Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

farmacia hospitalar, Notas de estudo de Biologia

farmacia_hospitalar

Tipologia: Notas de estudo

2010

Compartilhado em 01/03/2010

moreira-mauricio-8
moreira-mauricio-8 🇧🇷

4.6

(31)

83 documentos

Pré-visualização parcial do texto

Baixe farmacia hospitalar e outras Notas de estudo em PDF para Biologia, somente na Docsity! Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 200112 FARMÁCIA HOSPITALAR A CONSTRUÇÃO DO MODERNO Pelo jornalista Aloísio Brandão, editor desta revista Um mergulho no universo da farmácia hospitalar brasileira, através de entrevistas com as figuras mais expressivas do setor, revela uma disparidade assustadora. Nele, coabitam atrasos e finas flores do hiperdesenvolvimento. Mas a busca por melhores conhecimentos está dimi- nuindo essa diferença e transformando para melhor o panorama do setor. Com todas as dificuldades, é visível a busca por uma farmácia hospitalar moderna. E o que é uma FH moderna? “É aquela que, além das tradicionais funções administrativas, econômicas e técnicas, é capaz de agregar atividades relacionadas à farmacoepidemiologia, farmacoe- conomia e terapia baseada em evidências, que resultem na melhoria da qualidade da assis- tência prestada ao paciente”, responde um dos mais respeitados farmacêuticos hospitalares brasileiros, professor Tarcísio Palhano. Visão geral da área interna da câmara de fluxo, com o farmacêutico realizando o preparo da dose unitária, assessorado por um funcionário da unidade FO TO : A LE XA ND RE G AM A Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 2001 13 A PHARMACIA BRASILEIRA traz, a partir desta página, uma vasta matéria sobre a farmácia hospitalar, no Brasil. A matéria abriga quatro entre- vistas e outros textos, com o objetivo de focar o segmento, desde o seu pas- sado, para, daí, chegar a uma perspec- tiva, dentro de uma abordagem técni- co-científica, social, humana e crítica. A primeira visão que se tem é de um setor díspar, onde coabitam o atraso e o hiperdesenvolvimento. Mas nunca por culpa do farmacêutico, ansioso, sempre, em puxar para cima o nível da atividade. Essa desigualdade é a cara do Brasil. Ainda se vê proprietários e di- retores de hospitais e clínicas refratá- rios à idéia de implantação de um pro- grama moderno de farmácia e de con- tratação de farmacêuticos, em núme- ro desejável e levados à qualificação, em seus estabelecimentos. Entretan- to, se vê, também, farmácias hospita- lares vicejando progressos fantásti- cos, com requintes da mais alta espe- cialização, a exemplo da farmácia do hospital filantrópico Erasto Gaertner, em Curitiba, toda voltada para a on- cologia. A revista entrevistou a far- macêutica Vânia Mari Salvi Andrzeje- vski, coordenadora daquela farmácia e de um curso de especialização mi- nistrado, ali dentro. Outro exemplo de franco pro- gresso do setor é o interesse, cada vez maior, no País, pela instalação do sistema de dose unitária. A PHAR- MACIA BRASILEIRA ouviu uma das maiores autoridades brasileiras no as- sunto, o farmacêutico George Wa- shington Bezerra da Cunha, diretor do Serviço de Farmácia do Incor (Institu- to do Coração) do Hospital das Clíni- cas da Universidade de São Paulo e co- ordenador do “I Congresso Brasileiro de Medicamentos em Dose Unitária”, realizado, recentemente, em São Paulo. Uma radiografia nacional do se- tor veio de uma entrevista com o pre- sidente da Sbrafh (Sociedade Brasi- leira de Farmácia Hospitalar), Mauro de Castro. A revista falou também com a farmacêutica Lúcia Noblat, que está à frente da revolução que está trans- formando a farmácia do Hospital Ed- gard Santos, em Salvador, pertencen- te à Universidade Federal da Bahia, e com Josué Schostack, farmacêutico do Hospital de Clí- nicas de Porto Ale- gre, que vem minis- trando cursos de Farmácia Hospitalar pelo Norte e Nor- deste do País, a convite do Conse- lho Federal de Far- mácia. Mas a porta de entrada da revis- ta nesse conjunto de matérias foi uma entrevista com o professor Tarcísio Palhano, um dos homens que escreveram a história da moderna farmácia hospitalar brasilei- ra, dentro do Hospital das Clínicas de Natal (RN), hoje, Hospital Onofre Lo- pes. Não sem, antes, sondar o farma- cêutico que esteve na retaguarda dos acontecimentos, no Rio Grande do Norte, onde se instalou a vanguarda do setor: o professor Aleixo Prates. A ousadia de Cimino - Prates cita o professor de Farmacotécnica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, José Sylvio Cimino, como o homem que plantou a moderna farmácia hospita- lar, no Brasil, cujo primeiro fruto cres- ceu no Hospital das Clínicas de Natal. De descendência italiana, Cimino era um desses homens audaciosos, para quem o desafio era uma festa. Para se ter uma idéia, Cimino montou, no final da década de 60, no Hospital das Clínicas de São Paulo, aquela que era a maior farmácia hos- pitalar do mundo, com nada menos que 5 mil metros quadrados, de acordo com a avaliação do professor Aleixo Prates. Se o tamanho assusta, ainda hoje, imagina, há mais de 30 anos. A área colossal era ocupada com a pro- dução magistral e industrial de medi- camentos, toda ela absorvida pelo próprio hospital. Antes, a farmácia ocupava a mo- desta área de 400 metros quadrados, que, aliás, não é modesta coisa ne- nhuma mesmo para os padrões de hoje. Aquela, de 400 metros, foi a pri- meira farmácia do HC da capital pau- lista, criada pelo mesmo Cimino, um farmacêutico com profundos conhe- cimentos de quí- mica que chegou a produzir matéria prima dentro do estabelecimento que dirigia. “Quando faltava alguma matéria prima, ele fazia cál- culos estequiomé- tricos, misturava substâncias e produzia os insu- mos”, lembra Aleixo Prates, aluno de Cimino num dos estágios que minis- trou. O pioneiro ousado do HC de São Paulo faleceu, na década de 70, dei- xando a mais importante de suas obras: gerações de farmacêuticos hos- pitalares espalhados por todo o Bra- sil. Por uma questão de registro his- tórico, vale salientar que a história da farmácia hospitalar brasileira está mui- to ligada às santas casas de miseri- córdia. Todas elas possuíam as suas farmácias, embora nem todas elas es- tivessem em mãos de farmacêuticos. No conjunto de matérias que se se- gue, não foi possível ouvir ou citar os nomes de todos aqueles que colabo- ram para o engrandecimento da far- mácia hospitalar. Mas a todos eles, os parabéns da revista PHARMACIA BRASILEIRA. Professor Aleixo Prates FA R M Á C IA H O S P ITA LA R Ambiente de farmácia hospitalar Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 200116 do, principalmente, a dar o suporte técni- co-científico indis- pensável ao adequa- do desempenho das ações que passariam a ser executadas pe- los farmacêuticos. A primeira informação fornecida, por escrito (contra-indicações do Trilergon em paci- entes com enfermida- de cardiovascular), data de 23 de janeiro de 1979. Desde então, passei a dirigir a Farmácia Clínica. É certo que sua criação havia se consti- tuído em um marco histórico. Porém, era apenas o começo, o primeiro pas- so; era preciso seguir a caminhada. Não foi difícil perceber que o passo seguinte seria constituir uma equipe. Foi, então, que sugeri ao pro- fessor Aleixo a contratação de duas colegas de turma, que haviam se des- tacado, durante o curso de gradua- ção como alunas estudiosas e aplica- das. Refiro-me a Lúcia Costa, que, por assumir o sobrenome do esposo, pas- sou a se chamar Lúcia Noblat, e a Ivo- nete Batista. Seria também uma ma- neira de desfrutar, o máximo possível, dos indescritíveis conhecimentos da professora Inés, que iria permanecer, em Natal, por três meses. No mesmo ano, as professoras Lúcia e Ivonete fizeram seus cursos de Farmácia Clínica, no Chile, de modo que, ao final de 1979, já contávamos com uma equipe formada por três far- macêuticos clínicos. A partir daí, a far- mácia clínica deslanchou. Cada farma- cêutico clínico integrou-se à equipe de uma especialidade médica, a come- çar pela cardiovascular, seguindo-se a gastrenterologia e a pneumologia, e começou a participar ativamente do dia-a-dia de cada uma delas. Implantado o Serviço e efetiva- mente implementadas ações pelos far- macêuticos clínicos, era preciso fazer uma primeira grande avaliação da far- mácia clínica, no País. Foi o que inspi- rou a realização do “I Seminário Brasi- leiro de Farmácia Clí- nica”, de primeiro a cinco de junho de 1981, do qual partici- param 111 farmacêuti- cos de 14 Estados brasileiros, além dos professores Juan Ro- bayo e Thomas Moo- re, dois consultores internacionais em Far- mácia Clínica, trazidos dos Estados Unidos, graças ao convênio MEC/BID. O Seminário contou, ainda, com as presenças de representantes de diver- sos organismos nacionais e interna- cionais, das áreas de saúde e educa- ção, de várias autoridades da nossa Universidade, a começar pelo reitor, diretor do Centro de Ciências da Saú- de, coordenadora do Curso de Farmá- cia, diretor do Hospital das Clínicas, além de médicos e enfermeiros perten- centes às equipes em que os farma- cêuticos clínicos atuavam. Os depoi- mentos destes últimos foram extrema- mente favoráveis e gratificantes, pois realçaram, sobremodo, a importância da nossa participação nos trabalhos das suas equipes. Como os resultados do “I Semi- nário” haviam sido bastante favorá- veis, nos animamos a dar um novo passo. Refiro-me ao “I Curso Brasilei- ro de Farmácia Clínica”, realizado, de dois a 27 de maio de 1983, do qual partici- param 180 farmacêuti- cos de sete Estados brasileiros. PHARMACIA BRASILEIRA - Como eram os ambientes hospitalares do País, em que pesem as ati- vidades farmacêuti- cas, antes da farmácia do HC de Natal? Tarcísio Palha- no - Não disponho de dados suficientes para responder a esta per- gunta, especialmente pela grande dimensão do nosso País. Sei, no entanto, que, muito antes de nós, vários farmacêuticos já militavam na farmácia hospitalar, pelo Brasil afo- ra. Mesmo correndo o risco de come- ter injustiças por eventuais omissões, poderia destacar os nomes dos dou- tores José Sylvio Cimino, Cláudio Daffre, George Washington, Victor Hugo, Myrcio de Paula, Amílcar Car- leal, José Antônio, Geovani Fernan- des, Michel Kfouri, Márcio Fonseca, Ernesto Galvão, entre outros, em São Paulo; professor Levy Gomes e Dr. Mário Teixeira, no Rio de Janeiro; pro- fessores Antônio Basílio e Zildete Pereira, em Minas Gerais; Dr. Josué Shostack, no Rio Grande do Sul; Dr. Oscar Vilaça, em Pernambuco; profes- sor José Alexandrino, na Bahia, além dos Drs. Antônio Macedo e Grijalva Viana, aqui mesmo em Natal. PHARMACIA BRASILEIRA - Em 1978, a farmácia do HC de Natal assumia a condição de vanguarda da farmácia hospitalar brasileira, inclusi- ve, irradiando influências para todo o País. Ela já possuía moderna estrutu- ra e alcançava várias áreas de ativida- de? O senhor pode citar e comentar cada uma dessas áreas? Tarcísio Palhano - O projeto de reestruturação da farmácia do Hospi- tal das Clínicas começou a ser imple- mentado, em agosto de 1978. Portan- to, ainda não havia qualquer possibi- lidade de assumir posição de vanguar- da, àquela altura. A implementação desse projeto foi en- tregue ao professor Júlio Maia, tendo em vista que a ele coube chefiar a farmácia. Com o seu afasta- mento, devido ao mestrado que foi fa- zer, a chefia passou a ser exercida pela pro- fessora Socorro Oli- veira, vindo, em se- guida, as professo- ras Ana Maria Mari- nho, Ivonete Batista e, finalmente, eu, a partir de 1991. A estrutura era ENTREVISTA / TARCÍSIO PALHANO “...ao final de 1979, já contávamos com uma equipe formada por três farmacêuticos clínicos. A partir daí, a farmácia clínica deslanchou. Cada farmacêutico clínico integrou-se à equipe de uma especialidade médica, a começar pela cardiovascular, seguindo- se a gastrenterologia e a pneumologia, e começou a participar ativamente do dia-a-dia de cada uma delas” “A morte do presidente Tancredo Neves, em 1985, supostamente decorrente de infecção hospitalar, além de ter causado uma verdadeira comoção nacional, trouxe uma tremenda dor de cabeça para as autoridades de saúde do Brasil. Como explicar ao mundo que um presidente da República não poderia tomar posse, por ter sido vítima de um problema, até certo ponto, controlável?” FA R M Á C IA H O S P IT A LA R Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 2001 17 bastante precária e, além da farmácia de dispensação, dispunha apenas de um pequeno laboratório de manipula- ção, no subsolo do hospital, que, ape- sar de ter sido considerado muito im- portante, estava desativado. Os pri- meiros passos consistiram na elabo- ração de uma padronização de medi- camentos e na ampliação do quadro funcional. PHARMACIA BRASILEIRA - O Ministério da Saúde, há anos, im- plantou um curso de farmácia hospi- talar, no HC, voltado para o controle da infecção. Por que o curso não exis- te mais? Tarcísio Palhano - A morte do presidente Tancredo Neves, em 1985, supostamente decorrente de infecção hospitalar, além de ter causado uma verdadeira comoção nacional, trouxe uma tremenda dor de cabeça para as autoridades de saúde do Brasil. Como explicar ao mundo que um presidente da República não poderia tomar pos- se, por ter sido vítima de um proble- ma, até certo ponto, controlável? Foi, aí, que o Ministério da Saúde consti- tuiu um Grupo de Trabalho, liderado pelo Dr. Luiz Carlos Romero, cujo prin- cipal objetivo seria o de avaliar a atu- ação das Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), instituí- das, através da Portaria 196/83, pelo próprio Ministério. Após analisar o desempenho dos dis- tintos profissionais que já estavam atuan- do em algumas destas comissões, o Grupo concluiu, sem maiores dificuldades, pela im- periosa necessidade de capacitar farma- cêuticos, a fim de que, também, pudessem se desempenhar adequa- damente nessa área de atuação. O Grupo passou, então, a visitar farmá- cias hospitalares de diversos Estados bra- sileiros, em busca de um serviço que ofere- cesse condições téc- nicas adequadas à mi- nistração de cursos para farmacêuticos. A farmácia do Hospital das Clínicas foi a es- colhida, especialmen- te pelo entusiasmo que o Grupo demons- trou, ao conhecer o trabalho, aqui desen- volvido, através da farmácia clínica. Foi assim que, de 85 a 92, foram realizados, em nosso Hospital, oito cursos de Espe- cialização em Farmácia Hospitalar para o Controle de Infecção Hospitalar, ini- cialmente, coordenados pela profes- sora Lúcia Noblat e, em seguida, pela professora Ivonete Batista. Participa- ram desses cursos 191 farmacêuticos de todos os Estados brasileiros. Acredito que o curso não existe mais, por uma certa falta de interesse do próprio Ministério da Saúde. De nossa parte, em que pese o imenso desgaste, fazíamos um esforço sobre- humano para conciliar as atividades dos cursos com nossas funções do- centes e assistenciais que, obviamen- te, não eram interrompidas, durante a realização dos mesmos. Apesar dis- so, quando olhamos para trás, senti- mo-nos felizes e recompensados por tudo que foi feito, pois temos a certe- za do quanto pude- mos contribuir para reescrever a história da farmácia hospita- lar do Brasil. PHARMACIA BRASILEIRA - Falar em infecção hospita- lar, que ações vocês estão desenvolven- do, com vistas a con- tê-la, hoje? Qual o ín- dice de infecção, aí, no HC? Tarcísio Palha- no - A Comissão de Controle de Infecção do nosso Hospital desempenha as suas ações, satisfatoria- mente, de acordo com nossa avalia- ção. Dentre suas ações, podem ser destacadas: 1) A vigilância epidemiológica das infecções, através do método de busca ati- va; 2) o controle do uso de todos os an- timicrobianos pres- critos, terapêutica e profilaticamente; 3) o levantamento dos indicadores epidemiológicos de infec- ção, de sensibilidade/resistência bac- teriana, bem como de consumo de an- timicrobianos, profiláticos e terapêu- ticos; 4) a elaboração, atualização e implantação de rotinas referentes ao controle das infecções; e, 5) a partici- pação em atividades de educação con- tinuada, especialmente junto a médi- cos residentes, pessoal de enferma- gem e funcionários do setor de higie- nização. As taxas de infecção, referentes ao primeiro semestre deste ano, foram de 5,4%, 7,5% e 11,2%, na clínica ci- rúrgica, clínica médica e UTI, respec- tivamente. PHARMACIA BRASILEIRA - Apesar da extinção do curso, a farmá- cia do Hospital das Clínicas continua aberta a estudantes e farmacêuticos, que, aí, vão fazer estágio e especiali- zação? Como ambos são ministrados e de que se compõem? Tarcísio Palhano - Infelizmente, não oferecemos mais estágio e nem ministramos cursos de especialização em nossa farmácia, tendo em vista as dificuldades por que passam a Uni- versidade e os hospitais universitári- os brasileiros, como um todo, e pelos problemas de infra-estrutura e de pes- soal, no nosso caso particular. O úni- co estágio que continuamos a ofere- cer é destinado aos alunos do último período do Curso de Farmácia da nos- sa Universidade, pois faz parte da dis- ciplina curricular obrigatória Estágio Supervisionado Farmacêutico. Esta disciplina tem uma carga ho- rária total de 360 horas, 120 das quais são ministradas na farmácia do nosso ENTREVISTA / TARCÍSIO PALHANO “Infelizmente, não oferecemos mais estágio e nem ministramos cursos de especialização em nossa farmácia, tendo em vista as dificuldades por que passam a Universidade e os hospitais universitários brasileiros, como um todo, e pelos problemas de infra-estrutura e de pessoal, no nosso caso particular” “Não são raros os casos, não só de hospitais, mas também de clínicas privadas, que estão incorporando o farmacêutico a seus quadros funcionais. E o que é ainda mais animador é que essa decisão tem sido tomada, cada vez mais, não apenas para dar cumprimento a dispositivos legais, mas se espelha em exemplos de trabalhos muito bem sucedidos, realizados por esses profissionais em outras instituições” FA R M Á C IA H O S P ITA LA R Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 200118 Hospital, para uma média de 30 a 40 alunos, por semestre. Embora os alu- nos também participem de atividades relativas à farmácia hospitalar propri- amente dita, como dispensação de me- dicamentos e correlatos, reconstitui- ção de antineoplásicos, manipulação de fórmulas oficinais e magistrais, etc., o estágio tem como ponto forte a prática da farmácia clínica, pois, a partir da se- gunda semana, eles começam a acompa- nhar pacientes, parti- cipam de sessões clí- nicas, fazem aconse- lhamento a pacientes sobre o uso de medi- camentos e concluem o Estágio com a apre- sentação dos casos clínicos dos pacien- tes por eles acompa- nhados. As outras 240 horas do Está- gio são ministradas na farmácia-esco- la e no laboratório de farmacotécnica do Curso de Farmácia. PHARMACIA BRASILEIRA - A farmácia do HC encontra alguma di- ficuldade? Quais? Tarcício Palhano - As dificulda- des são incontáveis. As dependênci- as físicas da farmácia deixam muito a desejar, tendo em vista as precarieda- des da estrutura do próprio hospital, no qual está localizada; temos carên- cia de pessoal auxiliar, decorrente de vagas não preenchidas pelo Ministé- rio da Educação e do Desporto. Os recursos financeiros destinados à aquisição de medicamentos e correla- tos nem sempre são suficientes, pos- to que são provenientes, exclusiva- mente, da receita gerada pelo próprio hospital, esta já comprometida em cer- ca de 50% somente com o pagamento de pessoal. Essas dificuldades, no entanto, começam a ser superadas. O Hospi- tal, que já não é mais “das Clínicas”, e, sim, Hospital Universitário Onofre Lopes, desde 1985, está passando por profundas reformas físicas e estrutu- rais, graças ao empenho e à dedica- ção do seu atual diretor, professor Ri- cardo Lagreca, que tem conseguido captar recursos provenientes do Or- çamento Geral da União, através de emendas coletivas da bancada fede- ral do Estado do Rio Grande do Norte. Esta elogiável atitude dos nossos par- lamentares decorre, certamente, do re- conhecimento da importância social deste nosocômio para todo o povo po- tiguar. Inserida neste contexto, a farmácia também será contem- plada, tanto nos as- pectos físicos, como estruturais, funcio- nais e, também, no que se refere a pesso- al. Já está em fase de conclusão o prédio destinado à Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF), com uma área de 300m2. O Serviço da farmacotécnica está sendo reestrutu- rado, sendo a principal mudança a adaptação de uma área, onde serão centralizados os procedimentos refe- rentes à diluição de antineoplásicos, preparação de soluções para nutrição parenteral e de outras misturas intra- venosas. O serviço de dispensação farma- cêutica também passará por reformas, com as quais pretendemos dotá-lo das condições necessárias à prática dos modernos procedimentos de dispen- sação de medicamentos e de correla- tos. Recentemente, foi feita uma sele- ção, através de uma fundação ligada à nossa Universidade, visando a pre- encher vagas existentes nos diversos setores do hospital. A Farmácia está sendo contemplada com seis funcio- nários, o que resolverá o nosso pro- blema de carência de pessoal auxiliar. Quem sabe se, ao cabo de todas es- sas melhorias, poderemos voltar a sonhar com estágios e até mesmo com cursos de especialização. PHARMACIA BRASILEIRA - Como o senhor avalia a farmácia hospi- talar brasileira, nos últimos dez anos? Tarcísio Palhano – Ela melho- rou, e muito. Só para você ter uma idéia, em 1990, foi realizado, no Rio de Janeiro, o “I Congresso Brasileiro de Farmácia Hospitalar”. Dois anos de- pois, também no Rio de Janeiro, ocor- reu o segundo. Observe que estes dois congressos aconteceram, antes da criação da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar (Sbrafh), que data de 1995. A criação da Sbrafh constituiu um marco na história da farmácia hos- pitalar brasileira. Dentre as suas mais importantes realizações, gostaria de destacar os três Congressos Nacio- nais de Farmácia Hospitalar, todos com participação de expressiva par- cela de farmacêuticos de todo País, o “I Encontro de Professores da disci- plina Farmácia Hospitalar”, e a elabo- ração do manual “Padrões Mínimos para Farmácia Hospitalar”. Recente- mente, realizou-se, em São Paulo, o “I Congresso Brasileiro de Medicamen- tos em Dose Unitária”. Creio que es- tes fatos, por si só, dão uma idéia do quanto tem evoluído a farmácia hos- pitalar, nos últimos anos. As perspec- tivas apontam para um futuro ainda mais promissor. PHARMACIA BRASILEIRA - O senhor acredita que a mentalidade dos proprietários e administradores hospitalares, em geral, está evoluin- do para a aceitação plena da verdade, segundo a qual hospital algum pode funcionar, com sucesso, sem uma far- mácia verdadeiramente boa e sem os seus farmacêuticos? Tarcísio Palhano - Não tenho dúvida de que sim. Embora se trate de um processo gradual e que, portanto, demandará algum tempo, a evolução é inconteste. Não são raros os casos, não só de hospitais, mas também de clínicas privadas, que estão incorpo- rando o farmacêutico a seus quadros funcionais. E o que é ainda mais ani- mador é que essa decisão tem sido tomada, cada vez mais, não apenas para dar cumprimento a dispositivos legais, mas se espelha em exemplos de trabalhos muito bem sucedidos, realizados por esses profissionais em outras instituições. PHARMACIA BRASILEIRA - Fale sobre a farmácia clínica, no Brasil. ENTREVISTA / TARCÍSIO PALHANO “A moderna farmácia hospitalar é aquela que, além das tradicionais funções administrativas, econômicas e técnicas, é capaz de agregar atividades relacionadas à farmacoepidemiologia, farmacoeconomia e terapia baseada em evidências, que resultem na melhoria da qualidade da assistência prestada ao paciente” FA R M Á C IA H O S P IT A LA R Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 2001 21 possuímos indicadores oficiais, mas existe uma grande quantidade de hos- pitais que já a possui, mais do que a gente imagina. PHARMACIA BRASILEIRA - Que avaliação o senhor faz do nível de conhecimento do farmacêutico bra- sileiro sobre a dose unitária? O pro- fissional está qualificado para implan- tar e atuar no sistema? Geoge Washington - O farmacêu- tico brasileiro, além de auto-didata contumaz, é um garimpador nato de tecnologias e procedimentos avança- dos praticados em outros países. Todavia, da teoria à prática, existe uma dis- tância abissal. A capaci- tação pressupõe cursos de aprimoramento, visitas e estágios em centros mais adiantados. É preciso mais suor do que papo. Menos “achologia” e mais evi- dências. O nosso Con- gresso funcionou como um facilitador destas tran- sações culturais, que fa- zem da informação a cha- ve, do compromisso a fe- chadura, da comunicação a porta de acesso ao País, cuja moeda de troca é a qualidade. PHARMACIA BRSILEIRA - Existem dificuldades de comunicação que emperrem a divulgação do siste- ma de dose unitária, dentro dos hos- pitais brasileiros? George Washington - As dificul- dades existentes estão limitadas à vontade de querer fazer ou tentar rea- lizar o melhor, para aquele que conti- nua sendo a razão de ser do nosso trabalho: o paciente. Para ele e por ele, fazemos qualquer negócio. PHARMACIA BRASILEIRA - O Ministério da Saúde tem estimula- do a adoção da dose unitária? George Washington - O Minis- tério da Saúde, através da Anvisa, na pessoa do seu presidente, um ex-colega de turma na Fundação Ge- túlio Vargas, o Dr. Gonzalo Vecina Neto, tem o maior interesse na viabili- zação do assunto dose unitária na área hospitalar. Ele já está analisando a possibilidade de estimular a indústria farmacêutica a produzir medicamentos em dose unitária, com todas as infor- mações (nome genérico, nome comer- cial, lote, prazo de validade e código de barra) que irão agilizar, em muito, a gestão farmacêutica, que, hoje, prati- ca o retrabalho, de forma artesanal e manualizada, na distribuição de medi- camentos e produtos afins. PHARMACIA BRASILEIRA - A dose unitária pode ser entendida também como uma base sobre a qual vários serviços farmacêu- ticos, a exemplo da aten- ção farmacêutica, podem ser adotados? George Washington - A dose unitária é concei- tuada como uma quanti- dade ordenada de medica- mentos, com formas e do- sagens prontas para se- rem administradas a um paciente, de acordo com a prescrição médica, por um período determinado de tempo (24 horas é o usual). Ela é considerada o meio e o fim na prática da assistência farmacêu- tica. Em termos farmacoe- conômicos, alguns administradores comparam-na como uma verdadeira simbiose entre profissionais (médico, enfermeiro e farmacêutico) e clientes (paciente, acompanhante e familiar). PHARMACIA BRASILEIRA - Que estratégias um hospital deve apli- car, para instituir o seu sistema de dose unitária? Ele pode ser inviável a um algum tipo de hospital? George Washington - Como es- tratégia de implantação, o hospital po- deria criar um grupo de trabalho mul- tiprofissional, contratar um consultor farmacêutico com experiência compro- vada, visitar farmácias hospitalares com sistema de dose unitária, fazer um diagnóstico da situação atual da dis- tribuição de medicamentos, definir um projeto adequado aos objetivos do hospital, elaborar um planejamento estratégico de ação. PHARMACIA BRSILEIRA - O que há de mitos e verdades na dose unitária? George Washington - Na dose unitária, como em qualquer outra ati- vidade da área hospitalar, existem al- gumas verdades que nunca é demais se repetir. A primeira é que só se faz dose unitária, investindo pesado em treinamento de pessoal e conscienti- zação de funcionários e executivos. A segunda é que, sem uma equipe de farmacêuticos (no mínimo dois) trei- nados, não existe dose unitária, mas um simples quebra-galho. A terceira é o quanto ela pode economizar. Uns falam em 50% e outros 30%. Na ver- dade, o sistema é muito mais de ga- rantia da qualidade e de racionaliza- ção da terapêutica, do que de valores econômicos. Segurança não tem pre- ço. Falando de mitos, poderíamos lembrar que alguns donos de hospi- tais ainda pensam que podem implan- tar a dose unitária, sem farmacêuticos especializados. Além da dispensação ser uma atribuição privativa nossa, outros profissionais não estão habili- tados, o que pode configurar exercí- cio ilegal da profissão farmacêutica. Que os Conselhos Regionais de Far- mácia fiquem em estado de alerta, para estas aberrações que costumam acon- tecer no nosso espectro de ação. A farmácia é do farmacêutico e sem ele não há remédio e muito menos a dis- tribuição individualizada de medica- mentos. PHARMACIA BRASILEIRA - O senhor, em parceria com a profes- sora doutora Isabel Cristina Kowal Olm Cunha, do Departamento de En- fermagem da Escola Paulista de Me- dicina da Unifesp e diretora da Escola de Enfermagem da Universidade de Santo Amaro, apresentou, no ano pas- sado, no “I Congresso Mundial de Medicamentos em Doses Unitárias”, em Alicante, na Espanha, um trabalho sobre a interação entre enfermeiro e o farmacêutico, na distribuição de me- dicamentos por dose unitária. O tra- balho ajudou a desfazer a opinião dos europeus, de que, no Brasil, pouca gente estava estudando, com profun- didade e tanto acerto, o sistema. Per- ENTREVISTA / GEORGE WASHINGTON “A relação farmacêutico- enfermeiro é o segredo do sucesso profissional na restituição da saúde e do bem-estar. No caso específico da dose unitária, o preparador e o ministrante são componentes estratégicos na qualidade do atendimento e nos resultados terapêuticos” FA R M Á C IA H O S P ITA LA R Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 200122 gunto ao senhor: como é a relação entre farmacêutico e enfermeiro, no Bra- sil, no que diz respeito à dose unitária? George Washington - A confe- rência que fizemos, em Alicante, teve como título “A interação enfermeiro- farmacêutico na qualidade da dose unitária”. Apresentada, originalmen- te, em espanhol, ela foi considerada a palestra mais original do Congresso. Ficamos felizes, porque, graças a ela, o Brasil foi escolhido como sede do II Congresso Mundial, realizado em São Paulo, de 16 a 18 de agosto. A relação farmacêutico-enfer- meiro é o segredo do sucesso profis- sional na restituição da saúde e do bem-estar. No caso específico da dose unitária, o preparador e o ministrante são componentes estratégicos na qualidade do atendimento e nos re- ENTREVISTA / GEORGE WASHINGTON sultados terapêuticos. O enfermeiro talvez seja, hoje, o profissional de saú- de mais completo, no que se refere ao esquema holístico de tratamento. Com o farmacêutico, ele forma uma dose dupla de eficácia e eficiência, com objetivos comuns no cuidar e no dis- pensar. PHARMACIA BRASILEIRA - Que países mais adotam o sistema de dose unitária? Onde ele adquiriu me- lhor nível de evolução? Como se colo- ca o Brasil, diante dos demais países? George Washington - Os Esta- dos Unidos e a Espanha são líderes e estão alguns anos mais avançados do que nós, mas, um dia, chegaremos, lá, podem ter certeza. Na América do Sul, o Chile e o Brasil detêm a hegemonia na atenção farmacêutica clínica. Ou- tros países vizinhos ao nosso estão muito interessados na dose unitária. Não temos indicadores que forneçam um ranking da posição em que está situado o Brasil. PHARMACIA BRSILEIRA - Da dose unitária, deve-se evoluir para que outro sistema? George Washington - Uma gran- de farmacêutica, a doutora Sônia Ci- priano, com quem tive o privilégio de trabalhar, por mais de 20 anos, no In- Cor, parafraseando um sábio antigo, costumava dizer que “não há nada permanente, exceto a mudança”. A distribuição de medicamentos, nestes 50 anos, passou, inicialmente, pela for- ma coletiva, a individualizada, a forma mista, chegando até a dose unitária. Já existe a distribuição eletrônica e a robótica será a próxima atração. Quem viver, verá. ENTREVISTA / MAURO DE CASTRO Sbrafh: uma análise brasileira Que dificuldades enfrenta o farmacêutico hospitalar brasileiro para desenvolver o seu trabalho? Quais os velhos erros cometidos, ainda hoje, por diretores de hospitais, resultando em prejuízos astronômicos para a saúde do paciente e do próprio estabelecimento e o que o setor precisa para chegar ao nível da farmácia hospitalar dos países referência? Essas e outras perguntas são respondidas pelo presidente da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar, Mauro Silveira de Castro. Tudo o que se tem falado (e provado) sobre a poderosa ação do farmacêutico hospitalar conseguiu sen- sibilizar alguns proprietários e diretores de hospitais? A revista PHARMACIA BRASILEIRA entrevistou o presi- dente da Sbrafh (Sociedade Brasileira de Farmácia Hospi- talar), Mauro Silveira de Castro, para traçar, a partir de suas palavras, uma radiografia do setor. Professor de Farmácia Hospitalar da Faculdade de Farmácia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), assessor de Farmácia Hospitalar e Clínica do Hos- pital de Clínicas de Porto Alegre, Mauro de Castro diz que alguns estabelecimentos perduram em erros primári- os e clássicos, como o da omissão de distribuição de medicamentos, a dispensação de dose inadequada ou extra, o fracionamento impróprio, a troca do medicamento ou da forma farmacêutica, manutenção do medicamento vencido ou com problemas de qualidade, produto forne- cido sem prescrição e interpretação inadequada da pres- crição. Mas não se pode prevenir contra esse rosário de descalabros, apenas com a contratação de um ou mais farmacêuticos, alerta o presidente da Sbrafh. Além das ações profissionais, é essencial montar a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento das atividades da farmá- cia hospitalar, gerar processos de qualidade e controlar resultados. Faltam ainda outros itens para completar a receita de uma boa farmácia hospitalar, os quais Mauro de Castro detalha na conversa com a PHARMACIA BRA- SILEIRA. Ele pondera, entretanto, que há uma evolução considerável no setor. Veja a entrevista. FA R M Á C IA H O S P IT A LA R Mauro de Castro Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 2001 23 ENTREVISTA / MAURO DE CASTRO PHARMACIA BRASILEIRA - Os hospitais brasileiros estão mais convencidos da necessidade de contratar farmacêuticos? Como agem hospitais públicos, privados e militares, nesse sentido? Mauro de Castro - Por suas condições continentais, o Brasil possui distinções entre suas regi- ões e mesmo entre as micro-regiões de um Estado da Federação. Portan- to, possuímos distintas realidades. Em regiões altamente desenvolvidas e com a presença de faculdades de Farmácia ou cursos de Farmácia, existe uma maior conscientização da necessidade da atuação do farma- cêutico na farmácia hospitalar. Esta evolução chega a refletir no número de farmacêuticos contra- tados. Verificamos que, em muitos hospitais, não existe a contratação de um só profissional, mas de um número suficiente para as ativida- des desenvolvidas, tanto em nível público, como privado. De certa for- ma, começa a existir a especializa- ção da Farmácia, em nível hospita- lar. Mas, em outros casos, temos a não contratação de profissionais farmacêuticos, mediante a alegação de que o hospital não possui farmá- cia, mas, sim, um dispensário de medicamentos, devido ao baixo nú- mero de leitos hospitalares. Não le- vam em consideração o que o pro- fissional pode trazer de benefício para a instituição. PHARMACIA BRASILEIRA - Muitos hospitais são pródigos em desperdiçar dinheiro com erros gra- ves e corriqueiros, como compras mal feitas de medicamentos e dis- pensações extravagan- tes, com mais de um me- dicamento de ação simi- lar etc. Quais são os prin- cipais erros cometidos por farmácias hospitala- res? Mauro de Castro - No final do ano de 1999, o Intitute of Medicine, dos Estados Unidos, publi- cou um livro denomina- do “To err is human: building a sa- fer health system”, que, de certa forma, conta o que todos já deveri- am saber: por nossa condição hu- mana, erramos e devemos buscar realizar nossas tarefas assistenciais, considerando esse fator. A não con- sideração do fator humano leva ao aparecimento de erros, durante o processo de medicação de um paci- ente. Existe um elenco de situações que leva ao erro de medicação, bem como algumas tipologias que clas- sificam estes erros. Como exemplo, alguns dos erros apontados nestas tipologias, no que se refere à farmá- cia, são: a omissão de distribuição de medicamentos, a dispensação de dose inadequada ou de dose extra, o fracionamento inadequado de me- dicamentos, a troca do medicamen- to ou da forma farmacêutica, medi- camento vencido ou com problemas de qualidade, medicamento forneci- do sem prescrição e interpretação inadequada da prescrição. Some-se a isto a questão dos erros neste processos, referentes às características intrínsecas ao medi- camento (como a rotulagem), à pres- crição e à administração de medica- mentos. O universo de possibilida- des é grande. PHARMACIA BRASILEIRA - Essas situações dificilmente ocor- reriam, se a farmácia daquele hospi- tal estivesse em mãos de um farma- cêutico, não é? Será que os hospi- tais não estão devidamente infor- mados sobre as vantagens do ser- viço farmacêutico? Fale sobre es- sas vantagens, que fazem com que o farmacêutico seja um profissional indispensável à farmácia hospitalar. Mauro de Castro - A preven- ção destes eventos pode ser inicia- da com uma farmácia hospitalar ade- quada, mas não basta apenas con- tratar o farmacêutico. O essencial é montar a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento das atividades da farmácia hospitalar, desenvolver processos de qualidade e controlar resultados, sempre levando em con- sideração o fator humano citado acima. Além disso, deve-se qualifi- car os sistemas de atenção à saúde hospitalares com um bom processo de acreditação hospitalar. Devemos partir para o desenvolvimento de um processo que determine quais os parâmetros mínimos de qualida- de para que um serviço de farmácia hospitalar venha a ser acreditado e, desta forma, prestar uma assistên- cia farmacêutica de qualidade. PHARMACIA BRASILEIRA - Está mudando aquela visão atrasa- da e comprometedora de certos di- retores de hospitais, de que a far- mácia deve funcionar no porão úmi- do e mofento, com paredes racha- das, iluminação e temperatura ina- dequadas? Essa visão não é, por si só, um atestado de pouca importân- cia dada à farmácia? Onde fica o far- macêutico, nessa história? Mauro de Castro - Veja, como não temos uma legislação específi- ca da farmácia hospitalar, onde se estabeleça o mínimo de condições para a sua implantação e funciona- mento, culturalmente, então, existe a idéia de que a farmácia pode estar em qualquer lugar. Ela pode até fun- cionar em um porão, mas vai depen- der de como são as condições des- te, como é sua ligação com o exteri- or e interior e assim por diante. Acredito que somente com uma legislação forte, neste sentido, bem como uma maior orientação nos cur- sos de Administração Hospitalar sobre o que é realmente a farmácia hospitalar, é que conseguiremos re- verter esta situação. Por outro lado, temos já a reestruturação de muitas FO TO : A LE XA ND RE G AM A FA R M Á C IA H O S P ITA LA R Ambiente de farmácia hospitalar Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 200126 ENTREVISTA / VÂNIA MARI SALVI O avançado estágio da especialização A farmácia do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba (PR), atinge um avançado nível de especialização em oncologia O universo da farmácia hospitalar, no Brasil, é mes- mo muito díspar. Se alguns hospitais afundam-se nos er- ros repetitivos de não desenvolver políticas e protocolos modernos para as suas farmácias e de não contratar far- macêuticos em número necessário e com a devida especi- alização, há outros que vicejam progressos notáveis nes- se setor. Um exemplo é o Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba (PR). A sua farmácia encontra-se no avançadíssi- mo nível da especialização, no caso, a oncologia. Chegar a esse estágio de alta especialização e com- plexidade requer conhecimento técnico-científico e muita experiência. Mas como obter isso, em um país que ainda não oferece tal qualificação em nível acadêmico? A revis- ta PHARMACIA BRASILEIRA entrevistou a farmacêuti- ca Vânia Mari Salvi Andrzejevski, diretora da farmácia do Erasto Gaertner, para obter dela a resposta a esta e a ou- tras perguntas. Farmacêutica industrial, formada, em 1987, pela Universidade Federal do Paraná, Vânia, ao entrar para a farmácia do Erasto Gaertner, teve que fazer, primeiramente, um verdadeiro trabalho de desbravamento, tanto junto à diretoria do estabelecimento, quanto a outros profissio- nais de saúde, inclusive, para a auto-afirmação farmacêu- tica e reconhecimento do profissional, ali dentro. Não foi fácil, mas os resultados foram surgindo e, melhor que palavras, eles provaram aquilo de que é capaz o farmacêutico e o quanto um hospital não pode prescin- dir deste profissional dentro de sua equipe. Vânia é espe- cialista em Engenharia da Qualidade, farmacêutica clínica pela Universidade do Chile, especializanda em Gestão de Pessoas pela UFPR, ex-vice-presidente da Sbrafh - Socie- dade Brasileira de Farmácia Hospitalar -, avaliadora da ONA - Organização Nacional de Acreditação - e do IPASS - Instituto Paranaense de Acre- ditação em Serviços de Saú- de; diretora da Sobrafo (Soci- edade Brasileira de Farmacêu- ticos em Oncologia), entida- de recém-criada. Com o patrimônio de conhecimentos específicos que adquiriu, em várias áreas, a farmacêutica, que também é conselheira regional de Farmácia pelo Paraná, foi aju- dando a trançar o fio dessa que, hoje, é considerada uma referência nacional em farmácia hospitalar, no País. O Hos- pital Erasto Gaertner é uma entidade filantrópica e integra a Liga Paranaense de Combate ao Câncer (LPCC). Funcio- na, desde dezembro de 1972. De acordo com a Portaria 3.535, de dois de setem- bro de 1998, do Ministério da Saúde, o estabelecimento foi reconhecido como Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon), em nível 2, o único, no Paraná, neste nível. O HEG, com os seus 158 leitos, atende, em média, a 85% de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). A especialização atrai para o Erasto Gaertner, diariamente, pacientes procedentes de todas as regiões do Paraná, bem como de Estados vizinhos e até mesmo de Mato Grosso, Minas e Rondônia. Setenta por cento dos pacientes que ali chegam são portadores de tumores malignos e 30% de tumores benignos, entre outras patologias. No ano passado, o HEG fez uma média de 1.996 atendimentos, por dia. A PHARMACIA BRASILEIRA trou- xe ao leitor a oportunidade de conhecer um pouco da rea- lidade e da rotina - de ritmo puxado, diga-se de passagem - da farmácia do Hospital Erasto Gaertner, nas próximas páginas desta conversa com Vânia Mari Salvi. Veja a en- trevista. PHARMACIA BRASILEIRA - O Hospital Erasto Gaertner possui uma farmácia oncológica. O que o farma- cêutico deve fazer, para chegar a esse nível de tão alta especialização e com- plexidade, que requer conhecimentos técnico-científicos de ponta e tão es- pecíficos, considerando-se a pouquís- sima oferta de formação nessa área? Vânia Mari Salvi - No segundo semestre de 1990, o Hospital precisou contratar um farmacêutico, para aten- der o requisito da Portaria número 196/ 83, do Ministério da Saúde, que exigia a presença do farmacêutico como membro das comissões de controle de infecção hospitalar. Nesta ocasião, os diretores do Hospital não tinham no- ção de quais eram, exatamente, as res- ponsabilidades do farmacêutico e qual a importância de sua integração na equipe multidisciplinar de assistência à saúde. Não sabiam quais eram os conhecimentos e a capacitação do far- macêutico e que atividades poderiam e deveriam desempenhar. Iniciei minhas atividades, em no- vembro de 1990, com contrato de seis horas/dia e, a princípio, para executar somente as atividades relacionadas ao controle de infecção. Nesta época, a farmácia era um local de recebimento e guarda de medicamentos e materi- ais, chefiada por um profissional de nível secundário, tendo em seu qua- dro de pessoal mais dois funcionári- os de nível médio, não dispondo de nenhum dos cuidados e controles es- tabelecidos para a gestão dos produ- tos farmacêuticos. Em 1995, quando deixei a chefia da farmácia hospitalar, já éramos 19 funcionários e já realizáva- mos a dispensação individualizada para 24 horas, com cobertura de atendimen- to para 24 horas, nos 365 dias do ano. FO TO : A LE XA ND RE G AM A FA R M Á C IA H O S P IT A LA R Vânia Mari Salvi Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 2001 27 Hoje, a farmácia do Eras- to é composta por vários seto- res (abastecimento, farmaco- técnica, dispensação, satélite do centro cirúrgico), com um total de 18 funcionários, sen- do dois farmacêuticos, e a CMIV (Central de Misturas In- travenosas), da qual sou a res- ponsável, onde dispomos de mais três farmacêuticos, três auxiliares e um assistente ad- ministrativo, além da farmacêu- tica residente, que fica lotada na própria CMIV. O hospital ainda dispõe de um farmacêutico ex- clusivo para a CCIH, com carga horá- ria de 20 horas/semanais. A CMIV só foi inaugurada, em janeiro de 1994, e, desde essa data, é responsável pelo preparo de todas as doses de antineoplásicos, de uso EV (endovenoso), administradas, no hos- pital, quer seja para pacientes inter- nados ou ambulatoriais. Em relação aos conhecimentos técnico-científicos relacionados à re- alidade de oncologia, a descoberta foi um desafio, pois, há 12 anos, quando iniciamos as atividades, nesta área, praticamente não existia material bi- bliográfico disponível, em língua por- tuguesa, e esse assunto não era abor- dado, nas universidades, de uma for- ma geral (Medicina, Farmácia e Enfer- magem). Portanto, existia uma grande carência de conhecimento. Os médicos dispunham de cur- sos de especializações, mas o farma- cêutico, muitas vezes, desconhecia sobre medicamentos antineoplásicos. As poucas bibliografias disponíveis eram em inglês ou espanhol e não tí- nhamos a Internet. Todo o conheci- mento foi auto-adquirido e houve uma excelente troca de informações entre vários farmacêuticos. Alguns já havi- am iniciado um trabalho, neste senti- do, no Rio Grande do Sul (Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em São Paulo (no Hospital AC Camargo ou em empre- sas de tercerização de serviços), no Paraná (Hospital das Clínicas da Uni- versidade Federal do Paraná e no HEG) e no Rio de Janeiro. Na verdade, houve um aprendizado em conjunto. PHARMACIA BRASILEIRA - Falar em formação, que idéia a senho- ra tem sobre as especializações, em áreas clínicas, a exemplo da oncolo- gia, na farmácia hospitalar brasileira? É ainda muito incipiente? Vânia Mari Salvi - A atuação clínica do farmacêutico está compro- metida, pois, praticamente, não exis- tem cursos de formação específica para a área. Todos os nossos profis- sionais foram formados, no exterior, principalmente, no Chile, Espanha e Inglaterra, ou são autodidatas. Vale a pena lembrar que a disciplina de Far- mácia Hospitalar, conteúdo mínimo para quem vai gerenciar uma farmácia hospitalar, ainda não é obrigatória, na maior parte das universidades e/ou faculdades de Farmácia do País. Exis- te uma grande necessidade de cria- ção das especialidades. E não falta- rão hospitais interessados na contra- tação de farmacêuticos especialistas. É preciso salientar que alguns hospitais americanos dispõem de um farmacêutico clínico para cada sete médicos do hospital. No Brasil, a mai- or parte dos hospitais não possui o farmacêutico em seu quadro de pes- soal (exceto aquele destinado a análi- ses clínicas, que não têm absoluta- mente nada a ver com as atividades administrativas, clínicas ou de gestão desempenhadas pelo farmacêutico hospitalar). PHARMACIA BRASILEIRA - A especialização, por área, é uma rea- lidade, nos países do Primeiro Mun- do, em se tratando de atenção farma- cêutica? Ela pode tornar-se uma tendência ou uma obrigatorie- dade, no Brasil? Vânia Mari Salvi - Devido à complexidade de procedimen- tos, variações de condutas, necessidade de conhecimentos diversos, número de especiali- dades farmacêuticas disponí- veis e os avanços que deverão ocorrer, nos próximos dez ou 15 anos, os hospitais brasileiros deverão ofertar farmacêuticos clínicos especializados em pe- diatria, geriatria, imunossupri- midos (transplantados), neonatologia, HIV+, necologia/obstetrícia (gestan- tes), pacientes crônicos, como os hi- pertensos, diabéticos, oncologia, etc., como já ocorre, em vários países. Espero que a necessidade de cri- ação de programas/cursos de especi- alização sejam mais uma imposição do mercado, devido à crescente necessi- dade de melhoria da qualidade de as- sistência prestada, ao Programa Naci- onal de Acreditação das Instituições de Saúde, à crescente exigência do Ministério da Saúde, através da Agên- cia Nacional de Vigilância Sanitária, às exigências que estão sendo implanta- das pelo Ministério da Saúde ou, em última análise, à própria concorrência de mercado, acabando por fazer valer o ditado de que “quem não têm com- petência, não se estabelece”. Infeliz- mente, já observamos essa situação na área da saúde. PHARMACIA BRASILEIRA - A senhora criou, no Erasto Gaertner, o curso de residência farmacêutica em oncologia, com duração de dois anos e dedicação exclusiva. Fale sobre o curso e o que o farmacêutico interes- sado deve fazer, para realizá-lo. Vânia Mari Salvi - Nos últimos três anos, o Hospital vinha ofertando um curso de especialização, na área de Oncologia, com duração de 360 horas e, posteriormente, 400 horas/ aula. Observamos que não era o sufi- ciente para que o aluno estivesse pronto para desempenhar todas as atividades de um hospital com essa complexidade. E não havia tempo para abordar a parte clínica. O aluno saía ENTREVISTA / VÂNIA MARI SALVI As farmacêuticas Juliane Hwang e Maria Lucivânia Silva Lima em uma das etapas de entrevista e orientação farmacêutica realizadas com uma criança e sua mãe FO TO : A LE XA ND RE G AM A FA R M Á C IA H O S P ITA LA R Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 200128 sem um alicerce seguro, para realizar a atenção farmacêutica em oncologia. Com o apoio do corpo clínico, da dire- ção do Hospital e da LPCC (Liga Para- naense de Combate ao Câncer), e con- siderando que o Hospital já dispõe de cursos de residência na área médica (cirurgia, oncologia, radioterapia, ana- tomia patológica) e na área de Fisio- terapia e de Enfermagem, acreditamos que teríamos condições de assumir esse desafio. Muitas vezes, questionamos se realmente dispúnhamos de conheci- mento para assumir tal responsabili- dade, perante a sociedade brasileira, mas, por outro lado, se ficássemos aguardando o momento ideal, a equi- pe plenamente formada, demoraría- mos, muitos anos, para tomarmos tal iniciativa, pois teríamos que sair para o mestrado e o doutorado, no exterior, e, só então, iniciar esta atividade. Quando pensamos que muitos farmacêuticos, hoje, saem das univer- sidades/ faculdades sem saber o que é um medicamento antineoplásico, suas características, requisitos, pecu- liaridades, o que é um protocolo de tratamento, o que é câncer, seus ris- cos, necessidades do paciente, etc., etc., etc., acreditamos que, assim como outros grupos, no País, temos condi- ções de assumir essa orientação e melhorar significativa- mente o quadro atual. Mesmo porque não te- mos plano de estacio- nar. Muito pelo contrá- rio, o nosso planeja- mento é de aprimorar e crescer, cada vez mais. E crescer com a Resi- dência, crescer e apri- morá-la, tornando-a uma obrigação e um incentivo. Todas as informa- ções sobre o Curso de Especialização em Far- mácia Hospitalar, com ênfase em Oncologia Clínica, encon- tram-se disponíveis na homepage da Liga (cepep@lpccnet.org.br), inclusi- ve com conteúdo para as provas de seleção, período de inscrição e reali- zação das provas e do- cumentação necessária. O que vale a pena reforçar é que o nosso residente recebe uma bolsa no valor de 80% da bolsa destinada aos residentes de Medicina (valor definido pelo MEC). Isso, en- quanto não conseguirmos a aprova- ção do Curso junto ao MEC (os docu- mentos estão tramitando) e existe, no Congresso Nacional, um projeto de Lei para a criação das residências farma- cêuticas. (NR.: o Projeto é de autoria do deputado Zaire Rezende - PMDB- MG). Esse, talvez, seja um bom mo- mento para cobrarmos uma agilização do seu trâmite. PHARMACIA BRASILEIRA - A senhora tem percebido interesse de outros hospitais em criar cursos do gênero? Vânia Mari Salvi - Eu sei que a Universidade Federal da Bahia, atra- vés da professora Lúcia Costa Noblat, chefe do Serviço de Farmácia, deverá iniciar um curso de especialização na área da farmácia hospitalar, assim como o INCA (Instituto Nacional do Câncer), através da sua equipe de tra- balho. Vale salientar que a USP (Uni- versidade de São Paulo) também dis- põe de um curso, que está sob a res- ponsabilidade da pro- fessora Sílvia Storpi- des. PHARMACIA BRASILEIRA - Não se pode praticar atenção farmacêutica hospitalar (nem comunitária), sem conhecimento de far- mácia clínica. Como está esse conhecimen- to, no Brasil? Vânia Mari Salvi – Infelizmente, no Brasil, está área do co- nhecimento precisa ser quase que totalmente explorada. Quando avaliamos o núme- ro de estabelecimentos (hospitais, far- mácias, postos de saúde, etc.) que ain- da não dispõe de assistência do pro- fissional farmacêutica constatamos isso. Por outro lado, muitos de nós, que es- tamos nos hospitais, infelizmente, ainda não sabemos exatamente o que fazer para fazer a atenção farmacêutica. É importante fri- sar que essa realidade não deve ser um motivo de desânimo para a cate- goria. Muito pelo contrário, devemos assumir essa deficiência como um de- safio e uma oportunidade, pois o mer- cado de trabalho é imenso e pratica- mente inexplorado. E o mais importan- te é a melhora significativa de atendi- mento, que os usuários destes servi- ços receberão com a incorporação do profissional farmacêutico em seus quadros de pessoal. PHARMACIA BRASILEIRA - A farmácia oncológica do Erasto Ga- ertner, além de preparar medicamen- tos e acompanhar o paciente, realiza plenamente a farmácia clínica, inclusi- ve, interferindo no tratamento do pa- ciente? Vânia Mari Salvi - O farmacêuti- co é parte integrante do trabalho de atenção ao paciente oncológico. So- mos ouvidos e ouvimos os demais profissionais. Considero que a inser- ção/integração do farmacêutico já é uma etapa vencida, em nossa Institui- ção. Temos credibilidade junto à equipe multiprofissional, pois sempre procu- ramos atuar, com seriedade, afinco e na busca de melhores condições de trabalho e segurança para todos (para a equipe e, especialmente, para o nos- so paciente, razão de ser da Institui- ção). Também, vale lembrar que fui muito bem recebida, desde o início do meu trabalho na Instituição, pelo cor- po clínico e pela equipe de enferma- gem, nossos principais parceiros, o que facilitou a implantação das refor- mas necessária e para chegarmos onde estamos. A farmácia do Hospi- tal Erasto só conseguiu chegar onde está - e esperamos avançar muito mais - devido à colaboração, parceria, críti- cas e sugestões de toda a equipe (in- terna e externa à farmácia). PHARMACIA BRASILEIRA - “A atuação clínica do farmacêutico está comprometida, pois, praticamente, não existem cursos de formação específica para a área” “Nos próximos dez ou 15 anos, os hospitais brasileiros deverão ofertar farmacêuticos clínicos especializados em pediatria, geriatria, imunossuprimidos (transplantados), neonatologia, HIV+, necologia/obstetrícia (gestantes), pacientes crônicos, como os hipertensos, diabéticos, oncologia, etc.” ENTREVISTA / VÂNIA MARI SALVI FA R M Á C IA H O S P IT A LA R Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 2001 31 HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UFBA A unidade de ensaios clínicos é moderna e bem equipada. A cen- tralização desses ensaios no servi- ço de farmácia hospitalar estará sob a responsabilidade do farmacêutico. Hoje, no Brasil, há uma exigência, por parte da indústria farmacêutica, bem como de organismos internaci- onais, a exemplo da FDA (Food, Drugs and Admi- nistration), nesse sentido. Os medica- mentos envolvi- dos nas pesqui- sas serão aqueles que se encontra- ram nas fases 3 e 4 da pesquisa clí- nica (que antecedem a comerciali- zação do produto). A centralização dos ensaios na própria farmácia é algo fundamental, segundo explica a diretora. “Uma das vantagens é que a farmácia se responsabilizará pelo armazenamento e pela conser- vação dos medicamentos, o que re- sulta na garantia da eficácia dos mesmos nos testes clínicos. Outra vantagem está em fazermos a guar- da ou a custódia dos medicamen- tos. Com isso, não há possibilidade de os produtos em teste serem utili- zados para outros fins que não o previsto no protocolo de pesquisa”, explica. É que o medicamento, sem es- ses devidos controles, pode, por exemplo, ser usado em um paciente que não faz parte da pesquisa, situ- ação que, aliás, fere princípios éti- cos previstos em testes do gênero. Os referidos controles, possíveis graças à concentração dos ensaios, na farmácia do hospital, e ao fato de ficarem sob a responsabilidade do farmacêutico, vão permitir, ain- da, o cumprimento da metodologia do protocolo de pesquisas. Além disso a farmácia garante os processos de inclusão e exclu- são de pacientes, a randomização cuja execução ficará sob a exclusi- va responsabilidade do farmacêuti- co, e a “cegueira” (método de pes- quisa com medicamento, em que um ou mais envolvidos - o médico pes- quisador e/ou o paciente - sabe do que está acontecendo). Um medicamento em teste pode ter utilização hospitalar, se- gundo explicação da coordenadora da farmácia hospitalar do Hupes, quando a pesquisa clínica que o envolve visa a trazer algum be- nefício ao paci- ente e a contri- buir para o com- bate a uma doen- ça. A autoriza- ção para esse tipo de pesqui- sa, em hospital, está prevista pelo Conatem e pela Resolução 196, do Conselho Fede- ral de Medicina. Os resultados da pesquisa vão para a indústria far- macêutica que a financia, ou para o Ministério da Saúde. A centralização dessas pesqui- sas, na farmácia hospitalar, sob a responsabilidade única do farma- cêutico, é uma exigência tamanha por parte da indústria farmacêutica, bem como por parte do FDA (Food and Drog Administration) e de al- guns órgãos não-governamentais do setor, que muitas delas não acei- tam financiar os estudos, sem es- sas condições. E tudo o que a farmácia do Hospital das Clínicas de Salvador não quer é que se inviabilizem as parceri- as com a indústria e ór- gãos públicos, pois, sem elas, não há recursos fi- nanceiros. E, sem estes, as pesquisas morrem no ni- nho. Antes da reforma, lembra Lúcia Noblat, o hospital perdeu, por vári- as vezes, o direito de se beneficiar do financiamento, porque as pesquisas não estariam sob a co- ordenação de farmacêuticos e por- que os trabalhos não seriam desen- volvidos, de forma coordenada, na farmácia. Hoje, com as mudanças, a far- mácia do Hupes está realizando pes- quisas com o imunomodulador In- terferon e com o antiviral Ribaveri- na. Os dois produtos, associados, estão sendo utilizados no tratamen- to de portadores da hepatite C vi- ral. Além do Hupes, somente o Hos- pital das Clínicas da USP (Universi- dade de São Paulo) de Ribeirão Pre- to realiza o mesmo ensaio. O estudo é financiado pelo laboratório Roche, da Suíça, e se iniciou, em março. Dose unitária - Atenção espe- cial também está sendo dada a uni- dade de dispensação de medicamen- tos em doses unitárias. Isso, por- que o setor será cercado de algu- mas mudanças conceituais. “Atual- mente, no Brasil, o conceito de dis- tribuição de dose unitária (SDMDU) é, quase todo ele, colocado como o fim do processo de distribuição de medicamentos, com a simples entre- ga do produto identificado ao paci- ente. Mas, na verdade, o sistema é um meio de se garantir uma utiliza- ção racional do medicamento pelo paciente, o que, hoje, fundamenta a prática da atenção farmacêutica hos- pitalar”, explica o professor Lindem- berg Assunção Costa. Outra unidade que também me- recerá a atenção da Diretoria da far- mácia do Hupes é a farmácia ambu- latorial. Com os seus amplos e con- fortáveis espaços e mobiliários, a unidade reunirá dois consultórios farmacêuticos para atendimento ao público. Filosofia - A nova filosofia im- plantada na farmácia do Hospital das Clínicas de Salvador é assenta- da, toda ela, no farmacêutico e no acadêmico de Farmácia. Na verda- de, a farmácia hospitalar transfor- FA R M Á C IA H O S P ITA LA R Reforma trouxe dependências confortáveis Nova farmácia ocupa área de 400m2 Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 200132 ma-se, a partir de agora, num gran- de laboratório de aprendizado prá- tico da profissão, cujo eixo é o far- macêutico, quaisquer que sejam as atividades ali desenvolvidas, da di- reção geral à pesquisa. A Residência Farmacêutica ga- nha, ali, o reconhecimento do Mi- nistério da Educação. Aliás, é uma das primeiras residências a ser refe- rendada pelo MEC. Farmacêuticos, durante 24 horas, vão se revezar, em plantões de quatro horas, para vi- venciar, na rotina farmacêutica, o corre-corre, as dificuldades, as ur- gências e as alegrias da atividade, dentro de um hospital de grande porte. E mais: em total integração com os demais profissionais da saú- de, dentro do verdadeiro espírito de equipe. Os residentes terão acomo- dações confortáveis e estarão, em tempo integral, sob a coordenação de um profissional, que dividirá com eles as acomodações, que contam com camas, sofás, armários indivi- duais etc. Ao lado, uma cantina vai garantir-lhes o lanche e o cafezinho. Atenção farmacêutica - A es- trela de todo esse esforço será a atenção farmacêutica. “Estamos se- guindo, à risca, a filosofia que sus- tenta a atenção farmacêutica, pre- conizada pela Organização Mundi- al de Saúde e pela Opas, e que é, também, a referência farmacêutica, no mundo inteiro”, explica Lindem- berg Costa, acrescentando que essa filosofia priorizar a relação farma- cêutico/paciente. “Nossa intenção é fazer com que o farmacêutico es- teja integrado às equipes de sáude, aqui, no Hospital Universitário, in- clusive, assumindo postos de lide- rança nas mesmas”, acrescenta. Mas outra estrela brilhará na far- mácia do Hupes: a pesquisa. A idéia da diretoria é a de realizar várias de- las, em todas as áreas da farmácia (no armazenamento, no doseamento, na atenção, na nutrição parenteral (esta é uma outra unidade devidamente equipada com o que há de mais mo- derno no setor), nos ensaios clínicos, na farmacocinética clínica, na farma- covigilância, na farmacotécnica etc. Antes mesmo da reforma, mas já nu- trida das mudanças conceituais, a far- mácia já havia criado o seu formulário de medicamentos próprio, o primeiro do Hupes, em seus 50 anos de exis- tência. Autonomia - A reforma está in- serindo a Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia no Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas, antes, composto ape- nas pelas faculdades de Medicina, Enfermagem e Nutrição. “Isso sig- nifica ganho de poder político, o que vai nos ajudar muito, quando tiver- mos que tomar decisões “, explica Lúcia Noblat. Agora, é colher os frutos do plantio. HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA UFBA O ganho no aprendizado O farmacêutico Jorge Antônio Piton Nascimento, da Bahia, membro da Comissão de Indústria do Conselho Federal de Farmácia, co- nhece a história da farmácia do Hospital Edgard Santos (o Hospital das Clínicas de Salvador, da Universidade Federal da Bahia - UFBA), muito antes de a professora Lúcia Noblat deixar Natal para morar, na Bahia. A pedido do presidente do CFF, Jaldo de Souza Santos, Piton visitou as obras da farmácia daquele hospital e faz alguns comentários sobre o que viu. “Essas mudanças, inclusive de visão, implantadas pelos irmãos Lúcia Noblat e Lindemberg Costa estão dando uma nova dimensão à farmácia hospitalar, inclusive com o fortalecimento da farmácia clíni- ca, em um momento importante para sua afirmação”, explica Piton. Um aspecto destacado pelo farmacêutico é o ganho que terão os estudantes de Farmácia da UFBA. Segundo Piton, eles, ago- ra, poderão acompanhar todo o trâmite do medicamento-paciente e toda a realidade de uma grande farmácia hospitalar, no seu dia-a-dia. Comenta: “Terão um aprendizado maior em todos os trânsitos ineren- tes à farmácia hospitalar, pois não vão apenas dispensar o medica- mento, mas também aprender a fazer uma análise do receituário médi- co, para checar se há alguma incoerência na prescrição. Também, vão poder acompanhar o desenvolvimento do paciente, observando a possibilidade de interação medicamento-medicamento, medicamen- to-alimento etc. Enfim, poderão realizar a essencial atenção farma- cêutica”. Dificuldades – A farmácia do Hupes já viveu outros bons momentos, lembra Piton. Foi quando a professora Neusa Oliveira Almeida, sua ex-responsável técnica, às custas de um esforço sobre- humano, levou a farmácia a produzir até injetáveis. “Mas com a sua aposentadoria e com dificuldades crescentes de administração das empresas públicas e carência de recursos, a farmácia abandonou a produção de semi-injetáveis”, diz. Neusa Oliveira Almeida já faleceu. Os demais hospitais brasileiros, pediu Jorge Piton, devem buscar esse mesmo crescimento registrado, hoje, na farmácia do Hu- pes. Aliás, a busca por crescimento é sempre uma conclamação feita nos eventos da Sbrafh (Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar), lembra o integrante da Comissão de Indústria do CFF. Piton torce para que os verbas destinadas aos hospitais públicos não venham a minguar, prejudicando iniciativas desse porte. FA R M Á C IA H O S P IT A LA R Jorge Piton Pharmacia Brasileira - Jul/Ago 2001 33 CFF edita resoluções dispondo sobre farmácia hospitalar RESOLUÇÕES CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA RESOLUÇÃO Nº 300 de 30 de janeiro de 1997 Ementa: Regulamenta o exercício profissional em farmácia e unidade hospitalar, clínicas e casa de saúde de natureza pública ou privada. O CONSELHO FEDERAL DE FARMÁCIA, no exer- cício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 6º, alíneas “g” e “m”, da Lei 3.820/60 e o artigo 6º do Decreto 85878/81; Considerando a necessidade de aperfeiçoar e atualizar o conceito de Farmácia Hospitalar, bem como disciplinar o seu funcionamento; Considerando o dispositivo no art.15 da lei 5.991/73, bem como a necessidade de ampliar e definir a competência privativa profissional do farmacêutico, conforme o disposto no art.1º do Decreto retro, RESOLVE: Art.1º - Para os efeitos desta Resolução, entende-se como: I - FARMÁCIA DE UNIDADE HOSPITALAR: uni- dade clínica de assistência técnica e administrativa, dirigida por farmacêutico, integrada, funcional e hierarquicamente, às atividades hospitalares. Art. 2º- A farmácia hospitalar tem como principal fun- ção: garantir a qualidade de assistência prestada ao paciente, através do uso seguro e racional de medicamentos e correla- tos, adequando sua utilização à saúde individual e coletiva, nos planos: assistencial, preventivo, docente e de investiga- ção, devendo, para tanto, contar com farmacêuticos em nú- mero suficiente para o bom desempenho da assistência far- macêutica. Art. 3º - Nas atividades de assistência farmacêutica, é de competência da farmácia hospitalar. I - Assumir a coordenação técnica nas discussões para seleção e aquisição de medicamentos, germicidas e correla- tos, garantindo sua qualidade e otimizando a terapia medica- mentosa. II - Cumprir normas e disposições gerais relativas ao armazenamento, controle de estoque e distribuição de medi- camentos, correlatos, germicidas e materiais médico-hospi- talares. III - Estabelecer um sistema, eficiente, eficaz e seguro de dispensação para pacientes ambulatoriais e internados, de acordo com as condições técnicas hospitalares, onde ele se efetive. IV - Dispor de setor de farmacotécnica composto de unidades para: a)manipulação de fórmulas magistrais e oficinais; b)manipulação e controle de antineoplásicos; c)preparo e diluição de germicidas; d)reconstituição de medicamentos, preparo de mistu- ras intravenosas e nutrição parenteral; e)fracionamento de doses; f)análises e controles correspondentes; g)produção de medicamentos; h)outras atividades passíveis de serem realizadas. se- gundo a constituição da farmácia hospitalar e características do hospital. V - Elaborar manuais técnicos e formulários próprios. VI - Manter membro permanente nas comissões de sua competência, principalmente: a)na comissão de farmácia e terapêutica ou de padroni- zação de medicamentos; b)na comissão de serviço de controle de infecção hos- pitalar; FA R M Á C IA H O S P ITA LA R As atividades do farmacêu- tico na farmácia hospitalar é o obje- to de três resoluções do Conselho Federal de Farmácia. A última de- las, de número 300, editada, em 1997, avança para a função clínica da far- mácia, centrada no paciente. “Isso é de fundamental importância para a realização profissional do farma- cêutico, pois, através dela, terá as condições de exercer as suas ativi- dades em toda a sua plenitude e obter o reconhecimento de seu tra- balho no âmbito hospitalar”, argu- menta o secretário geral do CFF, Arnaldo Zubioli, no livro “Deonto- logia e Farmácia”, ainda em gesta- ção, de sua autoria. O livro deverá ser lançado, em março de 2002. As três resoluções foram editadas, du- rante a sua gestão como presiden- te do Conselho Federal. Portanto, as atribuições da farmácia hospitalar, de acordo com a Resolução número 300, de 30 de janeiro de 1997, promulgada pelo CFF, são as seguintes (veja a Reso- lução, na íntegra):Arnaldo Zubioli
Docsity logo



Copyright © 2024 Ladybird Srl - Via Leonardo da Vinci 16, 10126, Torino, Italy - VAT 10816460017 - All rights reserved