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oncologia pediatrica, Notas de estudo de Cultura

oncologia em pediatria

Tipologia: Notas de estudo

2010
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Compartilhado em 08/01/2010

juciane-santos-alves-1
juciane-santos-alves-1 🇧🇷

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Baixe oncologia pediatrica e outras Notas de estudo em PDF para Cultura, somente na Docsity! DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE D iagnóstico P recoce do C âncer na C riança e no A dolescente Instituto Nacional de Câncer Instituto Ronald McDonald DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Coordenação de Elaboração Claudia Lossio (Instituto Ronald McDonald) Viviane Junqueira (Instituto Ronald McDonald) Revisão Técnica Joaquim Caetano de Aguirre Neto (SOBOPE) Luiz Claudio Santos Thuler (INCA) Maria Tereza Fonseca da Costa (INCA) Supervisão Editorial Letícia Casado (INCA) Produção Editorial Taís Facina (INCA) Edição de texto e revisão Cátia Guimarães Capa, projeto gráfico e diagramação Cecília Pachá (INCA) Suéllen Gomes (colaboração/estagiária do Instituto Ronald McDonald) Ficha Catalográfica Eliana Rosa Fonseca (INCA) Esther Rocha (INCA) Autores • Adriana Maria Duarte Graduada e mestre em Ciências, é enfermeira do Centro de Transplante de Medula Óssea do Instituto de Oncologia Pediátrica (IOP/GRAACC/UNIFESP) e professora da Universidade Paulista na área de saúde da criança e do curso de especialização em Oncologia Pediátrica da Universidade Castelo Branco e ELLU Saúde. • Alejandro Mauricio Arancibia Graduado em medicina com especialização em onco-hematologia pediátrica e pediatria, é oncologista pediatra do Hospital Santa Marcelina, em São Paulo. • Ana Lygia Melaragno Graduada em enfermagem com especialização em Saúde Pública, é gestora de capacitação e ensino do Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer (Instituto de Oncologia Pediátrica) e coordenadora do curso de Especialização em Oncologia Pediátrica da Universidade Castelo Branco e ELLU Saúde. • Claudia Epelman Graduada em psicologia com especialização na mesma área, é psicóloga coordenadora da Equipe Multidisciplinar do Departamento de Oncologia Pediátrica da Casa de Saúde Santa Marcelina, em São Paulo. • Claudia Lossio Graduada em Administração de Empresas com MBA Executivo e Certificação PMP (Project Management Professional), é Gerente de Projetos do Instituto Ronald McDonald. • Cristina Rodrigues de Carvalho Graduada em medicina, com título de especialista em pediatria, é pediatra na rotina da enfermaria do Serviço de Oncologia Pediátrica do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e responsável pelo Ambulatório de Dor Pediátrica. • Débora de Wylson Fernandes Gomes de Mattos Graduada em medicina, com títulos de especialista em pediatria e oncologia pediátrica, é médica oncologista pediatra do Serviço de Oncologia Pediátrica do INCA. • Ethel Fernandes Gorender Graduada em medicina com mestrado em oncologia, é oncologista pediatra do Hospital Santa Marcelina, em São Paulo. • Maria Beatriz Ribeiro Eckhardt Graduada em medicina com mestrado em clínica médica na área de Saúde da Criança e Adolescente e títulos de especialista em pediatria e oncologia pediátrica, é oncologista pediatra do INCA. • Maria Tereza Costa (autora do Capítulo 1 e revisora técnica dos demais capítulos) Graduada em medicina e mestre em Saúde Pública, é sanitarista da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e do Ministério da Saúde e atua na Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica do INCA. • Renato Melaragno Graduado em medicina com residência médica em pediatria e em oncologia pediátrica, é presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica e oncologista pediatra do Hospital Santa Marcelina, em São Paulo. • Sima Esther Ferman Graduada em medicina com doutorado em Ciências e títulos de especialista em Pediatria e Oncologia Pediátrica, é chefe do Serviço de Oncologia Pediátrica do INCA. • Tânia Mara Lopes Bitti Bortolini Graduada em serviço social com pós-graduação em Administração de Recursos Humanos e em Planejamento, Execução e Avaliação de Projetos Sociais, é assistente social da Unidade de Onco-hematologia do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória (ES). Colaboradores • Anna Beatriz Amaral Graduada em Medicina, com títulos de especialista em pediatria e cancerologia pediátrica, é responsável pelo Setor de Oncologia Pediátrica do Hospital do Câncer da Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais. • Atalla Mnayarji Graduado em Medicina, com títulos de especialista em pediatria e em cancerologia pediátrica, é médico assistente de pediatria e de terapia intensiva pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e médico assistente de Cancerologia Infantil no Hospital Regional Rosa Pedrossian, Mato Grosso do Sul. • Cassandra Teixeira Valle Graduada em Medicina, com títulos de especialista em cancerologia pediátrica e em área de atuação em hematologia pediátrica, é hematologista pediátrica do Hospital de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e chefe do serviço de cancerologia pediátrica da Liga Norteriograndense Contra o Câncer - Natal/RN. • Carmem Fiori Graduada em Medicina, com doutorado em pediatria com área de concentração em oncologia pediátrica e título de especialista em Oncologia Pediátrica, é responsável pelo setor de Oncologia Pediátrica do Hospital do Câncer de Cascavel, Paraná. • Cintia Assunção Graduada em Medicina, com título de especialista em pediatria, é oncologista pediátrica do Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Bello, pediatra do Hospital Municipal Djalma Marques e professora da Faculdade Santa Terezinha CEST. • Joaquim Caetano de Aguirre Neto (colaborador nos fluxogramas e revisor técnico dos capítulos) Graduado em Medicina, com especialização em pediatria e em cancerologia pediátrica, é médico oncologista pediátrico na Santa Casa de Belo Horizonte e no Hospital de Belo Horizonte, Minas Gerais. • Marcelo dos Santos Souza Graduado em Medicina, com títulos de especialista em pediatria, oncologia pediátrica, hematologia e hemoterapia e transplante de medula óssea, é médico oncologista e hematologista pediátrico da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e médico chefe do Centro de Tratamento Onco-hematológico Infantil do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul. • Suzana Marinho Lima Graduada em Medicina, com residência médica em Oncopediatria, é oncopediatra titular e coordenadora do Serviço de Oncologia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, Alagoas, e preceptora da residência em pediatria da Universidade Estadual de Ciências da Saúde. • Vera Morais Graduada em Medicina, com título de especialista em oncologia pediátrica, é oncologista Pediatra do Centro de Onco-hematologia Pediátrico do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco (UPE), e professora colaboradora no curso de Medicina da UPE. PREFÁCIO Comprometimento e parceria. Essas duas pequenas palavras são a chave para enfrentar grandes desafios, como os da saúde pública e, em especial, o do controle do câncer no país. Hoje, o câncer é a segunda causa de morte por doença no Brasil e no mundo, precedida apenas por doenças cardiovasculares. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 2030 o câncer seja responsável por 12 milhões de mortes. Neste universo, merece atenção o câncer na criança e no adolescente. No Brasil, se o número de casos novos na faixa etária abaixo de 19 anos representa um percentual pequeno em relação ao total – de 2% a 3% -, ainda assim é a segunda causa de morte nesta população. Em países desenvolvidos, o câncer pediátrico, na faixa de 0 a 14 anos, se mantém como a segunda taxa de mortalidade, atrás apenas de causas externas. Hoje, é a mais importante causa de óbitos em países em desenvolvimento. Esse quadro mostra que temos muito a fazer pelos pacientes. A imprecisão dos sinais e sintomas do câncer na infância e na adolescência, confundidos com outras doenças comuns entre os jovens, é um fator que leva à demora no diagnóstico e tem consequência direta na sobrevida dos pacientes. Por isso, atuar na identificação precoce do câncer nessa população é, para nós, prioridade. O trabalho organizado no campo do diagnóstico precoce oferece possibilidades de resultados concretos na vida de cada jovem, tanto no aumento da possibilidade de cura quanto na qualidade de vida. Para alcançar esse objetivo, é fundamental identificar as formas de interação entre o governo, em suas várias instâncias, e a sociedade civil organizada, as empresas e a participação efetiva do cidadão. O Programa Diagnóstico Precoce, para o qual foi produzida esta publicação, é um exemplo de ação integrada e necessária para o enfrentamento do problema do câncer na criança e no adolescente. Cumpre o papel de levar informação qualificada aos pediatras da rede de atenção básica e das equipes de saúde da família, elos fundamentais do jovem e da família com o Sistema Único de Saúde (SUS). O material didático inclui, além do livro, cartilha e pôster. Esta publicação é resultado do comprometimento e da parceria do Instituto Nacional de Câncer (INCA)/ Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Oncopediatra (SOBOPE) e do Instituto Ronald McDonald (IRM) com ações efetivas na área do controle do câncer na criança e no adolescente. Resultados estes que, estamos certos, contribuem para a mudança do quadro atual e melhoria da vida de milhares de pacientes. A qualidade do conteúdo da publicação deve-se à escolha de autores que são experientes profissionais e também à coordenação técnica das três instituições envolvidas. As possibilidades de uso desse material deverão ultrapassar os limites dos projetos apoiados pelo Instituto Ronald McDonald, constituindo-se em ferramenta privilegiada para o conhecimento mais abrangente sobre câncer na infância e adolescência, as especificidades da atenção voltada para este grupo de morbidades e sobre aspectos indispensáveis à melhor compreensão do tema. O sucesso dessa e de outras etapas subsequentes dependerá de nossa capacidade de avaliação contínua e do fortalecimento de parcerias construtivas como esta. Luiz Antonio Santini Diretor geral do Instituto Nacional de Câncer - INCA APRESENTAÇÃO INSTITUTO RONALD MCDONALD Contribuir para mudar o panorama do câncer na criança e no adolescente no país. Esta é a motivação do Instituto Ronald McDonald, sua equipe, parceiros e apoiadores. E na busca pelo aumento do índice de cura do câncer na criança e no adolescente, o Instituto Ronald McDonald, que atua desde 1999, identifica as demandas prioritárias e desenvolve programas que propiciem o diagnóstico precoce, o encaminhamento adequado e o atendimento de qualidade para as crianças e adolescentes com câncer no Brasil. Através do Programa Assistência Oncopediátrica, o Instituto Ronald está comprometido em contribuir para que as capitais brasileiras possuam atendimento com profissionais especializados em oncologia pediátrica, ala de internação, ambulatório, quimioterapia e casa de apoio dedicada a crianças e adolescentes. Pretendemos ampliar essas realizações para outras cidades que, mesmo não sendo capitais, também são pólos convergentes de tratamento do câncer e têm demanda que justifica essa estrutura de atendimento. O Programa Casas Ronald McDonald é mais um aliado no combate ao câncer na criança e no adolescente e garante os mais altos padrões de qualidade e excelência, que são as marcas do programa global da Ronald McDonald House Charities, sistema beneficente internacional representado no Brasil pelo Instituto Ronald McDonald. A realização dos projetos contemplados pelos programas Assistência Oncopediátrica e Casa Ronald McDonald garante a ampliação da abrangência e melhoria da qualidade do atendimento oferecido às crianças e adolescentes, reduzindo as migrações das famílias em busca de tratamento e permitindo que os jovens pacientes sejam atendidos em sua própria localidade ou próximo dela. Além disso, para potencializar as chances de cura, é fundamental que a criança e o adolescente obtenham um diagnóstico precoce e preciso, reduzindo o tempo entre o aparecimento de sinais e sintomas, o diagnóstico e o atendimento em um centro especializado. Por isso, a importância da realização do Programa Diagnóstico Precoce, lançado pelo Instituto Ronald McDonald em 2008, e que agora, com grande satisfação, apresenta esta publicação. O Instituto Ronald McDonald tem trilhado um longo caminho em prol da causa, com resultados muito positivos na vida de milhares de crianças e adolescentes com câncer e seus familiares. E com a certeza de que os caminhos futuros trarão mais frutos, contamos com você, participante do Programa Diagnóstico Precoce, usuário deste material didático, para proporcionar esperança e qualidade de vida para ainda mais crianças e adolescentes. Boa leitura e um excelente trabalho! Francisco Neves Superintendente Instituto Ronald McDonald Adenomegalia generalizada ................................................................ 51 PRINCIPAIS GRUPOS DE NEOPLASIAS E SUAS RECOMENDAÇÕES ............ 51 Leucemias agudas.................................................................................. 51 Linfomas ............................................................................................... 52 Massas abdominais ................................................................................ 54 Tumores do Sistema Nervoso Central ................................................... 57 Tumores oculares .................................................................................. 61 Tumores ósseos .................................................................................... 62 Tumores de partes moles ...................................................................... 64 POPULAÇÃO DE RISCO ......................................................................... 65 O DESAFIO DE PENSAR NO CÂNCER .................................................. 67 CAPÍTULO 5 - CUIDADOS NECESSÁRIOS COM A CRIANÇA E O ADOLESCENTE COM CÂNCER ................................................................. 69 PRINCIPAIS EFEITOS COLATERAIS ......................................................... 69 Toxicidade hematológica ........................................................................ 70 Toxicidades gastrointestinais ................................................................... 71 Toxicidade dermatológica ...................................................................... 72 PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES DO TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO E MEDIDAS PARA SUA PREVENÇÃO ......................................................... 73 Complicações infecciosas ...................................................................... 73 Prevenção das Infecções .................................................................... 74 Cuidados com higiene e alimentação ............................................. 74 Vacinação ...................................................................................... 76 Flebite e extravasamento ....................................................................... 78 Cateteres venosos centrais ................................................................ 78 CUIDAR COM QUALIDADE ................................................................... 79 CAPÍTULO 6 - CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA .......... 81 PRINCÍPIOS E PARÂMETROS ÉTICOS .................................................... 81 QUANDO INICIAR O CUIDADO PALIATIVO? ....................................... 82 COMUNICAÇÃO .................................................................................... 82 CONTROLE DE SINTOMAS ................................................................... 85 Fadiga ................................................................................................... 85 Anorexia e caquexia .............................................................................. 85 Náuseas e vômitos ................................................................................ 86 Constipação intestinal ............................................................................ 87 Diarreia ................................................................................................ 87 DOR ........................................................................................................ 88 Avaliação da dor .................................................................................... 88 Controle da dor .................................................................................... 89 Mitos e verdades relacionados ao tratamento da dor ............................. 95 TERMINALIDADE .................................................................................... 96 LUTO ...................................................................................................... 97 ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS ................................................................. 98 CAPÍTULO 7 - ASPECTOS PSICOLÓGICOS NO CUIDADO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COM CÂNCER ....................................................... 99 HISTÓRIA DA DOENÇA E DO TRATAMENTO .................................... 100 COMUNICAÇÃO COM O PACIENTE E A FAMÍLIA .............................. 101 TRATAMENTO ...................................................................................... 101 FIM DO TRATAMENTO......................................................................... 102 SEQUELAS DO TRATAMENTO ............................................................. 102 RECAÍDA DA DOENÇA ........................................................................ 103 POSSIBILIDADE DA MORTE ................................................................. 103 FIM DA VIDA .......................................................................................... 103 O PACIENTE, SUA DOENÇA, SEUS FAMILIARES, SEUS CUIDADORES ....................................................................................... 104 IMPORTÂNCIA DO ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO ............... 106 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 107 19 Quadro 1 – Projetos da etapa-piloto Relação dos projetos executados na etapa-piloto 1. Alagoas (Maceió) Instituição: Associação dos Pais e Amigos dos Leucêmicos de Alagoas (APALA), em parceria com a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas Título do Projeto: Quanto mais cedo melhor 2. Maranhão (São Luís) Instituição: Fundação Antônio Jorge Dino, em parceria com a Agência Intermunicipal de Consórcio das Micro-Regiões do Munim, Lençóis Maranhenses e Baixo Parnaíba Litoral Título do Projeto: Diagnóstico precoce do câncer pediátrico: papel do Programa de Saúde da Família na Região do Munim, no Estado do Maranhão 3. Minas Gerais (Montes Claros) Instituição: Fundação Sara Albuquerque, em parceria com a Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES Título do Projeto: Articulando o Diagnóstico Precoce 4. Mato Grosso do Sul (Campo Grande) Instituição: Associação dos Amigos das Crianças com Câncer (AACC), em parceria com a Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal Título do Projeto: Capacitação de Equipes Saúde da Família para a Promoção do Diagnóstico Precoce de Câncer em Crianças e Adolescentes, no Estado de Mato Grosso do Sul 5. Paraná (Cascavel) Instituição: União Oeste Paranaense de Estudos e Combate ao Câncer (UOPECCAN) Título do Projeto: Diagnóstico Precoce do Câncer na Criança e no Adolescente 6. Pernambuco (Recife) Instituição: Grupo de Ajuda à Criança com Câncer (GAC), em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Pernambuco Título do Projeto: Diagnóstico Precoce do Câncer Infanto-Juvenil na Atenção Primária à Saúde: o desafio de capacitar a Atenção Básica construindo um protocolo de organização do serviço 7. Rio Grande do Norte (Natal) Instituição: Casa de Apoio à Criança com Câncer Durval Paiva Título do Projeto: Campanha do Diagnóstico Precoce do Câncer Infantil 8. São Paulo (Santo André) Instituição: Casa Ronald McDonald – ABC em parceria com a Faculdade de Medicina do ABC Título do Projeto: Estratégias para o Diagnóstico Precoce do Câncer em Crianças e Adolescentes do Município de São Bernardo do Campo: Parceria com o Programa de Saúde da Família A etapa-piloto, que teve como objetivo principal avaliar o modelo desenhado para o Programa, foi realizada em 2008 e representou um período de intensa troca de experiências e conhecimento entre todos os participantes. Mesmo sendo realizadas na condição de teste, essas iniciativas promoveram resultados surpreendentes na identificação de casos suspeitos em curto prazo, indicando uma provável melhoria na qualificação das suspeitas e na organização da rede. 20 Durante essa etapa foram realizados três workshops, além de visitas aos locais de desenvolvimento dos projetos. Ao longo desse processo, foram consolidadas informações e geradas estatísticas sobre o perfil dos profissionais capacitados e o resultado do processo de aprendizagem. Analisando esses dados, a equipe do Programa pôde ajustar o plano de curso e rever os instrumentos de avaliação. Também a partir da experiência da etapa-piloto decidiu- se elaborar um material didático único para o Programa. Este livro é a principal peça desse material, desenvolvido para subsidiar a formação e servir de fonte permanente de consulta para os profissionais capacitados pelo Programa. Quadro 2 – Números da etapa-piloto A etapa-piloto em números Investimento do Instituto Ronald McDonald nos projetos R$ 416.837,00 Quantidade de profissionais capacitados 2.606 Quantidade de municípios onde ocorreram as capacitações 24 Quantidade de equipes da ESF envolvidas 229 População total atendida pelas equipes de ESF capacitadas 640.910 Na expansão do Programa, além do material didático, está sendo elaborado um Portal de Serviços. Em ambos os casos, o Instituto Ronald McDonald conta com o apoio institucional do INCA/MS e da SOBOPE. Através do Portal, será feito o monitoramento dos projetos de capacitação e serão prestadas informações de interesse sobre o câncer. Também serão oferecidas soluções para apoio aos profissionais capacitados. Uma dessas soluções é o “Auxílio de Especialista”: através de um aplicativo disponível na Internet, o profissional que tiver alguma dúvida pode recorrer a um médico oncologista pediátrico que estará à disposição para orientá-lo na conduta mais adequada. A ideia é que esse serviço promova a expansão do apoio iniciado em sala de aula, a qualquer tempo, em qualquer distância. Todo esse conjunto de ferramentas de apoio ao trabalho dos profissionais da ESF representa um esforço para que eles não se afastem do Programa após a capacitação. O Instituto Ronald McDonald entende que, através desse Programa, será possível empreender ações estruturadas e comuns, em todo o território nacional, construindo uma grande rede que permitirá acompanhar os resultados a médio e longo prazos. A consolidação da estratégia do Programa também colabora para ampliar e fortalecer iniciativas similares num grande movimento que contagia, esclarece e desmistifica o tema. Trata-se de um modelo de gestão absolutamente colaborativa, na qual Estado, iniciativa privada e sociedade civil organizada são aliados em prol de um mesmo objetivo: assegurar maior possibilidade de cura a crianças e adolescentes com câncer. Sendo um dos principais produtos desse trabalho, este livro foi construído não só a partir dos oito projetos da etapa-piloto, mas também por especialistas voluntários do INCA 21 e da SOBOPE. Esperamos que seu conteúdo, que aborda desde a suspeita da doença até os cuidados necessários durante o tratamento, fortaleça o trabalho desenvolvido na ESF, e colabore com a detecção precoce e com a construção de uma rede de assistência integral à criança e ao adolescente com câncer. 24 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE junho de 2008: 25,7% dos casos foram de leucemias, 16,3 % de linfomas e 12,8% de tumores do SNC (FOSP, 2008). O fato de, no Brasil, os tumores de SNC ocuparem o terceiro lugar na incidência, depois das leucemias e dos linfomas, além de demonstrar a necessidade de mais estudos que possam explicar esse quadro, pode sugerir que existam problemas de subdiagnóstico no caso dos tumores de SNC, já que, nos países desenvolvidos, esse grupo de neoplasias é o segundo mais frequente. A sobrevida no câncer pediátrico está relacionada a diversos fatores, entre eles, os relacionados ao paciente, como sexo, idade, assim como a localização, extensão e tipo de tumor. Porém, as questões inerentes à organização do sistema de saúde — que podem implicar maior ou menor facilidade e oportunidade de diagnóstico, referência para tratamento, qualidade do tratamento e suporte social — também contribuem para determinar chances diferenciadas de sobrevida (BLACK, 1998). A sobrevida de crianças com câncer melhorou muito nos últimos 30 anos. Antes disso, essa era uma doença quase sempre associada à morte, enquanto hoje, na maioria dos centros desenvolvidos, sua cura ultrapassa a faixa de 70% dos casos (INCA, 2008). Nos EUA, a sobrevida em cinco anos do câncer em crianças e adolescentes aumentou de 28% em 1960 para 75% em 1990, um crescimento de 42% (SIMONE, 1998). Na Europa, a sobrevida em cinco anos de crianças também melhorou, passando de 44% naquelas diagnosticadas em 1970 para 64% em crianças diagnosticadas em 1980 e 74% para crianças diagnosticadas em 1990 (STELIAROVA-FOUCHER, 2004). Vários fatores colaboraram para a melhora dos resultados, como cuidado especializado das crianças em unidades de oncologia pediátrica dedicadas, com equipes especializadas e participação em estudos clínicos prospectivos, bem delineados (CRAFT, 2000; SIMONE, 2006). No Brasil, embora os resultados de muitos serviços especializados sejam comparáveis aos de países mais ricos, persistem diferenças regionais na oferta de serviços, fazendo com que as médias de sobrevida no país ainda estejam abaixo daquela esperada para o desenvolvimento e conhecimento técnico do momento. A mortalidade por câncer no grupo de 0 a 19 anos apresenta-se hoje como uma das principais causas de óbitos, proporcionalmente, na medida em que houve redução das causas relacionadas à prevenção por imunização e outras ações básicas de saúde, assim como a melhores condições de vida. Até o momento, não são conhecidos fatores de risco que determinem isoladamente maior probabilidade de aparecimento do câncer na criança e no adolescente nem maior risco para a letalidade por essa causa. As propostas de enfoque diferenciado das políticas públicas para a questão do câncer na infância e adolescência justificam-se pela expressão da mortalidade proporcional hoje demonstrada nesse grupo. O câncer já aparece entre as cinco 25 CAPÍTULO 1 - ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E DE ORGANIZAÇÃO DA REDE DE ATENÇÃO ONCOLÓGICA principais causas de óbitos no Brasil desde os primeiros anos de vida (INCA, 2008), porém, é na faixa etária dos 5 aos 18 anos — que frequentemente recebe menor prioridade das ações de vigilância em saúde, incluindo-se a atenção básica — que o câncer representa a primeira causa de óbitos por doença, se não forem considerados os óbitos por causas externas (acidentes e violência). Esses dados são suficientes, portanto, para destacar a importância atual do câncer na formulação de políticas e ações de saúde da criança e do adolescente. Desse modo, as estratégias de ampliação da sensibilidade do sistema de saúde e serviços em geral, visando à suspeita diagnóstica nos casos sugestivos, mesmo sendo a maior parte de seus sinais e sintomas inespecíficos, poderão resultar na detecção precoce de casos, impulsionando a necessidade da organização da rede de serviços, nos seus diferentes níveis de assistência, de modo a garantir o acesso também precoce ao tratamento adequado e de qualidade. LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS Desde a década de 1930, com a criação do Centro de Cancerologia no Serviço de Assistência Hospitalar do Distrito Federal, iniciou-se o processo de organização de ações voltadas para o tratamento do câncer. Em 1941 foi elaborada uma Política Nacional de Controle do Câncer, que foi modificada e desenvolvida por diferentes contextos políticos e institucionais. Com a promulgação da Lei Orgânica da Saúde, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990, observou-se o fortalecimento do Instituto Nacional de Câncer, do Ministério da Saúde, em sua função de órgão formulador da política nacional de prevenção e controle do câncer. Com a publicação da Portaria GM/MS nº 3.535, de 2 de setembro de 1998, o Brasil atingiu uma expressiva rede de unidades credenciadas e habilitadas para a assistência oncológica que, apesar de já apresentar um razoável nível de organização, ainda não se mostrava capaz de determinar impacto suficiente para alterar positivamente as curvas de sobrevida e mortalidade por câncer. A partir de 2003, o INCA iniciou um processo de inovação conceitual com a definição do câncer como um problema de saúde pública, exigindo, assim, a necessidade da contribuição dos serviços de saúde de todos os níveis de complexidade, a participação das instituições da sociedade civil e a busca pela ampliação da visibilidade, da compreensão e da inclusão do controle do câncer na pauta cotidiana dos meios de comunicação e das autoridades das mais diversas áreas. Em 2005, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Atenção Oncológica, que apresenta como premissa a necessária integração da atenção básica às média e alta complexidades, buscando facilidades para o acesso a todas as instâncias de atenção e controle do câncer, além da oferta e utilização racional dos serviços hospitalares e tecnologias médicas (Portaria GM/MS nº 2.439, de 8 de dezembro de 2005). 26 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Segundo a referida portaria, a Política Nacional de Atenção Oncológica deve ser organizada de forma articulada com o Ministério da Saúde e com as secretarias de saúde dos estados e municípios, permitindo, entre outros aspectos, a organização de uma linha de cuidados que perpasse todos os níveis de atenção (básica, especializada de média e alta complexidades) e de atendimento (promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos). No caso específico da atenção básica, recomenda a realização de ações de caráter individual e coletivo, voltadas para a promoção da saúde, prevenção do câncer, bem como para o diagnóstico precoce e apoio à terapêutica de tumores, aos cuidados paliativos e às ações clínicas para o seguimento de doentes tratados. A média complexidade tem a responsabilidade pela assistência diagnóstica e terapêutica especializada, inclusive cuidados paliativos,, garantida a partir do processo de referência e contrarreferência dos pacientes, ações essas que devem ser organizadas segundo planejamento de cada unidade federada e os princípios e diretrizes da universalidade, equidade, regionalização, hierarquização e integralidade da atenção à saúde. Por sua vez, à alta complexidade deve ser garantido o acesso de doentes com diagnóstico clínico ou com diagnóstico definitivo de câncer. É nesse nível de atenção que se deve determinar a extensão da neoplasia (estadiamento), tratar, cuidar e assegurar qualidade de acordo com rotinas e condutas estabelecidas, o que se dará por meio de Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) e Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON). Os prazos e critérios para o credenciamento e habilitação em Oncologia foram atualizados pela Portaria SAS/MS nº 741, de 19 de dezembro de 2005, complementada pela Portaria SAS/MS nº 361, de 25 de junho de 2007, que redefiniu as habilitações em Oncologia na Tabela de Habilitações de Serviços Especializados, do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, e pela Portaria SAS/MS nº 62, de 11 de março de 2009. Na Portaria SAS/MS nº 741, de 2005, que contou com a participação do INCA na sua elaboração, estão conceituadas as UNACOM, os CACON e os Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia, determinando seus papéis na rede de saúde e as qualidades técnicas necessárias ao bom desempenho no contexto da rede assistencial. O credenciamento dos serviços nos diferentes níveis de atenção depende de suas condições e perfil de desempenho, porém é determinado a partir de parâmetros que consideram uma base territorial de atuação, a partir das estimativas de casos novos de câncer por ano, em determinada região, relacionando esses números às necessidades de oferta de atenção oncológica. As Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia podem prestar serviços em diferentes especialidades, incluindo-se o Serviço de Oncologia Pediátrica. Do mesmo modo, por decisão do respectivo gestor do SUS, com base na análise de necessidades, um hospital exclusivo de Pediatria pode ser credenciado como Unidade de Assistência de Alta Complexidade 29 CAPÍTULO 2 - DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PORTADORES DE CÂNCER Como vimos, a organização da rede de atenção é fundamental para o diagnóstico precoce, o tratamento e a cura de crianças e adolescentes com câncer. Mas é importante que o profissional de saúde saiba que essa rede é mais ampla, incluindo um conjunto de outros direitos ligados direta ou indiretamente à área da saúde que são garantidos aos pacientes com câncer. A Constituição Federal de 1988, uma das grandes conquistas da população brasileira em relação aos direitos sociais, assegurou, por meio de seus pressupostos, entre outros, o direito à saúde, à assistência social e à educação. Mais tarde, esses itens foram implementados por meio de políticas públicas integradas e articuladas entre si, possibilitando o acesso daqueles que delas necessitam. No seu art. 196, a Constituição preconiza que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Assim, respeitando o princípio da dignidade humana, toda pessoa acometida por doenças tem direito a tratamento adequado independentemente de sua condição social e financeira, por meio dos diversos serviços ofertados e financiados pelo SUS. Dessa forma, aos portadores de câncer estão garantidos, dentre outros: • exames complementares necessários desde os mais simples aos mais complexos; • assistência médica e de outros profissionais como enfermeiro, assistente social, psicólogo, nutricionista, em unidades especializadas no tratamento do câncer, mesmo fora de seu município de origem, ou, se necessário, fora do estado; • cirurgia, quimioterapia, radioterapia, transplantes, cuidados paliativos, entre outros tratamentos; • transporte ou recursos financeiros para custeio de passagens, hospedagem e alimentação quando o tratamento for realizado fora do seu município de origem; • acesso à medicação mais indicada para os diferentes casos; • acesso a órteses e próteses. Baseados na Lei Federal nº 8899/94, que concede passe livre aos portadores de deficiência em transporte coletivo interestadual, alguns municípios, mediante lei ou resolução, estenderam o benefício aos portadores de câncer em tratamento quimioterápico ou radioterápico. Para os pacientes de câncer que são usuários de cadeira de rodas, em algumas localidades, existem serviços públicos especiais. A família pode solicitar ao médico que acompanha o paciente um laudo que ateste a necessidade do uso da cadeira de rodas e levá-lo ao órgão estadual ou municipal responsável pelo transporte urbano para cadastrar a criança ou adolescente no serviço. Esse serviço faz parte de um programa que visa à inclusão de pessoas portadoras de deficiência desenvolvido por secretarias municipais ou estaduais de transporte urbano. 30 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE PROBLEMAS E BENEFÍCIOS RELATIVOS AO EMPREGO E RENDA Crianças e adolescentes com até 18 anos de idade possuem tratamento diferenciado garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD). Eles têm, por exemplo, prioridade no atendimento e direito à convivência familiar, devendo ter a companhia de pelo menos um dos pais ou responsáveis durante todo o tratamento. Sendo pessoas em desenvolvimento, carecem de afeto e cuidados, justificando-se a presença de um familiar que lhe proporcione proteção, segurança e socialização. Mas a incompatibilização das garantias asseguradas pelo ECRIAD com as legislações trabalhista (CLT) e previdenciária vigentes contribui para o aumento da vulnerabilidade de muitas famílias, pois pais trabalhadores formais e contribuintes previdenciários do INSS não podem ausentar-se do trabalho para acompanhar o filho doente, sob o risco de perderem o emprego. Essa situação recai mais frequentemente sobre as mulheres inseridas no mercado formal e chefes de família, desencadeando triplo impacto: a dor de ver seu filho doente, a perda do emprego e, consequentemente, a perda da renda familiar. Já os servidores públicos têm direito à licença remunerada para acompanhamento de seu filho doente. Consciente da vulnerabilidade financeira enfrentada pelas pessoas envolvidas no processo de diagnóstico e tratamento de doenças como câncer e aids, a legislação brasileira garante, para os trabalhadores formais, pais ou responsáveis legais de criança ou adolescente com câncer, os seguintes benefícios: • Saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990): somente os titulares de contas do FGTS podem sacar sem limite e em parcela única os valores depositados. Para tanto, basta procurar a Caixa Econômica Federal, munido da seguinte documentação: - Atestado médico com menção à Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, informando o diagnóstico, estágio clínico atual da doença e do paciente, CID (Código Internacional de Doenças), número do CRM e assinatura do médico assistente. - Original e cópia do resultado do exame histopatológico ou complementar que comprove a doença. - Documento de identificação do titular da conta. - Carteira de Trabalho do titular da conta. - Comprovante de dependência da criança ou do adolescente (Certidão de Nascimento, termo de guarda ou tutela). 31 CAPÍTULO 2 - DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PORTADORES DE CÂNCER • Saque de quotas do PIS/PASEP (Resolução nº 1, de 15 de outubro de 1996, do Conselho Diretor do Fundo de Participação PIS-PASEP/MF): é necessário que o responsável legal esteja cadastrado no PIS/PASEP junto à Caixa Econômica Federal ou ao Banco do Brasil e que leve a uma das agências desses bancos a documentação abaixo: - Atestado médico com menção à Resolução nº 1, de 15 de outubro de 1996, do Conselho Diretor do Fundo de Participação PIS-PASEP/MF, informando o diagnóstico, estágio clínico atual da doença e do paciente, CID (Código Internacional de Doenças), número do CRM e assinatura do médico assistente. - Cópia do resultado do exame histopatológico ou complementar que comprove a doença. - Documento de Identidade do titular. - Carteira de Trabalho do titular. - Cartão do PIS/PASEP do titular. - Comprovante de dependência da criança e do adolescente (Certidão de Nascimento, termo de guarda ou tutela). Outras famílias, porém, enfrentam dificuldades de ordem social, econômica e afetiva preexistentes à instalação da doença no seu meio. Essas dificuldades tendem a se agravar em decorrência das novas necessidades da criança doente e do afastamento de casa de um dos pais para acompanhar o tratamento. Esse afastamento contribui para aumentar a exposição dos outros filhos menores e saudáveis a risco social e pessoal por falta de algum tipo de proteção. O advento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) trouxe novas perspectivas para o enfrentamento dessa situação, pois as diversas ações sociais desenvolvidas por meio dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) se voltam à proteção social da família. Os Centros estão localizados em territórios com até 20 mil habitantes e acompanham cerca de 5 mil famílias em situação de vulnerabilidade social por meio de políticas de prevenção e monitoramento de riscos. Dessa forma, é possível ter uma visão real sobre as necessidades dos usuários, dissipando distorções acerca da assistência social e contribuindo para um maior empoderamento das famílias na proteção de seus membros, tal como estabelece a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 - Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). A LOAS prevê, dentre outros: • Benefício de Prestação Continuada (BPC): repasse de um salário mínimo pelo Governo Federal para aqueles pacientes que comprovem estar incapacitados para o exercício 35 CAPÍTULO 3 - DETECÇÃO PRECOCE: POSSIBILIDADES E LIMITES O processo de desenvolvimento de um tumor, denominado carcinogênese, é multifatorial, sofre interferências de fatores de risco ambientais e das características genéticas e de suscetibilidade individual dos pacientes. Existem vários níveis de prevenção do câncer (Figura 1). As medidas de prevenção primária são aquelas que visam a diminuir ou eliminar a exposição a fatores de risco sabidamente carcinogênicos, como o tabagismo, por exemplo (POLLOCK, 2006). No entanto, o papel dos fatores ambientais ou exógenos no desenvolvimento do câncer na criança e no adolescente é mínimo. Esses fatores, geralmente, necessitam de um período de exposição longo e possuem um intervalo grande de latência entre a exposição e o aparecimento clínico da doença. Dessa forma, não existem medidas efetivas de prevenção primária para impedir o desenvolvimento do câncer na faixa etária pediátrica, exceto a vacinação contra hepatite B, que é eficaz na prevenção do desenvolvimento do hepatocarcinoma (CHANG, 2000). Figura 1 – Modalidades de prevenção do câncer e pontos de intervenção Na prevenção secundária, o objetivo é a detecção do câncer em seu estágio inicial de desenvolvimento. Uma das modalidades desse nível de prevenção é o rastreamento que visa a detectar o câncer antes mesmo que ele produza sinais e sintomas clínicos. Para os adultos, mostram-se eficazes as medidas de rastreamento do câncer do colo do útero pelo teste de Papanicolaou, do câncer de mama pela mamografia e do câncer de intestino pelo exame de sangue oculto nas fezes e colonoscopia. Para as crianças, as medidas de rastreamento não se mostraram efetivas ou são restritas a um grupo pequeno de pacientes. Por exemplo: • Com o objetivo de diminuir a alta mortalidade observada em pacientes com neuroblastoma, pesquisadores do Japão, América do Norte (principalmente Quebec, Canadá) e Europa (principalmente França e Alemanha) realizaram programas de rastreamento em massa de lactentes para diagnóstico de neuroblastoma, com o objetivo 36 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE de detectar a doença em uma fase inicial ou pré-sintomática. O método envolvia a coleta da urina de crianças saudáveis aos seis meses de idade para pesquisa do metabólito das células tumorais - ácido vanil mandélico (VMA). Nos anos de estudo não houve diminuição da mortalidade, sendo que houve aumento do número de casos de tumores localizados com prognóstico favorável, sem diminuição da prevalência e mortalidade pela doença em pacientes com idade acima de um ano. Além disso, algumas crianças detectadas pelo rastreamento foram supertratadas, pois apresentavam tumores que poderiam involuir ou maturar espontaneamente. Dessa forma, os esforços para o rastreamento em massa em todo o mundo foram desacelerados (HIYAMA, 2008; MARIS E WOODS, 2008). Até o momento, essa não é considerada uma boa estratégia para a detecção precoce para os neuroblastomas. • Alguns pacientes com determinadas malformações e síndromes genéticas podem se beneficiar do rastreamento (ver também Capítulo 4). Os pacientes portadores da síndrome de Beckwith-Wiedmann possuem maior risco de desenvolver tanto tumor de Wilms quanto hepatoblastoma. O rastreamento com ultrassom de abdômen a cada três meses, até os 8 anos de idade, e a dosagem sérica de alfafetoproteína, a cada três meses, até os 4 anos de idade, podem identificar tumores em estágios iniciais da doença (RAO, 2008). O diagnóstico precoce é outra estratégia de prevenção secundária, que inclui medidas para a detecção de lesões em fases iniciais da doença a partir de sinais e sintomas clínicos. Seguido por um tratamento efetivo, atualmente, é considerado uma das principais formas de intervenção que pode influenciar positivamente o prognóstico do câncer na criança e no adolescente, reduzindo a morbidade e a mortalidade pela doença. É essencial como medida de controle de um sério problema de saúde. O diagnóstico feito em fases iniciais permite um tratamento menos agressivo, quando a carga de doença é menor, com maiores possibilidades de cura e menores sequelas da doença ou do tratamento (RODRIGUES E CAMARGO, 2003). Para a obtenção de altas taxas de cura são necessários, também, cuidado médico, diagnóstico correto, referência a um centro de tratamento e acesso a toda terapia prescrita (HOWARD, 2005). O atraso do diagnóstico, com o subsequente atraso na instituição do tratamento adequado, pode acarretar inúmeras consequências desfavoráveis para as crianças e adolescentes com câncer. Algumas dessas consequências podem ser exemplificadas no Quadro 3, a seguir. 39 CAPÍTULO 3 - DETECÇÃO PRECOCE: POSSIBILIDADES E LIMITES Quadro 4 - Apresentação clínica de crianças com o diagnóstico inicial de câncer atendidas em um departamento de emergência (KUNDRA, 2009) Emergência Exemplo Hematológica Anemia (hemoglobina<7g/dl), trombocitopenia (< 10.000/mm3), leucócitos (> 100.000/mm3) Sistema nervoso central Convulsões de início agudo, sinais e sintomas de hipertensão intracraniana, paralisia de nervos cranianos, déficits neurológicos focais, ataxia, alteração ou perda da visão, paraparesia Cardiovascular Pericardite, derrame pericárdico Endócrino Diabetes insipidus, puberdade precoce Metabólico Hiponatremia, desidratação, icterícia Geniturinário Hematúria maciça Musculoesquelético Claudicação, dor grave nas costas ou nas articulações Distensão abdominal Massas abdominais FATORES QUE INFLUENCIAM NO TEMPO PARA O DIAGNÓSTICO Em adultos, estudos têm verificado que atrasos mais longos no diagnóstico podem influenciar no prognóstico. O estudo da importância do atraso no diagnóstico em crianças, no entanto, não tem recebido tanta atenção. A pesquisa sobre esse assunto é complicada por dificuldades metodológicas, assim como por problemas inerentes às características clínicas e ao comportamento biológico dos tumores da infância (DAN-TANG, 2007). Poucos estudos têm sido publicados sobre os fatores que influenciaram o tempo para o diagnóstico no câncer da infância, sendo, na sua maioria, retrospectivos, o que pode ocasionar vieses (FAJARDO-GUTIERREZ, 2002). Além disso, os resultados das diferentes pesquisas por vezes são discordantes, ou seja, algumas variáveis têm importância para o tempo de diagnóstico em alguns estudos e não em outros. Os seguintes fatores podem interferir no tempo gasto desde o início da apresentação dos primeiros sinais e sintomas até o diagnóstico do câncer em crianças e adolescentes: • Tipo do tumor: diferentes tipos de câncer na infância têm diferentes tempos para diagnóstico. Tumor de Wilms e leucemia tendem a ser diagnosticados mais precocemente (2,5 - 5 semanas), enquanto os tumores do Sistema Nervoso Central e os tumores 40 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE ósseos são diagnosticados mais tardiamente (21 - 29 semanas) (POLLOCK, 1991; HAIMI, 2004; KLEIN-GELTINK, 2005; DANG-TAN, 2007). • Localização do tumor: foi observado tempo mais curto de diagnóstico em crianças com rabdomiossarcoma localizado no nariz, faringe e órbita, comparadas com crianças que desenvolvem a doença na face e no pescoço (PRATT, 1978). Os tumores de Sistema Nervoso Central são diagnosticados mais rapidamente quando se manifestam na região infratentorial (10,8 semanas em média) do que quando ocorrem na região supratentorial (43,4 semanas em média) (FLORES, 1986). • Idade do paciente: vários estudos demonstraram que o tempo para o diagnóstico foi mais curto em crianças menores de 5 anos de idade do que em adolescentes. Tem sido sugerido que isso ocorre porque os pais prestam mais atenção a lactentes e pré- escolares e os levam a maior número de consultas de rotina com o pediatra, ao contrário dos adolescentes, que têm vergonha de despir-se diante dos pais e são pouco levados ao pediatra (RODRIGUES E CAMARGO, 2003; HAIMI, 2004; DANG-TAN, 2007). • Suspeita clínica: em estudos de crianças com tumor do Sistema Nervoso Central, os pais relataram que consultaram, em média, 4,5 médicos (variação de 1-12) antes de obter o diagnóstico. Algumas vezes a comunicação insuficiente entre o pediatra geral, ou o médico de família, e outros profissionais, como oftalmologistas, psicólogos e professores, contribuiu para o retardo no diagnóstico (EDGEWORTH, 1996). O índice de suspeita dos médicos é considerado uma importante variável para o diagnóstico correto. • Extensão da doença: o estágio da doença no momento do diagnóstico é um fator importante a ser considerado, porque é um indicador da cronologia da progressão da doença e um determinante da constelação de sinais e sintomas. A análise do tempo para diagnóstico e estágio da doença é mais complexa, pois fatores biológicos podem também interferir no tempo para o diagnóstico. Alguns estudos mostraram que o tempo mais longo de diagnóstico foi associado ao estágio mais avançado da doença (FERMAN, 2006; RODRIGUES, 2004). No México, mais de 50% das crianças com tumores sólidos foram diagnosticadas com a doença avançada. • Cuidado e/ou percepção da doença pelos pais: em um estudo de crianças com tumor de Sistema Nervoso Central, 92% dos pais comentaram, depois do diagnóstico, que sentiram que a criança tinha “um problema”. Pais são considerados um fator importante para o diagnóstico do câncer na criança (EDGEWORTH,1996). • Nível de educação dos pais: no México, pesquisas mostraram que crianças cujos pais tinham nível de educação mais baixo tinham tempos mais longos para o diagnóstico do que crianças com pais com nível educacional mais alto (FAJARDO-GUTIERREZ, 2002). 41 CAPÍTULO 3 - DETECÇÃO PRECOCE: POSSIBILIDADES E LIMITES • Distância do centro de tratamento: no estudo de Fajardo-Gutierrez (2002), pacientes que viviam próximos da cidade do México tinham um tempo de diagnóstico menor do que os que viviam longe da cidade. • Sistema de cuidado de saúde: a falta de organização do sistema de cuidado de saúde pode influenciar no tempo para o diagnóstico do câncer na criança e no resultado do tratamento. Em países em desenvolvimento, o diagnóstico é feito, em geral, em estágios mais avançados da doença, tendo como consequência a piora do prognóstico. A eficiência do sistema de saúde é fundamental para melhores resultados, uma vez que interfere em quase todas as etapas da cadeia de cuidado, de diagnóstico e de tratamento. Considerando-se os aspectos apontados acima, visualizam-se as possibilidades que a organização do trabalho da ESF e os pressupostos que fundamentam esse modelo oferecem para uma melhor abordagem de alguns fatores que podem influenciar no tempo de diagnóstico do câncer na criança e no adolescente . Uma das características fundamentais da ESF é a responsabilidade pela atenção básica à saúde da população adscrita, que se traduz na identificação dos problemas de saúde dessa população para o planejamento e implementação de ações; no estabelecimento de vínculos mais efetivos com as famílias do território; no acompanhamento domiciliar da situação de saúde das famílias cadastradas; e na coordenação do cuidado prestado a essa população por todos os níveis do sistema. Por exemplo, a ESF pode desenvolver ações voltadas para o acompanhamento contínuo dos adolescentes do seu território, evitando a lacuna de atendimento nessa faixa etária frequentemente presente nas unidades básicas tradicionais. Além disso, pelos vínculos estabelecidos com as famílias, os profissionais da equipe se configuram como uma referência para os pais na identificação de situações “anormais” percebidas em seus filhos. Por outro lado, a responsabilidade pela coordenação do cuidado da população adscrita, além de permitir maior agilidade na investigação diagnóstica através do contato com os outros níveis do sistema de saúde, propicia também uma interlocução com outros profissionais que lidam com a criança e o adolescente como, por exemplo, professores, na perspectiva de identificação de sinais e sintomas importantes para o diagnóstico precoce. CADEIA DE CUIDADOS PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DO CÂNCER O tempo para diagnóstico do câncer é o tempo entre o início dos sinais e sintomas do tumor e o diagnóstico. Esse período é também conhecido como lag time. O tempo entre 44 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE realizado em Recife, foi observado conhecimento insuficiente dos sinais e sintomas mais comuns do câncer pediátrico por profissionais da Saúde da Família, apontando para a necessidade de se implementarem mais estratégias de educação (WORKMAN, 2007). • Aumento da comunicação entre os serviços de cuidado primário e os especializados para acelerar o encaminhamento da criança com suspeita de câncer para que o diagnóstico seja estabelecido o mais rápido possível, o que requer melhor organização da rede. 45 CAPÍTULO 4 - SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Como já foi mencionado, o câncer na infância e adolescência difere em vários aspectos do câncer na idade adulta. Além de se tratar de uma doença rara na faixa etária de 0 a 19 anos, as diferenças se acentuam na origem biológica, nos fatores de risco, nos tipos histológicos, no sítio anatômico e nas respostas ao tratamento. Essas características interferem na forma de apresentação clínica e nas medidas de prevenção primária e secundária (ver Figura 1, no Capítulo 3) (Polock, 2006). No paciente adulto, a maioria das neoplasias malignas é de origem epitelial, com evolução lenta, e muitas vezes passível de prevenção primária por serem causadas ou influenciadas por fatores de risco ambientais como o tabagismo, o etilismo, o sedentarismo e a obesidade. Já na criança e no adolescente, os tumores em geral são de origem embrionária, mais agressivos, de evolução mais rápida, muitas vezes em estágio avançado no momento do diagnóstico. No processo de carcinogênese dos tumores pediátricos os fatores ambientais exercem pouca ou nenhuma influência, dificultando as medidas de prevenção primária. O diagnóstico precoce é, portanto, uma medida de prevenção secundária, que possui grande potencial na mudança da realidade para as crianças e adolescentes com câncer, permitindo o tratamento das doenças em estágios iniciais e a utilização de modalidades de tratamento menos agressivas e menos tóxicas e proporcionando melhores resultados com menos sequelas (MALOGOLOWKIN, 2006). Como vimos, acredita-se que a demora em se realizar um diagnóstico está relacionada, dentre outros aspectos, com apresentações da doença em estágios mais avançados. Esses casos podem ser daqueles pacientes que recorreram à assistência médica várias vezes no decorrer de semanas, meses, sempre com a mesma queixa ou com o agravamento da situação que os levou a procurar a primeira vez um serviço de saúde. Nessas situações, o paciente é diagnosticado em condições clínicas desfavoráveis, com muitas complicações (Quadro 3, Capítulo 3) que dificultam o tratamento e o seu resultado. Os tumores dos pacientes pediátricos podem ser subdivididos em dois grandes grupos: • Tumores hematológicos, como as leucemias e os linfomas. • Tumores sólidos, como os do sistema nervoso central/ cérebro, tumores abdominais (neuroblastomas, hepatoblastomas, nefroblastomas), tumores ósseos e os tumores de partes moles (rabdomiossarcomas, sarcoma sinovial, fibrossarcomas), por exemplo. O que dificulta, em muitos casos, a suspeita e o diagnóstico do câncer nas crianças e nos adolescentes é o fato de sua apresentação clínica ocorrer através de sinais e sintomas que são comuns a outras doenças mais frequentes (Quadro 5), manifestando-se através de sintomas gerais, que não permitem a sua localização, como febre, vômitos, emagrecimento, sangramentos, 46 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE adenomegalias generalizadas, dor óssea generalizada e palidez. Ou, ainda, através de sinais e sintomas de acometimento mais localizados, como cefaleias, alterações da visão, dores abdominais e dores osteoarticulares. Quadro 5 – Sinais e sintomas do câncer infantil e o seu diagnóstico diferencial Sinais e Sintomas Tipos de Câncer Diagnóstico Diferencial Febre Leucemia, Linfoma Infecção Vômito Massa abdominal, tumor cerebral Infecção, refluxo gastroesofagiano Constipação Massa abdominal Má alimentação Tosse Massa mediastinal Infecção no trato respiratório superior, doença respiratória reativa, pneumonia Dor óssea ou muscular Leucemia, tumor ósseo, neuroblastoma Lesão músculo esquelética, infecção viral Dor de cabeça Tumor cerebral Cefaleia de tensão, enxaqueca, infecção Linfadenopatia (> 2 cm) Leucemia, Linfoma, doença metastática Linfadenite, infecção sistêmica, doença do colágeno Hematúria Tumor de Wilms Infecção do trato urinário, glomerulonefrite Dificuldade de micção Rabdomiossarcoma Anormalidades congênitas do trato urinário Por esse motivo, é essencial que se contextualizem os achados clínicos com a idade, sexo, associação de sintomas, tempo de evolução e outros dados para que se possa fazer uma suspeita correta e conduzir o caso de maneira rápida e eficaz. Seguem algumas recomendações gerais para o pediatra e médico da equipe de Saúde da Família para a condução de um caso suspeito (NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CLINICAL EXCELLENCE, 2005): • Sempre levar a sério quando os cuidadores (pais) informam que a criança não está bem, tendo em conta que eles são, na maioria das vezes, os melhores observadores da situação de saúde das crianças. • Estar disponível para reavaliar seus pacientes sempre que necessário. Na persistência do problema sem resolução ou melhora dentro do padrão previsto, uma segunda opinião de outro profissional é recomendada. • Nas fases de suspeita diagnóstica, interagir com outros profissionais, como os demais profissionais da ESF, professores e psicólogos, além de médicos de várias especialidades, como oftalmologista, neurologista, neurocirurgião e ortopedista. A discussão dos casos 49 CAPÍTULO 4 - SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA e outros tumores sólidos (neuroblastoma, rabdomiossarcoma e tumores da família Ewing); por hemólise, como ocorre em alguns casos de linfoma de Hodgkin; e por sangramentos (mecanismo de perda) que ocorrem, por exemplo, no caso das leucemias devido à plaquetopenia e nos casos de sangramento intratumoral, que podem ocorrer nos nefroblastomas (tumor de Wilms). SANGRAMENTOS ANORMAIS SEM CAUSA DEFINIDA Pequenos hematomas são frequentemente encontrados em crianças (em regiões de anteparo ósseo nas pernas, braços) e podem ser facilmente associados às suas atividades. Por outro lado, as manifestações cutâneas de sangramento (equimoses, petéquias, epitaxe, gengivorragias) não associadas a traumatismos devem ser valorizadas (FERNANDES, 2003). Petéquias de distribuição anárquica, não restritas a determinados locais, podem estar associadas à plaquetopenia. Nas neoplasias, o mecanismo mais comum de alterações plaquetárias é a produção deficiente, decorrente de processos infiltrativos da medula óssea (leucemias e tumores sólidos metastáticos). DOR GENERALIzADA A dor é sintoma que está presente em mais de 60% dos diagnósticos oncológicos (leia mais sobre dor no Capítulo 5). A infiltração tumoral da medula óssea e as metástases ósseas desencadeiam um processo de dor que é evidenciado na criança que apresenta diminuição das suas atividades habituais, que só quer ficar deitada, que não quer brincar, que rejeita qualquer tipo de manipulação; na irritabilidade; na dificuldade de dormir; e na diminuição do apetite. Essa dor óssea pode ser investigada através da manobra de compressão das regiões esternal e tibial anterior. Em 10% a 50% dos casos de leucemia aguda, as queixas de dor óssea podem estar presentes, simulando um quadro de doença reumatológica (JONES, 2006; ROBAZZI, 2007). Nessas situações, o uso de corticosteroides (prednisona, dexametasona) só deve ser feito após o diagnóstico preciso de patologia reumática ou exclusão de possível leucemia, pois o uso dessa medicação por mais de 48 a 72 horas antes da realização do mielograma pode impedir o diagnóstico dessa neoplasia. ADENOMEGALIA Os linfonodos são frequentemente palpados nas crianças e representam uma etapa do crescimento normal do tecido linfoide ou um processo reativo às doenças benignas e 50 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE autolimitadas da infância. No entanto, o encontro de gânglios aumentados de tamanho e número, com alterações da consistência, pode ser um sinal de doença grave (infecciosa, neoplásica ou autoimune, por exemplo). Adenomegalias são bastante frequentes na criança e, em geral, estão relacionadas a processos infecciosos sistêmicos ou localizados (KOBINGER, 2000). A abordagem clínica da criança ou adolescente com adenomegalia exige anamnese detalhada e exame físico minucioso. É preciso procurar, por exemplo, focos infecciosos localizados, tais como infecção dentária, dentes mal conservados, infecções amigdaliana e cutânea etc. O exame objetivo dos linfonodos deve ser guiado por sua localização, território de drenagem, tamanho, consistência, sinais inflamatórios, mobilidade, número, simetria/assimetria e supuração (Quadro 6). As adenomegalias neoplásicas são caracterizadas por gânglios maiores que 3 cm no maior diâmetro, endurecidos, de crescimento lento, indolores, aderidos aos planos profundos, sem evidência de infecção na área de drenagem. Quando múltiplos (mesmo em uma mesma cadeia ganglionar), tendem a coalescer, formando blocos. Quadro 6 – Dados de importância no diagnóstico diferencial de adenopatias benignas, malignas e infecciosas (FREIRE, 2005) Dados de Importância Benigna Infecciosa Maligna Porta de entrada local - ++ - Contato com animal - ++ - Sinais inflamatórios locais - +++ ± Supuração ±/+ + - Consistência aumentada + ++ +++ Bordas distintas +++ - + Fixação na pele + +++ + Fixação no músculo + + +++ Sinais gerais - + ++ Adenopatia mediastinal - + ++ Adenomegalia localizada A linfadenomegalia localizada ou regional é definida como o aumento de linfonodos dentro de uma mesma região anatômica em contiguidade. 51 CAPÍTULO 4 - SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Adenomegalia generalizada A adenomegalia/adenopatia generalizada é definida como a presença de aumento ganglionar em duas ou mais cadeias anatômicas linfonodais não contíguas. As doenças neoplásicas primárias ou metastáticas, como as leucemias, os linfomas, os neuroblastomas e os rabdomiossarcomas, podem iniciar o quadro com o surgimento de linfadenomegalia, evoluindo com o aparecimento progressivo de outros sinais de comprometimento generalizado como febre, anemia, emagrecimento, sangramentos e hepatoesplenomegalia (TWIST, 2002). PRINCIPAIS GRUPOS DE NEOPLASIAS E SUAS RECOMENDAÇÕES LEUCEMIAS AGUDAS A leucemia aguda é a principal neoplasia que acomete as crianças e adolescentes. Possui um período de latência curto com história de surgimento dos sintomas de poucas semanas. O fluxograma 1 é recomendado para orientação do diagnóstico e conduta. Fluxograma 1 – Sinais de alerta para as leucemias 54 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Um paciente com adenomegalia suspeita para diagnóstico oncológico deverá ser encaminhado rapidamente para um serviço especializado em onco-hematologia pediátrica para ser submetido a exames complementares, como mielograma, ultrassonografia, tomografias computadorizadas e biópsias linfonodais. Uma equipe especializada é importante, inclusive na decisão de qual exame diagnóstico, qual o local e qual o tipo de biópsia (aspirativa por punção, incisional ou excisional) devem ser realizados. É desejável que o serviço de referência seja o mesmo que vai iniciar o tratamento a fim de que não ocorra atraso entre o diagnóstico e o início do tratamento adequado. É considerado um quadro de emergência, com necessidade de encaminhamento em poucas horas para um serviço de referência, aquele paciente que se apresenta com linfadenomegalia associada a quadro pulmonar de dispneia, “falta de ar”. Esses casos podem apresentar volumosas linfadenomegalias mediastinais, massas mediastinais que provocam compressão das vias aéreas e da veia cava superior, ocasionando um risco iminente de morte. Na disponibilidade de um exame radiográfico do tórax, pode-se confirmar o quadro suspeito. Mas atenção: a realização do exame não deve atrasar o encaminhamento. Além disso, muitas vezes o alargamento do mediatino observado no Raio X simples de tórax pode ser facilmente confundido com aumento da área cardíaca ou com pneumonias. Esses quadros podem, ainda, ser confundidos com broncoespasmo e crise de asma. O uso de corticoides (prednisona ou dexametasona) por mais de 48 a 72 horas pode impedir o diagnóstico dessa neoplasia. Isso porque o diagnóstico dos linfomas é feito pela análise anátomo- patológica de uma biópsia linfonodal, massa abdominal, massa mediastinal ou até mesmo pelo mielograma. O uso do corticoide pode regredir a doença linfonodal, massa e infiltração medular. MASSAS ABDOMINAIS A presença de massa abdominal palpável é uma das principais formas de apresentação clínica dos tumores sólidos em crianças. Essas neoplasias malignas são representadas principalmente pelos neuroblastomas, tumores renais de Wilms (nefroblastomas), linfomas não Hodgkin (tipo Burkitt), hepatoblastomas e tumores de células germinativas (GOLDEN, 2002). A maioria desses tumores abdominais são assintomáticos e reconhecidos acidentalmente pelos pais, cuidadores ou, menos frequentemente, no exame clínico de rotina. Isso se deve em parte ao pico de idade em que ocorrem essas neoplasias, que é de 1 a 5 anos, quando o cuidado diário (banho, troca de roupa) com a criança muitas vezes é realizado por terceiros e é uma idade em que a criança ainda não consegue definir nem localizar precisamente a fonte de dor. A dor abdominal é uma das queixas mais comuns em pediatria e está relacionada, na maioria das vezes, a processos infecciosos gastrointestinais benignos de curta duração. A dor, entretanto, é um sintoma fundamental na identificação de condições cirúrgicas agudas que exigem 55 CAPÍTULO 4 - SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA tratamento de urgência. É o caso dos linfomas de Burkitt, que são caracterizados por volumosas massas abdominais de crescimento rápido, ocasionando obstruções intestinais e urinárias. O tumor, para causar dor abdominal, deve, portanto, apresentar um crescimento rápido, assumindo grande volume, até que cause compressão e mau funcionamento de um órgão. É essencial na abordagem das massas abdominais, além de uma história bem conduzida, a realização de um exame físico completo. Especial atenção deve ser dada ao exame abdominal (POLLOCK, 2006). Deve-se esforçar em tentar examinar a criança em condições ideais, mesmo que para isso gaste-se um tempo maior para acalmá-la e distraí-la. O exame da genitália não deve ser esquecido, já que o aumento do volume e da consistência testicular pode representar um tumor primário do testículo. Outras malformações genitourinárias podem acompanhar o diagnóstico de tumores renais e a puberdade e/ou virilização precoce podem estar presentes nos carcinomas de adrenal. A realização do toque retal é de grande importância, acrescentando informações valiosas ao exame clínico de pacientes com suspeita de tumor abdominal, pois pode identificar massas pélvicas, fecalomas e presença de muco ou sangue no dedo da luva. As parasitoses intestinais e a constipação intestinal são muitas vezes atribuídas como causa do desconforto abdominal das crianças. De fato, podem até mesmo estar associadas ao diagnóstico oncológico e não é raro serem causa de atraso do diagnóstico do câncer em crianças e adolescentes. Por isso, a persistência dos sintomas após o diagnóstico e o tratamento adequado deve sempre ser melhor investigada. Tumores retroperitoneais, como o neuroblastoma, podem causar síndrome de compressão medular por invasão do canal medular levando a dor nas costas e nas pernas, claudicação, parestesias e incontinência fecal e urinária. Uma abordagem sistemática e cuidadosa, como a exemplificada pelo Fluxograma 3, pode permitir um diagnóstico e tratamento eficazes para as massas abominais. Crianças e adolescentes com aumento rápido e progressivo do volume abdominal, associado à presença de massa palpável no exame clínico e qualquer suspeita de síndrome de compressão medular, devem ser encaminhados imediatamente para um serviço especializado em onco-hematologia pediátrica para a realização de exames e procedimentos diagnósticos (como ultrassonografia, mielograma, tomografias, ressonância e biópsias). Naqueles locais em que é possível realizar exame ultrassonográfico em tempo hábil (no máximo em uma semana) com profissional habituado com crianças, pode-se optar por confirmar a suspeita diagnóstica nos casos que apresentem quadro clínico de queixa abdominal associado a um ou mais dos seguintes sintomas, antes de encaminhá-lo para o serviço de onco-hematologia: 56 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE • Dor abdominal crônica recorrente. • Massa abdominal suspeita, dificuldade de exame da criança. • Sinais e sintomas constitucionais: palidez, dor generalizada, perda de peso, febre, linfadenomegalia, hematomas etc. • Hematúria. • Hipertensão arterial. • Virilização. • Síndrome de Cushing: fácies em lua cheia, obesidade, hipertensão arterial, acne, estrias e fraqueza. • Alteração do hábito intestinal (constipação, incontinência fecal) e urinário (retenção, incontinência) em crianças que já tenham adquirido o controle dos esfíncteres previamente. • Aumento do volume testicular. Fluxograma 3 – Sinais de alerta para as massas abdominais É desejável que o serviço de referência seja o mesmo que vai iniciar o tratamento, a fim de que não ocorra atraso entre o diagnóstico e o início do tratamento adequado. Do mesmo modo que para os outros grupos, a realização de exames complementares, de qualidade e em tempo hábil, não deve atrasar o encaminhamento para a confirmação diagnóstica. 59 CAPÍTULO 4 - SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA A cefaleia é uma queixa muito recorrente comum em pediatria e, embora seja o principal sintoma apresentado pelas neoplasias malignas do sistema nervoso central, tumores cerebrais são causa pouco frequente de cefaleia. Quando secundária a um tumor, a cefaleia apresenta uma evolução crônica e progressiva, além da associação com outras queixas como: dificuldades visuais (visão dupla, diplopia), vômitos, distúrbios do comportamento, alterações de personalidade, dificuldades escolares, entre outros. Atenção especial deve ser dada ao exame neurológico das crianças suspeitas, já que em mais de 90% dos casos é encontrada alguma anormalidade no momento do diagnóstico (POLLOCK, 2006; HONIG, 1982): estrabismo (mau alinhamento dos olhos), nistagmo (movimento involuntário dos olhos), papiledema (edema do disco óptico observado pelo exame de fundo de olho), abaulamento da fontanela, aumento do perímetro cefálico, inclinação da cabeça, “torcicolo” (tentativa de acomodação da visão), rigidez de nuca, perda de força muscular (hemiparesias/ plegias), atrasos e perda de ganhos do desenvolvimento, alterações da marcha, alterações do equilíbrio, distúrbios da fala e paralisias de nervos cranianos (facial, oculomotor, hipoglosso etc). Os tumores localizados no hipotálamo podem apresentar-se com alterações hormonais que provocam mudanças do peso (ganho/perda), hipotireoidismo, puberdade precoce ou atraso do desenvolvimento sexual e diabetes insipidus (polidpsia – excesso de sede, poliúria – diurese aumentada). As crianças que iniciam a sintomatologia com vômitos frequentemente são conduzidas como tendo problemas gastrointestinais. Outras vezes, a cefaleia pode, de maneira simplista, ser atribuída a vícios de refração (miopia, hipermetropia). Fatos como esses contribuem para o atraso do diagnóstico, que pode durar em nosso meio até mais que seis meses entre o início da sintomatologia e o diagnóstico do tumor. A investigação inicial de um paciente com suspeita clínica de tumor intracraniano se dá por meio de exames de neuroimagem (tomografia computadorizada de crânio e/ou ressonância nuclear magnética, quando indicada e disponível). Esses exames são essenciais na identificação da lesão e no planejamento neurocirúrgico. Crianças e adolescentes que apresentem uma ou mais das seguintes situações, associadas à alteração do exame neurológico, devem ser submetidas rapidamente a um exame de neuroimagem para confirmar ou excluir a hipótese de malignidade (Fluxograma 4): • Cefaleia persistente com exame neurológico alterado. Caso o profissional não consiga realizar um exame neurológico adequado, o paciente deve ser encaminhado para avaliação neurológica por um especialista. • Cefaleia associada a vômitos matinais ou que acordam a criança. 60 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE • Mudança no padrão da cefaleia, com aumento da intensidade e da frequência. • Vômitos persistentes com aumento da frequência. • Papiledema. • Hipertensão arterial. • Crises convulsivas. • Paralisias de nervos cranianos. • Alterações visuais: diplopia, alterações de campo visuais, estrabismo adquirido, anisocoria, nistagmo. • Anormalidades da marcha, quedas frequentes. • Parada ou regressão de etapas do desenvolvimento neuropsicomotor. • Dificuldades escolares de aparecimento repentino e sem causa definida. • Alterações do comportamento e do humor sem causa definida. • Abaulamento da fontanela. • Aumento desproporcional do perímetro cefálico. • Olhar em sol poente. • Sonolência. • Diagnóstico de neurofibromatose. A identificação de lesão tumoral implica o encaminhamento do paciente em caráter de urgência para um serviço de oncologia pediátrica com serviço de neurocirurgia. A presença de sinais inequívocos de hipertensão intracraniana e rebaixamento do nível de consciência (escala de coma de Glasgow) implica o encaminhamento imediato do paciente, pois se trata de uma situação de emergência médica. Como em outros casos, a realização de exames complementares, de qualidade e em tempo hábil, não deve atrasar o encaminhamento para a confirmação diagnóstica. Da mesma forma, é desejável que o serviço de referência seja o mesmo que vai iniciar o tratamento a fim de que não ocorra atraso entre o diagnóstico e o início do tratamento adequado. As punções lombares para coleta do líquor são totalmente desencorajadas na suspeita de lesão com efeito de massa intracraniana. Esses procedimentos podem provocar ou aumentar uma herniação e causar a morte do paciente. 61 CAPÍTULO 4 - SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Fluxograma 4 – Sinais de alerta para tumores do SNC e retinoblastoma TUMORES OCULARES O retinoblastoma é o tumor intraocular maligno mais comum em crianças. Origina-se nas células embrionárias neurais da retina. Cerca de 80% dos casos são diagnosticados antes que o paciente tenha 3 ou 4 anos de idade. O sinal mais comum de sua apresentação clínica é a leucocoria (“reflexo de olho de gato”, reflexo pupilar branco-amarelado). A leucocoria, geralmente, é identificada pela família do paciente, podendo ser observada em fotos tiradas usando-se o flash. Esse sinal é seguido em frequência pelo estrabismo e por outros menos comuns relacionados à irritação ocular como a hiperemia ocular (“olho vermelho”), e por aqueles que evidenciam a progressão da doença com proptose e adenomegalia pré-auricular. Nos casos de doença avançada, podem ocorrer sintomas de comprometimento do sistema nervoso central (cefaleia e vômitos) e de infiltração da medula óssea (dor óssea). No diagnóstico diferencial do retinoblastoma, deve-se considerar a retinopatia da prematuridade, doença de Coats, toxocaríase, toxoplasmose e hiperplasia primária do vítreo. O risco de doença extraocular parece estar intimamente ligado ao encaminhamento tardio e, consequentemente, ao aumento da idade ao diagnóstico (ANTONELI, 2004; AGUIRRE NETO, 2007). 64 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE realização de cirurgia conservadora e implicando, na maioria das vezes, amputação do membro acometido. TUMORES DE PARTES MOLES Um sarcoma de partes moles deve ser suspeito na presença de massa, nódulo ou lesão de partes moles, de surgimento inesperado e inexplicável, em qualquer localização, com as seguintes características: • Adesão aos planos profundos: musculatura e fáscia. • Ausência de dor. • Aumento progressivo. • Diâmetro maior com mais de 2 cm. • Presença de adenomegalia regional. • Aumento do volume escrotal/testicular. Sarcomas podem acometer também cavidades provocando sinais e sintomas como (MCDOWELL, 2003): • Proptose (cavidade orbitária). • Obstrução nasal, com eliminação de secreção sanguinolenta (nasofaringe, rinofaringe). • Obstrução do conduto auditivo médio com eliminação de pólipos ou secreção sanguinolenta (ouvido médio). • Retenção urinária (bexiga, próstata). • Hematúria (bexiga). • Secreção vaginal com sangramento. Essas lesões podem ser investigadas, inicialmente, com exame de imagem como o ultrassom (Fluxograma 5) que, confirmando a suspeita, deve indicar o encaminhamento precoce para um centro especializado com oncologista e cirurgião pediátrico. Atenção: a realização do exame complementar não deve atrasar o encaminhamento. Da mesma forma, que para as outras neoplasias, um caso mal conduzido no diagnóstico pode prejudicar o prognóstico do paciente. É o caso, por exemplo, dos tumores testiculares, que devem ser submetidos a orquiectomia por via inguinal. A biópsia transescrotal determina um maior risco de disseminação da doença. 65 CAPÍTULO 4 - SINAIS E SINTOMAS DO CÂNCER NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA É desejável que o serviço de referência seja o mesmo que vai iniciar o tratamento a fim de que não ocorra atraso entre o diagnóstico e o início do tratamento adequado. POPULAÇÃO DE RISCO Para o diagnóstico precoce do câncer, o pediatra e/ou médico da ESF devem estar também atentos às crianças portadoras de malformações e síndromes clínicas que estão associadas a um maior de risco de desenvolvimento de neoplasias. Algumas associações são observadas com mais frequência, tais como a ocorrência maior de leucemia em pacientes com síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21) e a ocorrência de tumores de sistema nervoso central e sarcomas em pacientes com neurofibromatose (doença de von Recklinghausen). Malformações do trato genitourinário, aniridia, hemi-hipertrofia, síndrome de Beckwith–Wiedemann (viscermegalias, defeitos do fechamento da parede abdominal, hipoglicemia neonatal) são exemplos de alterações associadas ao diagnóstico dos tumores de Wilms (nefroblastoma). A associação entre as diversas síndromes genéticas e malformações e o desenvolvimento de determinado tipo de câncer na infância e adolescência e as estratégias para seu rastreamento específico estão detalhadas no Quadro 8. Quadro 8 – Síndromes genéticas e malformações associadas ao câncer na criança e no adolescente (CLERICUZIO, 1999; RAO, 2008) Síndrome Câncer associado Estratégias para rastreamento Ataxia telangiectasia Linfoma, leucemia linfoblástica, mama Atenção aos sinais e sintomas de alerta. Mamografia em mulheres com menos de 50 anos de idade Beckwith-Wiedmann Tumor de Wilms, hepatoblastoma, neuroblastoma, carcinoma de adrenal Ultrassom abdominal, alfafetoproteína sérica Bloom Leucemia, linfoma, tumor de Wilms, estômago, cólon, mama, hepatocarcinoma, sarcoma, tumores do SNC Atenção aos sinais e sintomas de alerta. Considerar a realização de ultrassom abdominal Denys-Drash Tumor de Wilms Ultrassom renal Down Leucemia Hemograma completo no período neonatal. Atenção aos sinais e sintomas de alerta 66 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Síndrome Câncer associado Estratégias para rastreamento Anemia de Fanconi Leucemia, síndrome mielodisplásica, hepatocarcinoma, tumores sólidos (cabeça e pescoço, ginecológico) Ao diagnóstico: mielograma, biópsia de crista ilíaca. Considerar a realização de hemograma a cada 6 meses. Atenção aos sinais e sintomas de alerta Frasier Gonadoblastoma, tumor de Wilms Considerar rastreamento para tumor de Wilms Gardner Hepatoblastoma, cólon e outros tumores do trato gastrointestinal Alfafetoproteína sérica e ultrassom abdominal a cada 3 meses, até os 3 anos de idade. Colonoscopia a partir dos 10 anos de idade Anomalias do trato genital masculino Tumor de Wilms Considerar rastreamento para tumor de Wilms Hemi-hipertrofia Tumor de Wilms, hepatoblastoma, neuroblastoma, carcinoma de adrenal Semelhante à síndrome de Beckwith-Wiedmann Klinefelter Tumores de células germinativas, mama Atenção aos sinais e sintomas de alerta Neoplasia endócrina múltipla tipo 2 Carcinoma medular de tireoide, feocromocitoma Ultrassom de tireoide Neurofibromatose tipo 1 Tumor da bainha do nervo periférico, leucemia, sarcomas, tumores do SNC Atenção aos sinais e sintomas de alerta Carcinoma nevoide basocelular Meduloblastoma, carcinoma basocelular Atenção aos sinais e sintomas de alerta. Exame dermatológico Peutz-Jeghers Tumores do trato gastrointestinal e do sistema reprodutivo Ultrassom pélvico, exame do testículo, colonoscopia e endoscopia digestiva alta Rothmund Thomson Osteossarcoma, tumores cutâneos Atenção aos sinais e sintomas de alerta Rubstein Taybi Meduloblastoma Atenção aos sinais e sintomas de alerta Simpson Golabi Behmel Tumor de Wilms e hepatoblastoma Semelhante a síndrome de Beckwith-Wiedmann WAGR Tumor de Wilms Ultrassom renal Quadro 8 - cont. Quadro 8 - cont. 69 CAPÍTULO 5 - CUIDADOS NECESSÁRIOS COM A CRIANÇA E O ADOLESCENTE COM CÂNCER Aliado ao diagnóstico precoce, o tratamento em centros especializados também tem contribuído significativamente para o aumento das possibilidades de cura do câncer em crianças e adolescentes. No entanto, é preciso atentar para o fato de que terapêuticas como quimioterapia, radioterapia, cirurgia, transplante de medula óssea, entre outras, aumentam a necessidade de cuidados específicos relativos aos efeitos colaterais que provocam. De fato, o tratamento do câncer produz vários efeitos colaterais agudos, que exigem intervenção rápida por parte da equipe de saúde para seu controle adequado. A identificação, a prevenção e o tratamento desses efeitos por profissionais capacitados possibilitam um cuidado seguro e humanizado para a criança e sua família, favorecendo a melhoria da qualidade de vida de todos. O tratamento oncológico de uma criança ou adolescente implica mudanças de hábitos de vida da família e aquisição de novos conceitos. Portanto, é importante que haja interação entre a equipe de saúde da rede básica de saúde e a responsável pelo tratamento do paciente para se obter um alinhamento de informações e de orientações bem definidas e individualizadas sobre cada paciente. Os profissionais devem revisar constantemente as orientações fornecidas e certificar-se de que todos os indivíduos envolvidos no cuidado da criança as compreenderam. A equipe da ESF deve buscar conhecimentos teóricos e práticos sobre os tratamentos realizados, bem como a interação com as famílias para assegurar uma assistência de qualidade ao paciente com câncer. Uma ação importante, nesse contexto, é identificar a instituição onde a criança ou adolescente realiza o tratamento oncológico, tendo como ponto de partida os seguintes dados: nome, endereço e telefones de contato da instituição; número do registro do prontuário do paciente; nome dos profissionais que estão envolvidos no cuidado desse indivíduo; e as principais orientações dadas nos casos de emergência e/ou intercorrência no domicílio. Essas informações são fornecidas às famílias e pacientes pelos centros de tratamento e devem ser confirmadas nos seus cartões e/ou documentos de identificação. Também é importante a identificação dos resultados da patologia e da modalidade terapêutica em uso. Esses dados vão direcionar as ações da equipe da ESF e agilizar o atendimento, caso seja necessário o contato com a instituição responsável pelo tratamento. PRINCIPAIS EFEITOS COLATERAIS Conhecer e intervir adequadamente junto aos pacientes submetidos a tratamentos oncológicos engloba, entre outros aspectos, a prevenção de complicações e a minimização dos efeitos colaterais inevitáveis. Para que a equipe tenha segurança para desempenhar essas atividades, deve conhecer as principais características dos efeitos colaterais mais frequentes e também as medidas necessárias para diminuir essa toxicidade. O melhor manejo dos eventos adversos vem desmitificando o estigma de que o tratamento oncológico, de tão agressivo, é quase que intolerável. 70 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Para entender a etiologia dessas reações, é importante lembrar que o tratamento citotóxico tem sua ação direcionada para as células que estão em rápida divisão celular, como ocorre nas neoplasias. No entanto, esse tratamento, na maioria das vezes, não é específico para as células tumorais e células de tecidos normais (hematopoético e gastrointestinais, por exemplo) que se encontram em divisão, sofrem também o efeito da quimioterapia, e geram, dessa forma, os efeitos colaterais. Os efeitos colaterais denominados de agudos são aqueles que ocorrem poucas horas ou dias após o início do tratamento (anemia, náuseas, vômitos, insuficiência renal, alopecia, febre etc.), diferente dos tardios, que surgem meses ou anos após o término do tratamento, decorrentes do efeito cumulativo das doses e drogas utilizadas (infertilidade, cardiomiopatias, fibrose pulmonar etc.). A seguir, orienta-se sobre os cuidados que a equipe deve tomar em relação aos principais efeitos colaterais agudos observados durante o tratamento oncológico infantil. TOxICIDADE hEMATOLóGICA Os quimioterápicos antineoplásicos podem ser capazes de afetar a função da medula óssea (não confunda com medula espinhal) e levar o indivíduo a uma mielodepressão (mielossupressão), ou seja, diminuição da produção e consequente contagem de células do sangue como leucócitos (responsáveis pela defesa), plaquetas (responsáveis pela coagulação) e hemácias (responsáveis pelo transporte de oxigênio). Em consequência, poderá ocorrer: • Anemia: é a redução da concentração de hemoglobina e da massa de glóbulos vermelhos, situação em que o paciente relata fadiga aos menores esforços, nota-se palidez, dispneia e taquicardia. Nos casos em que o paciente encontra-se sintomático e com taxa de hemoglobina entre 8,0 e 10,0 g/dL, deve ser encaminhado para ser hemotransfundido (receber concentrado de hemácias). Como os pacientes oncológicos são politransfundidos, é recomendado que recebam hemoderivados deleucotizados e irradiados, com a finalidade de se evitarem reações transfusionais (aloimunizações, reação do enxerto versus hospedeiro) e infecções por citomegalovírus. • Trombocitopenia: ocorre redução anormal no número de plaquetas, podendo levar o paciente a um quadro de sangramento e/ou hemorragia. O paciente pode apresentar sangramentos espontâneos em mucosas (gengivorragia, epistaxe) e na pele, observados pela presença de hematomas, equimoses e petéquias. Existe um grande risco de sangramento quando o nível de plaquetas atinge valores inferiores a 20.000/mm3. Na presença de sangramentos e níveis baixos de plaquetas, os pacientes devem ser encaminhados para transfusão, seguindo os mesmos cuidados referidos para o concentrado de hemácias. 71 CAPÍTULO 5 - CUIDADOS NECESSÁRIOS COM A CRIANÇA E O ADOLESCENTE COM CÂNCER • Leucopenia: ocorre diminuição do número de linfócitos, granulócitos e especialmente neutrófilos, levando a uma supressão da imunidade celular, com aumento significativo da suscetibilidade aos quadros infecciosos graves. A linfopenia, principalmente nos casos das leucemias e linfomas, gera um risco grande de pneumonia pelo Pneumocystis jiroveci (antigamente denominado carinii). Para esses pacientes em risco, é recomendada a profilaxia com sulfametoxazol/trimetoprim, dapasona ou atovaquona. O profissional da atenção básica deve sempre verificar se o paciente está fazendo uso correto dessas medicações e observar a presença de reações às medicações usadas. A neutropenia, que aumenta o risco infeccioso, é definida como a contagem de neutrófilos (segmentados) entre 500/mm3 e 1.000/mm3, com tendência à queda (pacientes que se encontram no período imediato após a administração da quimioterapia e para o qual se espera uma queda maior da contagem de células). TOxICIDADES GASTROINTESTINAIS O tratamento oncológico pode provocar vários efeitos debilitantes relacionados ao trato gastrointestinal. Entre esses destacam-se as náuseas, vômitos, diarreia, constipação e anorexia, que serão mais detalhados no capítulo de cuidados paliativos, na parte direcionada para controle de sintomas. Uma toxicidade muito debilitante é a mucosite oral, definida como inflamação da mucosa oral induzida pela quimioterapia e radioterapia. Representa uma entidade distinta das lesões orais, chamadas genericamente de estomatite (PETERSON et al., 1999). Inicia-se com ressecamento da boca e evolui para eritema, dificuldade de deglutição, ulceração, podendo envolver todo o trato gastrointestinal, até a mucosa anal. A descamação das mucosas costuma ser muito dolorida e, especialmente na boca e esôfago, favorecem as infecções oportunistas. A higiene oral é um cuidado importante para a prevenção e redução do desenvolvimento da mucosite grave. Um fator que propicia o desenvolvimento e aumenta a gravidade das mucosites é o estado de saúde bucal dos pacientes. Infelizmente, no nosso meio, a maioria das crianças inicia o tratamento oncológico com um estado precário de conservação dentária, muitas vezes prejudicando sua sequência adequada e tornando necessária uma abordagem odontológica mais invasiva. A integração do acompanhamento e intervenções odontológicas concomitante com a quimioterapia e radioterapia é possível e recomendada porque pode trazer muitos benefícios para as crianças e adolescentes, não apenas na melhora da saúde bucal, mas, também, na sua qualidade de vida (LOBÃO, 2008). 74 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Como esses pacientes também podem estar plaquetopênicos, as medicações intramusculares, como analgésicos, anti-inflamatórios, antieméticos e antibióticos (por exemplo: penicilina benzatina), estão contraindicadas. O paciente em tratamento oncológico, quimio ou radioterápico, que evolua com infecção pelo vírus da varicella-zoster (catapora ou cobreiro) deve ser encaminhado para tratamento endovenoso com aciclovir o mais rapidamente possível. A conduta nesses casos difere da de uma criança saudável, imunocompetente. O risco de complicações graves é muito grande no paciente imunocomprometido. Prevenção das Infecções Cuidados com higiene e alimentação Infecção é uma enfermidade que envolve micro-organismos (bactérias, fungos, vírus e protozoários). Inicialmente, o agente infeccioso (micro-organismo) penetra no corpo do hospedeiro (ser humano) e se prolifera (multiplica), com consequente apresentação de sinais e sintomas. Esses sinais e sintomas podem ser, entre outros: febre, dor no local afetado, alteração em exames laboratoriais, debilidade etc. As infecções podem acometer diversas localizações topográficas (partes do corpo) de um indivíduo, ou disseminar-se pela corrente sanguínea. Alguns tratamentos, como quimioterapia e radioterapia, reduzem a imunidade, ou seja, a defesa do corpo, facilitando a ocorrência de quadros infecciosos. Assim, é preciso tomar uma série de cuidados para prevenir ou diminuir a propagação das doenças infecciosas. Abaixo seguem alguns cuidados importantes: • Higienizar as mãos constantemente: o costume de lavar as mãos com água e sabão é a ação mais eficaz de todos os procedimentos para prevenir a infecção. Isso é especialmente importante depois de usar o banheiro, trocar fraldas ou ter contato com sujidades. As crianças pequenas devem ser supervisionadas quando usarem vasos sanitários ou lavabos. • Manter bem higienizadas as partes íntimas. Evitar escoriações nessa região, ocasionadas pelo uso de métodos inadequados de higiene. Atenção especial deve ser tomada com as crianças que ainda usam fraldas, pois o acúmulo de urina e de fezes por tempo prolongado, além de irritar a pele, pode favorecer o surgimento de um foco infeccioso. • Orientar para que as crianças e adolescentes adquiram o hábito de não levar as mãos à boca, ao nariz ou aos olhos demasiadamente – essa atitude ajuda na prevenção de infecções respiratórias e oculares. 75 CAPÍTULO 5 - CUIDADOS NECESSÁRIOS COM A CRIANÇA E O ADOLESCENTE COM CÂNCER • Orientar a família a deixar crianças e adolescentes distantes de pessoas fumantes: a inalação passiva da fumaça de cigarro aumenta a frequência e a seriedade dos resfriados, tosse, infecções de ouvido, infecções dos seios nasais e asma. • Informar às crianças e adolescentes e aos seus familiares que é necessário higienizar as mãos após acariciar animais domésticos (especialmente os cachorros) porque eles podem transmitir diarreia, lombrigas e outras doenças. • Orientar os familiares a limpar e desinfetar os ambientes onde se realizam as trocas de fraldas e onde ficam as roupas, os brinquedos, os talheres e os pratos, visando reduzir a ocorrência de doenças infecciosas em casa. Para a prevenção de infecções, não se pode esquecer os cuidados relacionados à alimentação das crianças e adolescentes em tratamento com câncer. A alimentação é importante em todas as fases do ciclo vital, quando estamos saudáveis ou doentes. As terapêuticas utilizadas no tratamento do câncer infantil, como cirurgia, quimioterapia, radioterapia e outras, podem deixar o indivíduo com a imunidade baixa, fadigado, cansado, além de causar dificuldades para se alimentar. Uma alimentação apropriada pode auxiliar na redução desses efeitos, contribuindo para o bem-estar dos pacientes. Assim, o profissional de saúde deve orientar o paciente e seus familiares a: • Higienizar as mãos antes de comer ou cozinhar. • Cozinhar os alimentos, principalmente carnes, que não devem permanecer cruas ou malpassadas, mas sim serem totalmente cozidas. Os ovos, especificamente, devem ser ingeridos sempre cozidos, ou seja, com a clara e a gema completamente duras. • Lavar cuidadosamente as mãos e qualquer objeto que tenha estado em contato com a carne crua (colheres, facas, tábuas etc.) antes de usá-los em outros alimentos — as aves mal cozidas são uma causa comum de diarreia. • Utilizar tábuas de plástico: os germes não são eliminados completamente das tábuas de madeira. • Lavar as frutas e verduras em água corrente antes de descascá-las ou cortá-las. Deixar as frutas e verduras que serão consumidas cruas em uma solução de hipoclorito de sódio (encontrada em farmácias) de 2% a 2,5%, contendo uma colher de sopa rasa do hipoclorito para cada litro de água potável. Depois de lavadas uma a uma, as verduras e legumes devem ficar de molho por 30 minutos na solução de hipoclorito e, em seguida, enxaguados em água filtrada ou fervida. Nunca usar cloro puro. • Antes de a criança e/ou adolescente entrar em contato com embalagens de alimentos, higienizá-los adequadamente ou lavar as embalagens antes de abri-los. 76 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE • Atentar para o odor, o sabor e a textura dos alimentos, verificando se não estão com características diferentes das tradicionais. Caso positivo, não consumi-los. • Estimular a ingestão de água filtrada ou fervida. • Orientar que se evite a realização de refeições em lanchonetes ou restaurantes, pois a procedência dos alimentos não é conhecida, bem como não há garantias quanto à segurança na higiene desses alimentos e sua conservação. • Evitar alimentos duros e com casca, que possam machucar a boca. Vacinação A imunização ativa ou passiva de crianças e adolescentes protege contra várias doenças e é fundamental para um desenvolvimento saudável. A prevenção de doenças desempenha, de fato, um papel importante na obtenção de uma saúde perfeita. As vacinas são substâncias capazes de estimular o sistema imunológico, a fim de tornar o organismo imune ou mais resistente a alguns agentes patológicos. Seu efeito se faz pela presença de proteínas, toxinas, partes de bactérias ou vírus, ou mesmo vírus e bactérias inteiros, atenuados (sem poder de causar doença) ou mortos, que, ao serem introduzidos no organismo, estimulam a síntese de anticorpos. Além das substâncias imunogênicas, as vacinas podem conter outras, como líquido de suspensão, conservantes, estabilizantes e adjuvantes, com funções de evitar a contaminação, proteger os imunobiológicos de condições adversas (frio, calor, alterações do pH) ou aumentar o estímulo à produção de anticorpos. Relembrar o que é a vacina é importante para que o profissional entenda os motivos de sua contraindicação em casos de pacientes com câncer. Quando a criança recebe uma vacina, seu organismo começa a desenvolver células B ou T de memória e a produzir imunoglobulinas G ou A (IgG ou IgA) que poderão, mais tarde, agir rapidamente contra micro-organismos, defendendo-a de bactérias e vírus com os quais entrou em contato. Nem todas as vacinas podem ser dadas a crianças e adolescentes que estão em tratamento do câncer. Algumas só podem ser administradas depois de orientação médica. Outras são totalmente proibidas, já que a criança e o adolescente com câncer têm suas defesas diminuídas (leucopenia) por causa do tratamento oncológico. Os riscos advindos das vacinas são extremamente graves. Algumas vacinas são feitas a partir de bactérias ou vírus vivos que, mesmo “enfraquecidos”, são uma ameaça para quem está em tratamento. A equipe da ESF deve acompanhar rigorosamente o calendário de vacinação da criança e do adolescente para orientar a família e, também, programar as vacinas que devem ser tomadas ou 79 CAPÍTULO 5 - CUIDADOS NECESSÁRIOS COM A CRIANÇA E O ADOLESCENTE COM CÂNCER e a realização da coleta de exames laboratoriais. Porém, o seu custo elevado ainda é um fator limitante para muitos pacientes e/ou instituições. A sua manipulação exige técnica asséptica e profissionais capacitados especificamente para esse fim. Recomenda-se que, ao identificar um paciente portador desse tipo de cateter, o enfermeiro entre em contato com a instituição responsável pelo tratamento para obter mais informações. Não manipule o cateter sem estar preparado, capacitado, sem material adequado e, principalmente, sem a anuência do serviço de origem do paciente. CUIDAR COM QUALIDADE Até pouco tempo atrás, o diagnóstico de câncer podia ser considerado uma sentença de morte. Muitos avanços permitiram desmitificar essa realidade. Inicialmente, com a descoberta das modalidades de tratamento (quimio e radioterápico, por exemplo), buscava-se a cura a qualquer preço, independentemente das toxicidades agudas e tardias. Os cuidados de suporte (antibioticoterapia, hemoterapia, medicina intensiva) foram aprendidos e aprimorados, passando a buscar a cura, mas com qualidade e com o mínimo de sequelas. E, a partir de então, uma nova abordagem surge: o cuidar além do curar. Apesar de as taxas de cura encontrarem-se, nos melhores centros, acima dos 70%, cerca de 30% dessas crianças e adolescentes não conseguem alcançar esse objetivo final. Ao diagnóstico, a maioria das crianças possui uma chance de cura, mas é impossível prever se ela está dentro dos 70% ou dos 30%. Por isso, todas as crianças merecem a mesma presteza de cuidado, independentemente da sua doença ou de suas chances de cura. O fato de um indivíduo possuir diagnóstico de uma neoplasia maligna não o torna uma pessoa anormal, ou seja, a criança não deixa de ser criança, e suas necessidades (médicas, biológicas, psíquicas, social e espiritual) devem sempre ser valorizadas. O seu cuidado não pode se restringir apenas ao ambiente de tratamento oncológico intra-hospitalar e ambulatorial, mas deve-se estender para seu domicílio, casas de apoio, unidade básica de saúde, escola ou qualquer lugar que faça parte da sua rotina. Para seu cuidado global são necessários vários profissionais, de várias especialidades, mas que exerçam, acima de tudo, o conceito da transdisciplinaridade, que significa o saber que integra todas as formas do conhecimento para o bem do paciente. 81 CAPÍTULO 6 - CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA O verbo paliar, do latim palliare, pallium, significa, em seu modo mais abrangente, proteger, cobrir (COSTA FILHO, 2008). Cuidado paliativo é um esforço de aprimorar a qualidade de vida dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados a doenças ameaçadoras de vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, incluindo identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual (OMS, 2002). Nos últimos anos tem havido maior conscientização da necessidade de integrar cuidados paliativos ao tratamento de doenças crônicas e, em especial, o câncer na criança e no adolescente. A ênfase deve ser no tratamento não só para prolongar a vida, mas para maximizar a qualidade de vida, evitando intervenções desnecessárias (WOLFE, 2006). Dessa forma, o cuidado paliativo deve fazer parte do paradigma da atenção, evitando transição abrupta e oferecendo um cuidado integrado, baseado no conforto. Isso requer esforço unificado da equipe interdisciplinar, com uma parceria estreita entre centros oncológicos pediátricos terciários e centros de atenção primária e secundária, para otimização de toda a rede. Muitos desafios ainda precisam ser vencidos para implementar atenção global às crianças. Não há cuidado paliativo eficiente sem uma forte aliança entre paciente, família e equipe de saúde. A equipe interdisciplinar adequada para o tratamento do câncer em crianças e adolescentes é formada por médico, psicólogo, enfermeiro, nutricionista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e assistente social, todos trabalhando em sua área específica, com uma comunicação constante sobre o caso (WOLFE, 2008). Uma equipe interdisciplinar não só tem a capacidade de dar o melhor tratamento, como passa maior segurança aos pacientes e familiares, dando- lhes todas as informações necessárias. A troca de conhecimento existente a partir da criação da equipe interdisciplinar tem permitido a formação de novos saberes. Um exemplo disso é a criação da “clínica de dor”, que reúne profissionais de várias especialidades trabalhando juntos para prevenir e combater a dor dos pacientes. 84 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE • Estabelecer um protocolo de comunicação. • Comunicar imediatamente após o diagnóstico. • Realizar o processo em lugar privativo e confortável. • Envolver os pais e outros membros da família. • Conversar em separado com a criança. • Respeitar as diferenças culturais. • Fornecer informações sobre o diagnóstico e o tratamento. • Orientar quanto aos cuidados gerais. • Estimular o diálogo aberto e contínuo. Não se deve esquecer que o foco é a criança ou o adolescente e que eles devem sempre ser incluídos nos processos de comunicação e tomada de decisão, respeitando-se o grau de desenvolvimento cognitivo. Um dos pontos importantes de um processo de comunicação efetivo é a melhor adesão do paciente ao tratamento. Um dos fatores que contribuem para uma adesão inadequada ao tratamento está relacionado à falta de compreensão, que é consequência de uma comunicação com falta de informações e/ou informações dúbias. Uma boa comunicação facilita todo o processo de cuidado, principalmente aquele relacionado ao processo de fim de vida. Mais importante do que falar é o como falar. A comunicação não verbal (gestos, postura, voz) influencia ativamente nesse processo. Mais difícil ainda é a comunicação sobre a morte com a criança. O conceito de morte varia de acordo com o grau de desenvolvimento cognitivo para cada faixa etária. Mesmo crianças menores podem demonstrar o conhecimento da sua situação tanto diretamente, através de palavras, quanto indiretamente, através de desenhos e gestos. Elas adquirem esse conhecimento através de informações diretas ou pelo próprio reconhecimento de experiências prévias. Nessas situações, mesmo os pais que percebem que a criança tem esse conhecimento optam por não falar no assunto por medo de infligir mais sofrimento. Da mesma forma, algumas crianças fingem não saber da verdade perto dos pais. Esse é um momento muito delicado, permeado por muitos medos e inseguranças, e em que a equipe possui papel fundamental. O estímulo para que os pais conversem com seus filhos que demonstram o conhecimento sobre a morte parece ser positivo, evitando arrependimentos e dificuldade na elaboração do luto (KREICBERGS, 2004). A SIOP recomenda uma comunicação honesta e aberta com a criança doente sobre o seu prognóstico, evitando assim frustrações ao receber informações incongruentes. 85 CAPÍTULO 6 - CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA CONTROLE DE SINTOMAS A criança com câncer está sujeita a apresentar vários sintomas desde o diagnóstico. Muitos desses são causa de grande sofrimento e interferem na qualidade de vida do paciente durante o processo de adoecimento e morte. Deve-se estar atento para o seu pronto reconhecimento e manejo (WOLFE, 2006). A intensidade de cada um desses sintomas varia de acordo com a doença de base e com a terapia que foi feita (LEANDER et al, 2007). A variedade dos sintomas reforça a necessidade do tratamento com uma equipe multidisciplinar. É necessária uma avaliação cuidadosa dos sintomas. Como cada paciente é único, deve- se estabelecer um plano de cuidado individualizado, o que significa traçar um modelo de cuidado paliativo para cada criança, tentando atender às necessidades do paciente e da família. FADIGA Fadiga, cansaço ou desânimo são sintomas muito comumente apresentados pelas crianças e adolescentes. Sua causa é multifatorial, desde a própria doença, por exemplo, até anemia nas leucemias, alterações do humor como reação às condições atuais do paciente, e efeitos colaterais das medicações que estão sendo usadas. O seu tratamento deve ser focado nas condições associadas, que são passíveis de serem modificadas. O tratamento medicamentoso com metilfenidato ou dextroanfetamina pode ser útil. Mas medidas não farmacológicas, como exercício físico, podem ser tão úteis quanto os medicamentos. ANORExIA E CAqUExIA A perda de peso e de apetite causa grande preocupação para a família e para a criança. O tratamento efetivo da doença de base é a principal maneira de reverter o processo de consumpção pela neoplasia. No entanto, para as crianças em fase terminal, as tentativas de demonstrar que o suporte agressivo nutricional enteral e/ou parenteral aliviariam a má nutrição e a caquexia não conseguiram provar nenhum benefício para a qualidade de vida e sobrevida do paciente. Algumas medicações são usadas na tentativa de aliviar essas queixas, como o acetato de megestrol e os corticosteroides. Além disso, medidas não medicamentosas, como oferecer pequenas quantidades de alimentos com maior frequência, podem ser tão benéficas quanto o uso de medicamentos. É importante esclarecer à família da criança em fase terminal que as necessidades de alimentação nesse momento são reduzidas, para que a ansiedade em alimentar o paciente não 86 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE prejudique sua qualidade de vida, como por exemplo, a colocação de uma sonda nasoentérica em uma criança que expressamente rejeita o procedimento. A baixa ingestão de alimentos e de líquidos não necessariamente significa que o paciente está passando fome ou sede. O paciente terminal se mantém hidratado com necessidade de ingestão de líquidos muito menor do que uma criança saudável. NÁUSEAS E vôMITOS As náuseas e os vômitos podem ser causados pela neoplasia em si (tumores abdominais, obstrução intestinal, tumores do sistema nervoso central com hipertensão intracraniana), pelo seu tratamento (quimioterapia, radioterapia), ou mesmo pelo uso de outras medicações sintomáticas (opioides). Quando não são tratados corretamente, esses sintomas interferem negativamente no estado nutricional, contribuindo para distúrbios hidroeletrolíticos, alteração do estado mental e má adesão ao tratamento. O tratamento de escolha é a prevenção. É necessário fazer uso de medicações antieméticas em situações com potencial de desencadear tais sintomas. Existem, atualmente, várias medicações para o tratamento específico das náuseas e vômitos (metoclopramida, dimenidrinato, ondasentrona, guanisentrona etc). Outras medicações podem ser associadas para um melhor controle desses sintomas, como: benzodiazepínicos, classicamente eficazes no tratamento dos vômitos antecipatórios, e dexametasona, na potencialização do efeito antiemético. As reações psicológicas, bem como os múltiplos fatores fisiológicos, contribuem para o desencadeamento das náuseas e dos vômitos antecipatórios, ou seja, sensações que aparecem antes da administração da droga neoplásica. Essas manifestações estão relacionadas a causas emocionais que devem ser levadas em consideração no cuidado do paciente. Além disso, o tratamento oncológico pode provocar a alteração de paladar e acentuar a falta de apetite, que variam de criança para criança. Dessa forma, algumas orientações de suporte nutricional são sugeridas: • Oferecer alimentos da preferência da criança, respeitando sua individualidade. • Aumentar o fracionamento da dieta. • Utilizar temperos alternativos. • Oferecer líquidos com frequência. • Evitar alimentos gordurosos, com condimentos e com odor forte. • Oferecer alimentos em temperatura ambiente. • Evitar ingerir excesso de líquidos durante as refeições. • Podem ser oferecidos picolés, sorvetes e milk shakes. 89 CAPÍTULO 6 - CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA Figura 4 - Escala de dor Fonte: Adaptado de TEIXEIRA; FIGUEIRÓ, 2001. Aferição da dor Como a dor é subjetiva, ela não pode ser medida diretamente. Três tipos de medições foram desenvolvidos: - Medições por autoavaliação: o que a criança diz. - Medições comportamentais: o que a criança faz em resposta à dor. - Medições biológicas: como o corpo da criança reage à dor. Alguns padrões de medida combinam dois ou mais desses tipos de medição. Embora muitas medições da dor tenham sido desenvolvidas e validadas, tais estratégias não foram integradas à prática clínica. Parte do problema é a falta de conhecimento sobre a medição da dor pediátrica por parte dos profissionais da saúde nesse domínio. Esse aspecto está sendo superado pela inclusão da discussão sobre a dor pediátrica nos livros didáticos e nos trabalhos publicados em revistas médicas. Existem agora medições de dor adequadas para muitos tipos de crianças com dor. A medição rotineira da dor é fundamental para aprimorar a prática clínica. Todavia, a medição da dor não é amplamente empregada nos hospitais e clínicas. Esforços continuam a ser feitos no sentido de aprimorar a educação com respeito à dor pediátrica e reduzir as barreiras que impedem o emprego apropriado das ferramentas de medição. As crianças com dor merecem um tratamento ideal e a medição da dor é o primeiro passo neste processo. 90 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE CONTROLE DA DOR O uso de analgésicos é um aspecto importante do tratamento da dor, que deve ser orientado a partir de sua intensidade, seguindo a escala de dor proposta pela Organização Mundial da Saúde (Figura 5). Uma dor intensa deve ser corretamente tratada com opioides fortes. Não adianta tratá-la com analgésicos fracos, pois não será obtido alívio adequado e o sofrimento vai persistir. Figura 5 - Tratamento da dor segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) O controle da dor em crianças sofreu uma revolução nos últimos 10 ou 15 anos (FITZGERALD & ANAND, 1994). Historicamente a dor era ignorada ou insuficientemente tratada nas crianças por várias razões complexas, pois acreditava-se que elas não sentiam dor da mesma forma que os adultos e, consequentemente, não necessitavam de analgésicos (MCGRATH, 2005). Entretanto, na década passada as atitudes que promoviam o seu tratamento insuficiente e os padrões da prática modificaram-se. Agora, os problemas relacionados com a dor na criança são, pelo menos, considerados e frequentemente tratados da forma adequada. Certo número de princípios gerais emergiu, no decorrer do tempo, no controle da dor em crianças. O emprego de uma abordagem preventiva é de importância primordial. Sempre que a dor puder ser prevista, como, por exemplo, após uma cirurgia, durante um procedimento 91 CAPÍTULO 6 - CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA médico ou no decorrer de uma doença crônica, ela deverá ser tratada preventivamente. É inaceitável, tanto do ponto de vista humano como farmacológico, esperar que a pessoa sofra para tratá-la, quando a dor em questão é previsível. São necessárias doses menores de analgésicos para evitar que a dor ocorra novamente do que para eliminá-la. Por exemplo, após uma cirurgia, quando se prevê que a dor será inevitável, medicação analgésica deverá ser administrada antes do desenvolvimento da dor, em vez de esperar que ela ocorra e que a criança sofra até que o alívio adequado lhe seja oferecido. Esse princípio tornou-se a pedra angular do tratamento da dor e a maioria das revisões enfatizam sua prevenção sempre que possível. Os pais devem se envolver, tanto quanto possível, nas decisões relativas ao tratamento de sua criança, bem como no tratamento da dor. Como estão mais familiarizados com a forma como sua criança reage à dor do que qualquer profissional incumbido do tratamento, a opinião dos pais deve ser incorporada ao plano de controle da dor (ROGERS, 1992). Os pais também devem, se possível, estar presentes durante os procedimentos médicos dolorosos e prestar sua ajuda, confortando a criança nessas ocasiões difíceis, que são sempre fontes de ansiedade (BAUCHNER, 1991). As diretrizes básicas para o tratamento da dor são: - dar ênfase no relacionamento paciente-família-equipe; - fazer interação multiprofissional; - dar preferência à via oral; - administrar regularmente analgésicos regidos pela farmacocinética e pela potência clínica das drogas; - seguir a escala analgésica, para guiar o uso sequencial das drogas; - individualizar a terapêutica, sendo a dose mais adequada para o paciente aquela que promove analgesia com o mínimo possível de efeitos colaterais; - no caso de suspensão desses medicamentos, diminuir gradualmente as doses, para se evitar o escape de dor e/ou sintomas de abstinência, dependendo do tempo de uso e da medicação empregada. Os medicamentos e doses mais utilizados na criança são apresentados nos quadros 10, 11 e 12. 94 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Quadro 12 – Adjuvantes antiálgicos Os adjuvantes implementam a eficácia analgésica e/ou tratam os sintomas que eventualmente exacerbam a dor. A ação dos adjuvantes pode induzir à analgesia em até 3 semanas após o início da sua administração Definição Precauções Vantagens Efeitos Adversos DEXAMETASONA (ANTI- INFLAMATÓRIO ESTEROIDE) Indicado nas cefaleias por aumento da pressão intracraniana, compressão de raiz nervosa, metástases disseminadas, dor óssea Não utilizar por tempo prolongado Tem potencial de causar gastrite; deve ser administrada com alimentos Alívio da dor óssea; melhora no apetite Efeito mineralocorticoide AMITRIPTILINA (ANTIDEPRESSIVO) Indicada na dor neuropática (toxicidade à vincristina, radioterapia, plexopatia, invasão tumoral), dor do membro fantasma Pacientes com glaucoma, hipertensão intracraniana e hipertensão arterial Alívio da dor neuropática Sonolência, efeitos anticolinérgicos (confusão mental, aumento da pressão intraocular, taquiarritmias, xerostomia, xeroftalmia etc) GABAPENTINA (ANTICONVULSIVANTE) Reduz a dor pela supressão de circuitos hiperativos da medula e do córtex cerebral. Indicado para dor neuropática Não deve ser utilizado em crianças menores de 6 anos Em relação à carbamazepina, não possui efeito adverso de mielotoxicidade Sonolência e tremores finos de extremidades quando em doses elevadas 95 CAPÍTULO 6 - CUIDADOS PALIATIVOS EM ONCOLOGIA PEDIÁTRICA Definição Precauções Vantagens Efeitos Adversos CETAMINA (SEDATIVOS E HIPNÓTICOS) Indicado o uso contínuo para controle de dor neuropática grave, com bons resultados na prática clínica Uso com cuidado em pacientes com refluxo gastroesofágico, disfunção hepática e com estômago cheio A administração intravenosa e oral da cetamina proporciona, além do alívio da dor, uma redução da necessidade de opioide no controle da dor neuropática grave Hipertensão intracraniana, hipertensão arterial, aneurisma MITOS E vERDADES RELACIONADOS AO TRATAMENTO DA DOR Durante muitos anos, o descuido com a dor baseou-se em várias percepções errôneas (ANAND, 1993), tais como: • os bebês e crianças não sentem dor, apenas expressam ansiedade em situações que podem ser dolorosas; • a dor, caso sentida, não é recordada; • a dor, por ser subjetiva, não pode ser medida de forma confiável; • a exposição a opioides predispõe as crianças a se tornarem dependentes. Um grande número de pesquisas realizadas nos últimos dez anos contradiz essas ideias. Foi demonstrado que as crianças têm a capacidade biológica de sentir dor a partir da 20ª semana de gestação. As vias inibitórias, que atenuam a dor, são desenvolvidas mais tarde (FITZGERALD, 1993). Assim, o feto, o recém-nascido e o lactente têm transmissão aumentada de sinais nociceptivos, em comparação com crianças maiores e adultos, para estímulos similares. Além disso, crianças expostas a estímulos dolorosos recorrentes em ambientes médicos desenvolvem um comportamento psicossocial deficiente, incluindo a incapacidade adquirida de reagir e de se integrar em relações familiares normais. Quadro 12 - cont. 96 DIAGNÓSTICO PRECOCE DO CÂNCER NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE A toxicomania (“addiction”) é definida como o desejo psicológico pela substância a despeito do dano que é autoinfligido. Mas esse conceito é geralmente mal compreendido pelos médicos. A definição atual surgiu recentemente, de forma separada do fenômeno fisiológico da tolerância (regulação negativa do receptor, requerendo mais medicação para obter o mesmo efeito) e da dependência (ocorrência de sintomas de abstinência na interrupção abrupta ou substituição de uma droga por outra). Não existem provas, por exemplo, para fundamentar o temor de que as crianças se viciem nos opioides através da exposição para o alívio da dor. De fato, pacientes com câncer em progressão, em uso prolongado de opioides, podem precisar de doses maiores devido à carga intensificada da doença (PORTENOY, 1994). Isso não significa que o paciente está dependente ou viciado, mas ocorre devido a um mecanismo fisiológico de tolerância dos receptores celulares de opioides. A dependência psíquica é muito rara em pediatria e geralmente acontece em adolescentes que faziam uso de drogas antes de iniciar o tratamento. Bebês com menos de três meses de idade apresentam suscetibilidade maior à depressão respiratória pelos opioides devido à maior permeabilidade da barreira hematoencefálica (GIDEON, 1993). Após tal idade, o risco de depressão respiratória é muito similar ao dos adultos. Essa depressão respiratória, geralmente, é precedida de outros sintomas como retenção urinária e sonolência. A própria dor é um estímulo nocivo que impede a ocorrência de parada respiratória. TERMINALIDADE Anos atrás, quando todas as medidas terapêuticas curativas tinham se esgotado, o paciente sem chance de cura e, principalmente, aquele em fase terminal, era submetido a um regime exclusivo de higiene e dieta, ou seja, não recebia qualquer abordagem terapêutica, nem mesmo medidas de suporte, pois já estava destinado à morte (COSTA FILHO et al, 2008). Essa é uma das fases mais desafiadoras no cuidado com a criança sem possibilidade de cura: é o período em que a morte é iminente. A comunicação, o suporte psicológico e emocional são de extrema importância. O paciente se torna muito sintomático e a equipe deve ficar atenta para dar o suporte adequado sem causar mais malefício. A ansiedade e o medo da equipe podem, muitas vezes, supermedicar o paciente que, na verdade, necessita mais de atenção que de medicação. Um ponto importante é o risco em se prolongar a vida à custa de mais sofrimento. Dessa forma, a comunicação, o vínculo e a aliança terapêutica com a família, estabelecidos desde o diagnóstico, são essenciais para um desfecho menos traumático da situação. A equipe consegue perceber o início dessa fase em um momento muito mais precoce do que a família e até mesmo do que o paciente (MACK, 2007). Portanto, possui o dever de informar à família sobre o que está acontecendo e estimular atitudes adequadas para esse período.
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