser recuperada em todas as suas capacidades, na sua globalidade. Os testes passam a ser instrumentos auxiliares na identificação de dificuldades, as quais são encaradas como sintomas de conflitos; tornam-se instrumentos para iniciar um trabalho de recuperação, e não instrumentos para finalizar um trabalho de classificação. Além disso, nesta abordagem, os testes tornam-se muitas vezes dispensáveis. O estudo do comportamento intelectual ou cognitivo do indivíduo, ou outro qualquer, é feito em função de sua personalidade e de seu contexto social. O indivíduo faz parte de um meio, no qual -age, manipula, transforma, desenvolvendo concomitantemente -suas estruturas psíquicas. A inteligência deixa de ser estudada como uma capacidade isolada, para ser pensada como capacidade cognitiva e intelectual que integra a globalidade humana. Assim, quando é enfocada uma produção intelectual do homem, esta é analisada nos seus componentes cognitivos, afetivos e sociais. A inteligência nesta abordagem não tem lugar de destaque. A noção de unidade do organismo e totalidade de reações enfatizou a impossibilidade de se decompor a personalidade em funções isoladas. A inteligência, compreendida como capacidade cognitiva ou intelectual, não pode ser estudada, analisada, nem compreendida, isolada da totalidade de aspectos, aptidões, capacidades do ser humano. Todas as expressões do homem são carregadas de elementos psíquicos, decorrentes de sua capacidade cognitiva, afetiva, corporal. E os atos, que são adjetivados como inteligentes, não estão isentos de componentes afetivos, além dos cognitivos. Nesta abordagem dinâmica, supõe-se que o indivíduo, quando está bem do ponto de vista da vida psíquica, conseguindo lidar adequadamente com seus conflitos, tem todas as condições para enfrentar o mundo, realizando atos "inteligentes", ou seja, resolvendo adequadamente problemas que se apresentam, sendo criativo, verbalizando bem suas idéias etc. E aqui é fácil dar um exemplo: quando você tem alguma preocupação ou algum conflito que toma grande parte de seu pensamento, você apresenta maior dificuldade para aprender um conteúdo novo ou resolver problemas ou, mesmo, para expressar seus pensamentos. "O HOMEM NÃO TEM NATUREZA. O HOMEM TEM HISTÓRIA" Com a afirmação acima, de Ortega y Gasset, gostaríamos de enfatizar o aspecto histórico na determinação das capacidades intelectuais do homem. Foi o trabalho, a atividade, a ação do homem sobre o mundo real que possibilitou o surgimento da espécie humana como seres pensantes, como vimos no CAPÍTULO anterior; e foi também a ação sobre o mundo que possibilitou a gênese do pensamento em cada um de nós, no decorrer de nosso desenvolvimento. E, sem dúvida, o inverso também se deu. Ao transformar-se em ser pensante, o homem modificou sua forma de agir no mundo. Sua ação passou a ser uma ação consciente, seu trabalho proposital e não mais instintivo, como nos animais. Marx comparou, assim, o trabalho humano ao trabalho animal: "Uma aranha desempenha operações que se parecem com a de um tecelão, e a abelha envergonha muito arquiteto na construção de seu cortiço. Mas o que distingue o pior dos arquitetos da melhor das abelhas é que o arquiteto figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira " Em cada indivíduo, o aspecto histórico deve estar sempre presente. Para compreendermos a expressão de um ser, seus comportamentos e dificuldades, devemos sempre inseri-lo em sua história pessoal, em sua história social. Em cada indivíduo. O aspecto histórico deve estar sempre presente. Para compreendermos a expressão de um ser, seus comportamentos e dificuldades, devemos sempre inseri-lo em sua história pessoal, em sua história social. Citamos então M. Mannoni: "Tanto o nível do Q.I. como a gravidade dos transtornos da atenção, as dificuldades no campo da abstração ou um transtorno escolar têm sentido somente no seio de uma história". Texto complementar: A INTELIGÊNCIA DA CRIANÇA BRASILEIRA A pesquisa de campo e a produção de conhecimento sobre a inteligênciada criança brasileira têm sido desenvolvidas com maior intensidade nas duas últimas décadas, pelos diferentes cientistas e profissionais. Estes têm dedicado atenção particular às crianças pertencentes a setores de baixa renda que, ao viverem numa situação de carência generalizada, levantam a seguinte indagação: como estas crianças poderão desenvolver sua inteligência e se tornarem assim agentes do processo de conscientização sobre si mesmas e sobre o mundo? (...) o déficit cognitivo (quando se afasta a hipótese de comprometimento orgânico) deve ser atribuído simultaneamente à interrupção do desenvolvimento endógeno das estruturas de pensamento e à precariedade de estimulação do contexto sociocultural, como acontece com os indivíduos de baixa renda. Quando se comparam as crianças deste nível com as outras de renda mais alta, constata-se que as primeiras estão em situação de desvantagem cognitiva real porque não tiveram a oportunidade de serem solicitadas pelo contexto sociocultural e nem puderam desenvolver suas potencialidades cognitivas, embora Marx afirmou "que o homem se define no mundo objetivo não somente em pensamento, senão com todos os sentidos (...). Sentidos que se afirmam, como forças essenciais humanas (...). Não só os cinco sentidos, mas os sentidos espirituais (amor, vontade...)". O ESTUDO DA VIDA AFETIVA O estudo da razão tem sido privilegiado no interesse dos homens, principalmente na ciência, pois os afetos têm sido vistos como deformadores do conhecimento objetivo. Mesmo na Psicologia, não são todas as teorias que consideram a importância da vida afetiva, tendo, muitas delas, priorizado apenas o estudo da cognição, das funções intelectivas. Consideramos que estudar apenas alguns aspectos do homem é considerá-lo como um ser fragmentado, correndo-se o risco de deixar de analisar aspectos importantes. Como diz Bader Sawaya: "O homem se afirma no mundo objetivo, não só no ato do pensar, mas com todos os sentidos, até com os sentidos mentais (vontade, amor e emoção)". Minha mãe achava estudo A coisa mais fina do mundo, Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, Ela falou comigo: "Coitado, até essa hora no serviço pesado". Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com Água quente. Não me falou em amor, Essa palavra de luxo. A vida afetiva, ou os afetos, abarca muitos estados pertencentes à gama prazer- desprazer, como, por exemplo, a angústia em seus diferentes aspectos - a dor, o luto, a gratidão, a despersonalização - os afetos que sustentam o temor do aniquilamento e a afânise, isto é, o desaparecimento do desejo sexual. Ao procurarmos compreender a vida afetiva, é importante adotarmos a terminologia adequada por tratar-se de uma área de estudo repleta de nuances. Portanto, se até o século 19 usavam-se, indiscriminadamente, termos como emoção e sentimento, hoje, no estudo da vida afetiva, já fazemos uma distinção mais precisa entre esses termos: * a emoção: estado agudo e transitório. Exemplo: a ira. * o sentimento: estado mais atenuado e durável. Exemplo: a gratidão, a lealdade. Os afetos Os afetos podem ser produzidos fora do indivíduo, isto é, a partir de um estímulo externo – do meio físico ou social -qual se atribui um significado com tonalidade afetiva: agradável ou, desagradável, por exemplo. A origem dos afetos pode também nascer, surgir do interior do indivíduo. O universo dos afetos é comunicável na medida que as representações de coisa e palavra formam, com os afetos, um complexo psíquico inteligível. É importante lembrar aqui que, para a Psicanálise, não há afeto sem representação, isto é, sem idéia. Se assim fosse, poderíamos ter a impressão que existe afeto solto dentro de nós - uma sensação de mal-estar, por exemplo-, isso porque a idéia à qual o afeto se refere pode estar inconsciente. O prazer e a dor são as matrizes psíquicas dos afetos, ou se constituem em afetos originários. Entre estes dois extremos encontram-se inúmeras tonalidades, intensidades de afetos, que podem ser vagos, difíceis de nomear ou discriminados. Com açúcar, com afeto Fiz seu doce predileto Pra você parar em casa. Existem dois afetos que constituem a vida afetiva: o amor e o ódio. Estão sempre presentes na vida psíquica - de modo mais ou menos integrado-, associados aos pensamentos, às fantasias, aos sonhos e se expressam de diferentes modos na conduta de cada um. Freud, quando postulou a teoria do Complexo de Édipo, concebeu-o como conflito desses afetos básicos (ambivalência de sentimentos), pois uma das suas principais dimensões é a oposição entre "um amor fundamentado e um ódio não menos justificado, ambos dirigidos à mesma pessoa". As aparências enganam Aos que odeiam e aos que amam Porque o amor e o ódio Se irmanam na fogueira das paixões. Os afetos ajudam-nos a avaliar as situações, servem de critério de valoração positiva ou negativa para as situações de nossa vida; eles preparam nossas ações, ou seja, participam ativamente da percepção que temos das situações vividas e do planejamento de nossas reações ao meio. Essa função é caracterizada como função adaptativa. Quando olhaste bem Nos olhos meus E o teu olhar era de adeus juro que não acreditei Eu te estranhei Me debrucei sobre o teu corpo E duvidei E me arrastei. Os afetos também têm uma outra característica - eles estão ligados à consciência, o que nos permite dizer ao outro o que sentimos, expressando, através da linguagem, nossas emoções. E é isso o que fazem, incessantemente, os poetas, até mesmo quando não querem falar: Não quero falar, Pois sinto. Não tenho de amar, Pois amo. Contudo, muitas vezes os afetos são enigmáticos para quem os sente. Exemplos: quando temos muitos motivos para não gostar de alguém de quem gostamos; -ou quando deveríamos ser gratos a alguém de quem temos raiva. Há motivos dos afetos que estão fora do campo da consciência nem mesmo quem os vivencia consegue explicar - só sente a estranheza daquele sentimento que parece "fora do lugar". Eu queria ficar triste Mas não consigo parar de rir... Os afetos também podem ser enigmáticos para aqueles que os supõem em nós a partir de alguma expressão, isso porque, muitas vezes, nossa reação não condiz com o que sentimos (com que o outro esperava), ou seja, nem sempre o comportamento está em conformidade com os nossos afetos, os quais não queremos (ou não podemos) demonstrar. Nada ficou no lugar Eu quero quebrar essas xícaras Eu vou enganar o diabo Eu quero acordar sua família Eu vou escrever no seu muro E violentar o seu gosto Eu quero roubar no seu jogo Eu já arranhei os seus discos. Que é pra ver se você volta Que é para ver se você vem Que é pra ver se você olha pra mim. AS EMOÇÕES As emoções são expressões afetivas acompanhadas de reações intensas e breves do organismo, em resposta a um acontecimento inesperado ou, às vezes, a um acontecimento muito aguardado (fantasiado) e que, quando acontece... Nas emoções é possível observar uma relação entre os afetos e a organização corporal, ou seja, as reações orgânicas, as modificações que ocorrem no organismo, como distúrbios gastrointestinais, cardiorrespiratórios, sudorese, tremor. Um exemplo é a alteração do batimento cardíaco. Meu coração Não sei por quê Bate feliz Quando te vê. Durante muito tempo, acreditou-se no coração como o lugar da emoção, talvez pelo fato de, ao manifestar-se, vir freqüentemente acompanhada de fortes batimentos cardíacos. Por isso, até hoje desenhamos corações para dizer que estamos apaixonados. Amigo é coisa pra se guardar Debaixo de sete chaves Dentro do coração. Outras reações orgânicas acompanham as emoções e revelam vivências ou estados emocionais do indivíduo: tremor, riso, choro, lágrimas, expressões faciais etc. As reações orgânicas fogem ao nosso controle. Podemos "segurar o choro", mas não conseguimos deixar de "chorar por dentro", sentindo aquele nó na garganta e, às vezes, tentamos, mas não conseguimos segurar duas ou três lágrimas que escorrem, traindo-nos, demonstrando nossa emoção. Assim como o riso e a aceleração dos batimentos cardíacos, o choro - cantado e recantado pelos poetas como expressão de amor, saudade e desejo - é uma das reações mais freqüentes e comuns em nossa cultura. Você partiu Saudades me deixou Eu chorei. Quem parte leva saudades De alguém que fica. Todas essas reações de que vimos falando são importantes descargas de tensão do organismo emocionado, pois as emoções são momentos de tensão em um organismo, e as reações orgânicas são descargas emocionais. Se eu chorasse Talvez desabafasse O que sinto no peito E não posso dizer Só porque não sei chorar Eu vivo triste a sofrer. Infelizmente, nossa cultura estimula algumas reações emocionais e reprime outras. Os homens sabem bem disso. "Homem não chora" é uma das frases mais comuns na educação de nossos jovens. Infelizmente, o senso comum não foi sensível para aprender com os poetas que se chora, sim, e que choro é expressão de vida afetiva, de amor e de ódio; de força de um organismo que se adapta a uma situação de tensão - nunca sinal de fraqueza! Por outro lado, as reações emocionais orgânicas são, até certo ponto, aprendidas, ou seja, nosso organismo pode responder de diversas maneiras a uma situação, mas a cultura
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