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Guias e Dicas
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Projeto Ético-Político do Serviço Social, Manuais, Projetos, Pesquisas de Serviço Social

Autor: José Paulo Netto

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2010

Compartilhado em 02/08/2010

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4.7

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Baixe Projeto Ético-Político do Serviço Social e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Serviço Social, somente na Docsity! A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 1 A Construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social∗ Por José Paulo Netto∗∗ (para Júlia e Luís, distante e perto) Introdução É muito recente – datando da segunda metade dos anos noventa do século XX – o debate sobre o que vem sendo denominado de projeto ético-político do Serviço Social. O caráter relativamente novo desta discussão revela-se claramente na escassa documentação sobre o tema1. No entanto, o objeto deste debate – e, sobretudo, a própria construção deste projeto no marco do Serviço Social no Brasil – tem uma história que não é tão recente, iniciada na transição da década de 1970 à de 1980. Este período marca um momento importante no desenvolvimento do Serviço Social no Brasil, vincado especialmente pelo enfrentamento e pela denúncia do conservadorismo profissional. É neste processo de recusa e crítica do conservadorismo que se encontram as raízes de um projeto profissional novo, precisamente as bases do que se está denominando projeto ético-político. O conciso texto que damos a público tem por objetivo oferecer elementos que contribuam para a compreensão e a implementação desse projeto. ∗ - Este texto, redigido em 1999 e originalmente publicado no módulo 1 de Capacitação em Serviço Social e Política Social (Brasília, CFESS/ABEPSS/CEAD/UnB, 1999), constituiu um dos primeiros materiais para a discussão acerca do “projeto ético-político do Serviço Social brasileiro”, sendo posteriormente reeditado em Portugal (Henríquez, org., 2001) e difundido também na América Latina (Borgianni, Guerra e Montaño, orgs., 2003). Para a presente edição, foram feitas pequenas alterações formais e uns poucos acréscimos bibliográficos. ∗∗ - Professor titular da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1 Entre os poucos títulos divulgados nacionalmente, veja-se especialmente Barroco (2004), Boschetti (2004) e Braz (2005). A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 2 1. Os projetos societários A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 5 ademais, às mudanças na composição social do corpo profissional. Por tudo isto, os projetos profissionais igualmente se renovam, se modificam. É importante ressaltar que os projetos profissionais também têm inelimináveis dimensões políticas, seja no sentido amplo (referido às suas relações com os projetos societários), seja em sentido estrito (referido às perspectivas particulares da profissão). Porém, nem sempre tais dimensões são explicitadas, especialmente quando apontam para direções conservadoras ou reacionárias. Um dos traços mais característicos do conservadorismo consiste na negação das dimensões políticas e ideológicas. Não é por acaso que o conhecido pensador lusitano Antônio Sérgio, numa passagem notável, tenha observado que “aquele que diz não gostar de política, adora praticar política conservadora”. 2.1. Projetos profissionais e pluralismo O sujeito coletivo que constrói o projeto profissional constitui um universo heterogêneo: os membros do corpo (categoria) profissional são necessariamente indivíduos diferentes – têm origens, situações, posições e expectativas sociais diversas, condições intelectuais distintas, comportamentos e preferências teóricas, ideológicas e políticas variadas etc. O corpo profissional é uma unidade não-homogênea, uma unidade de diversos; nele estão presentes projetos individuais e societários diversos e, portanto, configura um espaço plural do qual podem surgir projetos profissionais diferentes. Mais exatamente, todo corpo profissional é um campo de tensões e de lutas. A afirmação e consolidação de um projeto profissional em seu próprio interior não suprime as divergências e contradições. Tal afirmação deve fazer-se mediante o debate, a discussão, a persuasão – enfim, pelo confronto de idéias e não por mecanismos coercitivos e excludentes. Contudo, sempre existirão segmentos profissionais que proporão projetos alternativos; por consequência, mesmo um projeto que conquiste hegemonia nunca será exclusivo5. 5 - Sabe-se que a categoria hegemonia foi especialmente elaborada pelo comunista sardo Antônio Gramsci (Coutinho, 1999); para um tratamento didático da categoria, cf. Simionatto (1995: 37-50). A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 6 Por isso, a elaboração e a afirmação (ou, se se quiser, a construção e a consolidação) de um projeto profissional deve dar-se com a nítida consciência de que o pluralismo é um elemento factual da vida social e da própria profissão, que deve ser respeitado. Mas este respeito, que não deve ser confundido com uma tolerância liberal para com o ecletismo6, não pode inibir a luta de idéias. Pelo contrário, o verdadeiro debate de idéias só pode ter como terreno adequado o pluralismo que, por sua vez, supõe também o respeito às hegemonias legitimamente conquistadas. A atenção a essas questões se mostra mais importante quando se leva em conta a relação dos projetos profissionais com os projetos societários. Embora seja frequente a sintonia entre o projeto societário hegemônico e o projeto hegemônico de um determinado corpo profissional, podem ocorrer – e ocorrem – situações de conflito e mesmo de contradição entre eles. É possível que, em conjunturas precisas, o projeto societário hegemônico seja contestado por projetos profissionais que conquistem hegemonia em seus respectivos corpos (esta possibilidade é tanto maior quando tais corpos se tornam sensíveis aos interesses das classes trabalhadoras e subalternas e quanto mais estas classes se afirmem social e politicamente). Tais situações agudizam, no interior desses corpos profissionais, as diferenças e divergências entre os diversos segmentos profissionais que os compõem. É evidente que estas divergências não podem ser resolvidas somente no marco do corpo profissional. Seu direcionamento positivo exige a análise do movimento social (que é o movimento das classes e camadas sociais) e o estabelecimento de relações e alianças com outros corpos profissionais e segmentos sociais (aqui incluídos os usuários dos serviços profissionais), principalmente aqueles vinculados às classes que dispõem de potencial para gestar um projeto societário alternativo ao das classes proprietárias e dominantes. Há que se observar que esta colisão, este enfrentamento de projetos profissionais com o projeto societário hegemônico tem limites numa sociedade capitalista. Exceto se se quiser esterilizar no messianismo (cuja antítese é o fatalismo)7, até mesmo um projeto profissional 6 - A questão extremamente polêmica do pluralismo e sua degradação teórica (no ecletismo) e política (no liberalismo) foi abordada sob forma diferente por Coutinho, in Vv. Aa. (1991: 5-17) e por Tonet (1997: 203-237). 7 - Messianismo e fatalismo foram estudados por Iamamoto (1992: 114-116). A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 7 crítico e avançado deve ter em conta tais limites, cujas linhas mais evidentes se expressam nas condições institucionais do mercado de trabalho8. 2.2. Projeto profissional: diversidade de componentes e Código de Ética Da caracterização de projeto profissional acima apresentada, infere-se que ele envolve uma série de componentes distintos: uma imagem ideal da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimentos teóricos, saberes interventivos, normas, práticas etc. São várias, portanto, as dimensões de um projeto profissional, que deve articulá-las coerentemente. Esta articulação – imprescindível para a hegemonia de um projeto profissional – é complexa e não se realiza num curto espaço de tempo. Ela exige recursos político- organizativos (já vimos a importância da organização do corpo profissional), processos de debate e elaboração, investigações teórico-práticas (inclusive a análise da relação entre conhecimentos e formas de intervenção) etc. Por outra parte, considerando o pluralismo profissional, o projeto hegemônico de um determinado corpo profissional supõe um pacto entre seus membros: uma espécie de acordo sobre aqueles aspectos que, no projeto, são imperativos e aqueles que são indicativos. Imperativos são os componentes compulsórios, obrigatórios para todos os que exercem a profissão (estes componentes, em geral, são objeto de regulação jurídico-estatal); indicativos são aqueles em torno dos quais não há um consenso mínimo que garanta seu cumprimento rigoroso e idêntico por todos os membros do corpo profissional. Se pensamos no Serviço Social no Brasil, recordamos como componentes imperativos a formação acadêmica, tal como reconhecida pelo Ministério da Educação (isto é, em instituições de nível superior credenciadas e segundo padrões curriculares minimamente determinados), e a inscrição na respectiva organização profissional (CRESS). 8 - Não é possível discutir aqui o mercado de trabalho dos assistentes sociais que, ultimamente, tem sido objeto de especial atenção; para aproximações distintas, cf. Netto (1996: 115-126) e Iamamoto (1998). A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 10 dinâmica da vida cultural, com a reativação do protagonismo de setores intelectuais; a reafirmação de uma opção democrática por segmentos da Igreja católica e a consolidação do papel progressista desempenhado por instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) – tudo isso pôs na agenda da sociedade brasileira a exigência de profundas transformações políticas e sociais. É neste contexto que o histórico conservadorismo do Serviço Social brasileiro12, , tantas vezes reciclado e metamorfoseado, confrontou-se pela primeira vez com uma conjuntura em que a sua dominância no corpo profissional (que, sofrendo as incidências do “modelo econômico” da ditadura, começa a reconhecer-se como inserido no conjunto das camadas trabalhadoras) podia ser contestada – uma vez que, no corpo profissional, repercutiam as exigências políticas e sociais postas na ordem do dia pela ruptura do regime ditatorial. A luta pela democracia na sociedade brasileira, encontrando eco no corpo profissional, criou o quadro necessário para romper com o quase monopólio do conservadorismo no Serviço Social: no processo da derrota da ditadura se inscreveu a primeira condição – a condição política – para a constituição de um novo projeto profissional. Como todo universo heterogêneo, o corpo profissional não se comportou de modo idêntico. Mas as suas vanguardas, na efervescência democrática, mobilizaram-se ativamente na contestação política – desde o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (1979, conhecido como “o Congresso da virada”), os segmentos mais dinâmicos do corpo profissional vincularam-se ao movimento dos trabalhadores e, rompendo com a dominância do conservadorismo, conseguiram instaurar na profissão o pluralismo político, que acabou por redimensionar amplamente não só a organização profissional (dando vida nova, por exemplo, a entidades como a ABESS – depois renomeada ABEPSS – e, posteriormente, ao 12 - Trata-se mesmo de um histórico conservadorismo, radicado na profissão desde o seu surgimento entre nós. Recorde-se o que escreveu o melhor analista do surgimento do Serviço Social no Brasil, resumindo a particularidade da relação da profissão com o bloco católico: a constituição do Serviço Social instaurou “uma forma de intervenção ideológica que se baseia no assistencialismo como suporte de uma atuação cujos efeitos são essencialmente políticos: o enquadramento das populações pobres e carentes, o que engloba o conjunto das classes exploradas. Não pode também ser desligado do contexto mais amplo em que se situa a posição política assumida e desenvolvida pelo conjunto do bloco católico: a estreita aliança com o ‘fascismo nacional’, o constituir-se num polarizador da opinião de direita através da defesa de um programa profundamente conservador, a luta constante e encarniçada contra o socialismo, a defesa intransigente das relações sociais vigentes” (Carvalho, in Iamamoto e Carvalho, 1983: 221-222). A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 11 CFESS) como, sobretudo, conseguiram inseri-la, de modo inédito, no marco do movimento dos trabalhadores brasileiros, como ficou constatado na análise de Abramides e Cabral (1995). A luta contra a ditadura e a conquista da democracia política possibilitaram o rebatimento, no interior do corpo profissional, da disputa entre projetos societários diferentes, que se confrontavam no movimento das classes sociais. As aspirações democráticas e populares, irradiadas a partir dos interesses dos trabalhadores, foram incorporadas e até intensificadas pelas vanguardas do Serviço Social. Pela primeira vez, no interior do corpo profissional, repercutiam projetos societários distintos daqueles que respondiam aos interesses das classes e setores dominantes. É desnecessário dizer que esta repercussão não foi idílica: envolveu fortes polêmicas e diferenciações no corpo profissional – o que, por outra parte, é uma saudável implicação da luta de idéias. Tal repercussão foi favorecida, ademais, pelas modificações ocorridas no próprio corpo profissional (seu aumento quantitativo, a presença crescente de membros provenientes das novas camadas médias urbanas etc.). No entanto, para a constituição de um novo projeto profissional, a condição política, primeira e necessária, não é suficiente – outros componentes deveriam comparecer para que ele tomasse forma. 3.1. Outros componentes do novo projeto Ainda nos anos setenta, quando, como resultado da Reforma Universitária imposta pela ditadura, o Serviço Social legitimou-se no âmbito acadêmico, surgiram os cursos de pós- graduação (primeiro os mestrados e depois, nos anos oitenta, os doutorados; também foram fomentadas as especializações). É nos espaços da pós-graduação, cujos primeiros frutos se recolhem no trânsito dos anos setenta aos oitenta, que, no Brasil, se inicia e, nos anos seguintes, se consolida a produção de conhecimentos a partir da área de Serviço Social – então, o corpo profissional A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 12 começou a operar a sua acumulação teórica. Um balanço desta produção13 mostra que, apesar de muito desigual, ela engendrou uma massa crítica considerável, que permitiu à profissão estabelecer uma interlocução fecunda com as ciências sociais e, sobretudo, revelar quadros intelectuais respeitados no conjunto do corpo profissional e, também, em outras áreas do saber. Observe-se que a expressão massa crítica refere-se ao conjunto de conhecimentos produzidos e acumulados por uma determinada ciência, disciplina ou área do saber. O Serviço Social é uma profissão – uma especialização do trabalho coletivo, no marco da divisão sócio-técnica do trabalho -, com estatuto jurídico reconhecido (Lei 8.669, de 17 de junho de 1993); enquanto profissão, não é uma ciência nem dispõe de teoria própria; mas o fato de ser uma profissão não impede que seus agentes realizem estudos, investigações, pesquisas etc. e que produzam conhecimentos de natureza teórica, incorporáveis pelas ciências sociais e humanas. Assim, enquanto profissão, o Serviço Social pode se constituir, e se constituiu nos últimos anos, como uma área de produção de conhecimentos, apoiada inclusive por agências públicas de fomento à pesquisa (como, por exemplo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq). Na acumulação teórica operada pelo Serviço Social é notável o fato de, naquilo que ela teve e tem de maior relevância, incorporar matrizes teóricas e metodológicas compatíveis com a ruptura com o conservadorismo profissional – nela se empregaram abertamente vertentes críticas, destacadamente as inspiradas na tradição marxista. Isto significa que, também no plano da produção de conhecimentos, instaurou-se um pluralismo que permitiu a incidência, nos referenciais cognitivos dos assistentes sociais, de concepções teóricas e metodológicas sintonizadas com os projetos societários das massas trabalhadoras (ou seja: de concepções teóricas e metodológicas capazes de propiciar a crítica radical das relações econômicas e sociais vigentes). À quebra do quase monopólio do conservadorismo político na 13 - Para a produção até finais dos anos noventa, cf. o trabalho de N. Kameyama, in Cadernos Abess dedicado a “Diretrizes curriculares e pesquisa em Serviço Social” (1998). Dados mais recentes foram analisados por M. V. Iamamoto e apresentados no Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social/ENPESS, realizado em Porto Alegre, novembro de 2004. A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 15 Nesta revisão, que deu forma ao Código hoje vigente, as unilateralidades e limites de 1986 foram superadas e, de fato, o novo Código incorporou tanto a acumulação teórica realizada nos últimos vinte anos pelo corpo profissional quanto os novos elementos trazidos ao debate ético pela urgência da própria revisão. Neste sentido, o Código de Ética Profissional de 1993 é um momento basilar do processo de construção do projeto ético-político do Serviço Social no Brasil18. 3.2. A estrutura básica do novo projeto profissional É no trânsito dos anos oitenta aos noventa do século XX que o projeto ético-político do Serviço Social no Brasil se configurou em sua estrutura básica19 – e, qualificando-a como básica, queremos assinalar o seu caráter aberto: mantendo seus eixos fundamentais, ela é suficientemente flexível para, sem se descaracterizar, incorporar novas questões, assimilar problemáticas diversas, enfrentar novos desafios. Em suma, trata-se de um projeto que também é um processo, em contínuo desdobramento. Um exemplo do seu caráter aberto, com a manutenção dos seus eixos fundamentais, pode ser encontrado nas discussões acerca da formação profissional, produzidas com as modificações advindas da vigência da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/LDBEN (Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996): as orientações propostas por representantes do corpo profissional (cf. ABESS, 1997 e 1998) ratificam a direção da formação nos termos do projeto ético-político. Esquematicamente, este projeto tem em seu núcleo o reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de escolha entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Conseqüentemente, este projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero. A partir destas opções que o fundamentam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e o repúdio do arbítrio e dos 18 - te código foi instituído pela Resolução do CFESS nº 273/93, de 13 de março de 1993 e publicado no Diário Oficial da União nº 60, de 30 de março de 1993, seção 1, pp. 4004-4007. 19 - ra sintetizar esta estrutura básica, recorreremos à documentação produzida pelo corpo profissional nos anos oitenta e noventa, citada parcialmente nas referências bibliográficas oferecidas ao final deste texto. A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 16 preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo, tanto na sociedade como no exercício profissional. A dimensão política do projeto é claramente enunciada: ele se posiciona a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras. Correspondentemente, o projeto se declara radicalmente democrático – considerada a democratização como socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida. Do ponto de vista estritamente profissional, o projeto implica o compromisso com a competência, que só pode ter como base o aperfeiçoamento intelectual do assistente social. Daí a ênfase numa formação acadêmica qualificada, fundada em concepções teórico- metodológicas críticas e sólidas, capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social – formação que deve abrir a via à preocupação com a (auto)formação permanente e estimular uma constante preocupação investigativa. Em especial, o projeto prioriza uma nova relação com os usuários dos serviços oferecidos pelos assistentes sociais: é seu componente elementar o compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população, aí incluída a publicidade dos recursos institucionais, instrumento indispensável para a sua democratização e universalização e, sobretudo, para abrir as decisões institucionais à participação dos usuários. Enfim, o projeto assinala claramente que o desempenho ético-político dos assistentes sociais só se potencializará se o corpo profissional articular-se com os segmentos de outras categorias profissionais que compartilham de propostas similares e, notadamente, com os movimentos que se solidarizam com a luta geral dos trabalhadores. A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 17 4. A conquista da hegemonia Pode-se afirmar que este projeto ético-político, fundamentado teórica e metodologicamente, conquistou hegemonia no Serviço Social, no Brasil, na década de noventa do século XX. Esta constatação, no entanto, não significa afirmar que tal projeto esteja consumado ou que seja o único existente no corpo profissional. Por uma parte, ainda não se desenvolveram suficientemente as suas possibilidades – por exemplo, no domínio dos indicativos para a orientação de modalidades de práticas profissionais; neste terreno, ainda há muito por fazer- se. Por outra parte, a ruptura com o quase monopólio do conservadorismo no Serviço Social não suprimiu tendências conservadoras ou neoconservadoras – e, como se viu acima, a heterogeneidade própria dos corpos profissionais propicia, em condições de democracia política, a existência e a concorrência entre projetos diferentes. Todavia, é inconteste que, na segunda metade dos anos noventa, este projeto conquistou a hegemonia no interior do corpo profissional. Contribuíram para esta conquista dois elementos de ordem diversa, que a vontade político-organizativa das vanguardas profissionais soube articular numa definida direção social estratégica. O primeiro foi o crescente envolvimento de segmentos cada vez maiores do corpo profissional nos fóruns, nos espaços de discussão e nos eventos profissionais – bem como a multiplicação e descentralização desses fóruns, espaços e eventos. Tal envolvimento se registrou nos vários Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais e em seus encontros regionais preparatórios, nas convenções nacionais e nas “oficinas regionais” da ABESS, nos encontros de pesquisadores promovidos pelo CEDEPSS, nos encontros regionais e nos seminários nacionais patrocinados pelo sistema CFESS/CRESS etc. O segundo consistiu no fato de que as linhas fundamentais deste projeto estão sintonizadas com tendências significativas do movimento da sociedade brasileira (do movimento das classes sociais). Estas linhas não derivaram do desejo ou da vontade subjetiva de meia dúzia de assistentes sociais envolvidos na militância cívica e/ou política; elas expressaram, processadas numa perspectiva profissional e refratadas no interior da categoria, A construção do projeto ético-político do Serviço Social José Paulo Netto Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional 20 Referências bibliográficas ABESS. O processo de formação profissional do assistente social. In Vv.Aa. Cadernos Abess. São Paulo: Abess/Cortez 1993. n. 1. ______ . Ensino em Serviço Social: pluralismo e formação profissional. In Vv. Aa. Cadernos Abess. São Paulo: Abess/Cortez 1991. n. 4. ______ . Formação profissional: trajetória e desafios. In Vv. Aa. Cadernos Abess. São Paulo: Abess/Cortez, 1997. n. 7. ______ . Diretrizes curriculares e pesquisa em Serviço Social. In Vv. Aa. Cadernos Abess. São Paulo: Abess/Cortez 1998. n. 8. ABRAMIDES, M. B. C.; CABRAL, M. S. R. O novo sindicalismo e o Serviço Social. 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